37. REFÚGIO
Apesar da reação da duquesa estar dentro do esperado, fico sem rumo ao sair do restaurante. Não consigo pensar em voltar para casa, onde Caellum está com seus amigos, quando estou tão cheia de incertezas sobre o que acontecerá agora. Por isso, apesar da ideia de ir para a casa dos meus pais também passar pela minha mente, pego um táxi rumo à casa dos Kannenberg para buscar algum refúgio no ombro amigo de Aeryn.
Mas quando chego à tão familiar mansão em que vivi durante um tempo, sou informada da ausência da minha amiga e acabo encontrando apenas o senhor Kannenberg tomando um chá gelado em uma das várias salas da construção gigantesca.
"Boa tarde, senhor Kannenberg", cumprimento, chamando a sua atenção.
O senhor, que estava distraído com um livro, ergue o olhar ao me ouvir e abre um sorriso.
"Ah, mas que surpresa! Boa tarde, Miranda", Maxwell rapidamente deixa o livro de lado para me dar toda a atenção possível. "Veio à procura de Aeryn, eu suponho".
Assinto, porque é algo um tanto óbvio.
"Sim, mas já fui informada de que ela não está. Será que posso esperá-la fazendo companhia ao senhor?".
A simples ideia de voltar ao apartamento ainda me deixa ansiosa, por isso me agarro a qualquer desculpa para adiar o inadiável.
"É claro, se você não se importar com a companhia enfadonha de um senhor de oitenta e cinco anos...".
O sorriso entrega que ele está apenas brincando. Porém, ainda faço questão de dizer:
"É uma ótima companhia, senhor Maxwell", embora não tenhamos passado muito tempo apenas na companhia um do outro durante o meu período na mansão Kannenberg, todos os momentos que passamos juntos foram suficientes para que eu concluísse isso e outras coisas mais a seu respeito. "E um ser humano iluminado", acrescento ao me sentar na poltrona próxima da sua. "Nem todo mundo teria me aceitado sob o seu teto estando grávida e desamparada. Mesmo que tenha feito a pedido de Aeryn, serei sempre grata por isso".
"Não fiz apenas por Aeryn", o senhor rebate. "E não sou tão iluminado assim. Você deve saber sobre o que fiz no passado; o quanto fui injusto com a mãe da minha neta ao saber de seu casamento e de sua gravidez, bem como as consequências que vivemos por meu ato egoísta".
Não consigo mentir a respeito, então assinto. Sei que, assim como os meus pais, o avô de Aeryn não reagiu nada bem à ideia da filha estar grávida e casada com um homem estrangeiro e de cultura diferente da nossa.
"Aeryn me contou".
"Em razão de tudo isso, vi na ideia de acolhê-la uma chance para fazer o certo", o senhor admite. "A sua situação me lembrou da minha Janine. Embora também possa admitir que fiz porque gosto da senhorita como uma neta postiça de tanto que a vejo com Aeryn".
Tal informação me pega de surpresa.
"Sério?".
Maxwell assente com um sorrisinho pendendo nos lábios.
"E, se não for muito descabido da minha parte, gostaria de pedir que me deixasse ser como um bisavô para seus menininhos que virão", seu pedido me traz um sorriso aos lábios, mas também lágrimas aos olhos. É totalmente inesperado. "Como sabe, Miranda, minha neta não pensa em se casar e ser mãe tão cedo e meu neto foge disso como o diabo foge da cruz. Mas não sou mais tão jovem. Não posso esperar tanto e me agradaria muito poder ter alguns bebezinhos para mimar um pouco".
"Tenho certeza de que não haveria bisavô melhor para Caeli e June, senhor Kannenberg", não escondo a minha emoção. Ainda mais ao pensar que os bisavós de sangue não parecem minimamente carinhosos como ele. "Ainda vai viver muito. O suficiente para conhecer os filhos de Aeryn e Aiden. Mas se é da sua vontade demonstrar tamanho carinho para com os meus filhos também, não me oponho de jeito nenhum".
Maxwell sorri como se estivesse satisfeito e, em seguida, segura a minha mão junto a sua, enrugada pela idade.
"Muito obrigado, Miranda", ele diz. "Poucas são as coisas que me trazem satisfação nesta vida depois de perder minha filha e minha esposa, mas ter bisnetinhos por essa casa grande e solitária demais me fará feliz".
"A mim também, senhor Kannenberg. Obrigada por tudo".
Mesmo sem pretensão alguma, essa conversa aplaca um pouco da minha ansiedade quanto a questão dos Maximoff, mas tudo volta a surgir quando Aeryn aparece de repente e me lembra o que realmente me trouxe até aqui:
"Suzanna me avisou que você estava aqui", minha amiga diz, provavelmente se referindo à moça que abriu a porta para mim. "Não estou interrompendo nada, estou? Aconteceu alguma coisa?" Ela olha do avô para mim em busca de sinais que denunciem algo de errado.
"Você precisa parar de ser uma pessoa tão preocupada, minha neta. Miranda e eu estávamos apenas conversando sobre os bebezinhos dela que logo virão".
Isso parece aliviar um pouco Aeryn, mas não totalmente. Ela me conhece e sabe que não vim até aqui apenas para isso, porque, se fosse o caso, eu teria avisado com antecedência e não apenas aparecido.
Até o senhor Kannenberg percebe isso, pois pigarra e diz:
"Bem, já percebi que precisam conversar sobre algo que não cabe a este velho", ele se coloca de pé com a ajuda de sua bengala. "Deixarei que fiquem sozinhas, senhoritas".
"Obrigada".
"Tchau, senhor Kannenberg", murmuro ao mesmo tempo em que Aeryn diz:
"Tchau, vovô".
E, assim que o dono da casa se vai, Aeryn ocupa o seu lugar de maneira afobada e me olha com a intensidade de quem adoraria conseguir ler os meus pensamentos.
"Aconteceu alguma coisa", não parece que ela está me perguntando, mas afirmo com um aceno.
"Aconteceu".
"O quê?".
Não faço ideia de como contar para Aeryn o que descobri. Não parece existir uma maneira de falar a respeito que seja fácil, então apenas busco colocar os acontecimentos em uma ordem cronológica que facilite entender.
Falo sobre o modo estranho como Cassiopeia está agindo, as suspeitas de Caellum, minha intromissão ao ouvir a discussão no banheiro e a intromissão ainda maior ao confrontar Katherine. Quando termino, minha melhor amiga estampa uma expressão embasbacada que faz totalmente jus à história toda.
"Você está me dizendo que a duquesa foi traída e que os Feng têm um quarto herdeiro, o qual não fazem a menor ideia que existe?" Ela me pergunta, como se quisesse aceitar a ideia ao se ouvir.
Tenho plena noção do quanto tudo isso soa como um roteiro de novela protagonizado pela Felicity Jones, então apenas assinto.
"E o Caellum não faz ideia disso?" Aeryn continua, ainda tentando desenhar na sua mente toda a situação.
"Nem o Cepheus", acrescento. "Só a Cassie sabe, porque descobriu enquanto estava na Alemanha. Mas seus irmãos estão desconfiados de que algo está errado por causa das constantes discussões entre as duas, o que a duquesa não parece levar a sério".
"Uma notícia assim abalaria de forma significativa a reputação da duquesa, mas, principalmente, tudo o que o seu noivo e o irmão dele acreditam sobre a própria família. Se fosse apenas uma traição, daria para compreender o silêncio de Katherine, mas se realmente tem um herdeiro bastardo em jogo...".
"Ela deu a entender que há muito mais nessa história, na verdade", admito. "Disse que o seu silêncio é a melhor forma de proteger não apenas o Caellum e o Cepheus, mas a Cassiopeia também. Só que eu não entendo. Como esconder tudo isso pode ser melhor? Da mídia eu até entendo, mas dos filhos? Se o Caellum descobrir sozinho... Se ele descobrir que eu já sabia e não falei nada...", apenas essas possibilidades voltam a me deixar extremamente tensa, a ponto de mal conseguir respirar.
Notando isso, Aeryn segura a minha mão.
"Calma, Mimi", ela diz, olhando-me com seriedade. "Isso não é sobre você, e o Caellum terá que entender no hipotético futuro em que descobre tudo por si só. Se nem a Cassiopeia, que está diretamente envolvida, se sente no papel de falar para ele e para o Cepheus, só nos resta esperar que a duquesa perceba que os filhos não são bobos".
"E isso vai acontecer?".
"Não está ao nosso alcance saber, mas você, tanto quanto eu, sabe que Katherine Maximoff é inteligente. Ela tomará a melhor decisão".
Dada a forma como a duquesa me expulsou no restaurante, eu não tenho tanta certeza. O assunto parece levar embora toda e qualquer sensatez da sua parte, e me pergunto o que seria ainda pior para seus filhos descobrirem do que uma traição que resultou em um bastardo.
Mas não falo nada. No fim, a conclusão de Aeryn sobre tudo parece ser a mesma que já tive sozinha: somente Katherine pode decidir que fim terá essa história. Até lá, sofro em silêncio. Mas admito que contar tudo para alguém me ajuda um pouco, no final das contas. É como se um pedaço do peso que tinha sobre os ombros partisse, porque minha amiga concorda que o meu silêncio é a melhor decisão nesse caso.
"Desculpe por fazer com que se tornasse cúmplice disso", sinto-me obrigada a dizer. "Sei que não vai ser fácil encarar os Maximoff de agora em diante".
"Não vai", Aeryn concorda. "Mas sei que, para você ter chegado ao ponto de me contar, essa história toda já deveria ter se tornado uma angústia".
É em momentos assim que percebo o quanto a compreensão e amizade de Aeryn sempre vão ser para mim um refúgio que nenhum outro lugar ou pessoa jamais será.
"Obrigada, meu bem", não me contenho em apenas segurar a sua mão e a abraço, o que Aeryn devolve com a mesma força. "Amo você".
"Também amo você, Miranda", por um momento, permito-me sorrir ao pensar que a Mimi do outono de 2022, a que ajudou Aeryn após ela se machucar no trem, jamais imaginaria que acabaria tão amiga dela. "Espero que tudo se resolva em breve".
"Eu também", respondo, e porque estou cansada de tanta melancolia causada por tal assunto, acrescento: "Você pode me dar uma carona para casa no Pintinho Amarelinho agora?".
XxX
Aeryn me faz almoçar com ela antes de me levar para casa, o que não me oponho. A conversa difícil com a duquesa e os desdobramentos disso me fizeram esquecer por um momento, mas a menção à refeição perdida despertou a minha fome descomunal dos últimos meses.
Todavia, como tudo na vida que não pode ser evitado para sempre, logo após o almoço minha amiga e eu pegamos a estrada até meu apartamento.
"Tem certeza de que você quer ir para lá agora? Ainda parece abalada com tudo", minha amiga comenta quando estamos passando pela avenida do Píer do Imperador.
"Estou preocupada sobre como a Katherine vai agir comigo daqui pra frente", admito. "Mas sei que não posso evitar minha própria casa por muito mais tempo, tampouco o meu noivo. Mesmo que o Caellum não fale, eu sei que ele está preocupado com a forma como ando agindo ultimamente".
Aeryn também tem noção disso, então não insiste.
"Já pensou na possibilidade de falar para a Cassiopeia que você sabe de tudo?".
"Não com a possibilidade de ela surtar com isso", Aeryn não sabe dos detalhes acerca de quando a minha cunhada acabou no hospital. Se soubesse, jamais sugeriria isso. Mas acredito que ela entende a possibilidade de isso acontecer, pois também não insiste na ideia.
"Certo", minha melhor amiga fala. "Então realmente só nos resta esperar por algum sinal da duquesa".
Quase como se ela tivesse invocado isso, o meu celular toca dentro da bolsa que estive carregando ao longo do dia e meu coração falha uma batida ao perceber que se trata de Katherine.
"Pelos Ancestrais, é ela?" Minha cara deve entregar tudo, pois Aeryn acaba perguntando isso com certa descrença.
Eu assinto.
"Você deve ser algum tipo de bruxa...".
"Atende logo!".
Apesar do meu receio, sigo o comando da minha amiga.
"A-alteza?" Não consigo disfarçar o tremor em minha voz, afinal, nós não terminamos nossa última conversa em boa situação.
"Olá, Miranda", apesar de tudo, ela não soa possessa ou mesmo rancorosa. Só cansada.
Não sei o que dizer quando ela fica em silêncio. Olho para Aeryn como se ela pudesse fazer algo por mim, mas minha amiga apenas dá de ombros e se concentra em dirigir. Felizmente, a própria Katherine deve saber da minha situação complicada, pois continua:
"Peço desculpas pelo modo como agi com você mais cedo. Tive os meus motivos, mas sei que fui cruel em descontar minhas angústias em você".
"Está tudo bem", o que mais posso dizer, além disso?
"Não, não está", a duquesa rebate, e não me oponho ao que é dolorosamente verdadeiro. "Mas vai ficar". Isso não significa o que eu acho que significa, significa? "Marque um almoço com Caellum, Cepheus e Cassiopeia", ela continua, tirando a minha dúvida. "Eu irei contar toda a verdade".
O significado das suas palavras leva embora tudo o que pesava sobre os meus ombros, e não consigo conter um suspiro de alívio.
"Está bem", respondo, o que chama a atenção de Aeryn por um momento, e sei que ela deve estar se perguntando sobre o rumo da nossa conversa. "Sua alteza tem preferência por algum dia?".
"O mais rápido possível".
Em silêncio, pergunto-me o que a fez mudar tão abruptamente de ideia, pois algo me diz que não foi apenas o meu pedido.
"Amanhã está bom?".
"Tudo bem", não faço a menor ideia de como organizar um almoço tão rápido, mas também não me atenho muito a isso.
"Até amanhã, então".
"Até".
A duquesa encerra a chamada e percebo que Aeryn está aguardando a liberação para entrar no estacionamento do prédio. Ela me olha com curiosidade, mas me atenho apenas a dizer:
"Ela vai falar tudo para eles amanhã".
Depois que os rapazes vão embora, eu fico responsável por limpar a bagunça, já que Miranda e eu ainda não tivemos tempo para pensar na contratação de alguém para cuidar da casa.
Estou retirando as taças da secadora de louça e guardando quando ouço passos e Mimi surge, parecendo cansada, mas ainda a mulher mais linda de Orion.
"Você demorou", já passa das quatro da tarde, o que me faz perguntar como foi o almoço com a minha mãe para render tanto.
"Eu passei na casa dos Kannenberg antes de vir", isso explica muita coisa. "Os rapazes já foram?".
Assinto.
"Só sobraram os vestígios", ergo a taça em minha mão e indico as garrafas vazias sobre o balcão.
Miranda se aproxima e me envolve em um abraço repentino e atrapalhado pela extensão de sua barriga.
"Você se divertiu?" Ela me pergunta.
"Apesar do mau humor típico do Theo, é impossível não se divertir com Tobias e Aiden", Miranda não discorda. "E você? Gostou de almoçar com a minha mãe?".
Ela fica em silêncio por um momento, e temo que algo tenha dado errado, mas então Miranda se afasta e assente:
"Foi um bom almoço", minha noiva diz, embora seu sorriso cansado não faça jus a isso. "Por isso, vamos repetir amanhã com você e seus irmãos".
"O quê?".
"Vou dar um almoço com a sua família antes da sua mãe voltar para o condado Morfeu. Tudo bem para você?".
Outra ação inesperada, e me pergunto o que a fez decidir isso tão em cima da hora.
"Tudo bem".
Apesar das dúvidas, não me oponho. Sei que Miranda se dá bem com a minha mãe e pode ser só uma forma de proporcionar um momento agradável em família. Porém, por dentro, o modo como minha noiva falou me faz pensar que há um motivo por trás do almoço e me pergunto se vou gostar de saber o que é.
XxX
De: Katherine Belmont
Para: Stephen P.
Assunto: Passado
Não sei se ainda verifica esse e-mail, mas foi a única forma que consegui pensar de entrar em contato sem chamar a atenção. De qualquer maneira, se verificar e ler essa mensagem a tempo, encontre-me no mausoléu real ao final da tarde. Sei que ficará confuso pelo contato após tanto tempo, mas as coisas saíram do controle e preciso te falar o que não pude há mais de vinte anos. A explicação que sempre me pediu e que fui covarde demais para te dar... Até agora.
Muuuuuito ansiosa para finalmente poder compartilhar o segredo dos Maximoff no próximo capítulo!
De resto, só queria avisar que passaremos a ter três atualizações por semana para que o livro esteja completo até dezembro.
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