25. RAIVA

O emprego de estagiário não me dá brecha para trabalhar diretamente com os projetos, mas tenho permissão para ler os relatórios quando não estou providenciando os materiais necessários para o desenvolvimento do trabalho da equipe.

É isso que estou fazendo às três, depois de ser dispensado mais cedo porque a montagem só poderá seguir no dia seguinte em razão de um atraso no desenvolvimento do software.

Fico na copa da empresa, tomando café e lendo o relatório. O plano é ficar até as cinco, que é quando costuma acabar meu horário, mas sou interrompido por uma ligação que não posso simplesmente ignorar.

"Oi, mãe".

"Olá, filho. Que bom que pôde atender".

A duquesa raramente tem tempo para conversar comigo. A última vez foi há um mês, quando lhe falei sobre ser pai de gêmeos e quais eram os sexos dos bebês. Por isso, aproveito o seu tempo livre para me ligar para matar a saudade e, quem sabe, conseguir abordar o assunto Alemanha.

"Não conseguimos nos ver quando veio para encontrar a Cassie no hospital".

"Eu tinha assuntos para concluir em Coralina", ela fala da capital de Morfeu, a cidade natal da nossa família. "Depois de ver a sua irmã, voltei rapidamente".

"Muitos compromissos na agenda?".

"Cobranças de empresários acerca da pequena queda do PIB do condado no último ano. Você sabe como eles gostam de tecer críticas e de questionar se estou apta ao cargo quando algo não dá certo, mesmo que esteja no Grande Conselho há dez anos", mamãe soa cansada, e rapidamente desisto de tocar no assunto proibido. Não parece certo quando ela já tem tanto no que pensar enquanto duquesa. "Mas não telefonei para falar sobre mim", ela continua. "Li a nota que a assessoria escreveu sobre você e Miranda. Estão mesmo em um relacionamento ou só foi uma tentativa de abrandar a situação?".

"A senhora conheceu a Mimi, mãe. Ela jamais toparia um relacionamento de fachada quando nem hesitou em me responder um direto não ao pedi-la em casamento". 

"Isso é verdade", consigo captar um pouco de humor na sua voz. "Nesse caso, fico feliz que tenha conseguido ultrapassar sua insegurança a respeito de falar seus reais sentimentos para ela".

"Só porque ela cedeu primeiro", respondo. "Falei que tinha o meu orgulho a zelar, mãe".

"Ah, o orgulho dos Maximoff", agora consigo imaginá-la revirando os olhos.

"Pois é, a Miranda admitiu que ainda tinha sentimentos por mim e o meu grandioso orgulho me permitiu aguentar uns dois minutos antes de beijá-la e falar dos meus sentimentos".

Isso faz Katherine rir.

"Fico aliviada que um dos meus filhos seja mais emocional do que racional, mesmo que isso signifique admitir que você puxou mais ao seu pai, Caellum".

"Alguma coisa eu tinha que puxar ao papai".

Minha aparência sempre foi de Maximoff. Cabelo acobreado, olhos castanhos-claros, pele levemente bronzeada...

Do outro lado da linha, mamãe pigarra.

"Você sempre me lembrou o Xiao Jun no jeito de ser", ela fala. "Sempre intenso, seguindo o coração e pouco se importando com o passado ou com o futuro. Sempre com a cabeça no presente".

"O papai era mesmo assim?".

Não sei se o conheci bem o suficiente quando ele se foi quando eu tinha apenas doze anos de idade.

"Sim", minha mãe afirma. "Igual a você".

De alguma forma, isso me reconforta.

"Eu escolhi os nomes dos bebês com a Miranda", decido que é uma ótima hora de falar para ela sobre isso. "A menina será Caeli, como as estrelas da constelação Caellum, e o menino será June, para combinar com o Jun do nome do papai e o Jean do nome da Mimi".

A duquesa fica em silêncio por um momento, como que absorvendo a novidade. Depois diz:

"Ah, Cal! O Xiao Jun ficaria muito honrado se estivesse vivo para acompanhar isso".

"Eu sei", penso que essa também seria uma oportunidade de falar sobre Cassie não ter aprovado e perguntar outra vez sobre a Alemanha, mas me contenho. Não quero estragar o momento e sei que falar sobre isso vai estragar.

"Quem tanto já sabe?" Mamãe acaba perguntando, dado o meu silêncio.

"Além da senhora, só os nossos amigos e meus irmãos. Quero planejar um momento especial para falar com os meus avós, embora só os Feng pareçam propensos a ceder um pouco. O vovô até me arranjou aquele estágio que eu tanto queria com os Hastings".

"Meus pais são mesmo dois cabeças duras, mas eles vão ceder também com o tempo", mamãe sai em defesa dos que não merecem defesa.

"Na verdade, não sei mais se me importo com a aprovação deles", eu respondo, de repente me lembrando de outra coisa que minha mãe merece saber: "para começo de conversa, o motivo para a Miranda ter se afastado de mim foi a vovó Nancy. Ela continua chamando as pessoas de sangue ruim por aí, como se fosse o Draco Malfoy de Orion".

Isso causa um novo silêncio do outro lado da linha e, por um momento, tenho esperança de que a minha mãe entenda a gravidade disso, mas ela soa branda ao falar:

"A sua avó teve uma criação bastante rígida e limitada, Caellum".

"Isso não lhe dá permissão para tratar as pessoas mal por sua origem".

"Com certeza, não, mas...".

"A senhora a defenderia se tivesse sido com alguém que ama?" Questiono. "Supondo que ela chamasse seu namorado de sangue ruim..." .

"Que ideia, Caellum. Sua avó sempre aprovou o seu pai".

"É só uma suposição. Pense como alguém que teve uma adolescência normal e não como alguém cuja vida amorosa foi resolvida por terceiros!".

"Agora você está me ofendendo".

"Que ideia, mãe".

"Eu entendi que a sua avó fez algo ruim", ela me interrompe, negando-se a entrar na minha situação hipotética. "Prometo conversar com ela e pedir que ela e o seu avô sejam menos brutais sobre a sua situação. Agora preciso desligar. Tenho deveres mais urgentes a cumprir, mas saiba que estou feliz por você e por Miranda".

Antes que possa falar qualquer coisa, ela desliga e encerra a conversa abruptamente.

Eu olho para o celular um tanto descrente, mas me preparo para deixá-lo de lado quando, outra vez, alguém me liga.

"Oi, Aeryn. Aconteceu alguma coisa?".

Fico logo preocupado com a ideia de algo ter acontecido, já que sei que Miranda saiu com ela e, se não é a própria Mimi me ligando, logo começo a elaborar diversos motivos para isso.

Dito e feito:

"Oi, Caellum. Você pode vir ao hospital King? A Miranda passou mal e precisamos vir aqui. Ela já está estável e os bebês estão bem, mas...

Paro de ouvir.  Já estou em movimento antes mesmo que ela termine.

"Chego em dez minutos, Aeryn".

XxX

É uma cena semelhante a de quando Cassie me ligou há três semanas: dirijo de forma imprudente, estaciono de qualquer jeito, pego o elevador e causo alvoroço entre Agnes e os outros guardas, os quais tentam me acompanhar. Mas não me importo.

Estou tremendamente agitado quando chego ao terceiro andar e noto a presença dos guardas que designei para Miranda na frente de uma das portas, de onde uma enfermeira sai.

"Quarto de Miranda Miller?" Eu pergunto para confirmar.

A enfermeira deve ser nova no hospital, porque ela fica surpresa ao notar quem sou e a presença da realeza no King é quase diária. A ala VIP foi, praticamente, construída com a propaganda da família King de que dariam acolhimento e privacidade ao próprio rei. Por isso sempre acabamos aqui quando algo relacionado à saúde acontece. 

"Sua graça", ela abaixa a cabeça e não me olha mais nos olhos. "Sim, é o quarto da senhorita Miller".

Normalmente, eu agiria de forma mais cortês, mas só murmuro um "obrigado" e me apresso a passar por ela e entrar no quarto, sem nem mesmo saber se posso.

Dentro dele, encontro Miranda dormindo e Aeryn a olhando. Assim que a porta se abre, a amiga da minha namorada se apressa até mim.

"Precisaram dar um sedativo leve para que ela se acalmasse, mas está tudo bem com os bebês", Aeryn diz.

"O que foi que aconteceu?" Meus olhos ainda estão em Miranda quando pergunto, porque percebo que ela está muito pálida. "Vocês saíram para fazer compras e então...".

"O ex-namorado dela apareceu na loja em que estávamos", Aeryn responde, deixando-me tenso. Isso explica muita coisa e me deixa muito ansioso, porque conheci o sujeito e sei do que ele é capaz. "Não sei como a reconheceu, mas estava lá. Falou com Mimi, a segurou e começou a gritar".

"E onde estavam os malditos guardas que eu ordenei que a protegessem?" Não consigo evitar o tom raivoso, apesar de não saber exatamente a quem estou direcionado a minha raiva. Se aos guardas desajeitados, ao ex-namorado ou a mim mesmo, que, mais uma vez, não estava com ela quando algo aconteceu.

"Eles apareceram quando o babaca a tocou. O imobilizaram até os seguranças do shopping aparecerem e me ajudaram a trazê-la para cá. A Miranda ficou muito angustiada, começou a hiperventilar, a chorar...". Aeryn balança a cabeça em negação, como se estivesse revendo as cenas em pensamento. "Os seguranças do shopping nos perguntaram se queríamos prestar queixa, mas priorizei socorrer Miranda".

"Então aquele maldito ainda está por aí?".

"A Miranda ainda vai poder prestar queixa. Tinham muitas testemunhas por lá, além de mim e dos guardas", Aeryn diz. "Mas isso é com a Mimi, Caellum. Ela não tinha condições de fazer nada naquele momento".

Sei que ela está certa e, por isso, tento expulsar o monstro que surgiu dentro de mim ao respirar fundo. Obrigo-me a pensar com razão.

"Certo", digo. "Podemos deixar isso para depois".

Mas, sinceramente, pergunto-me se Miranda vai querer denunciá-lo quando não quis nem mesmo após o babaca tentar bater nela anos atrás.

Só de resgatar esse pensamento, a raiva renasce com uma nova onda.

"Nesse caso, vou aproveitar que você chegou para ficar com ela e retornarei ao shopping. No alvoroço, deixei todas as nossas compras na loja e preciso ir buscar. Quando a Mimi acordar, me avisa".

"Tudo bem".

"Tchau, Caellum".

"Tchau, Aeryn".

Assim que ela sai do quarto, ocupo a poltrona perto da cama de Miranda e a observo com atenção. Ela está mesmo pálida e, embora não apresente qualquer ferimento visível em seu corpo, sei que a conversa deve ter mexido muito com ela e tenho raiva da facilidade com a qual aquele monstro ainda consegue encontrá-la.

"Não acredito que ele ainda está na sua vida", falo, mesmo sabendo que ela não pode ouvir. "Devo fazer algo sobre isso?".

Nunca fui dado à violência, mas a minha vontade é de socar esse cara várias e várias vezes por tudo o que ele fez e, mesmo assim, não vai parecer o bastante.

Pelos ancestrais, ele quase lhe bateu. Quase bateu e agora ressurgiu fazendo-a parar numa cama de hospital, porra.

Só de pensar nisso e no quanto Mimi sofreu, fico maluco e, por isso, busco me conter ao segurar sua mão. Isso me faz pensar que, apesar de tudo, ela está aqui, está a salvo, está viva. Ela sobreviveu.

Mas preciso dar um jeito no babaca.

xXx

Em algum momento, acabo caindo no sono e, quando acordo, já é noite e Miranda é quem me observa em silêncio.

"Você devia ter me acordado", murmuro entre um bocejo, esfregando os olhos com uma mão para despertar. "Como está?".

"Melhor", Miranda ainda me encara com atenção. Parece abatida.

"O que foi? Você está se sentindo mal?".

"A Aeryn te contou o que aconteceu?" Mimi ignora a minha pergunta, soa preocupada e, por um momento, penso que ela pode acabar caindo no choro.

"Contou", não vejo motivos para omitir. "Mas não se preocupe com isso agora. Está tudo bem, Mimi".

"Não, não está", ela desvia o olhar e noto que as lágrimas enfim vêm. "Sempre penso que posso me livrar do Landon e seguir a minha vida, mas ele sempre surge de repente para me lembrar que não é bem assim".

Faço a única coisa que posso no momento e saio da poltrona para a cama, ajeitando-me de modo a deitar com Miranda e abraçá-la.

Deixo que ela chore.

"Eu tentei ignorar o meu incômodo, evitá-lo, mas ele sempre surge e, dessa vez... Se algo tivesse acontecido com os bebês...".

"Está tudo bem com eles, Mimi", afago o seu cabelo enquanto a abraço. "E, se Landon a incomoda tanto assim, pode denunciá-lo pelo que fez. Há testemunhas o suficiente e podemos usar as imagens das câmeras de segurança também".

Apesar de tentar encorajá-la, Miranda se retrai. Ela não parece muito propensa a isso.

"Tenho medo do que ele pode fazer, se eu denunciá-lo", Mimi admite, encolhendo-se em meus braços. "O Landon não tem medo, Caellum. Ele é capaz de tudo".

"Ele não vai chegar perto de você nunca mais, Miranda", seguro o seu rosto para que ela olhe em meus olhos e veja neles a minha promessa. "Eu não vou deixar".

Mas há tanto medo refletido nos olhos dela. Tanto.

"Ele sempre me alcança, Caellum", ela diz. "O Landon só vai parar quando conseguir me matar como tentou certa vez".

"O quê?".

Meu corpo inteiro gela e tenho certeza, por um momento, que fico pálido de choque pelas suas palavras.

"O acidente que me fez desistir da patinação...", Mimi murmura com o olhar distante, como se estivesse pensando no dia em que isso aconteceu. "Não foi um acidente. O Landon tentou nos matar".

"O quê?".

Acho que quebrei. Não consigo falar mais nada, além disso.

"Eu tive medo de falar para alguém, mas sei o que ouvi. Ele tentou nos matar e deu errado. Desde então, tenta agir como se nada tivesse acontecido e eu fosse a grande errada da história por ter terminado o nosso namoro".

Ela está chorando muito agora, expurgando de si um segredo de grande magnitude que uma parte minha quer questionar porque não falou para ninguém ou denunciou o canalha. Porém, a resposta é óbvia: Mimi teve muito medo e nenhum apoio.

Na mesma conversa em que ela me falou de seu ex-namorado quando o conheci enquanto a perseguia em um de nossos encontros anos atrás, Miranda também me falou que os seus pais o adoravam.

"Ele não vai mais te machucar. Nunca", repito. "Você não estará sozinha se o denunciar dessa vez, Mimi".

Mas ela parece fragilizada demais agora para que pensar nisso seja sua prioridade, então aceito o seu silêncio e não torno a insistir. Até porque, apesar de saber que é o caminho certo, também sei que uma multa e uma restrição de contato são uma mesquinharia de punição perto do que esse cretino merece.

De alguma forma, Miranda volta a dormir, então saio do quarto para saber os detalhes da sua internação e descubro que ela já pode ir para casa. Contudo, deixo que durma mais um pouco antes de acordá-la para irmos e, nesse meio tempo, confiro os portais de notícia e não me surpreendo que o que aconteceu com Miranda tenha alcançado a mídia.

Apesar dos disfarces, a presença dos guardas fez com que não fosse um empecilho identificar Miranda e Aeryn no vídeo e nas fotos. Mas, dessa vez, não estou bravo com a falta de privacidade. Estou grato. Embora alguns portais ajam de má-fé ao tecer teorias idiotas sobre infidelidade, outros tratam do assunto como o ataque que realmente é, mesmo que não saibam dos detalhes.

Com o assunto na mídia, quero acreditar que Miranda terá mais coragem para denunciar e, mais do que isso, quero que seus pais percebam quem realmente é o tal Landon e que o Landon não sinta coragem de sair ao sol pelos próximos dias.

Infelizmente, com o assunto se tornando público, isso também significa muitas mensagens de pessoas querendo saber o que aconteceu. Nossos amigos, minha família, a assessoria...

"Acho que é melhor deixar a Mimi dormir por aqui mesmo", percebo.

Algo me diz que os próximos dias a deixarão agitada e ela e os bebês precisam descansar ao máximo após tanta coisa hoje. Enquanto isso, tento controlar os danos.

Olá, pessoas. Como estão? Gostando da abordagem do arco sobre o Landon ou nah?

Estou passando só para avisar que resolvi mudar um pouco as postagens do livro para acelerar o processo, mas sem me comprometer muito (lê-se, sem correr o risco de deixar o livro em hiatos culposo, quando não há intenção de pausar, mas a vida te obriga). Por já ter escrito até o capítulo 34 e estar conseguindo escrever um capítulo por semana até o presente momento, resolvi que, a cada duas semanas, uma semana terá duas atualizações. Nisso, como a semana passada teve duas atualizações, essa terá apenas uma, a próxima duas... E assim se seguirá.

Meu plano é tentar concluir o livro até dezembro, muito embora eu vá ter aulas até o dia 23/12 (R.I.P. OlivsLah), para que o volume sete e, quem sabe, o primeiro ato do volume oito saiam no ano que vem. Se isso vai acontecer, eu não sei. Como eu disse, já escrevi até o capítulo 34, mas o livro, atualmente, terá 51 capítulos + epílogo (E o número de capítulos sempre pode aumentar em razão do acréscimo de cenas. Inicialmente, o livro teria 40, para terem uma noção).

De qualquer modo, também estou planejando retornar o Guia da Realeza Oriana com alguns contos. Tenho ideia para um total de quatro até agora (Talvez poste um por mês?), sendo um da Hermione e do Lucas (Durante o primeiro campeonato de Mundo Onírico dela, um ano depois do início de namoro dos dois), um do Leonard e da Sofya (O plot desse é segredo) e dois da Cassiopeia e do Theo (Um sobre o reencontro deles depois do último verão e outro que se passa durante o período desse livro - e que pode, na verdade, ser uma pequena novela).

Enfim, conteúdo de ABT não vai faltar. Até a próxima <3

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