35. PROCURA-SE BASTARDO, VIVO OU MORTO
Levo meu pai até a área externa da casa de chá, onde ninguém poderá nos ouvir. É uma medida cautelosa que tomo diante da perspectiva da conversa seguir rumos difíceis, como todas as últimas conversas que tive com Mark. Simplesmente não preciso que os Maximoff-Feng saibam que minha família já possui problemas demais sem que eles precisem causar qualquer clima ruim.
Porém, apesar do meu receio, admito que meu pai parece estar com uma postura diferente das últimas vezes. Ele não estampa sua típica carranca ou um sorriso de escárnio ao me olhar. Pelo contrário.
"Irei direto ao ponto", ele diz assim que fico satisfeita com a distância que estamos da casa de chá e paro de me afastar pelo jardim. Como sua abrupta mudança ainda não me foi inteiramente processada, acabo ficando tensa ao assentir para que ele continue. Antes de falar, porém, papai respira fundo. "É fato que você me decepcionou muito, Miranda. Isso não é um segredo".
"Nem novidade", não consigo me manter calada por muito tempo, o que talvez seja um sinal de nervosismo.
De qualquer modo, Mark me ignora.
"Sempre pensei em mim mesmo como um pai exemplar e compreensivo. Embora não gostasse de algumas das suas escolhas, como a que fez quanto a sua carreira, nunca me opus e deixei que vivesse como queria", apesar da sua óbvia oposição silenciosa me fazer sentir como se pisasse sobre ovos ao tomar qualquer decisão fora do leque de opções dado por ele, preciso reconhecer isso. "Mas a ideia de vê-la grávida e sem qualquer compromisso foi decepcionante, Miranda. Não a criei para isso. Fiquei me perguntando onde errei, como você pôde estragar a sua vida dessa forma...".
"Vamos mesmo ter mais uma conversa sobre isso, pai?" Volto a interrompê-lo. "Porque, se for, é melhor pararmos. Foi um dia longo e eu estou exausta demais para isso".
"Deixe-me terminar", ele retruca.
E, por mais desgostosa que me sinta com seu tom ainda controlador, fico quieta para que conclua:
"A questão é que, por mais decepcionado, sei que não há nada que possa mudar o que aconteceu. Entendi isso há muito tempo, mas fui orgulhoso demais para admitir como a sua mãe".
"E o que o fez mudar de ideia para estar falando sobre isso agora?".
"A sua mãe me disse a verdade sobre o Landon", apesar de não me surpreender com minha mãe não ter guardado segredo a respeito desse assunto (até porque não pedi que ela fizesse isso), sou pega de surpresa por meu pai falar sobre meu ex-namorado agora. Mas, definitivamente, não como sou pega de surpresa pelo que ele fala em seguida: "E isso me fez perceber que, longe do que eu achava a respeito de mim mesmo, não fui um pai exemplar para você, Miranda. Porque, se tivesse sido, você nunca sentiria receio de que eu não acreditasse no que realmente aconteceu naquele carro para que resultasse em um acidente".
Mark me olha com pesar, parecendo culpando.
E eu nunca o vi assim, o que me deixa tensa e com a respiração rarefeita. Simplesmente não sei o que esperar.
"Sei que nada do que eu disser vai mudar que continuei não sendo um bom pai ao renegá-la ao invés de acolhê-la por não seguir os planos que eu fiz para você", meu pai continua diante do meu silêncio. "Então não peço perdão, porque não me sinto digno disso. Só quero que saiba que... Eu me arrependo, Miranda. Sinto muito por tudo o que aconteceu e pelo modo como fui duro com você quando tudo o que precisava era de conforto".
Há um bolo em minha garganta agora, porque ele tem razão ao reconhecer que não pode exigir de mim um perdão. Pelo menos não agora. Mas isso não me faz sentir menos impactada por suas palavras porque, apesar de tudo, é como se estivesse recebendo meu pai de volta. E eu esperei muito por isso.
É inevitável quando o bolo se transforma em um choro.
"Realmente não consigo pensar em perdão, mas estou cansada de todo o clima ruim. O senhor só precisa estar aqui de agora em diante", digo. "Sei que dentro de mim as coisas não vão se resolver de forma tão simples, porque há muito orgulho e mágoa por tudo o que aconteceu. Mas... Sou uma mulher grávida, com um noivo vindo de uma família que me odeia... Preciso que a minha família me apoie, mesmo que ela não seja a mais perfeita do mundo".
Meu pai assente, compreendendo.
"Definitivamente, não vou deixar esses monarquistas mandarem e desmandarem", ele diz, trazendo à tona o quanto está bravo após seu primeiro encontro com os Maximoff-Feng. "Quero os meus netos com consciência democrática", papai continua, mas, ao refletir sobre o que diz, parece repensar: "Isso é, se você quiser que eu esteja na vida deles".
Mark parece um pouco perdido agora, sem saber o que fazer quanto a eu ainda estar me debulhando em lágrimas, então tento conter algumas delas.
"Desde que consiga amar Caeli e June, será bem-vindo, pai", respondo. "Só não quero que desconte neles a sua decepção comigo".
"Não farei isso, Mimi", o uso do apelido me quebra ainda mais, porque sempre foi a demonstração de carinho do meu pai. Falar meu nome inteiro costumava ser sinal de bronca. "Não estou mais decepcionado com você. Talvez nunca tenha estado, realmente, e sim comigo mesmo... O que me levou a ser injusto e te direcionar a raiva que sentia".
É impressionante o poder que uma única frase pode ter sobre a gente, a depender do contexto. Apesar de estar tranquila comigo mesma quanto a ideia de que, talvez, meu pai nunca mais fosse ser como um pai de verdade para mim, saber que ele está disposto a se redimir retira de meus ombros o peso de uma culpa que, mesmo ciente de ser injusta comigo mesma, ainda assim carregava.
Sem conseguir evitar, as lágrimas voltam com tudo. Por isso, não é uma surpresa muito grande quando alguém interpreta de forma errada o que está acontecendo entre nós, ainda mais quando o alguém em questão é Caellum.
"Mimi!" Ele exclama ao me ver de longe, acabando por ultrapassar toda a distância entre nós com rapidez. "O que aconteceu? Você está bem?" Ele me pergunta, afobado. Coloca as mãos em meus ombros e me analisa com cuidado, expressando com os olhos mais mil perguntas. Porém, não espera que eu responda nada. Parece concluir tudo ao perceber meu pai comigo. "O senhor voltou a falar atrocidades para ela, não foi?" Caellum questiona, de repente, com raiva. "O que eu te disse sobre não voltar a magoar a Miranda?".
"Cal...".
Tento contê-lo ao segurá-lo pelo braço, mas meu noivo parece enraivecido demais para ser racional. E isso diverte meu pai.
"Não falei nenhuma atrocidade, meu jovem", Mark responde. "Miranda e eu estávamos apenas tendo a conversa de pai e filha que deveríamos ter tido desde o início, mas fui cabeça dura e tolo demais para reconhecer".
Caellum não parece muito convencido. Ele me olha como se estivesse perguntando se é verdade, então assinto.
"Meu pai estava me pedindo desculpas, Cal", digo.
E isso também parece pegá-lo de surpresa, pois meu noivo arqueia uma sobrancelha e volta a olhar para meu pai com curiosidade e certo acanhamento pela confusão.
"Ah...", ele encolhe os ombros. E, de repente, sinto um pouco de vontade de rir às suas custas, mas tento me conter. Ele já parece envergonhado o suficiente. "Nesse caso, peço desculpas por ter interrompido".
"Não se preocupe muito. Nós já havíamos terminado", papai responde. "E, de qualquer forma, me deixa mais tranquilo saber que não estava falando da boca pra fora quando me ameaçou sobre eu não voltar a fazer a Mimi sofrer".
"Você ameaçou o meu pai?" Tal informação me pega de surpresa.
Cal não me responde de imediato. À medida que ele parece se sentir encurralado, meu pai estampa um sorrisinho inconveniente por ser o sujeito que está causando isso.
"É melhor eu ir procurar a sua mãe e a sua irmã, Mimi", meu pai fala de repente, entendendo que já instalou uma possível discórdia. Pelo visto, a sua tentativa de paz não inclui o genro. "Depois nós nos falamos?".
Eu assinto, porque compreendo que ainda não acabamos por aqui, e meu pai se dá por satisfeito. Ele se afasta e, de repente, estou encarando um Caellum ainda acanhado.
"Sinto muito", ele diz. "Fui idiota ao ameaçar seu pai, apesar de poder usar em minha defesa que estava com raiva por tudo o que ele fez e...".
"Está tudo bem, Caellum", não consigo esconder meu sorriso por muito tempo, o que o deixa confuso.
"Está?".
Afirmo com a cabeça.
"Obrigada por cuidar de mim, na verdade", respondo. "Apesar de meu pai ter me oferecido trégua agora, isso não muda tudo o que aconteceu. Foi você quem esteve ao meu lado quando ele não esteve. Sem você, tudo teria sido ainda mais difícil, então...", dou de ombros, deixando o resto da frase no ar.
"Eu não fiz nada além da minha obrigação, meu amor", ele me envolve em um abraço, e enterro minha cabeça em seu pescoço. "Mas fico feliz que o seu pai tenha percebido o quanto foi injusto e o quanto você, apesar de tudo, precisa do apoio dele".
"Eu também", admito. "Foi um dia longo, mas estou feliz".
"Isso é bom, porque eu estava preocupado com a inconveniência dos meus avós", ele se afasta por um momento, olhando-me com seriedade. "Sinto muito por isso, aliás".
"É, não foi fácil...", sou obrigada a reconhecer. "Mas sei que meu pai também não foi a melhor companhia, então estamos quites".
"De qualquer forma, adoraria que fôssemos embora agora".
"Eu não poderia ser mais grata pela sugestão".
"Só temos que entrar no salão uma última vez para nos despedir. A minha mãe e a Cassie sumiram e eu gostaria de falar com elas...".
A menção à sua mãe e sua irmã me deixa novamente tensa por me fazer recordar do que ouvi quando estava no banheiro.
O pai de Caellum teve uma amante e um filho fora do casamento.
Puta merda.
Devo contar ou não?
Não é meu segredo!
Mas me sinto como se estivesse o enganando...
"Mimi?" Cal me chama, provavelmente estranhando a minha reação. "Tudo bem?".
Não.
"Uhum", obrigo-me a assenti, sentindo o gosto amargo da mentira na garganta.
Não é meu segredo, repito para mim mesma, mas continuo me sentindo mal conforme ele me encara.
"Certeza?".
Assinto novamente e tento sorrir, a fim de trazer certa veracidade.
"Sim, vá falar com a sua mãe e a sua irmã", digo.
Ele ainda parece desconfiado, mas assente.
"Tudo bem. Encontro você no estacionamento?".
Eu concordo.
"Até daqui a pouco", Caellum me dá um beijo na cabeça e mordo o lábio ao pensar no que estou escondendo dele, mesmo sem querer. Por que tinha que ser tão curiosa? Por Orion!
Quando meu noivo se afasta para voltar ao interior da casa de chá, penso comigo mesma que preciso dar um jeito de Katherine falar a verdade para Caellum, mesmo que isso traga consequências. Algo me diz que, se ele descobrir sozinho, tudo será ainda pior.
XxX
Para: Agnetha Astelos
De: Detetive Klaus Ludwig
Assunto: Quarto relatório sobre Stella Dumont
Cara senhorita Agnetha, tenho plena ciência de que quase dois meses se passaram desde a nossa última correspondência, mas garanto que minha demora para retorná-la teve fundamento. Conforme comunicado no último e-mail, a falta de pistas acerca do paradeiro de Stella Dumont na Alemanha me levou a precisar recorrer a outros meios mais difíceis de encontrar respostas sobre ela e seu suposto filho.
De qualquer modo, os detalhes sobre como consegui novas informações não cabem a este momento. Tenho certeza de que tudo o que a senhorita quer saber após tanto tempo de espera é: onde estão Stella e seu filho?
Pois bem, em minhas buscas nos registros dos hospitais-maternidade, descobri que Stella deu à luz a uma menina no dia 28 de março de 2003 e foi liberada com o bebê três dias depois, tendo sua alta sido assinada por uma amiga, que foi sua acompanhante ao longo do processo.
A tal amiga, de nome Marina Hoffman, não vive mais em Berlim e seu paradeiro é desconhecido. Mas isso não importa muito por agora. Por puro acaso, consegui descobrir o paradeiro final da senhorita Stella na busca por seu nome nos registros hospitalares e, infelizmente, o paradeiro de nossa razão para tamanha investigação é cruel.
Cara senhorita Agnetha, é com pesar que a informo que Stella Dumont faleceu no dia 10 de outubro de 2003, após um ataque cardíaco enquanto dirigia ter causado um acidente fatal.
Sei que não é uma notícia fácil de ser recebida após meses de uma investigação acerca do paradeiro dela, mas também tenho outra informação: a filha de Stella não estava com ela, o que me leva a crer que, talvez, ela ainda esteja viva. A pergunta é "onde" e, se for do seu desejo, gostaria de tentar descobrir.
Desde já aguardando o seu retorno,
Detetive K. Ludwig.
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