20. A VERDADE SOBRE EU E VOCÊ


Aeryn me convence a fazer algo, afinal, eu não tenho nada a perder. Por isso ligo para Caellum e pergunto se podemos conversar, ao que ele concorda. Mas quando encerro a chamada e me dou conta do que está prestes a acontecer, a coragem se esvai um pouco e entro em pânico.

Eu realmente não tenho nada a perder?

Apesar das dúvidas, a minha atual relação com o lorde é menos dolorosa e, mesmo sem intenção, ando o usando como um pilar emocional para permanecer seguindo em frente com a gravidez, apesar de tudo. Se, por acaso, as coisas entre nós voltarem a ser esquisitas quando eu abrir a boca, vou estar perdendo Caellum mais uma vez... Não vou?

E bem quando eu não sei se consigo suportar perder mais ninguém.

"O que foi que eu fiz?".

Começo a me arrepender de ter ouvido Aeryn, mas já é tarde demais. Quis marcar a conversa para o dia seguinte, porém, certamente curioso com tudo, Caellum me fez concordar em recebê-lo na sala de visitas dos Kannenberg em meia-hora.

"Isso é ruim, Tico e Teco. Muito ruim".

Saio do quarto de hóspedes e bato na porta do quarto de Aeryn, mas quem abre é seu namorado, Kyle.

"Sua alteza não deveria estar em alguma reunião importante para o país? Eu preciso da sua namorada".

"Você já passa muito mais tempo com ela do que eu, Miranda. Francamente".

"É o desejo de uma grávida!" Até agora, poder usar esse argumento vem sendo a mais absoluta vantagem de estar grávida.

Apesar de Kyle fazer cara feia, ele me deixa entrar no quarto de Aeryn, a qual está falando seriamente no celular com alguém, cuja identidade descubro quando ela diz:

"Está bem, professor Prescott. Posso ir prestar depoimento agora mesmo".

"Prestar depoimento?" Eu pergunto quando Aeryn encerra a chamada, sentindo-me perdida por um momento.

A minha amiga não deve ter percebido quando Kyle abriu a porta para mim, pois fica surpresa com a minha presença.

"Parece que uns materiais que usávamos para a nossa pesquisa desapareceram, então estamos sendo intimados a contribuir com a investigação", Aeryn responde, soando abatida.

"É tão sério assim?".

"São documentos históricos", é Kyle quem explica. "Fazem parte do acervo da minha família, então sim, é sério".

"E você está indo depor agora mesmo?".

Noto que Aeryn anda pelo quarto, calçando seus tênis e pondo coisas em uma bolsa.

"Aham".

Ah, não.

Isso não pode estar acontecendo.

"Por quê?" Aeryn me olha por um momento, ainda achando tempo para ficar preocupada comigo. "Você não está se sentindo bem?".

"Mais ou menos, mas não se preocupe. É sobre o que conversamos mais cedo".

Ela parece confusa por um instante enquanto tenta se lembrar, mas então surge reconhecimento nas suas feições e ela exclama:

"Ah! Você falou com o Caellum?".

"Ele está vindo para conversarmos".

"Isso é ótimo, Mimi. Vocês vão conseguir se resolver".

Eu não tenho tanta certeza disso, mas sei que ela não tem tempo para me ouvir agora e não posso prendê-la por estar surtando com os meus próprios problemas.

"Acho que sim".

Estou desesperada quando Aeryn fecha sua bolsa, olha ao redor para ter certeza de que não está esquecendo algo e então me oferece um sorrisinho encorajador.

"Vai dar tudo certo, Mimi. É só falar a verdade", ela diz, soando como se fosse tudo muito simples. "O Kyle e eu vamos sair agora, mas eu volto o mais rápido que puder".

"Tudo bem, não se preocupe".

Ela já parece ter coisas demais com as quais se preocupar e já anda cuidando mais de mim do que deveria. Eu preciso começar a lidar com o que acontece na minha vida sozinha.

Porém, apesar de tentar me convencer disso, estou em agonia quando vejo Aeryn sair do quarto acompanhada de Kyle, deixando-me sozinha para mais uma integrante da lista das conversas mais difíceis da minha vida.

"Que os Ancestrais me ajudem".

Quando Caellum aparece acompanhado de uma das funcionárias da casa, eu já estou sentada em um dos sofás da sala de visitas e a primeira coisa que noto é que ele parece tão apreensivo quanto eu.

"Por que de repente você quer conversar sobre o que aconteceu entre nós no passado?" Sem fazer questão de cumprimentos, ele vai direto ao ponto.

"Que tal você se sentar primeiro?" Eu estou claramente tentando conseguir mais tempo para mim onde não tem. A expressão de Caellum nunca esteve tão ansiosa, nem mesmo na noite em que contamos sobre a gravidez para a sua família e ele surtou e me pediu em casamento pela primeira vez.

Mas, ainda assim, ele se senta. Ocupa o espaço ao meu lado no sofá e fica mais perto de mim do que considero bom para o meu raciocínio funcionando a base de pilha no momento, principalmente quando ele me encara com seus olhos castanhos-dourados de Maximoff.

"E então, Miranda?".

"Eu menti", sem me dar tempo para pensar, a verdade sai assim: feito um natural cumprimento de olá ou bom dia.

Mas o lorde me olha com a mais singela confusão.

"Você mentiu...", ele repete, franzindo o cenho. "Sobre o quê, exatamente?".

Esse é o momento em que resolvo hesitar, porque é o mais próximo que chego de uma escolha incerta envolvendo Caellum, desde a noite de réveillon. E, sobre aquela noite, eu ainda posso culpar o champanhe duvidoso. Sobre hoje, nunca estive tão sóbria, o que me faz pensar demais.

Como a própria Aeryn acusou, eu estou sempre pensando demais. É o meu poder e a minha maldição.

"Miranda?" Caellum insiste e, se não fosse pela minha condição de grávida, tenho a minha suspeita de que ele me sacudiria pelos ombros para que eu fale alguma coisa.

Respiro fundo. Não posso mais prolongar isso.

"Eu menti para você quando disse que queria parar de vê-lo para conhecer outros homens", enfim, falo. "Sinceramente, não sei como essa desculpa esfarrapada colou quando não consegui me envolver com mais ninguém depois de você, mas também não posso culpá-lo por acreditar quando era o que eu queria ao mentir, então...".

"Espera", Caellum interrompe a minha tagarelice nervosa ao erguer uma mão, ainda confuso. "Do que você está falando? Por que mentiria para mim ao falar isso?".

"Porque eu queria que você não me procurasse mais", respondo. "E achei que a forma mais eficaz de conseguir isso seria te fazendo ter raiva de mim".

"Mas por quê?" Caellum soa frustrado, encarando-me com certa descrença. "Por que diabos você queria isso? Eu te fiz algo que te ofendeu ou magoou naquela época?".

"É claro que não", agora vem a parte mais difícil, a que me faz temer se ele acreditará em mim ou não. "Tomar essa decisão me magoou também, mas pareceu necessário".

"Eu sinceramente não estou te entendendo, Miranda", o lorde fica de pé, tamanha a sua inquietação.

"A verdade, Caellum, é que eu estava apaixonada por você, mas sempre tive medo do que você é e da família que faz parte. Não queria me envolver por completo porque sabia que nós não podíamos ser mais do que fomos, um romance breve, mas eu já estava completamente envolvida quando decidi me afastar".

"Isso não faz o menor sentido. Você já sabia quem eu era quando nós nos envolvemos e das implicações que teríamos por causa disso".

"Mas você também sempre soube que eu não queria ceder e permaneceu insistindo", faço-o lembrar dos nossos primeiros encontros, quando ele ficava me chamando para sair e me encontrando em lugares aleatórios e eu sempre entrava em parafuso com a possibilidade de sermos pegos.

"Ainda assim, se você tivesse me dito o que estava te incomodando, eu teria feito algo para evitar o que aconteceu".

"Tipo o quê, Caellum?" Agora sou eu a descrente. "Eu ia continuar não estando a sua altura para a sua família. O que me fez fazer o que fiz foi me dar conta disso ao ouvir sua avó Nancy chamar a Aeryn de sangue-ruim quando não sabia que ela era neta de Max Kannenberg, por não pertencer a uma família a altura de Kyle. Com certeza ela diria o mesmo se o que tínhamos viesse a público na época e, diferente da minha amiga, eu não teria um conto de Cinderela. Tive medo de insistirmos e então acabarmos nos machucando mais".

"A minha avó fez o quê?" Caellum não parece ouvir tudo o que digo, pois me olha como se eu tivesse falado um absurdo e, por um momento, penso que ele não vai acreditar em mim.

Posso ouvir as batidas do meu coração retumbando em meus ouvidos quando hesito antes de repetir:

"Foi quando a Aeryn procurou o Kyle antes de ir para o Brasil com o pai. A gente foi ao palácio e lá encontramos a senhora Maximoff, que a conheceu e disse essas coisas. Isso perturbou tanto a Aeryn que ela desistiu de procurar o Kyle e me perturbou por tabela o suficiente para acreditar que o melhor que eu faria por nós dois era pôr um fim a tudo".

"Você não devia ter decidido nada sozinha quando isso dizia respeito a nós dois".

"Saber disso agora não vai fazer diferença alguma, vai?" De repente, sinto lágrimas pinicando meus olhos e decido culpar os hormônios da gravidez por isso, embora, no fundo, saiba que não é o caso. "Eu me arrependi do que fiz logo depois de ter feito, mas arquei com as consequências que merecia. Vi você sair com outras garotas que estavam a sua altura, temi em silêncio que se apaixonasse por uma delas e fingi estar bem enquanto implicava com você só para mantê-lo por perto".

"Todos os dias disse a mim mesma que era melhor para nós dois assim, mesmo arrependida. E quando você foi para o exército, vi nisso uma chance para tentar me esquecer do que vivemos pela distância, o que, obviamente, não funcionou. Fui até você assim que o vi pela primeira vez em muito tempo, porque, apesar de todas as decisões estúpidas que tomei, nenhuma delas serviu para consertar o maior estrago de todos que foi eu ter me apaixonado por você... E ainda estar", há um nó na minha garganta quando acabo e as lágrimas escorrem, mas não sei se é de tristeza pelo incerto ou de alívio por ter tirado esse peso dos meus ombros.

Por um momento, Caellum me encara em silêncio. Ele parece estar em estado de choque, sem fazer a mínima ideia do que fazer com as informações jogadas em cima dele, o que não julgo. Mas, então, diz:

"Sinceramente, Miranda, você só foi a garota errada para mim quando preferiu ouvir as asneiras da minha avó e decidir sozinha o que fazer com o nosso relacionamento, mentindo para mim e me fazendo passar por dois anos de merda que foram igualmente merda para você também", ele fala, meio alterado, o que é quase inédito. Em todos os anos que o conheço, nunca vi Caellum alterado. "Mas o que me deixa com mais raiva nisso é que, apesar de tudo, eu estou feliz agora".

"O quê?" Não evito o tom descrente.

Caellum ainda está bufando feito um touro. Se isso é estar feliz...

"Nunca mais faça algo assim", ele diz. "Se quebrar o meu coração de novo, Miranda, eu realmente vou te odiar".

"O quê?".

Não sei mais se estou entendendo alguma coisa.

Tenho certeza absoluta disso quando, ao invés de me explicar o que ele está pensando após ouvir tudo, Caelllum acaba com a distância que nos separa e me beija.

Simples assim.

Seus lábios tomam os meus e sua língua invade a minha boca com a urgência de anos perdidos, então faço o que está a meu alcance e me agarro a seus braços, esquecendo-me do mundo.

É como voltar no tempo, exatamente como eu queria. Beijar Caellum me causa as mesmas borboletas no estômago, a mesma quentura, os mesmos arrepios. Mas tudo isso vem acrescido de lágrimas salgadas de arrependimento.

"Me desculpa", digo, afastando-me dele por um momento. "Eu achei que fosse o certo".

Caellum me olha, ainda me mantendo em seus braços. Ele tenta secar minhas lágrimas, mas desiste ao perceber que elas não param de cair.

"Pare de pedir desculpas, Mimi. Foi um erro estúpido que não confiasse em mim, mas também consigo entender a Miranda que decidiu isso. Era uma Mimi insegura, que havia acabado de terminar um relacionamento ruim e tinha medo de se envolver. Não foi culpa sua temer a minha avó".

"Mas eu devia mesmo ter falado a verdade. Você sofreu".

"Você também", ele me abraça, apertando-me de encontro a seu corpo. "E agora que resolveu falar a verdade, não tem porque ficarmos presos ao passado. Sabe, eu ainda sou bobo por você, o que é um tanto óbvio...".

"Não sei se mereço que você seja".

Não consigo parar de pensar no quanto fui estúpida.

"Sem pensar no passado, Miranda Miller", ele repete, afastando-se um pouco. O suficiente para colocar uma mão sobre a minha barriga. "Temos motivos mais do que suficientes para pensar apenas no aqui e agora".

"Você não está dizendo que tem sentimentos por mim só por causa dos bebês, está?" Não consigo evitar a minha insegurança. "Porque eu sei que esteve com outras mulheres, Caellum, e não quero que se sinta obrigado a nada por causa da gravidez".

"Preciso mesmo dizer que essa gravidez só existe porque eu sou louco por você, Miranda?".

Os olhos dele me miram com intensidade. A mesma intensidade que vencia a penumbra do corredor em que nos reencontramos embriagados por champanhe.

Não, ele não precisa reafirmar mais nada.

"É que foi tudo muito mais fácil do que eu esperava", admito, "Tive medo de falar algo a respeito da minha decisão durante anos, porque temi que você me odiasse".

"Se tivesse dito antes, talvez eu odiasse", ele diz. "Mas não duraria muito tempo. Eu provavelmente acabaria te procurando. Há algo que me faz sempre voltar a você, Miranda, e esse algo nada tem a ver com os bebês. Mas posso dar crédito a eles e ao fato de terem sido um ótimo pretexto para que eu passasse mais tempo com você, o que reacendeu meus sentimentos e então não tive paciência alguma para te odiar. Se está dizendo que é apaixonada por mim, o que nunca disse, então não serei eu a estragar tudo dessa vez. Porque eu estive esperando por isso há muito tempo, Miranda".

Há tanta honestidade na maneira como ele me olha. Sem a meninice de quando nos conhecemos ou a provocação dos últimos anos, apenas o mais sincero desabafo de alguém que, apesar de amar, não sei se sou merecedora que me ame de volta.

Porém, se ele não concorda com o que eu acho, paro de questionar seus sentimentos. Beijo a bochecha de Caellum, cujo sorriso se abre e revela as covinhas que tanto senti falta.

"Não aí", ele diz. "Aqui", Caellum indica sua boca com um dedo e faz bico em seguida, o que quase me arranca uma risada.

Dou-lhe um beijo na boca, mas este não se aprofunda como o primeiro. Não há tempo quando somos interrompidos pelo celular de Caellum.

"Inferno!" Ele pragueja ao pegar o aparelho como quem pretende desligá-lo para evitar outra interrupção, mas ele muda de ideia ao ver quem está telefonando e atende. "Oi, Cepheus. Aconteceu alguma coisa?".

Acho que a resposta é positiva, pois Caellum fica pálido de repente e seus olhos se arregalam de assombro. Tudo isso me deixa imediatamente preocupada, mas aguardo pelo restante da conversa antes de perguntar qualquer coisa.

"Está bem. Eu estou indo. Serei discreto".

Cal encerra a chamada e percebo a aflição que o corrói.

"Seu irmão está bem?" Acabo perguntando.

"Mais ou menos", Caellum soa agitado. "Ele me disse que...".

"...Que?" Questiono quando ele hesita. Estou ficando uma pilha de nervos.

"A Cassiopeia sofreu um acidente", ele fala isso tão baixo que chego a pensar que não ouvi direito.

"O quê?".

Não consigo acreditar no que ouvi, mas sei que ouvi certo quando Caellum me olha com a mais pura angústia.

"O Ceph disse que ela está estável agora, mas preciso ir ao hospital. Eu não... Eu não sei o que pensar...".

Eu muito menos. Nós vimos Cassiopeia ontem, falamos com ela, passamos um tempo juntos e, no entanto... Como raios isso aconteceu?

Sem conseguir pensar em nada que possa ser dito e seja capaz de confortar Caellum, apenas o abraço.

"Preciso ir vê-la", ele diz, ainda em choque.

"Eu sei", digo. "Vai ficar tudo bem".

É uma óbvia inversão de papéis agora, quando estou sendo a otimista. Caellum me abraça por mais um momento, talvez tentando absorver como tudo mudou de uma hora para a outra. Os últimos dias foram uma loucura com o susto causado pelos bebês, o blecaute, nossa nova dinâmica e agora a sua irmã sofrendo um acidente.

Quando ele se afasta do abraço, me dá um beijo na cabeça.

"Nós ainda não terminamos a nossa conversa", ele diz. "Volto a te procurar assim que possível. Quero que todos saibam dessa vez que estamos juntos, isso é, se você quiser que todos saibam...", ele me olha com dúvida.

"Diferente da outra vez, eu não tenho mais medo de nada", respondo. "Não com você estando ao meu lado. Então, sim, Caellum, se você quer estar comigo, não precisa guardar segredo".

"Definitivamente, temos que continuar de onde paramos", ele me enche de beijinhos no rosto e toma os meus lábios pela última vez.

Quando Caellum se afasta, é como se estivéssemos em uma nova realidade. Uma melhor, mais cor-de-rosa.

Pelo menos para nós dois. 

"Vá ver sua irmã", digo. "Quando puder me ver, estarei aqui".

O lorde assente.

Porém, assim que ele se afasta e sai da sala de visitas da mansão dos Kannenberg, eu já sinto a sua falta.

"Dá para acreditar que deu tudo certo, Tico e Teco?" Volto a falar sozinha. "Eu só espero que a Cassiopeia esteja bem também".

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