41. CHIQUITITA
O quarto está no breu quando abro a porta, coloco a bandeja sobre a mesinha ao lado da cama e sigo até as cortinas, abrindo-as para que a luz solar do dia de verão entre.
"Bom dia, Cas".
Minha irmã não responde, o que eu já esperava. Quando me volto para ela, percebo que ela mal se mexe, na verdade. Está estática sobre a cama, olhando para mim como se dissesse através dos olhos para deixá-la em paz.
"Sinto muito, mas não vou obedecê-la dessa vez", corto a distância entre nós dois e me sento ao seu lado na cama. "Você não come nada há quase um dia, Cassiopeia".
Ela não parece se importar nem um pouco com isso, pois somente continua me olhando com visível incômodo. Então eu decido apenas olhá-la de volta, como quando éramos crianças e, no tédio de alguma tarde na casa dos nossos avós, resolvíamos desafiar um ao outro a ficar encarando sem piscar.
Ela sempre perdeu, e isso ainda não mudou. Como quando era criança, ao perceber que está perdendo, Cassie desvia o olhar e bufa.
"Como você consegue?" Ela pergunta, soando rouca pelo choro que derramou e pela mudez das descobertas.
"Ficar sem piscar?" Questino. "Acho que eu tinha que ser melhor do que você em alguma coisa".
Ela revira os olhos, como se eu tivesse falado alguma estupidez.
"Não isso", Cassie diz, e então volta a me mirar com resignação. "Como você consegue estar bem depois de tudo, Caellum?".
"Eu pareço bem?" Isso me pega de surpresa. "Talvez eu seja um ator consideravelmente bom, então, porque, na verdade, eu não me sinto assim nem um pouco. Afasta para lá".
Cassie abre espaço para que eu me deite com ela na cama, também em uma imitação de quando éramos crianças.
"Eu não estou bem, Cas", deixo claro logo em seguida. "Só não posso ficar mal por muito tempo quando tenho uma noiva grávida que precisa de mim e uma irmã que parece ainda mais machucada com tudo".
"Nós dois não somos irmãos".
"É assim que você se sente?".
"É claro que não", ela passa a encarar o teto e enxergo a onda de tristeza retornando para seus olhos. "Nós passamos vinte e dois anos acreditando nisso. Como eu poderia parar de te ver como meu irmão da noite para o dia?".
"Então pare de dizer que não somos irmãos".
"Mas é a verdade, não é?" Ela volta a me olhar. "Nós não temos nada que nos una, exceto pelo Cepheus".
"Errado", a encaro com firmeza. "Para você a única coisa que importa é o sangue? Porque, para mim, ele é o de menos nessa história toda".
"Mas para a nossa família, é sempre o que mais importa", ela responde. "Se soubessem que não sou filha da Katherine, os Maximoff me retirariam da linha de sucessão e os Feng passariam a gostar menos de mim, porque sou filha da namorada indesejada de Xiaojun".
"Acha que eles sabem sobre Stella?".
"De que outra forma o meu pai casaria com a Katherine se não pela desaprovação do casamento com quem realmente amava?".
"Isso tudo é loucura", afirmo. "Por um casamento de conveniência, crescemos impedidos de conhecer nossos pais biológicos. E mesmo que nunca tenha nos faltado amor e que eu tenha recebido uma irmã no processo, não consigo deixar de me perguntar como seria se os Feng e os Maximoff não estivessem tão dispostos a se unir".
"Pelo menos você ainda pode conhecer o seu pai biológico", Cassie rebate, amarga.
"Sinto muito, Cas".
Ela fica em silêncio por um momento. Depois, bufa uma risada repleta de ironia.
"Sabe o que é mais engraçado?" Minha irmã pergunta, mas sem qualquer humor. "Eu realmente odiei Stella quando descobri que ela existia. Fiquei com muita raiva do papai por fazer a nossa mãe sofrer tendo um caso extraconjugal e me condenei por tê-lo amado incondicionalmente sem nunca considerar que ele não era tão perfeito quanto fazia parecer. E então agora eu descubro que Stella é minha mãe e que Xiaojun morreu disposto a me fazer nunca descobrir isso, porque eu estava feliz sendo filha de Katherine e irmã de Caellum e Cepheus. Mas eu descobri a verdade e estraguei tudo. Achei que estivesse sendo justiceira ao procurar rastros de uma traição e um irmão bastardo que não existe, porque a bastarda, no fim das contas, sou eu".
"Você não é culpada de nada, Cassiopeia".
"Então quem é?".
"A ambição. É por causa dela, que mesmo sabendo disso tudo, nada mudará para nós. Xiaojun, Stella, Katherine e Elio sofreram buscando que não sofrêssemos, mas estamos presos em um círculo vicioso de poder. É por causa dele que, mesmo sabendo que Elio Prescott é meu pai, ele jamais poderá ser meu pai de verdade".
"Ninguém pode saber que eu não sou filha da Katherine, não é?".
"Nem que eu não sou filho do Xiaojun".
Cassiopeia não contesta as circunstâncias, porque sabe melhor do que eu o motivo delas. Mesmo não sendo Maximoff de sangue, ninguém melhor do que ela sabe jogar o jogo da família.
"Ainda assim, eu não acho que sou capaz de permanecer em Orion", ela fala. "Estou magoada com Katherine e não consigo pensar em conviver entre os Maximoff e os Feng. Sinto-me uma farsa que será descoberta a qualquer momento".
"E então o que fará?".
Sei o que Cassie responderá antes que a palavra saia da sua boca:
"Taiwan", ela diz, conforme o esperado. "Stella era de lá".
Agora tudo faz sentido sobre o seu desejo de partida para esse lugar em específico.
"E o que você pretende fazer indo até lá?".
"Procurar pelos Fei".
"Que são?".
"A família de Stella. Dumont era um sobrenome artístico, o que fez com que Klaus demorasse a encontrar respostas sobre ela, como o seu país de origem".
"Quem é Klaus?".
Cassie me conta sobre como descobriu cartas endereçadas para Stella há quase dois anos, quando estava mexendo no antigo escritório de nosso pai na casa dos Feng. Isso despertou curiosidade da sua parte e a fez planejar um intercâmbio como um pretexto de ir para a Alemanha repentinamente, sem levantar suspeitas. Nesse meio-tempo, ela passou a se corresponder sob o pseudônimo de Agnetha Astelos com um detetive alemão chamado Klaus Ludwig, que a ajudou a descobrir tudo o que sabe sobre a mãe biológica.
"Ele só não conseguiu chegar ao cerne de que o bebê de Stella era eu", ela conclui. "Mas me disse que nasci em 28 de março e que Stella morreu seis meses depois, em um acidente de carro".
"E o que você pretende, se encontrar os Fei?" Pergunto. "Considerando que ninguém pode saber da verdade".
"Há uma grande chance de que eles sequer existam", Cassie diz. "Mas preciso de um propósito, Cal. Do contrário, eu não tenho nenhum outro motivo para viver".
Suas palavras são duras, mas verdadeiras. Cassiopeia perdeu o chão tanto quanto eu e, assim como meu motivo para me manter de pé é a Miranda e os gêmeos, o seu é a busca pelos Fei.
Sem dizer nada, puxo minha irmã para meus braços e a aperto como se isso pudesse lhe manter segura.
"Lembra da última vez que você foi cuidadoso assim comigo?" Ela me pergunta.
"Sete anos atrás", respondo. "Você tinha acabado de brigar com o Theo e ficou deprimida por meses. Fui até seu quarto durante as férias de inverno, te encontrei deitada assim e fiquei com você o dia todo até me explusar".
"Você cantou Chiquitita do ABBA para mim", Cassie lembra. "Porque era a música que a mamãe cantava quando éramos crianças e nos machucávamos, antes de ela ser ocupada demais para isso".
Começo a cantarolar a letra da música, o que a faz sorrir um pouco, e sinto que ganhei o dia.
"Você desafina como ninguém".
"Ei!" Protesto. "Como uma plateia de uma pessoa só pode ser tão exigente?".
Minha irmã ri.
Depois, provando que nada será como era antes, ela chora. Muito.
"Acho que perdi duas vezes, Caellum", ela fala. "Dói saber que nunca vou conhecer Stella, mas dói ainda mais saber que a mulher em que me espelhei a vida toda não é minha mãe de verdade".
É cedo demais para reafirmar que, apesar de tudo, Katherine é sua mãe sim. Cassie está confusa demais e falar isso vai parecer ser da boca para fora. Além do mais, ninguém será mais levada a sério ao falar isso do que a própria Katherine.
"Acho que vocês duas precisam conversar".
"Não consigo olhar para ela agora sem me sentir confusa se o que sinto mais é mágoa ou raiva".
"Não agora", explico. "Em duas semanas, quando ela retornar de Coralina para o nascimento dos gêmeos".
Cassiopeia não fala nada por um momento, como se estivesse absorvendo a sugestão.
"Você já falou com ela?" Minha irmã pergunta após um momento.
Assinto.
"Não consegui esperar por muito tempo", respondo. "Eu precisava de algumas respostas que só ela iria poder me dar".
"E como foi?".
"A conversa mais fria e distante que já tive com a mamãe", admito. "Ela foi objetiva ao me falar como tudo seria daqui pra frente entre Elio e eu".
"E o Elio está de acordo com tudo isso?".
"Por eu e você, sim".
Cassie fica em silêncio outra vez, pensando sobre. Depois, ela me olha com hesitação e pergunta:
"Você pretende se encontrar com ele?".
"Em algum momento", respondo. "Acho que pedirei para o Theo falar com ele, já que eu não tenho o seu contato".
Com a menção ao príncipe herdeiro de Orion, minha irmã me olha com um ar assustado, como se só agora percebesse que, de certa forma, isso também diz respeito a ele:
"Você vai falar a verdade para o Timotheo?".
"Acho que o Theo estranhará se, de repente, eu quiser me tornar próximo de seu tio. Ele não é bobo, então...", dou de ombros. "Além do mais, esse é o único outro aspecto bom disso tudo. Nós somos parentes. Mas não se preocupe, não falarei sobre você".
"Então ele vai pensar que também somos primos, seu tonto".
"E isso seria ruim?".
Cassiopeia fica vermelha, o que demonstra que é exatamente isso o que ela pensa.
"Prefere que diga a ele toda a verdade então? Até sobre Stella?".
"Se não pode guardar segredo, então sim".
Acho que é cedo demais para perguntar porque seria tão ruim que Theo pensasse que os dois são primos, então me contenho e apenas assinto em concordância.
"Certo", murmuro.
"Acha mesmo que conseguiremos manter isso tudo em segredo para sempre?" Ela me pergunta, de repente temerosa.
"Faremos o possível", é a resposta mais realista que tenho. "Enquanto isso, coma alguma coisa. Se você pretende ir para Taiwan depois do meu casamento, tente ao menos ficar viva até lá", dou-lhe um beijo na testa ao me erguer e indicar a bandeja. "Amo você, Cassiopeia".
"Amo você, Caellum".
XxX
Miranda está cochilando quando entro em nosso quarto e ocupo o lugar vazio ao seu lado, o que a faz despertar quase de imediato.
"Ela comeu?".
"Quero acreditar que é o que está fazendo nesse exato instante", respondo.
"Você demorou".
"Eu falei que precisávamos conversar", digo. "E dar afago um ao outro".
"Como a Cassie está?".
"Ainda abalada, mas racional como sempre. Entende que, mesmo depois de tudo, nada vai mudar sobre como os outros enxergarão nossa família. Ninguém saberá que ela não é filha de Katherine e que eu não sou filho do Xiaojun, com exceção de quem esteve no almoço ontem e de Theo".
"Theo?" Isso chama sua atenção.
"Ele é Prescott", recordo-a. "Cresceu acreditando que só tinha o tio como parente de sua família materna, mas nós somos primos. É justo que fique ciente".
"E a Cassie está de acordo com isso?".
"Ela entendeu", respondo.
"E vocês acreditam mesmo que tudo isso vai ficar sob voto de silêncio de agora em diante?" É quase a mesma pergunta que Cassie me fez há pouco, e começo a ficar nervoso com as possibilidades de a estrutura da família realmente ruir sobre nós acerca de toda essa maluquice. Mas não posso deixar brechas para essa possibilidade.
"Precisamos que fique", eu respondo. "Do contrário, coisas muito ruins podem acontecer".
Mais uma semana, mais atualizações... Logo, logo vamos fechar esse arco sobre o segredo dos Maximoff e começar a reta final. Até a próxima!
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top