34. STELLA DUMONT


"Então está sendo tão ruim quanto o esperado?" Aeryn me pergunta por telefone.

Depois do pedido de casamento e da sobremesa em clima azedo, todos pudemos escapar da obrigação de estarmos reunidos e acabei encontrando refúgio no banheiro feminino da casa de chá para despejar sobre a minha melhor amiga toda a minha frustração.

"Concordar seria eufemismo. Embora os Feng não estejam tão ruins, os Maximoff não escondem o quanto me desprezam e à minha família", respondo, arqueando as costas por um momento. Para variar, elas doem. "Por mais que o Caellum intervenha, eu não posso deixar de admitir o quanto o segundo pedido de casamento foi menos feliz do que o primeiro pelas testemunhas".

Embora não esteja presente, quase posso imaginar Aeryn assentindo com uma expressão séria enquanto me ouve.

"De qualquer forma, o que importa é o noivado, não é? A gente já sabia que a família do Caellum não seria fácil".

"Estou tentando me convencer disso", respondo. "Ao menos a Katherine tenta ser gentil comigo e com a minha família, assim como Cassiopeia e Cepheus", pondero. "E é realmente um feito a se levar em conta a minha mãe ter conseguido convencer o meu pai a vir, apesar de ele estar contribuindo com o clima ruim. Acredita que ele teve a coragem de falar mal da monarquia para uma duquesa e um ex-duque?".

"Acredito", inesperadamente, Aeryn ri. "Adoraria ter presenciado isso. Querendo ou não, Orion é um Estado um tanto antiquado. Apesar do sistema funcionar pelo tamanho diminuto do lugar, venhamos e convenhamos que nenhum sistema onde o poder se concentra na mão de poucos é bom".

"O seu namorado sabe que você tem princípios anti-monarquistas?".

"Claro que sabe. Vim de uma República, Mimi. Não posso mudar meus princípios democráticos, embora namore um privilegiado do sistema em Orion e seja de uma família abastada".

"Ainda assim, é um tanto perigoso falar sobre isso tendo aquela suspeita de grupo antimonárquico atuando por aqui".

"Isso claramente não passa de uma teoria da conspiração boba...".

Aeryn e eu, definitivamente, temos opiniões fortes e contrárias acerca desse assunto. Estou quase propondo retornarmos ao tema inicial, sobre meu fracassado jantar de noivado, quando ouço a porta do banheiro abrir e vozes conhecidas falarem:

"Aqui ninguém vai nos ouvir".

"A senhora tem tanto medo assim que descubram que eu sei sobre o passado sujo do Xiao Jun?".

São Katherine e Cassiopeia.

E elas, provavelmente, estão falando sobre o que tanto escondem de Caellum nos últimos tempos.

"Miranda?" A voz de Aeryn chama no celular.

Sem dizer nada, temendo ser notada pelas duas mulheres, encerro a chamada alegando a mim mesma que explicarei tudo para Aeryn depois. Simplesmente não posso me fazer notar na cabine agora. Muito embora seja contra invasão de privacidade dessa forma, se o destino está me dando a chance de descobrir o que tanto vem atormentando os Maximoff, então aceito. Alego a mim mesma que é por Caellum.

"No momento, estou mais preocupada que os seus avós descubram quais são as suas reais intenções ao querer ir para Taiwan repentinamente".

"Não será repentinamente. Meu plano original era ir após o nascimento dos gêmeos, mas agora só planejo ir após o casamento".

"Não importa quando você vá, Cassiopeia, é loucura em qualquer época!" Katherine rebate. "O que mais precisa descobrir para perceber que já se magoou o suficiente? Já perdeu o afeto pelo seu pai e por mim... Você sabe sobre a traição, sabe que a Stella está morta... De que adianta ir ao local onde ela viveu antes da Alemanha? O que quer saber?".

Minha cabeça rodopia com a enxurrada de informações. Alemanha? Taiwan? Stella? Traição? O que tudo isso junto significa? Talvez meu palpite inicial de que Xiao Jun não era tão bom quanto Caellum pensava?

"Quero encontrar a filha dela", Cassiopeia responde.

E acho que a minha confusão é tanta quanto o choque da duquesa ao ouvir essas palavras, pois o silêncio que as segue é considerável.

"Achei que você tivesse me dito que esse bebê estava morto como Stella".

"Klaus me disse que não havia indícios disso".

"Ainda está em contato com esse detetive?" Katherine demonstra raiva pela primeira vez diante disso. "Você me prometeu que esqueceria tudo isso, Cassiopeia! O que pensa que está fazendo mexendo com um passado já superado?".

"O que a senhora pensa que está fazendo?" Rebela-se a Lady. "Sabia sobre a Stella esse tempo todo, mãe. E agora sabe que ela estava grávida do papai na mesma época em que a senhora estava grávida do Caellum e de mim. Depois disso, ela sumiu e morreu, mas o bebê, agora adulto, ainda pode estar vivo. Em Taipei, onde ela morava antes da Alemanha".

"E se estiver, o que vai fazer?" A duquesa soa inesperadamente fria diante da novidade que faz o meu coração disparar.

Enquanto aguardo uma resposta de Cassiopeia, estou tentando digerir que Caellum tem um possível irmão perdido. Puta merda.

"Como assim? Ela precisa saber quem é...".

"E então o quê? Você acha mesmo que os seus avós ficarão felizes com a ideia de um neto bastardo?" Katherine continua, ainda soando estranha aos meus ouvidos. "Pense um pouco, Cassiopeia. Basta se lembrar da reação de Hue e Yan An ao namorado de Amelia".

"E então o quê?" A Lady questiona, atipicamente emocional, imitando as palavras da mãe. "Vai me pedir para continuar fingindo que não sei de nada? Não acha que está sendo egoísta comigo?".

"A última coisa que estou sendo é egoísta com você".

"Me proibindo de procurar uma possível irmã?".

'Não existe irmã ou irmão, Cassie!" A duquesa fala, exausta. "Seu pai pode não ter sido o príncipe que você pensava, mas ele jamais deixaria um filho solto no mundo, se ele existisse. O Xiao Jun daria um jeito de protegê-lo sem que sofresse com as opiniões tradicionais dos Feng, mas ele nunca foi atrás dessa criança, porque ela não existe!".

"Se é assim, então por que não me deixa ir tirar as minhas próprias conclusões?".

"Porque será perda de tempo e tudo que encontrará é uma forma de magoar a si mesma e a mim ainda mais. Sem falar que, se seus irmão ou seus avós descobrem sobre tudo isso...".

"É isso o que realmente a preocupa, não é?" Cassiopeia conclui, magoada. "Que as pessoas descubram o passado do grandioso Feng Xiao Jun e isso atrapalhe a maravilhosa imagem dos Maximoff, porque sempre é isso o que mais importa: a imagem pública da família. Certamente seríamos chacota pela senhora ter sido vítima da mesma coisa que o vô Patrick fez com a vó Nancy".

"Acha mesmo que sou tão egoísta assim a ponto de essa ser a minha prioridade?" Katherine questiona. "Porque tudo o que eu estou querendo evitar é que essa história magoe mais pessoas, principalmente os seus irmãos. Acha que faria bem para Cepheus e Caellum saberem que o pai teve uma amante? Olhe para si mesma e para o quanto isso a magoa, Cassie. Jamais devia ter sabido sobre Stella. Vai mesmo tentar magoar seus irmãos indo ainda mais a fundo sobre isso tudo?".

"Será questão de tempo até que eles descubram", a Lady responde. "Caellum já está mais do que desconfiado sobre a existência de algo. Você não pode me pedir para guardar segredo para sempre. A senhora sabe que é melhor ser honesta com eles a esperar que façam como eu, mas é medrosa e me pergunto o porquê. Ainda há mais alguma coisa a ser descoberta? Algo pior? O filho de Stella realmente morreu?".

"Para mim, chega", é a duquesa falando outra vez e não mais a mãe preocupada. "Estou farta do que se tornou e das suas acusações injustas, Cassiopeia. Se for para Taiwan, vou retirá-la do registro familiar e não poderá mais sequer pensar em se tornar duquesa".

Penso que tal ameaça vai fazer Cassie recuar, mas não é o que acontece.

"Essa medida extrema só me faz ter certeza de que ainda há coisas para descobrir", a Lady não cede. "E a senhora sabe que eu vou descobrir, então pense duas vezes antes de me deixar descobrir por mim mesma de novo ao invés de ser honesta pela primeira vez, porque eu não me importo nenhum pouco com ser duquesa ou não quando tem algo de muito errado acontecendo".

Ouço passos e, em seguida, a porta é aberta e imagino que isso significa que Cassiopeia deu um basta na conversa e saiu. Enquanto isso, tendo sido deixada para trás, escuto quando Katherine anda pelo espaço do banheiro e temo que ela me note na cabine, o que me faz prender a respiração.

Minha cabeça ainda gira com todas as informações jogadas no espaço de tempo de dez minutos, mas não tenho tempo para digeri-las. Noto a sombra da duquesa passando por perto de onde estou escondida e meu coração perde o compasso. Porém, os ancestrais devem ouvir a minha prece, pois a porta abre e isso me impede de ser pega.

"Ah, desculpe. Não sabia que sua alteza estava aqui... A Julie...", ouço a voz constrangida da minha mãe tentando se explicar e volto a amá-la um pouco mais por ter aparecido na hora certa. 

"Combinamos que você não me chamaria de sua alteza, mas apenas de Katherine, Juliana", a duquesa volta a agir do modo gentil com que agiu ao longo de todo o jantar, não podendo estar mais diferente do que há pouco. "E não se preocupe sobre a minha presença. Eu já estava de saída".

"Certo, alte... Katherine", mamãe se corrige no último minuto. Aposto que pensar na duquesa como uma igual está sendo um desafio e tanto para ela.

De qualquer modo, fazendo o que disse, Katherine sai do banheiro em seguida e consigo voltar a respirar normalmente.

"Essa foi por pouco", murmuro.

"A Mia me disse que a Mimi vai ser mesmo da realeza agora, mamãe. Isso significa que a gente também vai ser?" Ouço Julie perguntar de repente, com bastante curiosidade. "Eu gostaria de me vestir como a duquesa Katherine, a Lady Cassiopeia ou a Mia... Elas são tão bonitas...".

"Apenas vá fazer o xixi que tanto queria, Julie", ouço mamãe responder. "Você sabe que o seu pai está nos esperando para irmos embora. Só precisamos descobrir onde a sua irmã se meteu para nos despedirmos e então vamos...".

Por saber que elas me descobrirão escondida de qualquer forma, aproveito a deixa de ser citada para sair da cabine.

"Não seja por isso. Eu estou aqui", tenho certeza de que o meu sorriso é assustadoramente mecânico, mas é tudo o que posso oferecer quando a minha cabeça ainda gira com a conversa que acabei de presenciar.

O que diabos vou fazer com as informações que descobri? Devo manter segredo? Contar para Caellum? Mais importante: Eu vou conseguir encará-lo diariamente sabendo do que sei, mas mantendo em segredo?

Não tenho tanta certeza.

Droga, por que eu fui me deixar levar pela curiosidade?

"Miranda, você está bem?" Saio do meu devaneio com a voz da minha mãe me fazendo uma pergunta, e percebo que não é a primeira vez que ela fala comigo.

"Estou ótima!" Eu não poderia soar mais falsa. "Foi só um chamado da natureza, como o da Julie".

Mamãe não parece muito convencida, mas também não insiste. Ela ainda não sabe como agir comigo depois de tudo e anda tentando não ser a mãe controladora de antes da gravidez.

"Vou fazer meu xixizinho", Julie fala, seguindo para uma das cabines.

Enquanto isso, busco disfarçar que estava na cabine por um chamado da natureza e não da minha alma irremediavelmente curiosa. Sigo até a pia e lavo as mãos enquanto noto o olhar da minha mãe ainda sobre mim.

"Então vocês já estão indo para casa?" Pergunto, a fim de ter um domínio na conversa para evitar ser pega de surpresa por ela.

"Viemos pelo noivado e ele já aconteceu...", mamãe encolhe os ombros ao responder. "É melhor irmos antes que o seu pai resolva rebater a família do seu noivo e cause algum vexame".

Ah, é verdade. Esqueci que me escondi no banheiro para fugir da Guerra Fria ocorrendo no salão.

"Acho que Caellum e eu também não demoraremos a ir", fecho a pia ao terminar de lavar as mãos e uso a secadora. Tento, outra vez, forçar que está tudo bem com um sorriso. "Vou esperá-las do lado de fora para nos despedirmos, está bem?".

Mamãe assente, e isso basta para mim.

Saio do banheiro com a mente cheia das dúvidas anteriores sobre o que ouvi e o que farei com a informação. Ao mesmo tempo em que não posso revelar como soube de tudo, também não posso simplesmente fingir que não sei de nada e continuar convivendo com Caellum. Não seria justo, o que me faz entender perfeitamente a razão de Cassiopeia estar tão doente nos últimos meses. O peso de sofrer sozinha ou estragar as memórias dos irmãos sobre a figura paterna é pesado demais.

Mas, de qualquer forma, não consigo me ater aos meus pensamentos sobre o segredo dos Maximoff para tomar uma decisão. Pouco após sair do banheiro, acabo trombando com ninguém menos do que Mark Miller, e isso me faz esquecer de absolutamente tudo por um momento.

Apesar de ter marcado presença no jantar, meu pai e eu não chegamos a nos falar. Ele mal disse nada quando Caellum e eu o cumprimentamos por estar junto de mamãe e Katherine. A gente mal conversa desde que voltei a frequentar a sua casa e sair com mamãe e Julie. Ele me ignora e eu o ignoro por tabela, mas então Mark está aqui por livre e espontânea vontade e não diz nada ácido enquanto me encara. Pelo contrário.

"Nós podemos conversar, Miranda?".

Quando será que os meus personagens vão aprender que lugar de fofoca não é no banheiro?

Olá, pessoas! Como vocês estão?

A postagem é em um dia fora do comum porque amanhã não terei tempo para isso e porque chegou o momento que todo mundo gosta nos livros de ABT, que é o de anunciar que teremos duas atualizações por semana a partir de agora e não mais quinzenalmente. Como a escrita está fluindo e já tenho até o capítulo 42 pronto (pois é hihi), acredito que posso bancar esse agrado.

Até sexta-feira!

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