28. SOGROS DIFÍCEIS


O pai de Miranda está no quintal e não faz menção de conferir quem veio atrás dele quando abro a porta de vidro que separa a cozinha da área externa e me aproximo dele, que está sentado nos degraus de trás da casa.

"Você", há desprezo no modo como ele fala e me olha. Certamente, eu não sou a sua pessoa favorita no mundo. "Por que está aqui?".

"Não consegui falar tudo o que gostaria", respondo. "Miranda demorou tanto para tomar coragem de vir até aqui que eu não consegui interrompê-la quando resolveu falar tudo o que queria".

"E o que você quer me falar?" O senhor Miller rebate. "Não acha que deveria ser eu a te dizer poucas e boas depois do que fez? Se não fosse quem é, eu te daria uma sova".

"Para começo de conversa, a gravidez foi um acidente".

Ele ri ao ouvir isso, como se me achasse inacreditável.

"Não há nada de acidental em uma mulher que se entrega a um homem".

"Não", admito. "Mas há falhas nos métodos contraceptivos que acabam desencadeando em uma gravidez, e a Miranda não merecia ter passado pelo que passou por causa disso".

"Se ela não tivesse se deitado com você...".

"Mas aconteceu e já a puniu demais por isso", o interrompo. "Sinceramente, se dependesse de mim, a Miranda nunca mais os veria, porque fui eu que a vi se desmanchando nos últimos meses por causa de vocês, sofrendo e desejando migalhas de afeto. Morrendo de medo de procurá-los e vocês a rejeitarem de novo".

Ele não tenta falar nada, o que me dá coragem para continuar e colocar para fora tudo o que penso:

"Ela sempre foi uma boa filha e sofreu para que permanecesse pensando isso. Namorou quem a fazia sofrer, não fez caso quando deixaram o sujeito permanecer na vida dela e ainda os perdoa mesmo após terem ficado do lado dele ao invés do dela na hora da verdade. Entende porque não gosto da ideia de voltarem para a vida dela? Mas, apesar de tudo, a Miranda os ama e quer conviver com a irmã, então não me sinto no direito de intervir e falar para ela o que penso".

"E aí então veio falar para mim?".

"Porque teremos que conviver daqui pra frente, senhor Miller", eu respondo. "E não espero que goste de mim, mas quero deixar claro que não tolerarei que Miranda continue sofrendo por sua causa".

"Ora, seu...".

"Eu não vim para discutir", o interrompo. "Já falei o que queria. Com licença".

xXx

A mãe de Miranda me entrega uma bandeja com chá e biscoitos quando retorno à cozinha e me informa onde fica o quarto de Julie, então logo volto a encontrar Miranda.

No quarto extremamente cor-de-rosa da sua irmã caçula, ela está empoleirada na cama enquanto Julie tagarela sobre os seus novos vestidos e os expõe em cabides.

"Acha que são bonitos o suficiente para uma princesa?" Ela pergunta, duvidosa.

Mimi parece não saber o que dizer, como se a irmã não estivesse só brincando, então vejo nisso uma oportunidade para me fazer notar:

"É mais bonito do que os vestidos de uma princesa, na verdade".

Os olhos castanhos da garotinha, semelhantes aos da irmã, arregalam-se ao me ver.

"Sei que é um príncipe!" Ela fala como se fosse uma acusação.

"Sou um lorde, na verdade", eu coloco a bandeja sobre um espaço livre na sua escrivaninha. "É um pouco menos empolgante do que ser um príncipe, eu sei".

"Mas ainda é da realeza, não é?".

"Aham".

"E você vive em um palácio?".

"Morei em um até três dias atrás", parece mais há uma eternidade. "Mas agora vivo em um apartamento. Você pode visitar, se quiser".

"É um lugar grande?".

"Mais ou menos".

"Que ideia", Miranda intervém. "Ele não tem noção de espaço, Julie. É enorme".

"E eu vou poder ir lá mesmo?".

"Sempre que você quiser".

"E vai me apresentar um príncipe?".

Miranda me olha como se quisesse muito que eu a salvasse disso. Pego uma xícara de chá e caminho até a cama, sentando-me ao seu lado para lhe oferecer a bebida, que Mimi aceita.

"Algum dia", respondo Julie. "Não sou um príncipe, mas a minha tia é a rainha, o que faz com que os príncipes sejam meus primos".

"Sua tia é a rainha?" A pequena não esconde o quanto acha isso impressionante. "Ela é tão linda. Vi na TV!".

Durante quase uma hora, Julie Miller me enche de perguntas e dá abraços e beijos na irmã de quem tanto sentiu falta. Enquanto isso, eu fico observando a maior parte do tempo e sentindo um quentinho no coração por ver Miranda tão feliz depois de tudo. Ela ama muito a garotinha.

"A gente vai ter que ir agora, Unicórnio", Mimi anuncia quando já passa das sete da noite, o que faz sua irmã se agarrar nela feito um coala ao tronco. "Mas eu volto, então não precisa ficar triste".

"Mas e se você demorar de novo?" A garotinha funga, segurando a vontade de chorar.

"Não vou", Miranda garante, mas está segurando as próprias lágrimas. "Nunca mais saio da sua vida. Vou te ligar todos os dias e venho sempre que puder ou então você vai para minha nova casa".

"Promete?".

"Prometo. Estou contando com você para brincar com os seus sobrinhos no futuro".

"Vou gostar disso", ela continua abraçando Miranda por um tempo, mas depois se separa da irmã e estende os braços para mim, o que me pega um pouco de surpresa. Não sei se levo jeito com criança quando não convivo com nenhuma, mas deixo que a pequena me abrace. "Você é bem legal. Só não esquece que me prometeu o príncipe".

"Pode deixar, senhorita".

Ao me soltar do abraço, Julie ainda me dá um beijinho na bochecha, o que me derrete o coração. Agora me sinto ainda mais propenso a dar um jeito de conseguir que ela encontre um de meus primos por temer que perderei o seu encanto.

Quando a caçula de Miranda enfim cede à despedida, nós três saímos de seu quarto e vamos para o corredor.

"Vai na frente, Julie. Eu vou pegar umas coisas no meu quarto".

"Tá bom!".

A garotinha sai correndo até a escada enquanto Mimi abre a porta ao lado do quarto em que estávamos e me dá passagem para que eu entre no lugar que costumava ser seu refúgio e que não poderia ser mais a cara de Miranda Miller.

As paredes de seu antigo quarto são de um tom profundo de azul, tem uma cama de casal ao meio, um guarda-roupas cobrindo uma das paredes e uma escrivaninha com computador e cadeira gamer em um canto. Ao lado, uma estante exibe alguns troféus, medalhas, fotografias e CDs da Fly High.

"Eu costumava me perguntar como seria o seu quarto quando a gente começou a sair há dois anos e meio", conto para Miranda, vendo-a olhar para tudo como se estivesse à procura de mudanças. "O que você veio buscar?".

"Tudo", ela responde. "Não pretendo voltar a viver nessa casa, então não faz sentido deixar nada aqui".

"Nesse caso, vamos precisar voltar em outro momento para conseguir fazer isso. Não viemos preparados". 

"Eu sei", Miranda responde. "Mas temos que começar por algum lugar. Quero levar os meus álbuns e algumas roupas".

Ajudo Mimi a organizar as coisas em uma mochila, a qual carrego quando saímos de seu quarto e descemos a escada. Na sala, encontramos a sua mãe, que parece estar nos esperando.

"Vocês ficam para o jantar?" Ela pergunta, meio nervosa, ficando de pé.

Olho para Miranda e deixo claro que a decisão a respeito disso é totalmente dela. Apesar de não me sentir confortável, sei que preciso me adaptar aos Miller da mesma forma como ela se adapta aos Feng e aos Maximoff por mim e pelos bebês.

"Hoje não, mãe. Já fomos rebeldes demais com o papai e estou ficando cansada. Não quero causar mais uma discussão, então deixa para outro dia".

A senhora Miller parece ficar decepcionada, mas anui em concordância. Certamente, ela conhece o próprio marido e também não deve querer forçar a barra e deixar Miranda desconfortável.

"Então já estão indo?".

Mimi assente.

"Nesse caso... Eu posso te dar um abraço?".

É uma pergunta que pega minha namorada de surpresa. Não sei se ela realmente quer aceitar, se se sente confortável com isso, mas Miranda acaba concordando com um aceno e Juliana se aproxima para envolve-la em seus braços.

"Eu sinto muito. Muito mesmo", a mulher, cuja semelhança com a filha é evidente, diz. Ela soa arrependida e parece querer falar muito mais, mas Miranda se empertiga para colocar fim no abraço. "Espero que consiga me perdoar".

"Um dia, mamãe", Miranda responde. "Mas agora tudo ainda é muito recente e preciso me acostumar. Estive esperando por isso desde que me mandou sair... Pelo momento em que me receberia de volta. Mas a ferida é grande e ainda está aberta. Precisa me dar tempo".

Juliana não parece capaz de compreender o quanto a filha sofreu, mas se esforça e assente diante do pedido dela.

"Está bem", a mulher concorda. Depois, desvia o olhar de Miranda e olha para mim meio acanhada. "Por favor, cuide dela".

"É a minha prioridade, senhora". Não há sinal algum do senhor Miller por aqui, então não temos que nos preocupar com a tensão que seria manter a cordialidade e nos despedir dele. Apenas me volto para Mimi ao meu lado e tento sorrir. "Vamos?".

Ela concorda com um aceno.

"Dê um beijo na Julie por mim", Miranda fala para a mãe. "Eu vou voltar para vê-la, mas estarei ocupada com a faculdade pelo resto do mês e isso pode demorar mais do que eu gostaria".

"Não quer mesmo voltar para casa?" A mãe insiste. "Seu pai é bruto e cabeça dura, mas ele jamais a machucaria".

"Não fisicamente, mas com palavras...", Miranda balança a cabeça em negação. "Não quero, mamãe. Palavras também machucam e estou bem com o Caellum".

"Mas são tão jovens...".

Ela não pareceu se preocupar com isso quando deixou a filha de lado e esperou que os ancestrais operassem um milagre que resolvesse tudo ao invés de agir... Mas não falo nada disso, é claro. Já basta que meu sogro me odeie.

"Não se preocupe", Miranda diz. "Nós vamos aprender. Vai ficar tudo bem". É ótimo ver que ela consegue pensar positivo depois de tudo. "Vamos agora?".

Eu assinto.

"Tchau, senhora Miller", digo. "Até a próxima".

Quando Miranda e eu voltamos a entrar no carro e colocamos nossos cintos-de-segurança, deixamos ambos uma respiração de alívio sair e nos olhamos como quem acabou de tirar um grande peso dos ombros.

"Estou exausta", ela me informa. "E faminta, mas aliviada. Achei que seria muito pior".

"Que bom que não foi", respondo. "Agora você pode ficar mais tranquila".

"Exceto pelo meu pai. Aliás, o que você conversou com ele?".

"Que nós vamos ter que conviver e é melhor que seja de forma cordial", dou de ombros. "Não quero nunca mais chegar em casa e te encontrar chorando como encontrei".

"Te assustei, não foi?" Ela parece um pouco envergonhada.

"Muito", admito. "Mas está tudo bem agora. Sua mãe vai agir como mãe, você poderá encontrar a Julie...".

"E você vai ter que encontrar um príncipe para ela", Miranda ri ao recordar disso.

Eu fico preocupado.

"É bom que um deles aceite sair com ela para um passeio. Não quero perder o afeto da sua irmã".

"Fica tranquilo", Mimi responde. "A Julie te adorou".

"Ao menos isso, porque os seus pais me odeiam".

"Agora você sabe como eu me sinto quando estou na presença dos seus avós".

"Isso é verdade", sinto-me um tanto culpado por não ter percebido o quanto isso é horrível antes; lidar com a hostilidade alheia. Ainda mais para Mimi, que é atacada por quatro parentes meus de uma vez só. "Não vou mais tolerar nada disso daqui pra frente".

"Não vá procurar brigas com seus avós por minha causa", ela me censura.

"Só se eles quiserem procurar primeiro", dou de ombros. "Agora, vamos resolver a história sobre estar faminta. O que acha de irmos jantar no restaurente dos pais da Sofya?".

"Nós não fizemos reserva, fizemos?".

"Meu sobrenome é a minha reserva", retruco, sem conseguir conter um sorriso.

Miranda revira os olhos.

"Típico de um mimado, mas não vou te dar bronca. Estou mesmo com fome".

xXx

O restaurante dos Tomlinson é famoso pela ótima comida e pela presença esporádica de membros da realeza buscando matar a saudade do tempero da antiga chef de cozinha do palácio, o que faz com que ele esteja quase sempre lotado. Porém, como informei para Miranda, meu sobrenome abre portas e conseguimos uma mesa para jantar.

O lado ruim é que, dada a frequência com que membros da realeza vêm aqui, um paparazzo sempre está pronto para tirar fotos e somos alvejados por flashes no curto trajeto do restaurante para o carro quando saímos, mesmo com os guardas nos acompanhando.

"Sinto muito por isso. Esqueci dos coiotes", falo assim que entramos no carro.

"Está tudo bem. Mais cedo ou mais tarde, vou ter que me acostumar, mesmo que a ideia não me agrade".

Tomamos o caminho do Maximoff Plaza ao menos satisfeitos com a comida e, enquanto aguardamos que o trânsito ande na avenida do Píer do Imperador, ligo o rádio para ouvirmos um pouco de Bryan Adams.

Miranda está um tanto silenciosa e me pergunto no que está pensando, mas não preciso matutar muito, porque ela solta de repente:

"Você não falou sério naquela hora, falou?" Franzo a testa em confusão, o que deve deixar implícito que não sei do que ela está falando e que precisa ser um pouco mais específica sobre o que se trata. "Acerca do assunto casamento".

"Ah", encolho os ombros. "Não é um plano para agora, não se preocupe. Mas, sim, quero me casar com você. Você não acha isso um absurdo quando sabe sobre os meus sentimentos, acha?".

Olho-a de lado, de repente nervoso.

"Não", Mimi olha para a frente, como se não sentisse coragem de me olhar ao admitir. "Parece certo".

"Então vai dizer sim na próxima vez que eu te perguntar, não é?".

Isso a faz sorrir um pouco.

"Talvez", Miranda fala. "Descobrir é por sua conta e risco".

Na rádio, Bryan Adams diz: eu não vou lutar, acho que estou me apaixonando. Então venha, vamos fazer certo porque você é a única.

E a letra de The Only One nunca se encaixou tão bem.

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