32. VERDADE OCULTA


Acordo e encontro Caellum me fitando com um sorriso.

"Bom dia, noiva", ele diz, porque depois de ontem é só assim que me chama.

Eu tento sorrir, mesmo sonolenta.

"Bom dia".

"Bom dia quem?".

Reviro os olhos. Ele realmente está adorando isso.

"Bom dia, noivo".

Caellum me dá beijinhos que servem para que eu desperte para o mundo e a dor nas costas causada pela falta de uma posição confortável para dormir. Bebês expansivos.

Eu me afasto de Cal para tentar me espreguiçar e ficar de pé, apesar da dor.

"Só mais dois meses e meio", falo para mim mesma como um mantra esperançoso.

Caellum também se senta, afastando o lençol e revelando o torso nu. Depois da festa de ontem e de termos nos livrado das nossas roupas, ele achou prático vestir apenas uma cueca para dormir.

"Já recebi ligações de todos os meus familiares, até da tia Irene", Caellum me confidencia. "Com o vazamento da notícia do pedido de casamento para a The Royals, todo mundo já está sabendo".

Aposto que tenho a minha própria cota de ligações da minha mãe e de parentes distantes como a tia-avó Bernice, que, apesar de nunca falar comigo, não perde uma fofoca para comentar. No entanto, não faço ideia de onde deixei o celular e a perspectiva de ter que dar satisfação aos outros me deixa sem querer procurar por ele.

"O que disse para eles?".

"Só que estamos mesmo noivos e que espero que isso seja suficiente para que não me tratem como o incorrigível nas refeições em família, já que o anúncio da minha paternidade não foi nem de longe o escândalo que eles temiam e agora o casamento vai fazer com que as pessoas esqueçam as especulações mais rápido".

Dois coelhos com uma cajadada só: nos livramos de um escândalo e começamos uma vida juntos. Parece uma perspectiva boa.

"Minha mãe foi uma das que soube pela The Royals e me ligou", Caellum continua. "Ela quer que eu refaça o pedido em um jantar formal para oficializar as coisas entre nossas famílias quando vier à Dominique. Não sabe que foi você que pediu a minha mão".

"Tradições", percebo, e ele anui.

Sinto que não posso reclamar quando sabia que os Maximoff-Feng eram assim antes de me meter com eles. Um grande símbolo de patriarcalismo e tradições de maioria misógena e preconceituosa.

"Se você acha que é uma boa ideia marcar algo assim, tudo bem", respondo. "Eu só não posso garantir que meu pai vá. Apesar de ter voltado a frequentar a casa dele, Mark Miller ainda me trata com indiferença".

"Acho que ele vai", Caellum diz. "Afinal, casamento era o que ele queria".

Porém, não quero criar expectativa quanto a isso para não acabar me decepcionando, e Caellum sabe. Ele me beija a bochecha de repente e fica de pé.

"Preciso me apresar para ir ao estágio", ele diz. "É segunda-feira de novo e preciso voltar à rotina".

Vejo-o seguir para o banheiro e levanto para arrumar a cama e dobrar os lençóis. Quando Caellum volta a aparecer de banho tomado, ele me olha afofando os travesseiros e diz:

"Precisamos conversar sobre contratar pessoas para trabalharem aqui. Arrumadeira, cozinheira, babá, talvez um motorista para te levar aos lugares quando eu não estiver...".

"Estamos no palácio?" Não escondo a minha ironia, provida de total assombro. "Uma pessoa para ajudar na cozinha será bem-vinda, mas o serviço de limpeza que seu avô contratou para o prédio já faz um ótimo trabalho duas vezes por semana aqui também. A babá pode ficar para depois, quando retornarmos os estudos e as crianças forem maiores. De resto, está exagerando".

"Não está falando isso só para conter gastos, está?".

"Não, apesar de ser bastante sensato da minha parte controlar você. É estagiário, Caellum, não o dono da empresa".

"Só está esquecendo que também sou um herdeiro. O estágio é mais uma experiência. Tenho planos de ser efetivado e de me tornar sócio da Hastings depois de formado".

"Isso não muda que você é herdeiro de pessoas vivas, o que não significa grande coisa".

Apesar das minhas palavras, sei que Caellum recebe uma boa quantia mensal dos avós e da mãe que, somadas, devem dar para comprar o carro do ano à vista quinzenalmente. Isso sem falar no patrimônio que ele recebeu por causa do falecimento do pai. O salário de estagiário é quase uma brincadeira para ele, o que me faz pensar que ainda temos diferenças significativas pelas nossas origens. Um estágio para mim jamais seria um mero hobby.

Cal deve perceber que não adianta insistir, pois revira os olhos.

"Está bem. Se acha que é demais...".

Ele entra no closet para se vestir e eu vou para o banheiro. Quando voltamos a nos encontrar, ele está recebendo nosso café da manhã e eu estou desbloqueando meu celular depois de achá-lo largado no sofá. Há cinco ligações da minha mãe e uma mensagem perguntando se quero sair para almoçar com ela, a qual respondo que sim. Sei que vai ser ruim para a nossa relação recém resgatada se não falar com ela sobre o casamento pessoalmente.

"Falei com a Cassie para saber como a festa terminou ontem e ela sutilmente me convenceu a receber uma expert em recém nascidos para nos dar aulas sobre o que fazer como pais de primeira viagem", Caellum me diz ao adentrar na cozinha, entregando-me um copo com chá.

"Isso é pra quando?".

Ao contrário do que ele parece achar, não penso ser uma má ideia. Ter um filho por si só já é assustador, dois de uma vez então... Ao contrário do que prega a maternidade compulsória, eu não acho que após o parto magicamente saberei como ser a mãe de dois bebês. Apesar de estar ansiosa para me livrar da dor nas costas, assumir essa responsabilidade será outros quinhentos e toda ajuda é bem-vinda.

"Na sexta", ele beberica seu café e eu o ajudo a desempacotar os pães, biscoitos, queijos, geléias, patês e frutas do café da manhã.

Pego um pedaço de queijo brie.

"Tudo bem".

"Sério?".

Caellum soa descrente, mas afirmo.

"Minha única experiência cuidando de um bebê foi a Julie, mas eu tinha uns onze anos quando ela nasceu, então a minha mãe ficava com a parte pesada e eu só era responsável por vigiá-la e, de vez em quando, alimentá-la".

"Também não tive muitas experiências com crianças...", Caellum admite. "O bebê mais próximo com quem convivi foi o Niklaus e eu tinha apenas quatro anos quando ele nasceu".

"Então talvez essa preocupação da sua irmã seja útil", dou de ombros.

Caellum parece repensar a questão sob a nova ótica, pois não volta a contrapor. Em silêncio, comemos até ele se apressar para ir trabalhar.

"Vou almoçar com a minha mãe hoje", aviso quando ele já está de saída.

Caellum volta para me olhar.

"Precisa que eu te busque depois do estágio?".

Balanço a cabeça em negação.

"Ela me traz. Bom trabalho para você".

Cal assente.

"Está bem".

Depois que ele sai, guardo o que sobrou do café no armário e na geladeira e me livro das embalagens vazias. Depois, sigo para a sala cuja única função é somente assitir TV (sério, e o Caellum falando que o apartamento é um lugar pequeno...) e ligo na mais nova novela protagonizada por Felicity Jones, a antiga amante do avô de Cal (sério, quem aguenta o falso moralismo dos Maximoff?).

XxX

Quando o horário do almoço chega, encontro minha mãe em um restaurante do bairro em que ela mora. Trata-se de um lugar em que costumávamos frequentar para almoços em família até o início do ano, o que significa que ganho olhares curiosos da proprietária e dos funcionários que me conhecem, por causa da barriga de grávida. Porém, finjo não notar isso tal como finjo que não estou sendo seguida pelos guardas de Caellum.

Assim que noto a minha mãe em uma mesa com Julie, aproximo-me delas e as cumprimento com beijos e abraços.

"Eles estão cada dia maiores", é a primeira coisa que a minha mãe diz, olhando para minha barriga. "Talvez acabe tendo que tê-los antes do tempo".

Faz quase duas semanas desde a última vez que nós duas nos vimos, o que justifica ela achar isso e agir com tamanho assombro.

"Talvez". A doutora Sabrina disse que essa é sempre uma possibilidade em se tratando de gêmeos e o próprio Caellum nasceu prematuro. Logo, estamos atentos às chances, embora Sabrina ache que posso seguir até os nove meses. "Vocês já pediram algo?" Tento mudar de assunto, porque falar da gravidez com ela ainda me deixa desconfortável. É mais difícil do que pensei tentar esquecer o modo como me tratou durante quase três meses.

"Ainda não", mamãe me passa um dos cardápios. "Estávamos esperando por você".

"Que tal bolinhos de feijão doce de entrada e Luosifen de prato principal?".

"Luosifen?" Mamãe não esconde o assombro quanto à minha nova comida favorita.

"Eca", Julie torce o nariz.

"Só para mim, então", digo.

Elas concordam e pedem pato à Pequim.

"Então", assim que o garçom se afasta para providenciar nossos pedidos, mamãe diz e simplesmente sei o que vem a seguir. "Você vai casar".

Não soa como uma pergunta. Ela também deve ter sabido pela The Royals e está com aquele tom de mágoa de quem adoraria ter sido a primeira a saber ou, pelo menos, adoraria ter sabido por mim antes de todo mundo.

Eu assinto.

"Caellum e eu já estamos vivendo juntos, então pensamos que era o ideal".

"É pelos bebês?".

É claro que ela pensaria isso.

"Não só por eles. Eu gosto do Caellum", rebato. "Na verdade, amo o Caellum".

Meu tom não abre espaço para dúvidas, então ela assente.

"Ele também parece gostar de você. Pelo menos age como o Landon agia com você".

Uma luz vermelha acende na minha cabeça quando ela menciona meu ex-namorado que, à essa altura, já deveria estar mais do que esquecido.

"Não o compare com o Landon, mãe", peço. "Na verdade, não fale sobre o Landon comigo".

"Por que não, Mimi?" Ela me pergunta, parecendo genuinamente curiosa sobre isso. "Você nunca me explicou o motivo de ter passado a odiar o Landon de repente após terem rompido. Até chegou a pedir uma medida provisória contra ele após tê-lo encontrado recentemente. Linda ainda não nos perdoou por isso".

"O que é bom. Talvez assim eles fiquem longe".

"Você não me respondeu", Juliana usa o seu tom autoritário. "Por que age como se odiasse o Landon?".

"Porque odeio".

"E qual é o motivo?".

Durante muito tempo temi que a minha mãe me fizesse essa pergunta por não querer falar sobre o acidente. Uma parte minha sempre teve medo de que ela, de alguma forma, acabasse preferindo ficar ao lado de Landon ao invés do meu. Essa parte foi a que me fez ficar em silêncio por tanto tempo, mas agora ela não parece mais ter o mesmo poder sobre mim. Se a minha mãe escolher não ficar do meu lado de novo, então saberei que meu lugar não é perto dela.

"Sei que acha que o Landon é o rapaz perfeito", digo. "Eu também achava isso, mãe. Foi assim que acabamos namorando, porque no início ele era comigo o mesmo cavalheiro que finge ser para os outros. Mas então... Veio o ciúme exarcebado, os xingamentos e as discussões, os puxões, a violência com que me tratava sempre que me via respirando o mesmo ar que outro rapaz que não fosse ele. Foi por causa dele que fiquei sem parceiro para competir em dupla, porque ele ameaçou o Edgar".

"O Landon?" Mamãe soa descrente, e tento não me magoar, porque ela o conhece há tempo o bastante para achar que o que falo conflitua com o que ela conhece.

"Eu sei. Eu costumava entrar em conflito comigo mesma quando ele agia assim e depois era um doce", falo. "Foi por isso que deixei a situação seguir por bastante tempo, até atingir a gota d'água. No mesmo dia em que Edgar desistiu de competir comigo e me falou que Landon o havia confrontado, fui falar com meu até então namorado e ele me fez entrar em seu carro. Começamos a discutir enquanto ele dirigia. Landon se transformou, me xingou, bateu no volante e disse que morreríamos juntos quando eu exigi que ele parasse e falei que romperíamos...".

A expressão da minha mãe é de total descrença. Acho que ela está ligando os pontos porque diz:

"O acidente... Está dizendo que não foi um acidente?".

Assinto, e mamãe leva uma mão à boca, horrorizada.

"Pelos ancestrais, Miranda. Isso é grave".

Sinto-me arrependida de ter falado sobre isso na frente de Julie, que nos olha com uma ruga entre as sobrancelhas e parece confusa. Ela tinha apenas seis anos quando o acidente aconteceu e retém poucas memórias sobre o acontecimento, o que justifica parte da confusão, mas também não contém dicernimento o suficiente para compreender a gravidade dos fatos aos dez anos.

"Entende agora porque eu não quero nunca mais falar sobre o Landon ou sobre a mãe dele?".

"Entendo, mas por que não nos disse nada na época, Mimi? Vocês poderiam mesmo ter morrido. Ou só você, minha filha, que foi quem realmente acabou se machucando".

"Você e o papai teriam acreditado em mim ou achariam que era confusão da minha cabeça após o acidente?".

Mamãe fica em silêncio por um momento, o que fala mais do que qualquer palavra. Ela ao menos relutaria sobre acreditar em mim.

"É que ele sempre foi tão bom...".

"Agora a senhora acredita em mim?" Descido arriscar. "Ou só não quer que eu me afaste de novo?".

"Você não tem motivos para inventar uma acusação tão grave, Mimi. Mesmo à época, depois de hesitar, ficaria ao seu lado no fim. Sempre me perguntei o motivo de ter terminado com ele logo após o acidente e de ter passado a evitá-lo. Achei que o culpasse injustamente pelo ocorrido e agora...", ela ainda parece atordoada com a descoberta.

Eu fico em silêncio, porque não quero mais prolongar esse assunto, e, felizmente, o garçom contribui ao trazer nossas entradas.

O almoço transcorre sem que mais algum assunto complicado venha à tona e Julie garante que o clima permaneça leve até acabarmos a sobremesa e seguirmos para o estacionamento.

"O Caellum quer reunir a família dele e a minha para uma refeição de noivado", falo assim que entramos no carro.

Mamãe me olha com surpresa.

"Nós e os Maximoff?" Seu tom é de assombro.

"E os Feng, provavelmente", Juliana fica outra vez atordoada. "Acha que o papai vai querer ir?".

"Não posso garantir", ela é realista. "Mas posso falar com ele".

Assinto, porque não quero prolongar isso também.

"Vamos ter que usar trajes formais? Algo chique?" Ela me pergunta quando entramos no trânsito alguns minutos depois.

"Não se preocupe com isso", falo. "Vou garantir que não seja nada expansivo demais e que nos deixe desconfortáveis. É meu noivado, afinal".

Ela acena, concordando, e eu torço em silêncio para conseguir cumprir isso. Com os Maximoff-Feng, tudo é imprevisível.

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