45. A RESPONSABILIDADE QUE NUNCA QUIS
A minha primeira reação é rir por acreditar ser uma piada, mas nem Cepheus e muito menos Cassiopeia me acompanham.
"Você só pode estar brincando", acuso, a fim de fugir de tamanha responsabilidade que minha irmã decidiu que, da noite para o dia, deve ser minha ou de Ceph quando foi ela quem se preparou a vida inteira para tê-la.
Ainda séria, mas com o quê de culpa ao me fitar, Cassiopeia rebate:
"Por que eu brincaria com isso? Não é de hoje que te aviso que estou cansada do jogo da realeza, Caellum".
Lembro-me da conversa que tivemos quando nos reunimos para apresentar os nomes dos gêmeos e Cassie demonstrou que talvez não quisesse ser duquesa, mas jamais quis acreditar que tal desejo não fosse apenas uma crise momentânea. Afinal, nenhum de nós três nunca desejou tanto essa posição quanto ela, que se moldou ao redor da ideia de ser a melhor dentre nós e de nos superar em dobro para compensar o fato de ser mulher, tido como uma fraqueza no mundo político de Orion.
"É por causa do sangue?" Pergunto, porque não consigo pensar em nenhum outro motivo que a levaria a mudar os rumos da própria vida de forma tão drástica.
Ela não está querendo abdicar apenas uma futura posição, mas também a posição que já possui. Cassiopeia não será mais tratada como Lady ou herdeira Maximoff, se desistir dos seus direitos. Ela estará saindo voluntariamente de nosso mundo e me pergunto para onde, o que pretende com isso.
"Também", Cassie responde. "Estaria mentido se dissesse que o fato de eu não ter sangue Maximoff não é uma das razões, porque, francamente, seria um escândalo de proporções ímpares se descobrissem isso. Mas é, principalmente, porque eu não sirvo para esse papel".
"Como isso pode ser verdade, se foi para ele que se preparou a vida toda?" Rebato.
"De fato, Caellum, mas depois de tudo eu não me sinto capaz de governar nem a mim mesma, quanto mais uma parte deste país", Cassie diz, oferecendo-me um sorriso comedido. "Sei que fui treinada para isso, mas a que custo? Eu mal consigo vencer dia após dia sem recorrer a ansiolíticos ou remédios para dormir, e sou só herdeira".
Acho que é a primeira vez que Cassie se abre conosco dessa maneira, a ponto de expor suas fraquezas, mas ainda me sinto incapaz de aceitar a sua decisão diante do que ela significa para mim.
"Como você chegou a esse ponto?" Pergunto.
Culpo-me momentaneamente por não ter percebido e cuidado dela como ela cuidou de mim, coisa que Cassiopeia deve notar, pois diz:
"Não atribua a si nada que não te diga respeito. Eu cheguei a esse ponto porque forcei os meus limites tentando ser como a Katherine: a herdeira perfeita. Mas me faltou sangue Maximoff e fui fraca".
"Cas...", quero lhe dizer algo que seja forte o suficiente para que acredite em si mesma e desista dessa ideia maluca, mas tudo o que consigo pensar é um argumento extremamente tolo que a faz rir: "a mamãe nunca vai aceitar que faça isso".
"E a Katherine está em posição de me negar algo?" Cassiopeia parece desistir da nossa conversa, pois se coloca de pé como quem quer dar um basta. "Já está decidido, Caellum. É por consideração que estou contando a vocês dois antes de todo mundo, exceto os Feng, então também pensem no meu bem e não me questionem. Estou sendo sincera quando digo que não posso assumir esse papel".
"Não é como se você fosse se tornar duquesa amanhã. A mamãe está bem e isso demoraria anos, décadas...".
"Chega, Caellum", é Cepheus quem me interrompe, pondo uma mão em meu braço em sinal de aviso. "A Cassie sempre assumiu mais responsabilidades do que nós dois e está sendo honesta conosco. Nós devemos acolhê-la e não reprimi-la, ainda mais diante das reações nada amistosas que os Maximoff terão quando souberem".
"Obrigada por me lembrar disso", Cassiopeia fala um tanto sarcástica.
Eu olho para Cepheus com minha própria cota de indignação.
"Você não está preocupado com o que isso significa?".
"Você mesmo acabou de falar que demorará um tempo até que a mamãe se aposente, se é que ela vai querer se aposentar. Até lá, nós podemos nos preparar para o cargo", meu caçula diz, com olhos castanhos-escuros que demonstram sabiedade. "Já quanto a retirada dos direitos da família, com o tempo isso não significará nada além de menos convites para representar os Maximoff em eventos".
Ainda me sinto perturbado, mas suas palavras conseguem o feito de me fazer recobrar a razão um pouco.
"Está bem", cedo, de repente me sentindo o mais novo no recinto após ter levado uma bronca. "Sinto muito, Cassiopeia. Desculpe-me por não ser compreensivo".
"Está tudo bem. No fundo eu sabia que você não receberia a ideia com confetes e flores, dìdi".
Seu uso do honorífico chinês para "irmão mais novo" me faz sorrir, levando embora boa parte do meu incômodo com as prováveis mudanças que a sua decisão vai causar.
"Sabe como me amolecer", acuso.
"Eu só não quero que me odeie por pensar em mim primeiro pela primeira vez, Cal", Cassie devolve o sorriso,
E então eu a abraço, selando a paz.
"Está bem", cedo. "Aceito que não serei seu súdito no futuro".
"Obrigada", minha irmã devolve o abraço da sua forma desajeitada, com tapinhas nas costas, desfazendo-o em um segundo. "Agora, antes de irem, experimentem o chocolate quente do hotel que é feito pela chefe suíça. Lembra o que tomamos na Alemanha, quando morávamos lá. Vocês vão adorar", Cassie muda de assunto como ninguém para evitar que o clima sentimental se instale. Nada poderia ser tão ela quanto isso.
XxX
Todavia, nem mesmo o mais doce chocolate quente me tira por completo o amargor de uma mudança de direção jamais cogitada. Apesar de entender e aceitar a decisão de Cassiopeia, é como se uma outra parte da estrutura da minha vida tivesse sido abalada, pois cresci alimentando a ideia de que jamais estaria nos holofotes depois que Cassiopeia fosse escolhida para a Ascensão e, no entanto, agora posso estar. O que isso significará para mim? Para Miranda? Para meus filhos?
Despeço-me de Cassiopeia com a promessa de revê-la em breve e levo Cepheus para a casa dos Feng, porém não entro no lugar para evitar encontrar Nana. É algo que estou fazendo desde a descoberta, porque me dói lembrar que talvez ela não refletisse em mim todo o amor que dava ao Xiaojun, se soubesse que não sou seu neto de sangue.
Sangue.
Sempre o sangue.
Nada mais importa para essas famílias, além disso. Talvez exceto se você for um Baumann; a família mais subestimada do Grande Conselho, justamente por não levar em conta o sangue.
"Será que isso os torna mais felizes?" Pego-me me perguntando.
Chego ao Maximoff Plaza, ponho o carro no estacionamento praticamente vazio e sou seguido pelo carro dos guardas, que me seguem pelo elevador, mas ficam na porta quando entro no apartamento.
Saí ao final da tarde e agora já é tarde da noite, então imagino que Mimi já tenha se recolhido para dormir. No entanto, eu a encontro deitada no sofá, assistindo à cobertura do campeonato nacional de Mundo Onírico.
"A Hermione está jogando hoje?" Pergunto, chamando-lhe a atenção.
Ao me notar, mas sem me responder, a minha noiva pausa o programa e se volta para mim com ansiedade. Ela ignora a minha pergunta ao se colocar de pé com dificuldade e me perguntar:
"Você encontrou a Cassiopeia? Ela está bem? Como foi o encontro com o professor Prescott? Vocês dois vão ser mesmo pai e filho?".
"Calma, respira", a contenho, fazendo um gesto com as mãos espalmadas para que se acalme. Miranda, ainda assim, fica com os olhos vidrados em mim. "Eu encontrei a Cassie e ela está bem, só decidiu que não quer mais morar conosco por achar que atrapalha a gente".
"Acho que ela pode ter ouvido o que a minha mãe falou quando esteve aqui há alguns dias...", Mimi diz em tom de desculpas. "Eu a repreendi, Cal, mas...".
"O que a sua mãe falou?".
"Justamente que a Cassie nos atrapalhava".
"Ah", o que posso dizer sem que isso acabe em mais uma intriga familiar que não estou disposto a ter no dia de hoje? "Certo. Não se culpe. Mesmo que a Cassie tenha ouvido, algo me diz que ela tomaria essa mesma decisão mais cedo ou mais tarde".
"Por quê? Aconteceu mais alguma coisa?" Seus olhos curiosos me sondam.
"Essa conversa vai ser longa", aviso. "Você já jantou?".
"Ainda não. Não consegui por estar ansiosa pela sua chegada, o que deixou as meninas ansiosas também. Tive que, praticamente, expulsá-las para que fossem para casa, porque queriam ficar até que você chegasse, mesmo tendo outros compromissos".
"Está todo mundo preocupado com esses dois, além de você", espalmo sua barriga, a qual alcançou o tamanho limite e se desponta para a frente, deixando um espaço considerável entre nós.
"Logo eles estarão chorando aqui fora", Miranda coloca a mão sobre a minha e me oferece um sorriso. "Mas o que falava sobre comida...?".
"Vamos pedir algo para jantar", digo. "Aí você me conta sobre o seu dia e eu te conto sobre o meu".
XxX
Fico sabendo que há uma diferença considerável entre branco gelo e branco pérola e que branco pérola combina mais com o vermelho da casa Maximoff. Enquanto isso, Miranda fica ciente de que foi tudo bem na minha conversa com Elio e que estamos dispostos a cultivar uma relação, que só o tempo dirá se chegará a ser de pai e filho. Além disso, conto para ela acerca das intenções de Cassiopeia sobre abrir mão de seus privilégios, é claro.
"Isso significa que a sua irmã não será mais da realeza e que não será considerada como possível substituta da sua mãe?" Miranda questiona, como que tentando assimilar a gravidade da situação.
"Exatamente isso", respondo. "O que também significa que as minhas chances de assumir a responsabilidade pelo governo de Morfeu aumentaram de 33,3% para 50%. Talvez mais, considerando que o meu irmão namora o sobrinho do rei e que o secretariado local é formado por um bando de homens velhos e tradicionais como o vovô Patrick. Eles já relutavam sobre a Cassie por serem misóginos e farão o mesmo com o Ceph por serem homofóbicos, se descobrirem sobre ele e o Ren".
"Isso é horrível", Miranda fala. "É por coisas assim que não consigo julgar o meu pai por ser democrata e anti-monarquia. Vocês vivem como se estivéssemos no período anterior à invasão japonesa".
"Nada abala mais o orgulho de velhos tradicionais do que a possibilidade de algo mudar. Isso lhes dá medo, então sempre evitam as possibilidades que podem trazer esse risco à tona", divago, lembrando-me de ouvir algo semelhante da minha mãe quando criança. "A questão, Miranda, é que posso ser duque. Sabe o que isso significa para mim, para você e para os bebês?".
"Mais assédio midiático e controle dos seus familiares?" Ela chuta, provavelmente torcendo por uma resposta diferente.
Mas acabo tendo que assentir por ser a dura realidade, o que a faz suspirar.
"A boa notícia é que a minha mãe é jovem e provavelmente ficará nesse posto até que os gêmeos sejam grandes o suficiente para não sofrerem tanto".
"Tentarei não ficar tão ansiosa, então", apesar do que diz, a expressão de Miranda é de pânico. Ela deve estar pensando no quanto a sua vida vai mudar, se for o caso de acabar casada com um duque. "Mas, só por curiosidade, eu ainda vou poder trabalhar com o desenvolvimento de jogos, certo? Não me diga que há alguma cláusula que me obriga a ser um chaveiro bonito e nada mais".
"Nem que eu precise ouvir poucas e boas de velhos tradicionais, garantirei que faça o que quiser".
Tal declaração a faz sorrir.
"Então não tenha medo por mim ou pelos gêmeos, Caellum. Nem por si mesmo", ela pega a minha mão por cima do tampo da mesa e a acaricia, ainda sorrindo. "Você será um excelente líder para Morfeu".
"E como você tem tanta certeza disso?" Levo sua mão até meus lábios e deposito um beijo em seu dorso, também sorrindo ao notar o reluzente anel em seu dedo anelar.
Amo minha garota do cachecol vermelho; minha noiva.
"Porque você reconhece que não está pronto para isso agora, então trabalhará para que seja o melhor possível".
"Amo você, Miranda Miller", por alguma razão, parece cabível falar o que penso agora. Afinal, não há nada mais poderoso do que notar em um momento tão casual quanto uma conversa durante o jantar que ama a pessoa que está ao seu lado.
Minha noiva ri, soltando a mão da minha.
"Também amo você, Caellum", ela diz. "Mas isso não mudará o fato de que a louça é sua".
A espertinha sai da mesa, sorrindo ao notar minha expressão indignada.
"Nós temos uma governanta agora!" Lembro-a.
"Mas isso não significa que vou casar com um preguiçoso", ela retruca, sem qualquer sinal de que me absolverá da tarefa. "Ande logo. Eu estarei esperando por você na cama".
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