16. SUSTO


"É sério, Mimi, você precisa comprar roupas. As que você tem não vão mais servir daqui a pouco", Aeryn me avisa o óbvio depois que me troco pela terceira vez.

"Eu simplesmente não aguento mais engordar!" Reclamo, porque não é como se eu pudesse comprar roupas para mim agora, e Aeryn sabe bem disso. Nós estamos discutindo o meu atual grande dilema há dias. Ou um deles.

A combinação esdrúxula da vez é uma bata azul-petróleo que surrupiei de Aeryn (para variar) e uma calça de yoga preta, que está um pouco apertada e projeta a minha barriga com formato oval.

Para ser sincera, eu me sinto tão ridícula quanto quando saí para as compras com Caellum há dois dias, mas, assim como daquela vez, não tenho o que fazer quanto a minha autoestima estar indo cada vez mais pelo ralo.

Felizmente, Aeryn muda de assunto ao perguntar: "O Caellum vai vir te buscar para vocês irem ao hospital juntos?".

"Foi o que ele me disse, mas está quase atrasado", dou uma conferida no meu celular para o caso de ter deixado passar alguma chamada ou mensagem, mesmo que tenha tirado o aparelho do silencioso para algo assim não acontecer.

Sem surpresa alguma, não há nenhuma notificação nova.

"Ele deve estar no caminho", Aeryn tenta me tranquilizar. "Você disse que ele garantiu que seria presente e, até agora, ele está sendo, não está?".

Quanto a isso, eu não tenho o que reclamar. Aposto que Caellum não faz ideia, mas, diante de toda a situação de ostracismo vivida com a minha família, o fato de ele garantir o seu companheirismo comigo nisso tudo é a minha âncora para seguir em frente.

Se ele tem dúvidas sobre se será um bom pai, eu não tenho. Parte do meu medo some toda vez que me lembro que os gêmeos o terão, apesar de tudo, porque não me sinto nem um pouco preparada para assumir o papel de mãe. Acho que vou ser a pior do mundo.

"Não dá para ter sorte com tudo, Tico e Teco", murmuro ao concluir o meu pensamento.

"O quê?" Aeryn acaba achando que é com ela, como sempre.

"Nada", eu respondo.

E, felizmente, é bem na hora que o meu celular toca e atendo a chamada de forma afoita ao ver o nome de Caellum no visor.

"Você está no caminho?".

"Oi, Miranda", ele diz, ignorando a minha pergunta. "Estou te telefonando porque aconteceu um imprevisto e vou me atrasar para a consulta, na verdade".

"Foi algo grave?" Não consigo evitar ficar preocupada sob a alegação de que, querendo ou não, ele é pai dos bebês.

"Não. Meu avô me ligou em cima da hora para que eu viesse à sede da companhia Hastings para conversar com o CEO sobre um possível estágio. Não sei se comentei com você, mas estou maluco por essa oportunidade desde o ano passado. Sonho com essa vaga". Uma parte minha se sente traída por ele estar me falando isso. É muito privilégio da sua parte conseguir o estágio dos sonhos e poder abrir mão de ir a uma consulta, ao passo em que eu não posso sequer cogitar algo assim quando sou a pessoa que carrega os bebês. Quase deixo algo cruel e imaturo escapar, mas me contenho. Tenho certeza de que Caellum não tem noção do quanto me magoa não poder seguir meus sonhos como ele. Não é uma competição. "Sei que é mancada da minha parte quando prometi ir com você hoje, mas farei de tudo para terminar as coisas rápido e chegar a tempo de pegar o final do atendimento e te levar para casa".

"Está tudo bem", que mais eu posso dizer?

"Você tem certeza?" Caellum soa duvidoso.

"É claro", engulo minha mágoa e minha inveja. "A Aeryn vai comigo de novo. Você não pode desperdiçar essa oportunidade".

Ser citada chama a atenção da minha amiga, que me olha com óbvia confusão.

"Obrigado pela compreensão, Miranda", Caellum diz, soando aliviado. "Até daqui a pouco".

"Tchau".

Encerro a chamada e a minha vontade é jogar o celular longe, mas o seguro com força ao invés disso. Ao contrário do riquinho privilegiado do pai das crianças, eu não posso me dar a luxos assim.

"O que houve?" Aeryn me pergunta, preocupada.

"O Caellum não vai vir porque tem uma suposta entrevista de estágio", respondo.

"Como é que é?" Minha amiga não esconde a descrença. "Ele trocou te acompanhar até a consulta por isso?".

"Ao que parece, ele tem suas falhas".

"Espero que seja uma exceção ou, do contrário, vou falar umas poucas e boas. Não tente me impedir", Aeryn me avisa, atipicamente séria.

"Não é a minha intenção", garanto. "Mas você pode ir comigo até a consulta?".

"Posso te dar uma carona, mas não vou ficar. Tenho reunião com o professor Prescott sobre o projeto".

Pelo visto, serei só eu e os bebês dessa vez.

Ou pelo menos é isso que eu penso até chegar ao hospital e ser encaminhada para o terceiro andar, onde me acomodo na recepção para esperar a minha vez, que a recepcionista garante que não vai demorar. Todavia, nesse meio tempo, estou olhando o movimento das outras pessoas pelo hospital quando vejo uma figura conhecida saindo de uma das salas.

"Cassiopeia?".

A irmã gêmea de Caellum parece ser pega de surpresa. Ela, definitivamente, não queria ser reconhecida quando está com o típico disfarce ruim da realeza, mas, ao perceber que se trata de mim, a Lady parece ficar mais tranquila.

"Miranda", ela diz, aproximando-se. "O que você está fazendo aqui?".

Aponto para minha barriga com certa obviedade, o que faz ela exclamar um "Ah!".

"E você?" Pergunto.

"Exames de rotina", ela é evasiva, mas noto um que de nervosismo. "Você veio sozinha?".

"O seu irmão me deu bolo", não é minha intenção soar rude, mas acontece. "Ele me trocou por uma entrevista de estágio".

"Foi por prever coisas assim que eu fui contra a ideia de ele ser pai tão novo", Cassiopeia não esconde o quanto reprova a decisão que tomamos. "O Caellum é imaturo".

"Mas o que está feito, está feito", percebo.

Nós não temos mais como seguir um caminho diferente, além de levar a gravidez até o final e buscar cumprir nossos papéis.

"Não pense que só estou sendo cruel", de repente, Cassiopeia soa preocupada. "É verdade que aconselhei Caellum a convencê-la a abortar, mas não fiz por ser má".

"Eu sei que não".

No fundo, ela deve ser a mais racional de nós. Mas é mais fácil ser racionalmente fria quando a decisão não está nas suas mãos.

"Sinto muito pela imaturidade do Caellum. Ele também não é ruim, mas precisa de uns puxões de orelha".

"Só que não cabe a mim ensinar ele a ser pai quando também estou aprendendo a ser mãe. Já tenho dois bebês com que me preocupar".

"Dois?" Cassiopeia não esconde a surpresa e mira a minha barriga com assombro.

"Você não sabia? Achei que o Caellum tivesse comentado", digo. "Nós descobrimos há alguns dias que estamos esperando por um casal de gêmeos, como vocês dois".

"Pelos Ancestrais", Cassiopeia fica muito pálida de repente, o que noto mesmo com o uso de sua máscara e boné.

"Sei que isso significa mais trabalho, mas já me acostumei com a ideia, eu acho", comento, porque o seu assombro me dá nos nervos e me faz perguntar se ela acha que não somos capazes de cuidar dos bebês como seus pais cuidaram dela e do irmão inconsequente.

Felizmente, a recepcionista chama o meu nome e penso que vou poder sair dessa situação um tanto constrangedora. Apesar de conviver com a Lady há alguns anos de forma esporádica, não posso dizer que somos particularmente próximas. Aeryn sempre foi como a nossa cola social.

"Bem, eu preciso ir", fico de pé após dizer isso e dou um sorriso sem graça para a Lady.

Mas, ao invés de se despedir como eu achei que faria, Cassiopeia me olha e pergunta:

"Será que eu posso acompanhar você, já que o Caellum não pôde estar aqui?".

Um lado meu pensa em negar, mas não quero construir uma relação ruim com a tia dos bebês, que será presença constante na vida deles. Ainda mais quando me lembro que ela cedeu sua parte em um imóvel para nos ver confortáveis.

"É claro", digo.

XxX

Se a obstetra fica surpresa com a presença de um membro da família real em seu consultório, não demonstra. Ainda mais porque a membro em questão fica em silêncio absoluto enquanto a doutora Laurent me faz perguntas rotineiras na primeira parte da consulta, que é tranquila.

As coisas só desandam de uma forma que me tira do eixo quando Sabrina me leva para mais um ultrassom e algo não parece sair como devia quando vamos checar os coraçõezinhos junto às imagens.

"Isso não é bom", ouço a médica murmurar.

"O que não é bom?" Cassiopeia e eu perguntamos ao mesmo tempo.

"Peço que fique calma, senhorita Miller. Vou checar mais uma vez".

É como pedir para que eu fique calma quando estou me afogando, porque só assim aprenderei a nadar: não consigo. Estou tensa até o último fio de cabelo enquanto aguardo por algo que não faço ideia.

"Doutora Laurent?".

"Os corações estão batendo mais lentamente do que deveriam".

"E o que isso significa?" Meus olhos enchem de lágrimas automaticamente, como se eu estivesse me preparando para o pior.

"Calma, pode ser algo com o equipamento", ela fala mais tranquila do que acho que deveria estar diante do que me diz. "Vou pedir que preparem outra sala para refazermos o exame antes de concluir qualquer coisa. Enquanto isso, tente manter a calma. Com licença".

"Como vou manter a calma?" Explodo assim que a médica sai da sala, deixando-me sozinha com Cassiopeia.

A Lady parece tão assustada quanto eu, mas tenta manter a pose:

"Não deve ser nada, Miranda".

"Mas, e se for? Isso significa que os bebês correm risco?".

As lágrimas de repente se tornam um choro. A simples possibilidade me assusta e imediatamente me arrependo de todas as vezes em que falei que queria que essa gravidez não acontecesse.

"Deve ser castigo", digo.

"Castigo pelo quê, Miranda? Você não fez nada que merecesse castigo".

"Eu quis abortar. Eu rejeitei os bebês e agora eles não estão bem".

"Não fale algo tão estúpido. Ninguém aborta querendo ser má. Há um milhão de motivos que podem levar uma mulher a fazer isso e elas não merecem castigo por sua escolha, tampouco você".

"Então por que isso está acontecendo, Cassiopeia?".

Não consigo parar de chorar.

Sinto como se estivesse tudo desmoronando outra vez e, por um momento, a sensação que tenho é de que vou morrer e me falta o fôlego.

"Eu vou chamar uma enfermeira para tentar acalmar você", Cassiopeia diz, de repente preocupada. "E vou ligar para o Caellum".

Vovô Feng faz questão de pontuar que, apesar da sua decepção comigo, é graças a ele que consigo meu estágio na Hastings como membro da equipe de desenvolvimento tecnológico, o que tenho que admitir. Sei que, se não fosse neto de quem sou, jamais conseguiria essa vaga. Reconhecer o meu privilégio é um tanto humilhante, mas necessário.

"Espero que agora perceba que tudo o que Patrick e eu falamos no jantar foi pelo seu bem. Não devia ter feito tamanha besteira quanto a de engravidar uma moça qualquer, Caellum", ele me diz depois que nos despedimos do CEO da empresa, senhor Cooper, e entramos no elevador.

"A Miranda não é uma moça qualquer, vovô".

"Mas tampouco é alguém que você possa apresentar à sociedade", ele retruca. "Claramente ainda não tem noção do quanto manchará a sua reputação e a da família, seu moleque inconsequente".

Infelizmente, ter sua ajuda para conseguir o estágio também significa aguentar calado suas broncas e insultos direcionados a mim.

"O que está feito, está feito, vovô", é tudo o que digo.

"Ao menos tenha um pouco de vergonha. Todos nós enfrentaremos um período ruim por sua culpa", ele diz. "E, ao mesmo tempo, fique grato à Cassiopeia. Ao menos podemos contar com a sua irmã para encobrir o estrago, como sempre".

Como se tivesse sido invocada, meu celular começa a tocar com uma chamada da minha irmã gêmea.

"Falando nela...", mostro a tela do celular para vovô e, em seguida, atendo a ligação. "Oi, Cassie. Aconteceu alguma coisa?".

"Você ainda está na tal entrevista de estágio?" Ela me pergunta, ignorando o que falo.

"Como você sabe sobre a entrevista de estágio?".

Por ter sido tão em cima da hora, não tive tempo de comentar sobre isso com ninguém, além de Miranda.

"Encontrei a Mimi no hospital e ela me falou que você a trocou por isso", há censura na voz da minha irmã quando ela diz isso.

"Eu não a troquei, eu...".

"Isso não importa agora, Cal", Cassiopeia me corta, soando agitada. "A Miranda precisa de você. Mesmo que ainda esteja na maldita reunião, largue tudo por aí e venha para cá imediatamente ou eu juro que te dou uma surra".

"Por que você está sendo tão irracional? Aconteceu alguma coisa?".

"Anda logo, Caellum", o fato de Cassiopeia falar no seu tom de voz de futura duquesa denuncia que algo, definitivamente, está errado. "A médica falou que tem algo de errado com um dos bebês. Pode não ser nada, mas a Miranda está agitada e precisa de você".

Isso faz tudo sair dos eixos de uma hora para a outra.

"Eu estou indo".

De repente, tudo o que fica na minha mente é medo. Algo não está bem e Miranda precisa de mim, então ignoro as perguntas do meu avô e saio correndo assim que o elevador se abre no estacionamento.

"CAELLUM MAXIMOFF FENG!" Vovô grita.

Mas tudo o que eu faço é entrar no meu carro, dar partida e dirigir o mais rápido que o trânsito me permite, o que não é rápido o suficiente para a angústia que me consome. Leva quase meia-hora até que eu entre no estacionamento do hospital e consiga pegar o elevador, que se fecha pouco antes da chegada do carro com meus seguranças, os quais devem estar me xingando de várias formas pela agitação fora do normal e sem qualquer explicação.

Sinceramente? Foda-se.

É só quando chego ao térreo que percebo não saber em qual lugar do hospital Miranda está, então sou obrigado a usar a minha identidade a meu favor ao falar com a recepcionista, que me manda direto para o terceiro andar. É onde avisto Cassiopeia em um corredor.

"Cassie!".

Ela se vira a tempo de me ver correndo até ela.

"Pelos Ancestrais, finalmente!" Ela afirma.

"Cadê a Miranda?".

"Dentro da sala. A médica está refazendo o exame para ter certeza de que...".

Não ouço a sua explicação até o final. Assim que descubro onde Miranda está, abro a porta e a encontro deitada em uma cama com uma outra mulher posicionada ao seu lado e conduzindo um ultrassom.

Miranda parece ser pega de surpresa, mas a médica não.

"Suponho que você seja o pai", ela diz.

Eu assinto conforme me aproximo, ainda anestesiado pela súbita descarga de adrenalina.

"Você deve ter sido avisado do falso alarme que tivemos", a médica continua, mas eu só consigo olhar para Mimi em busca de algum sinal de que algo não está bem, mesmo após as suas palavras.

Miranda ainda estampa uma feição de surpresa pela minha presença e parece ter chorado muito, mas agora há apenas resquícios de lágrimas em seu rosto muito vermelho.

"Eu sinto muito. Fiquei com muito medo e entrei em desespero, o que deve ter assustado a Cassiopeia e feito ela te ligar, mas acabou sendo um alarme falso e...".

"Eu peço desculpas, Mimi", sinto que é o ideal a ser dito. "Eu não devia ter deixado de vir com você. Fui um irresponsável sobre o que deveria ser minha prioridade".

"Está tudo bem", ela diz.

Mas não está. Eu fui um idiota e ela sabe tão bem quanto eu.

"Os bebês...?".

"Eles estão bem", ela procura o olhar da médica em busca de apoio. "Não é?".

A obstetra assente.

"Sim, está tudo bem. Você pode ver aqui, papai", ela indica um monitor. "E ouvir os coraçõezinhos batendo como devem".

Apesar de já ter visto as imagens do primeiro ultrassom, acompanhar o processo com Mimi é mágico e, de repente, os meus olhos estão lacrimejando.

"Viu só?" Miranda diz. "Foi só um susto".

Mas ela também está com os olhos cheios de lágrimas, como se ouvir o som dos corações fosse uma dádiva depois de tudo, então faço a única coisa que parece caber a este momento e abraço Mimi enquanto juro em silêncio que não vou mais deixá-la passar por susto algum sozinha.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top