19. CONSELHOS


Aeryn me conta que estava na Aureum College quando o blecaute aconteceu, escrevendo com o professor Elio e mais outros três alunos - dentre eles, Henry Durkheim - para o projeto que fazem parte, que é algo sobre livros biográficos de figuras femininas importantes para a história de Orion.

No ano passado, eles finalizaram o primeiro volume sobre a rainha Avery Huang, então passaram a trabalhar na história para lá de polêmica da rainha Rosemary Carpentier Feng, a tia-avó de Caellum.

"Quando as luzes se apagaram, ninguém entendeu muito bem o que estava acontecendo", Aeryn me conta. "Ficamos esperando que as luzes voltassem, mas, quando percebemos que não aconteceria, o professor Prescott nos dispensou para ir conferir o que estava acontecendo. Como você sabe, apesar da Aureum College ter um gerador, ele não atende a todos os blocos. O de humanas ficou de fora, então não pudemos continuar o trabalho. Largamos tudo por lá e eu dei carona para o Henry. Só quando saímos do campus foi que percebemos que havia mais pontos no escuro pela cidade. Foi bizarro".

Bizarro é pouco. Só se fala sobre isso o dia todo nos programas de TV e nas redes sociais, de modo que o próprio rei Timotheo, em conjunto com o prefeito Clarke, teve que se manifestar para apaziguar a todos e reiterar ter sido apenas um problema passageiro na usina.

"Não tornará a se repetir", garantiu o prefeito, apesar de isso não impedir em nada o falatório.

Todo mundo está preocupado que algo assim volte a acontecer, além de ficarem falando sobre o que faziam e com quem estavam quando metade da cidade apagou.

Uma parte minha quis telefonar para a minha mãe para saber se ficou tudo bem com ela e com Julie, mas me contive porque descobri pela TV que o nosso bairro não foi um dos pontos atingidos. A maioria dos lugares apagados eram de pessoas ricas.

"Ainda bem que estava com o Caellum ou eu teria ficado preocupada com você sozinha aqui", ela me diz, embora seja impossível alguém ficar sozinho na mansão Kannenberg. Mesmo com o seu avô viajando a negócios, a casa permanece lotada de funcionários.

"Você falou com o Kyle para saber se ele ficou bem?" Decido perguntar.

"Ele estava com o Theo e o pai deles em uma reunião trimestral para discussão dos planos econômicos de cada condado", Aeryn não esconde a careta diante do assunto.

"O Caellum ficou com medo de o blecaute ter algo a ver com o que aconteceu com os Hendrick", confidencio.

"Ele acredita mesmo que foi um atentado de um grupo anti-monarquia o que aconteceu com os Hendrick?" Aeryn pergunta, meio surpresa.

Alguns dos membros da realeza, apesar de seguirem o protocolo de segurança, não acreditam na ideia de um grupo os querendo mortos. Mesmo as pessoas mais crédulas como Aeryn tem um pouco de dificuldade em pensar em algo assim, porque, bem, um grupo tentando te matar parece algo muito mais cinematográfico do que real.

Ainda assim, prefiro acreditar no que Caellum acredita. As circunstâncias do acidente que matou os Hendrick não foram nada normais.

"Acredita", respondo. "Ele ficou de vigília a noite toda, com medo de algo acontecer".

"Se continuar assim, vai se tornar paranóico", há certa censura no tom de voz da minha amiga. "Como era de se esperar, ficou tudo bem".

Eu dou de ombros. Pela primeira vez em muito tempo, não quero tecer críticas à Caellum.

"E como foi o exame?" Aeryn muda de assunto quando percebe que discordamos um pouco. "O Caellum chegou a tempo? Os bebês estão bem?".

Conto para ela sobre o episódio de susto e sobre termos encontrado Cassiopeia no hospital, apesar de ocultar a questão de Caellum ter ficado encasquetado com a irmã ter ido ver um psiquiatra. Mesmo com Aeryn sendo a minha amiga mais próxima, esse parece um assunto íntimo demais para ser discutido em uma roda de fofoca e, de qualquer forma, não faz diferença para o que realmente interessa.

"No fim, Tico e Teco estão bem".

"Graças aos Ancestrais", Aeryn parece realmente aliviada com isso. "Não sei o que faria, se estivesse no seu lugar".

"Você, provavelmente, seria um pouco mais racional".

"Não sei. A maternidade deve mudar um pouco o meu jeito, como mudou o seu".

"Você acha que eu mudei?".

"Agora que aceitou os bebês, você parece menos enfezada. Principalmente com o Caellum".

"Eu acabei de falar que fiquei zangada com ele por ter ido à entrevista de estágio ao invés de me acompanhar até o exame", recordo.

"Mas o perdoou bem rápido", ela rebate. "No fundo, você só é ranzinza com o Caellum quando se dá conta de que ainda tem sentimentos por ele".

Às vezes, ter uma amiga que te conhece tão bem é um inconveniente difícil de lidar. Ela pode te olhar em um momento e, de repente, jogar uma verdade dolorosa na sua cara.

"Eu não posso sentir nada pelo Caellum", o que digo é mais um lembrete a mim mesma do que uma tentativa de contradizê-la.

"E por que não?" Aeryn me pergunta. "Vocês já vão ser pais e ele também parece gostar de você. O que te impede de falar sim para o Caellum?".

"Você sabe o que é".

Foi ela quem ouviu o discurso feito por Nancy Maximoff, atacando-a e a tratando como se fosse menos que nada quando Aeryn ainda não sabia que era neta do senhor Kannenberg, mas já vivia um romance com Kyle.

"Naquela época, quando você terminou com ele, só disse que tomou consciência de que vocês eram de mundos diferentes".

"E isso não é motivo o suficiente?".

"Não parece quando vocês estão esperando filhos, depois de tudo", Aeryn me rebate. "Saber que o Caellum é de uma família tradicionalmente preconceituosa, esnobe e rica não te impediu de continuar gostando dele".

"E então o quê, Aeryn?" Soo exausta, porque sei que é verdade, mas não há nada que possa fazer com essa informação. Ao contrário dela, eu não vou descobrir de repente que pertenço a uma família quase tão importante quanto as seis que formam o Grande Conselho, o que vai tornar mais fácil a minha aceitação pelos Maximoff. "Ainda não sou alguém que deve ficar com o Caellum".

"O que você considera como alguém ideal para o Caellum, Mimi?" Minha amiga me pergunta e, quase imediatamente, penso em Cecily. Uma mulher de família rica, linda, culta e que possa abrilhantar a família Maximoff, adicionando status e dinheiro ao clã. "Porque não consigo pensar em alguém mais ideal do que a futura mãe dos filhos dele".

"Não é assim que as coisas funcionam comigo, Aeryn", eu quase a repreendo, começando a ficar incomodada com o assunto. "Depois de tudo o que fiz, o Caellum seria um idiota se ainda tivesse sentimentos por mim. Ele só me pediu em casamento por causa dos bebês".

"Fala sério!" Minha amiga rola os olhos, impaciente. "O Caellum é esse tipo de idiota. Ele gosta de você e vai gostar ainda mais se você disser o que realmente te fez se afastar dele naquela época: medo da família dele e não o que você falou para magoá-lo e mantê-lo afastado".

"E se, mesmo assim, ele continuar me detestando?".

"O seu problema é que você sempre pensa demais nas infinitas possibilidades, mas, principalmente, nas ruins", Aeryn diz. "Você não tem nada a perder, Miranda. O Caellum já está agindo apenas como pai das crianças. Se ele não quiser nada romântico com você, ao menos vai tirar esse e se da sua conta e vai poder seguir em frente, porque, afinal, ele não é o último homem solteiro do mundo".

Mas é o único em que consigo pensar desde os 19 anos.

Ainda assim, sei que a Aeryn está certa.

Vou enfrentar a família de Caellum de qualquer jeito por ser mãe de seus filhos, então por que continuar temendo a ferocidade e o preconceito dos Maximoff comigo, se acaso me envolver com o lorde? Não faz mais sentido.

Eu preciso falar com Caellum.

Theo demora a aparecer no palácio por estar ocupado acompanhando a agenda de compromissos extremamente lotada de seu pai. Por isso, após me despedir de Elio, acabo me recolhendo aos meus aposentos para tomar mais um banho e então durmo um pouco.

Quando desperto ao final do dia, peço por uma refeição em meus aposentos e pergunto às funcionárias que me atendem se o príncipe herdeiro chegou, ao que me informam que sim.

Logo que termino de comer, saio em busca de Theo pelo palácio. Bato em seus aposentos primeiro, mas ele não abre, então sigo para a biblioteca, depois à academia, à piscina interna... Quando enfim encontro o príncipe, ele está na estufa do jardim de inverno, pensativo e completamente maltrapilho. Apesar de sempre ter sido o mais magro de nosso grupo, ele parece tão doente quanto Cassiopeia pela nova rotina caótica.

"Estive te procurando pelo palácio todo", informo, chamando a sua atenção.

Ao me ouvir, Theo ergue o olhar para mim, o qual reflete o cansaço demonstrado por seu corpo.

"Aconteceu alguma coisa?".

"Seu tio esteve aqui no palácio, te procurando", acabo me sentando ao seu lado, em um dos degraus da escada caracol que leva até o andar superior da cúpula. "Ele falou sobre alguns documentos históricos terem sumido durante o blecaute ontem".

"Os diários de Rosemary", Theo suspira, demonstrando já estar por dentro do assunto.

"É. Como você soube?".

"Meu tio me mandou um milhão de mensagens. Certamente, ele sabe o quão urgente isso é", o príncipe diz. "Os diários jamais deveriam ter sumido. Eram relíquias familiares, o que significa que meu pai está furioso comigo por ter cedido o acesso de meu tio e alguns estudantes ao material, o que resultou nisso".

"Você está com problemas, então?".

"Aqueles diários podem conter informações que são perigosas nas mãos erradas", Theo diz, sombrio. "Então sim, eu estou com problemas. Principalmente se algum aluno estúpido tiver feito isso com a intenção de compartilhar fotos dos registros em fóruns da internet".

"É o que acha que aconteceu?".

"Tudo o que eu sei que aconteceu é que os diários sumiram e que eu preciso recuperá-los. Meu pai pode facilmente perdoar que a coroa dos nossos ancestrais sumiu de um museu por erro de sua esposa, mas não que diários desapareçam por erro do filho que o substituirá", há amargor em seu tom de voz. Sempre que fala do pai, há amargor na voz de Theo, como se ele tivesse raiva do rei a todo momento. Ou rancor.

"Sinto muito", o que mais posso dizer? Sempre que escuto algum dos fardos carregados por Theo, fico grato por Cassiopeia querer ser duquesa e apreensivo por nosso avô ter uma preferência irracional de que eu seja o substituto da nossa mãe no futuro. Não tenho grandes dotes para lidar com problemas como o sumiço de registros históricos ou coisas do tipo. A essa altura, já teria decretado estado de calamidade.

"Não sinta. Eu vou dar um jeito", Theo rebate, apesar de não soar muito convincente. Ele não parece fazer a menor ideia sobre onde começar a procurar pelo que foi perdido.

"Onde estavam os diários, especificamente?" Pergunto.

"Na sala que o meu tio usa para o projeto. É onde ficam quando estão sendo estudados. Quando não estão em uso, meu tio guarda em um cofre da biblioteca".

"E quem tem acesso a essa sala?" .

"Só os cinco alunos do projeto, além do meu tio".

"Talvez devesse começar os interrogando", percebo.

"É o que farei, apesar de achar que não vai dar em alguma coisa".

"Você não perde nada tentando", dou de ombros.

Mas o príncipe não parece achar o mesmo. Se não der em nada, ele vai perder tempo.

De qualquer forma, Timotheo fica em silêncio e eu também. Quando finalmente me canso de permanecer nesse clima estranho com ele, fico de pé e digo:

"Vai dar tudo certo", mesmo não tendo certeza alguma disso, ele parece precisar ouvir algo assim para não perder a confiança.

"Assim espero", o príncipe resolve me acompanhar para fora da estufa, mudando de assunto de repente. "Como está Miranda, aliás? Vocês conseguiram se acertar?".

"Depende do que você quer dizer com isso", respondo. "Decidimos ficar numa boa um com o outro por causa da gravidez, mas ela ainda nega os meus pedidos de casamento e me trata de forma distante depois que percebe que está sendo tranquila e gentil".

De repente, lembro-me da forma como ela mudou comigo mais cedo.

"Mas, ainda assim, você é completamente obcecado por ela", o príncipe acusa com ares de divertimento, estando muito mais à vontade me azucrinando no papel de meu melhor amigo do que quando estava agindo como futuro rei de nossa nação.

Por isso, tenho vontade de rebater lhe perguntando sobre Cassiopeia, mas sou impedido quando o meu celular toca de repente.

Pego-o no bolso da calça acreditando ser minha mãe ou algum dos meus irmãos, que são as pessoas que geralmente me ligam, mas se trata da improvável Miranda Miller, o que me deixa um pouco apreensivo. Afinal, eu a instruí a me ligar se acontecesse alguma coisa.

"Você está bem?" Vou direto ao ponto assim que atendo.

"Sim, estou. Não aconteceu nada com os bebês ou comigo para você se preocupar", ela parece nervosa, apesar do que diz. E Miranda só pareceu estar nervosa comigo quando me contou sobre estar grávida, o que não me tranquiliza em absoluto.

"Então...?" Hesito sobre finalizar a pergunta, apesar de deixá-la no ar. Por que você está me ligando de repente, se não aconteceu nada?

Há uma pausa do outro lado da linha, o que me faz franzir o cenho e parar de caminhar, logo chamando a atenção de Theo para mim. Ele me olha com uma das sobrancelhas escuras arqueada.

"Miranda?".

"Sei que é um tanto inesperado, mas eu queria falar com você sobre o que aconteceu há dois anos e meio. Será que a gente pode se encontrar?".

Olá, pessoas. Espero que estejam todos bem <3

Essa nota é apenas para informá-los sobre como anda o processo de escrita do livro. SLGA, provavelmente, terá cerca de 50 capítulos (além do prólogo e do epílogo), dentre os quais já garanti até o 26. Ainda estou escrevendo o máximo que posso, porque minhas aulas da faculdade retornam na semana que vem e aí vai começar a rotina caótica de novo (mas, dessa vez, espero estar mais preparada para encaixar uma rotina de escrita também).

O plano é finalizar a escrita de SLGA até outubro e começar a postar o volume 7 em dezembro (antes disso, infelizmente, é quase impossível). Mas não faltará ABT, porque também já tenho planos para outros contos do livro extra, além de retornar com as histórias das famílias por lá também.

Esse foi um capítulo mais tranquilo. Os próximos terão muuuuuuitas emoções. Espero que tenham gostado e até a próxima!

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