21. SEGREDOS QUE CORROEM
Descubro assim que encontro Cepheus no hospital que eu poderia ter ficado mais tempo com Miranda, pois Cassiopeia está bem, mas impossibilitada de falar comigo por ter adormecido. Assim, sem poder falar com ela, tento entender o que aconteceu conversando com o nosso caçula.
"E então?".
Depois de ter encontrado Ceph feito um garotinho no corredor da ala VIP do hospital, eu o trouxe para beber café na área arborizada do terraço enquanto ele responde a um interrogatório, porque é o local mais vazio do hospital no momento.
"Na verdade, eu não sei se foi um acidente. O médico disse que ela misturou álcool com remédios", Cepheus soa distante, como se não conseguisse acreditar no que diz. "Você sabia que a Cassie toma ansiolíticos como quem toma chá? Ela tomou, pelo menos, cinco unidades de uma vez só. Não sei se realmente tinha noção do que poderia acontecer ao tomá-los depois de sorver metade de uma garrafa de vinho".
Agora sou eu que não consigo acreditar no que ele diz.
"Você está me dizendo que a Cassiopeia tentou suicídio, Cepheus?" Poucas são as vezes em que sou tão sério quanto agora.
Meu irmão me encara. Ele parece bem mais novo agora do que realmente é, principalmente quando os seus olhos se enchem de lágrimas enquanto me fita.
"Ela não faria isso com a gente", Ceph diz. "Ela não faria isso consigo mesma. Por isso me ligou quando percebeu que não estava bem. Por isso conseguimos chegar no hospital antes que...".
Ele não completa, mas sei o que está pensando: antes que o pior acontecesse. Antes que Cassie acabasse morrendo.
Puta merda.
Não consigo acreditar que isso está acontecendo.
Não consigo acreditar que a vi ontem, que Miranda notou sua mentira e me alertou sobre Cassie ter ido a um psiquiatra, mas, ainda assim... Eu ignorei os sinais.
"A culpa é minha".
"Não seja idiota", Ceph me repreende. "Concordar com isso seria negar a minha culpa também. Todos percebemos que ela estava estranha desde a briga com a mamãe e você foi o único que quis fazer algo a respeito, mas...", ele começa a chorar com mais intensidade. "A gente só esperou que ela resolvesse tudo sozinha, como sempre".
Isso é uma loucura.
Tento me convencer a parar de pensar nos possíveis erros que cometemos e no que poderíamos ter feito para evitar as coisas. Cassiopeia está bem, então faço o que está ao meu alcance e consolo Cepheus com um abraço enquanto as minhas próprias lágrimas começam a pinicar em meus olhos.
Quando sinto que meu irmão está um pouco mais calmo após algum tempo, pergunto:
"Quem tanto sabe sobre o que aconteceu?".
"A Mia sabe que estamos no hospital, mas não sabe dos detalhes", Cepheus ainda está com a cabeça encostada em meu ombro quando responde e sua voz soa fungada pela crise de choro. "Ela ficou de avisar aos nossos avós Feng e eu fiquei de avisar à mamãe e aos Maximoff, mas não consegui pensar em fazer isso ainda".
"Ótimo. É melhor que eles não saibam da possibilidade de não ter sido um acidente", falo. "Se souberem, farão tempestade em um copo d'água e isso não vai ajudar a Cassie em nada. Diga que ela passou mal, apenas. Eu vou pedir para que o médico fale a mesma coisa, se perguntarem".
"Acha que eles ficariam muito bravos com ela, se soubessem da hipótese?".
"Certamente eles não ficariam felizes", eu me afasto do meu irmão para olhá-lo. Há muito tempo que eu não via o Cepheus tão fragilizado. "Avise ao pessoal, tá bom? Eu vou falar com o médico".
xXx
Encontro o médico responsável por Cassiopeia e consigo seu silêncio em troca de um favor monetário. Quando volto a encontrar Cepheus, ele está ao telefone, mas desliga pouco depois que me vê.
"Era a nossa mãe?" Eu pergunto, porque o modo como ele explicou as coisas para quem o ouvia, tentando acalmar, me leva a deduzir isso.
Mas a resposta do meu irmão é inesperada.
"Era o príncipe Timotheo, na verdade", ele diz, um pouco confuso com a própria afirmação. "Parece que a Cassie tentou falar com ele e ele telefonou para saber porque havia tantas ligações perdidas. Eu falei que ela passou mal, mas que já estava bem. Ele pareceu ficar preocupado mesmo assim".
Quando será que as surpresas vão acabar? Está ficando cada vez mais difícil tentar absorver o que acontece antes que mais alguma coisa inesperada aconteça em seguida. Sinto como se tivesse vivido um mês inteiro em apenas dois dias.
"Espero que isso não signifique que ele vai aparecer por aqui ou vai ser totalmente inútil tentarmos ser discretos".
"O príncipe eu não sei, mas a mamãe virá com certeza", Cepheus diz. "Os Feng também devem chegar a qualquer momento".
"Desde que eles pensem ter sido só um mal-estar, vai ficar tudo bem", respondo. "Talvez seja melhor que eles venham, assim você pode ir para casa descansar".
"Coisa que você também precisa, porque não parece ter dormido nada recentemente", o meu caçula indica meu rosto, onde sei que bolsas roxas de olheiras estão estampadas graças à última noite em claro.
Eu suspiro.
"O tal blecaute me tirou o sono", confesso.
"Você também achou que fosse acontecer algo ruim?" Cepheus me pergunta. "Porque o Ren quase enlouqueceu com isso. Ele realmente acredita que há alguma organização querendo nos matar por aí".
"Isso é realmente tão absurdo assim?".
Meu irmão apenas dá de ombros, como quem diz que não é seu papel responder a isso.
Pela hora seguinte, permanecemos no hospital até a chegada dos Feng, os quais nos enchem de perguntas sobre o ocorrido e nos mandam para casa em seguida.
Apesar de não querer deixar Cassie sozinha antes de tentar entender o que aconteceu, eu tenho noção dos meus limites e vou para casa descansar. Mas não o palácio, onde sei que Theo vai me abordar e fazer perguntas e, tampouco, a casa dos Feng com Cepheus. Eu vou para o apartamento no Maximoff Plaza, onde deito-me em meu quarto quase não utilizado e faço uma chamada para Mimi.
É uma hora da madrugada agora, então penso que ela não irá atender quando a chamada se prolonga, mas ela atende pouco antes de cair na secretária eletrônica.
"Oi", sua voz é de puro sono, o que me faz deduzir que a acordei. "Você ainda está com a sua irmã?".
"Cheguei em casa há meia-hora, na verdade".
"A Cassiopeia está bem?".
Ela está viva, mas não sei se isso significa que ela está bem.
"Uhum".
Não sei se Miranda acredita em mim.
"Você está bem?".
"Estou cansado", sinto que posso cair no sono se ousar fechar os olhos um pouco. "Mas queria ouvir você para ter certeza de que a nossa conversa mais cedo foi real".
"Entendi".
"É que você é a melhor coisa na minha vida atualmente, Miranda, o que é estranho de se pensar quando eu realmente passei os últimos anos querendo te odiar".
"Isso é bom de ouvir".
Há um instante de silêncio em que penso que ela caiu no sono, então ouso sussurrar:
"Queria que você estivesse aqui".
"E eu queria estar com você", sua resposta inesperada me faz sorrir de forma boba.
"Posso ir te sequestrar no forte dos Kannenberg então?".
Ela bufa uma risada.
"Não acho que você esteja muito desperto para isso, Caellum".
O bocejo que solto parece concordar com a sua afirmação.
"Amanhã eu faço isso", afirmo. "E depois, e depois, e depois...".
Mais uma risada e eu gosto cada vez mais disso. Era com conversas assim que o Caellum de 19 anos sonhava quando se encantou pela garota de cabelos curtos e cachecol vermelho da faculdade.
"Boa noite, Caellum. Você precisa dormir".
"Boa noite, Mimi".
XxX
Consigo dormir algumas horas, mas não o suficiente. Quando desperto de manhã cedo e a ansiedade ocupa a minha mente através dos acontecimentos recentes, fico de pé e vou até o palácio para tomar banho e comer alguma coisa antes de ir ao hospital para ver Cassiopeia.
Diferente da noite de ontem, não é Cepheus quem eu encontro no corredor, mas dois homens de preto que guardam a porta e fazem uma mesura quando entro no quarto e encontro Cassiopeia deitada, mas não dormindo.
Por um momento, eu apenas a olho e ela devolve o olhar. Não é de hoje que a minha irmã esbanja uma aparência doentia, mas na cama do hospital isso fica ainda mais evidente. Sua pele e seu cabelo estão secos e descuidados, seus lábios estão pálidos, suas olheiras estão muito piores do que as minhas e, acima de tudo, Cassie perdeu o brilho.
É impossível ficar apático diante desses sinais óbvios de que ela não está bem. Sinto a culpa me preencher sem qualquer dó, enchendo-me de pensamentos de que eu poderia ter evitado o que aconteceu, acidental ou não. Mas eu estive tão mergulhado nos meus próprios dramas, na minha própria vida, que esqueci de me preocupar com a minha irmã.
"Não fique parado aí como se estivesse tentando ler a minha mente", ela fala, ainda me encarando. "Sente-se, Caellum".
Cassiopeia é meros cinco minutos mais velha, mas ela soa como se fosse muito mais e eu a obedeço cegamente por isso. Quando ela me diz para sentar, eu sento. Ocupo a cadeira que há ao lado da sua cama e a observo com expectativa.
"Sei o que está pensando, mas foi um acidente", minha irmã ainda me observa com a mesma atenção que eu a observo. "Eu não consigo dormir. Você sabe que tenho dificuldade e os remédios não parecem estar mais funcionando. Não achei que fosse me fazer mal tomar um pouco mais".
"Mas você bebeu vinho junto, Cassie. E é óbvio que não está bem desde que voltou da Alemanha. O que, pelos Ancestrais, aconteceu com você ontem?".
"Foi um acidente", ela reitera com mais ênfase. "Eu pedi ajuda assim que percebi que não estava bem".
"E o que aconteceu na Alemanha? Tenho certeza que a sua atual crise de insônia tem algo a ver com isso".
"Isso não cabe a mim te contar, Caellum", ela balança a cabeça em negação.
"Então cabe a quem? A mamãe?" Eu me altero um pouco. "Porque acho que vou reconsiderar falar a verdade sobre o que aconteceu com você para ela, se isso fizer com que vocês parem de agir como se eu fosse um idiota, porque é óbvio que está acontecendo alguma coisa e que tem a ver com a Alemanha e possivelmente com a mamãe".
"Você já tem muito com o que se preocupar com a Miranda e os seus filhos, não acha? Pare de procurar por mais problemas".
"Não acho que você pensou nisso quando quase se matou!".
Poucas são as vezes em que consigo deixar Cassiopeia sem palavras, mas essa é uma dessas vezes. Nós dois ficamos em um silêncio para lá de desconfortável em que me arrependo do que falei e fico querendo voltar atrás, principalmente quando ela murmura:
"Eu não estava tentando morrer, Caellum. Mas, sim, eu não estou bem e tem a ver com a Alemanha e com a mamãe. Só que é por não estar bem que eu não quero que você se sinta assim também".
"É mesmo tão ruim assim o que você está escondendo?" Pergunto, porque não consigo pensar em nada que possa ser tão ruim e que envolva a Alemanha e a nossa mãe. "Porque, olhando de fora, é como se você estivesse se corroendo".
"Talvez eu esteja mesmo", é a primeira vez em muito tempo que a vejo demonstrar certa fragilidade. "Nunca me senti tão sozinha, mesmo cercada de pessoas. E só consigo sentir raiva, desesperança e rancor".
"Da nossa mãe?".
"De todo mundo, até de você e do Cepheus".
"Cassie...".
Ela fecha os olhos.
"Me distraia", Cassiopeia me interrompe. "Não quero mais falar sobre isso. Como estão os bebês? E por que você não me disse que seria pai de gêmeos, aliás?".
Meu primeiro ímpeto é protestar, mas trato de respirar fundo. Sei que quando Cassie se nega a algo, ninguém a faz mudar de ideia. Se um dia souber o que ela tanto esconde, será pela nossa mãe. Por isso, esforço-me a esquecer e mudar de assunto:
"Tem muita coisa acontecendo de uma vez só. Acho que ninguém sabe sobre serem gêmeos, além de você, da mamãe e dos Kannenberg".
"E vocês ainda não escolheram os nomes?".
"Resolvemos fazer uma lista de considerações primeiro. A Mimi quer nomes significativos".
"E quando a assessoria dos Maximoff vai anunciar para o povo que você será pai?".
"Acho que logo. Principalmente agora que a Miranda e eu nos acertamos e estamos juntos de novo".
Isso chama a atenção da minha irmã o suficiente para que ela abra os olhos e me encare com um quê de vivacidade, despontando um pequeno sorriso.
"Juntos, juntos?" Pergunta Cassie, soando animada com algo pela primeira vez em muito tempo. "Tipo... Namorando?".
"Ainda não discutimos isso, mas algo assim. Nós nos acertamos ontem".
"E o que você está fazendo aqui ao invés de estar com ela?".
Cassie revira os olhos quando eu a observo como se ela tivesse feito um questionamento estúpido, porque é óbvio que eu estaria aqui com ela estando internada.
"Eu estou bem, Caellum. Você sabe", ela parece repensar o que diz e acrescenta: "ou o mais perto disso".
"Ainda assim...".
"Vai ficar com a Miranda!" Ela me ordena. "Não vou te perdoar se ficar aqui quando finalmente se resolveu com ela após anos".
Tenho muito a dizer sobre isso a perguntar a ela sobre quando vai acontecer o mesmo entre ela e Theo, mas a oportunidade me é roubada quando a porta se abre pela chegada da nossa mãe.
Assim como todos os Maximoff, Katherine não parece ter dormido bem e apresenta uma aparência desleixada que destoa do seu normal. Há bolsas roxas por baixo da maquiagem antiga, seu cabelo está preso em um penteado rígido e suas roupas estão um pouco amassadas. Mas seu olhar carrega a firmeza dos Maximoff quando nos olha.
"Precisamos conversar", ela diz para Cassiopeia. "Você pode nos dar licença, Caellum Stephen?".
Ela está usando o seu tom de voz de duquesa, então, por mais receoso que fique ao lançar um olhar para Cassie, saio do quarto e as deixo sozinhas para conversarem. Em meus pensamentos, torço para que seja uma conversa que resolva algumas coisas.
Porém, como não há nada que eu possa fazer quanto a isso agora, sigo o conselho da minha irmã e saio do hospital. Assim que entro no trânsito com o carro, uso o sistema interno para telefonar para Miranda, a qual atende com mais rapidez dessa vez.
"Oi".
"O que você acha de sairmos em um encontro?".
XxX
Para: Agnetha Astelos
De: Detetive Klaus Ludwig
Assunto: Terceiro relatório sobre Stella Dumont
Cara senhorita Agnetha, antes de mais nada quero reiterar o quanto fiquei aliviado de saber que a senhorita é alguém real após tê-la encontrado pessoalmente. Embora reconheça a necessidade das mentiras sobre sua identidade e do codinome utilizado, fico feliz pela recompensa monetária em troca do meu silêncio e pelos meus serviços ainda lhe serem úteis.
Conforme me solicitou da última vez, eu continuei as investigações acerca da enigmática Stella Dumont e, apesar da demora para lhe trazer algum retorno, creio que o que lhe direi será chocante o suficiente para ser digno de tal espera.
Acontece que eu consegui descobrir o endereço em que Stella viveu quando em Berlim e, muito embora o locatário tenha me garantido que alugou o lugar apenas para a moça, ela passou a receber com o tempo a visita de um homem que ele reconheceu como sendo Frank Feng através da foto que lhe mostrei.
Segundo o locatário, Stella chegou em Berlim por volta de julho de 2002 e passou a receber as visitas de Frank ao final do mesmo ano, as quais duraram até o início de 2003, quando Stella pagou a multa por quebra de contrato e alegou que se mudaria.
Depois disso, ela não voltou a ser vista pelo prédio e ninguém a procurou antes de mim, o que justifica a surpresa do locatário. Trata-se de um senhor bastante simpático e preocupado, que conhecia a todos para quem alugava os apartamentos de seu prédio e buscava ser prestativo. Por isso lembrou de Stella e me contou algo que eu jamais imaginaria a respeito dela ao me fazer o seguinte comentário: "Ela parecia feliz quando se foi, como se aquilo significasse um novo começo. E talvez fosse. Ser mãe com certeza mudaria as coisas e seria melhor para ela ir para um lugar maior. Mas sempre me perguntei como ela estava e se o bebê cresceu bem".
Sei o que está pensando, senhorita. Nesse momento, deve estar lendo minhas palavras com o coração pulsando nos ouvidos e um milhão de perguntas a mais sobre Stella e agora sobre seu possível filho, que, dadas as pistas, nos leva a crer também ser filho de Frank Feng.
Infelizmente, ainda não tenho respostas para nada disso. Stella foi embora de Berlim e tornou meu trabalho mais difícil, mas farei o possível para descobrir o seu paradeiro e agora também o de seu bebê. Certamente, encontrarei algumas respostas ao sondar algumas maternidades. A pista que recebi do locatário é de que Stella tinha por volta dos oito meses quando foi embora e estipulou fevereiro como o mês de sua partida, o que me leva a crer que a criança nasceu entre março e abril. Assim que obtiver alguma novidade, entrarei em contato.
Aguardando sua resposta,
Detetive K. Ludwig
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