39. FRIEZA MAXIMOFF
Perco o chão.
Passo a ver o mundo, essa situação, como se não fosse um dos personagens diretamente envolvidos, mas apenas um telespectador. É como se, por um momento, me desassociasse de mim mesmo. Não entendo mais quem sou, se tudo não passou de uma mentira.
"Como?" A pergunta sai sufocada por entre meus lábios, advinda do nó que surgiu na minha garganta e passa a me roubar o ar conforme olho para minha mãe e também não a reconheço. "Como Elio Prescott é meu pai? O que diabos a senhora está me falando agora?" Não consigo me conter sentado e acabo de pé, olhando-a com acusação enquanto lágrimas ardem em meus olhos.
Meu mundo está simplesmente caindo aos pedaços na sala deste apartamento, enquanto uma plateia formada pelas pessoas que mais amo e um completo estranho - que minha mãe diz ser meu pai - assiste.
Katherine engole em seco. Ela parece frágil diante de mim enquanto abaixa a cabeça e chora, estando mais longe do que nunca da imagem magnânima que criou para si mesma ao ser a primeira mulher a assumir um lugar no Grande Conselho.
"Nós dois nos conhecemos por causa do trabalho de Robert Prescott com o rei e nos aproximamos na faculdade", ela tenta se explicar. "Eu já era noiva de Xiao Jun, mas não conseguia pensar nisso como algo além de um dever a ser cumprido. Quando conheci Elio, nós dois nos envolvemos ao longo de três anos... Até eu me casar com Jun".
"Grávida de outro homem?" Eu não consigo entender como ela pôde achar que essa era a melhor saída, e muito menos como Elio Prescott não fez nada a respeito. "O senhor sabia?" Acabo me voltando para ele com a mesma raiva que sinto da minha mãe. "Sabia sobre esse absurdo e agiu como se não soubesse quando nos encontrávamos ao acaso?".
Elio parece ser pego de surpresa por se tornar o centro da conversa, mas me olha com firmeza ao responder.
"É claro que não!" O irmão da falecida rainha Elisa dispara. "A Katherine só me falou a verdade ontem e, quando soube, eu quis imediatamente procurá-lo, mas não pude. Katherine me fez esperar que ela pudesse falar tudo para você. Eu... Eu nunca imaginei que pudesse ser meu filho, Caellum".
Ele parece sincero, o que só torna tudo pior. Se fosse alguém desprezível, poderia apenas ignorá-lo e deixá-lo fora da minha vida como sempre esteve, mas Elio Prescott me olha com uma expectativa que me deixa tão sem rumo quanto a história toda. Eu não sei o que fazer sobre a ideia de que temos algum vínculo sanguíneo.
"Então por que fez isso, mãe?" Volto-me para a única culpada viva dessa bagunça toda, a qual ainda se debulha em lágrimas. Mas não consigo sentir pena. "Como pôde dormir com a consciência tranquila durante vinte e dois anos sabendo que estava mentindo para todo mundo?".
"Porque foi essa mentira que os manteve vivos, Caellum", ela ergue o olhar para mim e nele há apenas dor. "Seus avós não me queriam com Elio. Eles tinham um acordo com os Feng, e eu tinha que cumprir".
"Tinha mesmo?".
"Conhece Patrick Maximoff", mamãe olha para o nada, ainda chorando. "Quando ele descobriu sobre Elio e eu, fez com que me afastasse. Colocou em risco todo o futuro de Elio como acadêmico, o que me fez sentir um problema. Terminei com Elio para que ele não se prejudicasse. Menti que estava apaixonada por Xiao Jun".
"Isso ainda não retira a culpa de seus ombros".
"Eu sei", mamãe funga. "Nunca estive com a consciência tranquila desde que descobri que estava grávida de você, Caellum. Assim que soube, quis voltar atrás e procurar Elio, mas ele havia saído de Orion e sua avó me colocou contra a parede: ou me casava com Jun o mais rápido possível e fazia Patrick acreditar que ele era seu pai, ou abortava a criança escondido".
Minha cabeça gira com mais essa dolorosa verdade, trazendo pontadas à minha cabeça.
"Então a vovó Nancy também sabe?".
"Apenas uma parte da verdade", Katherine admite sem saber que isso quebra meu coração mais uma vez. "Ela pensa que tive gêmeos e que Cassie também é filha de Elio".
"Mas eu não sou", minha irmã constata o óbvio, amarga. Ela olha para nós um tanto aérea, e abre um sorriso macabro que em nada reflete sua expressão abatida. "Não sou Maximoff".
"Você é", mamãe rebate.
Mas Cassie não parece ouvir.
"Minha mãe está morta", ela continua, como se estivesse tentando aceitar os fatos. "Meu pai também, o que significa que eu não tenho ninguém. Não sou nada".
"Cassie...".
Minha irmã fica de pé, olha diretamente para mim e sei que ela se foi e que a verdade a matou.
"Não somos gêmeos", seu queixo treme. "Não somos nem irmãos, Caellum. Não somos nada".
Quando as lágrimas de Cassiopeia caem, eu a abraço com o máximo de força que consigo para ampará-la. Ponho minha raiva e minha dor de lado, porque nada do que sinto parece tão cruel quanto o que ela deve estar sentindo. Eu ganhei um pai enquanto Cassie se percebeu órfã.
"Nós somos irmãos", afirmo. Essa é a verdade que escolho. "Você é a minha cara metade, Cassiopeia Maximoff, e nada nunca vai mudar isso".
Minha irmã não fala nada. Ela apenas chora. Derrama-se como nunca se permitiu e molha meu ombro com sua dor enquanto minhas próprias lágrimas queimam em meus olhos.
"Sei que não há desculpa no mundo que os faça pensar em me perdoar agora", ouço mamãe dizer. No momento, ela está sendo amparada por Cepheus, que embora tenha um olhar perturbado, de longe é o menos atingido pela sujeira. "Mas os amo. Amo os dois e, mesmo que não entendam o que fiz, faria de novo para mantê-los seguros. Seria egoísta e jamais diria uma palavra sobre o que aconteceu, porque vocês estariam bem".
Ela tem razão: é impossível para mim tentar entender isso agora, assim como para Cassiopeia.
Só quero que tudo isso desapareça como uma nuvem de fumaça. Quero acordar e perceber que não passou de um sonho ruim.
"Vamos", digo para Cassie. "Você sempre cuidou de mim, então vou cuidar de você agora".
Ninguém fala nada quando saio amparando minha irmã em direção ao corredor onde ficam os quartos. Ouve-se apenas o choro de Katherine, e a morte de Cassiopeia em meus braços.
xXx
O tempo fica suspenso.
Assim que entramos em um dos quartos de hóspedes, busco consolar Cassiopeia, que chora até apagar de cansaço emocional e, quando ela apaga, é minha vez de lidar com o carrossel de pensamentos e emoções rodando pela minha mente.
O meu pai não é o homem que eu sempre achei que fosse. Esse é o pensamento que mais se destaca na minha cabeça, de duas formas dolorosas: a descoberta de que Xiao Jun nunca foi perfeito e de que, ao contrário do que sempre achei, nós não somos sangue do mesmo sangue. Algo que os Maximoff e os Feng sempre destacaram acerca de si.
Mas até que ponto isso o torna menos meu pai? Pelos doze anos em que convivemos, foi ele quem me amparou, aconselhou, ensinou a andar de bicicleta e a nadar. Foi para seu colo que corri quando me machuquei, foi sobre as suas cinzas que chorei como um bebê quando soube que jamais nos veríamos novamente. Na minha cabeça e no meu coração, ele sempre será meu pai. Porém, há Elio. Que culpa ele tem nisso tudo?
Nenhuma.
Foi tão vítima quanto eu e parece tão abalado quanto pela vida roubada. Porque foi isso o que aconteceu: nós dois fomos roubados. Roubados de convivermos e de nos amarmos. Nos tornamos meros estranhos, no máximo conhecidos. Cresci vendo-o como a figura inteligente do tio de meu melhor amigo, que viveu dolorosas perdas e nunca conseguiu formar uma família como gostaria. E, o tempo todo, ele era meu pai.
Pai.
Um soluço me escapa, tamanha a minha dor. Tudo ainda parece extremamente absurdo, mas aos poucos a verdade se instala na minha mente e aperta o nó em minha garganta, porque não sei como lidar com isso tudo. Nunca fui uma pessoa temerosa sobre o futuro, sempre o abracei com otimismo mesmo quando tudo parecia extremamente difícil. Mas agora só sinto medo. Quero voltar a ser criança, me encolher e chorar como nunca chorei.
Como minha mãe pôde ser tão fria?
Mesmo entendendo sua posição e a dos Maximoff, acho que nunca compreendi de verdade do que essa suposta família é capaz. Como uma mãe pôde olhar para a filha e lhe dar apenas duas opções, a de enganar a todos ou se desfazer de um filho contra a vontade? Ao mesmo tempo em que penso que é um absurdo, meu consciente responde com um: da mesma forma que seu avô foi capaz de fingir que nunca teve uma filha fora do casamento e você se tornou um cúmplice disso.
Os Maximoff sempre foram frios. Eu só nunca me importei de verdade até essa frieza me atingir. Mas de que outro modo posso pensar de uma família onde todos casam por negócios e reprimem aqueles que o fazem por amor? Onde tudo não passa de aparências e aquilo que destoa da proposta é cortado fora sem deixar vestígios?
Ou eu crescia em um conto de fadas de família perfeita ou não crescia.
Até que ponto posso culpar Katherine quando ela só teve duas opções, e ambas difíceis?
Não sei.
Mas também sei que não consigo perdoá-la agora. Que não estou pronto para ouvir seu lado mais uma vez.
E, na verdade, não me sinto pronto para nada.
xXx
Já é noite quando saio do quarto e deixo Cassiopeia ainda adormecida.
Minha cabeça explode de dor de cabeça e implora por um analgésico, mas eu não procuro por um imediatamente. No momento em que saio do meu refúgio, sou como um fantasma vagando pelo corredor escuro até ouvir a voz de Miranda vinda do quarto dos gêmeos. Ela soa como se estivesse chorando e, dentro dessa minha versão destruída, ainda encontro uma parte viva o suficiente para se preocupar.
Empurro a porta entreaberta e a escuto falar com a barriga como se estivesse explicando a situação e se desculpando com os gêmeos:
"E então está tudo uma bagunça e isso só porque fui curiosa, ouvi o que não era para ouvir e coloquei a duquesa contra a parede", sentada na poltrona ao lado dos berços, ela choraminga enquanto alisa a barriga. "Agora o pai de vocês vai me odiar e vocês vão crescer com pais separados, Tico e Teco. Tudo por minha culpa".
"Do que é que você está falando?" Não me contenho em silêncio, acabando por assustá-la.
Miranda dá um pulinho ao ser pega de surpresa e me olha com olhos assustados e cheios de culpa, os quais voltam a se encher de lágrimas.
"Eu não fiz por mal, Caellum. Não sabia sobre a parte do Elio ser seu pai, só ouvi a duquesa discutindo com Cassiopeia sobre a infidelidade do Xiao Jun e achei que estivesse fazendo algo certo quando a procurei para dizer que você merecia saber a verdade. Não achei que tudo fosse ser ainda pior do que imaginava e sinto muito, porque agora está tudo bagunçado e acho que destruí toda a sua família", ela vai logo se atropelando sem me explicar nada direito enquanto se debulha em lágrimas até se tornar difícil respirar.
Saio do portal e me aproximo de onde ela está, ajoelhando-me na sua frente como fiz quase dois meses antes, quando seu pai a machucou.
"Ei, calma. Nada de fortes emoções para não haver surpresas", tento secar suas lágrimas e me pergunto se ela está assim desde a conversa, porque, se for o caso, é milagroso que os bebês estejam quietinhos. Toda forte alteração emocional nesse período é algo a se preocupar, segundo a doutora Laurent. "Você é a última pessoa que deve se culpar por algo, Miranda".
"Mas foi por minha causa que esse almoço frustrado aconteceu", ela insiste, ainda chorando. "Ouvi Katherine e Cassiopeia conversando quando fui ao banheiro durante o nosso jantar de noivado e descobri sobre Stella e o bebê. Esse era o segredo que vinha perturbando a Cassie e que passou a me perturbar também, porque achei que você deveria saber".
"Ah", isso explica muita coisa acerca do seu comportamento nas últimas semanas, desde esse jantar.
"Então procurei a Katherine ontem e contei o que sabia. Nós duas brigamos, fui para a casa dos Kannenberg e depois a duquesa me ligou pedindo para marcar o almoço. Pensei que você se machucaria com tudo, é claro, mas nunca achei que a história fosse ser ainda pior e agora estou arrependida pelo que fiz. Sinto muito, Cal. De verdade".
"Está tudo bem", é mentira, mas uma mentira necessária. "Ainda assim, você não é culpada de nada, Mimi. Meu mundo está em frangalhos depois de saber tudo, é verdade, mas se não fosse por ter colocado a minha mãe contra a parede, talvez eu jamais soubesse de nada".
"E estaria bem!" Ela alega. "Assim como a Cassie. Vocês nunca se machucariam tanto. Eu deveria ter ouvido a Katherine quando ela me falou que a verdade era pior do que eu pensava".
"Mas então eu nunca saberia que tenho um pai vivo", rebato, afagando sua mão sobre a barriga. "Estou magoado, Miranda, não posso negar. Mas pela mentira, pelo que vivi e o que não vivi. Pela verdade de descobrir que a minha família é muito pior do que eu pensava, o que me deixa preocupado sobre trazer Caeli e June para esse mundo. Como posso ficar tranquilo? Meus avós foram cruéis, minha mãe foi cruel... Os Maximoff são frios, calculistas e sujos".
"Você não é", ela rebate. "Nem seus irmãos. E a sua mãe...".
"Ela foi posta contra a parede, mas tinha outras escolhas. Podia abandonar a família e ficar com Elio, a quem diz ter amado tanto".
"E acha que seus avós ficariam tranquilos com isso?".
A resposta é um óbvio não. Nancy e Patrick são controladores e manipuladores. Se Nancy não conseguisse convencer minha mãe a enganar Xiao Jun, a convenceria a me abortar. Não existiria outra opção. Com a tia Irene se tornando rainha, minha mãe teria que assumir o ducado ou o perderíamos para parentes distantes o suficiente para não serem considerados da árvore genealógica. Seria uma situação pela qual o meu avô não estaria disposto a passar.
"Eles jamais assistiriam o poder escorrer por suas mãos sem fazer nada a respeito", admito.
E perceber isso faz meu coração vacilar, porque me pergunto o quanto minha mãe sofreu ao escolher abandonar Elio para privá-lo desse mundo e para casar com Xiao Jun e cumprir o seu dever como filha obediente e como mãe que faria de tudo para me proteger, inclusive mentir.
"Não estou pronto para admitir que posso compreendê-la", novas lágrimas surgem em meus olhos, e Miranda faz com que encoste a cabeça em seu colo enquanto afaga meus cabelos.
"Está tudo bem", ela diz. "Ou vai ficar em algum momento. Acha que Elio vai querer transformar isso em algo maior, trazer à tona na mídia e causar o caos?".
"Acho que ele é discreto demais para isso", respondo. "Mas me pergunto como serão as coisas daqui pra frente. A minha mãe não pode simplesmente vir à público e falar que Cassiopeia não é sua filha e que meu pai não é Xiao Jun, mas o irmão da antiga rainha. Isso causaria um verdadeiro caos que ninguém está disposto a enfrentar".
"E então como tudo fica?" Mimi me pergunta. "Você vai querer conviver com o Elio? Porque eu não acho que ele tenha culpa e...".
"Ele parece tão abalado quanto eu", reconheço. "Mas não sei se seremos como pai e filho. A gente perdeu muito tempo e as circunstâncias... Em minha cabeça, Xiao Jun é meu pai".
"E está tudo bem se for assim", ela continua com o carinho. "Xiao Jun foi o pai que conheceu durante metade da sua vida, e aposto que Elio compreenderá como se sente. Mas, se não for ainda mais intrometido da minha parte, acho que você deveria dar uma chance de se permitir conhecê-lo. Contei que ele me ajudou quando passei mal certa vez na faculdade, não contei?".
"Não que eu me lembre", essa informação me faz olhá-la com suspeita, mas Mimi a trata como se não fosse nada demais ao sacudir uma mão.
"O ponto é que ele me ajudou e conversamos por um momento. Elio nunca foi pai, Cal, mas o modo como agiu me fez concluir que era algo com que sonhava e então... Agora ele é pai".
"Tarde demais para ver o filho crescer", rebato.
"Mas cedo o suficiente para ver esse filho se tornar um homem e ser o avô de Caeli e June".
Ela tem um ponto, mas a verdade é que pensar em falar com Elio agora só deixará tudo ainda mais real e não sei se estou pronto para isso. Preciso ter uma conversa a mais com minha mãe antes, algo que também não estou pronto para ter.
Acho que Miranda entende tudo isso só de me ver.
"Está tudo bem", ela diz. "Cedo demais para isso, eu sei".
"Deixe para amanhã".
Jogo para o futuro os próximos desdobramentos desse drama. Por agora, só quero ficar quietinho, recebendo o carinho da mulher que amo e amparado por minhas únicas certezas nessa vida, as quais cabem em uma poltrona.
Mimi assente, oferecendo-me um sorrisinho que ainda reflete a culpa que sente e a tristeza de toda essa situação.
"Deixemos para amanhã, então".
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