24. ANTIGO PESADELO

Aeryn insiste para que a gente almoce no restaurante Huang Gongshu, perto do palácio, o que, por si só, já me deixa com a sensação de que ela está aprontando algo. Pela localização, não é muito difícil concluir que o restaurante tem preços exorbitantes e, apesar de pertencer a uma família rica, minha amiga passou 19 anos vivendo como uma mera mortal como eu e ainda guarda alguns costumes da classe trabalhadora, como economizar.

Portanto, assim que entramos no lugar e somos imediatamente levadas a uma das salas reservadas do restaurante estilo oriental, sei que algo está prestes a acontecer e descubro o que é quando o funcionário empurra a porta de correr para nós e encontramos Cassiopeia Maximoff dentro da sala.

"Qual o motivo de ter guardado segredo sobre estarmos vindo encontrar a Cassiopeia?" Pergunto para Aeryn, confusa.

Mas quem responde é a própria lady que, ainda agindo de modo diferente do seu normal, parece nervosa ao se explicar:

"Eu não sabia como iria reagir à ideia, depois do que aconteceu ontem, então pedi para a Aeryn não falar nada".

"Uma preocupação tola. Eu não estou chateada com você, Cassiopeia".

Porém, ainda assim, minha cunhada parece envergonhada. Ela desvia o olhar para a mesa e indica os lugares vagos.

"Sentem-se".

Em razão do estilo oriental do restaurante, a mesa é de uma madeira escura e baixa, de modo que os assentos são almofadas ricamente bordadas em diferentes cores e postas diretamente no piso. Algo que não me incomodaria se eu não estivesse com uma barriga protuberante que transforma em uma aventura qualquer movimento de me abaixar ou levantar.

"Deixa que eu te ajudo".

Aeryn me apoia para que eu me sente e depois ocupa o lugar ao meu lado. Ainda estou um pouco confusa sobre a presença de Cassiopeia, mas ela deve saber disso, porque continua:

"Desculpe. Eu deveria ter pensando em você ao escolher o restaurante, mas estive no palácio o dia todo para organizar minhas coisas e...", ela hesita. Parece repensar o que é realmente importante a ser dito. "De qualquer forma, eu queria me desculpar, Miranda. Você e o Cal pensaram em mim como alguém capaz de proteger um de seus bebês e, mesmo que não consiga enxergar em mim o que vocês enxergaram, eu quero fazer as coisas da forma certa".

Isso é inesperado.

"O que te fez mudar de ideia?" Não consigo evitar a pergunta. O modo como Caellum agiu ao conversar por telefone com ela deu a entender que Cassiopeia não havia aprovado a ideia tanto assim.

A lady respira fundo. Ela está com a postura impecável e veste uma de suas típicas roupas: um conjunto de calça e blazer social azul-claro, além de uma camisa social rosa. Mas, por debaixo da montagem de herdeira Maximoff, ela parece extremamente cansada ao dizer:

"Quero que o Caellum continue gostando de mim e que os bebês possam me considerar uma tia legal, mesmo de longe".

"De longe?" Isso me surpreende. "Você vai embora de novo?".

Cassie assente.

"Não tenho mais vínculo com a Aureum College e a Katherine ainda vai passar muito tempo no Grande Conselho, então pensei em viajar um pouco".

"Do nada?".

Acho que ela já falou isso para a Aeryn antes, porque sou a única que apresenta estar surpresa.

Cassiopeia dá de ombros.

"Vai ser bom para mim... Eu acho".

"E quando você pretende ir?".

O modo como ela fala é como se estivesse se despedindo agora mesmo.

"Só depois que os bebês nascerem", a lady dá uma olhada nada discreta para a minha barriga. "Gostaria de ir antes, mas não tenho data para retornar e não acho certo partir antes de conhecer os meus sobrinhos. Caellum não me perdoaria".

Por algum motivo, o perdão do irmão parece ser bastante importante para a lady atualmente e me pergunto se isso tem algo a ver com o grande segredo da Alemanha.

"O seu irmão sabe que você pretende ir embora outra vez?" Decido perguntar.

Cassie estampa uma cara quase abatida quando assente.

"Falei para ele ontem".

Eu me pergunto se Caellum levou a sério.

"Você também já sabia", acuso Aeryn, que arqueia uma sobrancelha.

"Soube hoje, junto com o Kyle", minha amiga se defende. "Só por isso topei armar o almoço e não falei nada sobre a presença da Cassie".

"Bem que eu desconfiei que você nunca me traria para cá se outra pessoa não estivesse pagando!".

Isso faz Aeryn rir, e Cassiopeia nos olha com uma cara meio perdida, de quem não consegue entender qual é a piada. Privilegiada!

"Devemos pedir as entradas agora?" Ela pergunta.

Minha melhor amiga e eu ainda estamos trocando expressões de cumplicidade quando assentimos.

"É sempre bom ter uma amiga que não se preocupa com gastos", respondo, quando Cassiopeia chacoalha o sininho sobre a mesa, o qual serve para chamar o garçom.

XxX

A conta dá quase mil e duzentos dólares orianos, o que é 60% de um salário mínimo em Orion e justifica toda a minha desconfiança sobre Aeryn me trazer até aqui. Depois de ver a conta, minha amiga não parou de resmungar o que poderia ser comprado com esse valor, mesmo que Cassiopeia, que foi quem pagou, não parecesse nada arrependida do almoço.

"E então?" A Lady pergunta, depois que os manobristas trazem o indiscreto Pintinho Amarelinho e sua Mercedes preta. "O que vocês vão fazer agora?".

"Shopping!" Aeryn responde. "Temos que comprar algumas roupinhas a mais para os gêmeos".

"Whitesands?" Cassiopeia indaga, referindo-se ao shopping expansivo que o seu irmão me levou.

"Nem pensar!" Rebato. "Vamos para a zona norte".

"Isso é seguro?".

Às vezes me deixa muito irritada o quão alienadas as pessoas da realeza são. Não é como se só existisse crimes na parte pobre da cidade.

"É sim", respondo. "E, de qualquer forma, o seu irmão colocou uns guardas na minha cola que prometem garantir a minha segurança".

Indico o veículo escuro na esquina da rua, o qual ainda consigo encontrar mesmo após as palavras de Caellum de que eu não os notaria me seguindo.

"Isso me deixa mais tranquila", a lady responde. "Nesse caso...", ela começa a mexer em sua bolsa, como se procurasse algo. "Preciso encontrar meu avô Feng agora, mas podem usar o meu cartão para comprar alguns presentes para os gêmeos em meu nome", ela abre a carteira e nos entrega um cartão preto, sem limites, semelhante ao do irmão.

Por um momento, meu orgulho me manda recusar, mas como se soubesse que pretendo fazer isso, Aeryn se adianta e pega o cartão.

"Tenho certeza que encontraremos coisas muito boas para Caeli e June", minha amiga diz.

Cassiopeia assente.

"Nesse caso, vou me apressar. A gente se encontra em um outro momento".

Nós duas acompanhamos a lady entrar em seu carro e depois perdemos o veículo de vista, o qual é seguido por uma BMW da guarda real.

Tão logo Cassiopeia parte, eu me volto para Aeryn:

"O que houve com você e com o seu orgulho, hein?".

"Que mal tem uma tia rica querer presentear os seus sobrinhos?" Minha amiga dá de ombros. "O que vamos gastar nem vai fazer cócegas no orçamento da Cassiopeia, provavelmente".

"Você também tem um cartão preto", a recordo de que ela também é uma tia rica.

"Mas vou usá-lo com você", ela me diz, para meu espanto. "E nem tente negar. Chega de combinações estranhas, Mimi".

XxX

Fico mais à vontade em um shopping de classe média do que estaria no Whitesands, mesmo com Aeryn insistindo para que a gente use o disfarce idiota da realeza. Segundo ela, com meu rosto estampado por aí nas notícias sobre Caellum (o pedido de privacidade realmente não foi respeitado), ninguém nos deixaria em paz - já que o rosto dela também é conhecido.

De qualquer forma, apesar do pequeno empecilho, conseguimos comprar algumas coisas para June e Caeli (que não chegam a somar o que a lady gastou no almoço e muito menos o que Caellum gastou no restaurante de luxo) e depois Aeryn me arrasta para comprar roupas para mim.

"Não precisa ser só roupa de grávida, Mimi", minha amiga fala. "Você não vai ficar assim para sempre".

"Não quero parecer que estou abusando da sua boa vontade", sou sincera.

Aeryn já fez muito por mim. Muito mais do que até a minha própria família.

"Deixa de coisa", ela me leva até uma loja de aparência um pouco mais cara, a qual exibe lindos vestidos. "Cartão sem limites, lembra? Meu avô vive falando que eu devia gastar mais".

"Com você mesma, eu aposto".

"Ele nunca especificou, na verdade".

Entramos na loja e, assim que uma atendente se aproxima, Aeryn indica toda uma arara de roupas e diz que vai levar, como se estivesse em um filme.

"Acompanhe-me até o caixa, senhorita".

Aeryn vai com ela e fico sozinha por um momento, então saio da loja para tentar encontrar os guardas que nos seguem. Mas quem eu encontro é parte de um antigo pesadelo.

"Miranda", ele diz. "Sabia que era você!".

"L-Landon", balbucio, um tanto perturbada pela sua presença e pelo fato de ele ter me reconhecido (falei que era um disfarce ruim!) e ainda me pegado de surpresa.

Não vejo o meu ex-namorado há muito tempo. Embora ele e a mãe frequentassem a minha casa como se a gente ainda permanecesse dentro de um compromisso, vi Landon pela última vez há cinco meses, na desastrosa ceia de réveillon que me levou a ir para a festa de Aiden Kannenberg. Mas ele não mudou muita coisa de lá para cá. Permanece com uma barba aparada, cabelo curto (ele serviu ao exército quase no mesmo período de Caellum) e expressão doentia de quem se diverte me perturbando.

"Então é tudo verdade", o seu olhar desce do meu rosto para a minha barriga com um sorriso de escárnio. "Você sujou o nome da sua família e caiu em desgraça".

Juro que não consigo entender o que a Miranda de dezesseis anos viu nele para um dia se apaixonar. De alguma forma, pensar assim e no quanto ele é asqueroso me faz superar o susto inicial e rebater:

"Não, eu só estou grávida".

Landon pende a cabeça para um lado, analisando-me como se me achasse inacreditável.

"Sem matrimônio", ele soa como todos os velhos conservadores do país. "E de um homem da realeza, pelo que ouvi. Aposto que ele foi obrigado a assumir tudo isso pela imagem. Que problema está causando, Miranda".

Tem certas pessoas que você simplesmente sabe que não vale a pena ouvir, então desisto de dar qualquer atenção para Landon e me viro para entrar na loja de novo. Mas ele me segue e diz:

"Foi para isso que você terminou comigo? Para causar tanto mal a sua família?".

"Estar grávida é algo tão imperdoável assim?".

"Os Miller sempre foram bons pais e a criaram bem, mas você, ainda assim, ficou grávida do primeiro que lhe apareceu sem qualquer compromisso...".

"Ao menos ele nunca tentou me matar ou me fez desistir de uma carreira, como você", paro de andar e encaro Landon. Depois que terminamos, eu passei a tentar evitar qualquer tipo de conversa com ele e, por medo, não voltei a acusá-lo do acidente outra vez. Contudo, a sua insistência me tira do sério. "Apenas me deixe em paz, Landon. Já ouvi essas coisas por vezes o suficiente de outras pessoas para não querer ouvi-las de novo justo de você. Quem é você para me dar lição de moral, afinal de contas? Sai da minha vida!".

Volto a seguir pela loja, agora buscando encontrar Aeryn, mas meu ex-namorado não parece satisfeito em interromper a conversa e me puxa pelo braço. Algo simples, mas que desperta em mim uma enxurrada de lembranças de todas as vezes em que ignorei pequenos gestos violentos de sua parte, os quais me levaram a acordar numa cama de hospital com a perna imobilizada e a sentença de que eu jamais voltaria a patinar no gelo como antes.

"Eu te amava, Miranda!" Landon grita. "Tudo o que fiz foi pelo seu bem, mas você nunca pareceu perceber. Sempre fez tudo errado. Terminou comigo, me esnobou e agora...", ele olha para minha barriga novamente, mas com nojo. "Está grávida de outro!".

Seu tumulto chama a atenção. Não demora muito e Landon é tirado de cima de mim e imobilizado por um dos guardas enquanto outro se aproxima de mim e então Aeryn também surge ao meu lado e me pergunta se eu estou bem e quem é Landon.

"Me solta!" Meu ex-namorado grita do chão, encarando-me com a mesma expressão furiosa que tinha antes de bater com o carro há quatro anos. "Me solta, desgraçado ou vou chamar a polícia!".

Aeryn ainda está falando comigo, mas não consigo ouvi-la. Só consigo encarar Landon e repetir várias vezes na minha cabeça o que o homem com aquela expressão é capaz de fazer. E se ele voltar a me machucar? E se fizer algo com Caeli ou June?

"Ela está hiperventilando. Acho que é uma crise de pânico. É melhor a gente ir para o hospital", Aeryn fala com o guarda que veio me amparar, o qual rapidamente assente.

Os dois começam a me conduzir para fora da loja, mas ainda estou olhando Landon, o qual foi erguido do chão pelos seguranças do shopping.

"Vocês pretendem fazer alguma denúncia?" Ouço um dos seguranças perguntar, mas não o que o guarda responde.

Sinto-me fora de mim enquanto sou guiada até o estacionamento. É a mesma sensação estranha que tive por semanas após o acidente e que tive, mais recentemente, depois que descobri a gravidez e cogitei o aborto.

Não sei como consigo me manter em movimento, mas sei que a força que me leva se esvai assim que entro no carro de Aeryn. Há lágrimas escorrendo pelo meu rosto e percebo que estou chorando e que me falta ar, então tiro a máscara, mas ainda estou hiperventilando.

"Era o seu ex-namorado, não era?" Aeryn me pergunta assim que sai com o veículo do shopping.

Não entrei em muitos detalhes sobre Landon ao falar para ela acerca do relacionamento que vivi. Ela sabe que não foi bom, que as atitudes dele comigo eram tóxicas e que Landon ainda estava na minha vida por ser adorado pelos meus pais. Mas não sabe sobre o acidente não ter sido um acidente.

"Vou te levar para o hospital", minha amiga continua, mesmo que não tenha obtido uma resposta. "E pedir para o Caellum encontrar a gente lá".

Apesar do seu carinho me confortar um pouco, depois disso tudo só consigo pensar em uma coisa: queria que os meus pais também fossem me encontrar lá, só para provar para Landon e para mim mesma que o que fiz não foi imperdoável como ele fez parecer.

Caeli e June não merecem crescer com pessoas que acham isso.

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