13. PREOCUPE-SE CONSIGO MESMO


"Então você está me dizendo que nós não estamos esperando um bebê, e sim dois?" Pergunto a fim de confirmar que ouvi certo tudo o que Miranda me disse sobre a sua primeira consulta de pré-natal. "Nós vamos ser pais de gêmeos, um menino e uma menina como a Cassie e eu?".

Parece surreal demais tamanha coincidência, mas Miranda assente, e só posso aceitar que é totalmente possível.

"Foi o que a obstetra disse e o que está nas imagens do ultrassom", ela murmura, sem me olhar. Parece mais uma vez cabisbaixa, e me pergunto o porquê. "Depois eu te mostro".

"Gêmeos", pondero comigo mesmo, rindo de incredulidade. "Um menino e uma menina".

"Você não está nem um pouco preocupado com isso?" Miranda me pergunta, como se me achasse de outro mundo. "Ou assustado?".

"Muito pelo contrário", tento conter parte da minha animação. "Mas se eu deixar esses sentimentos crescerem em mim, eles vão me derrubar e os bebês não merecem isso. Gêmeos, Mimi!".

"É, gêmeos", ela me olha como se eu tivesse um parafuso solto por optar por comemorar, mas não me importo. "Todo o terror da maternidade em dose dupla".

"Mas a parte boa também. Não seja totalmente pessimista, Mimi".

"Você tem que admitir que é um pouco complicado para mim, Caellum. Já foi difícil aceitar um bebê, dois então...".

"Não é como se a gente pudesse prever tudo isso".

"Eu sei".

O modo como ela fala me faz crer que, se pudesse prever, ela gostaria de evitar tudo. Uma parte minha acha cruel, mas é mínima. Sou completamente ciente de que Miranda tem os seus motivos para ser tão pessimista, a começar pela crise com os seus pais. É por isso que decido mudar de assunto:

"Bem, sendo dois bebês ou não, acho que está na hora de começarmos a comprar o que eles vão precisar, certo?".

"Isso nem me passou pela cabeça", é só então que percebo o quanto ela parece cansada.

Miranda está sentada de lado no sofá, com o cotovelo sobre o encosto e a cabeça apoiada na mão. Sua expressão é de quem adoraria tirar um cochilo ao invés de continuar conversando comigo.

"Nós podemos ir planejando ao longo da semana. Você claramente precisa dormir".

Mimi boceja, o que comprova isso.

"Estou com sono por três, então é compreensível. 50% disso é culpa sua".

Não consigo evitar o sorriso que surge na minha boca. Até algumas semanas atrás, eu jamais esperaria me ver na situação em que me encontro, velando Miranda como sendo a futura mãe de gêmeos que também me pertencem.

A vida realmente pode mudar do nada, da forma mais abrupta possível.

"Por que você está me olhando feito um pateta?" Ela me pergunta, piscando os olhos de maneira sonolenta.

"Estou apenas pensando", faço-me de desentendido.

"Sobre?".

Você.

"Os bebês, é claro", pigarreio a fim de espantar o pensamento inconveniente. "Sei que vai me achar um tolo por isso, porque é muito mais realista do que eu, mas estou feliz de ser gêmeos. Eles vão ter um ao outro sempre".

"Como você e a Cassiopeia".

Como eu achava que era.

"Como o Leonard e a Elisabeth".

Miranda bufa.

"É regra ter casais de gêmeos em toda geração Maximoffiana?".

Eu rio.

"Acho que sim".

"Que sorte a nossa sermos os novos responsáveis por isso, então", o seu sarcasmo não me escapa.

Eu balanço a cabeça em negação.

"Vou te deixar absorvendo a novidade e descansando", fico de pé. "Está tarde, então é melhor eu ir agora que a chuva parou". Miranda só parece se dar conta desse detalhe depois que lhe chamo a atenção, pois olha para os janelões da sala e franze o cenho para a escuridão noturna sem mais sinais de temporal. "Se acontecer alguma coisa, não seja teimosa e me ligue".

"Eu já sei disso".

"Mas com você é sempre bom reforçar", não hesito diante da cara feia que ela me faz por falar a verdade. "Já sei que é uma mulher que gosta de lidar com tudo sozinha, mas esse suposto problema também é meu".

"Eu já entendi".

"Ótimo", rio. "A gente se fala, Miranda".

"Tchau, Caellum".

XxX

Ao sair da sala de visitas, encontro Aiden em um dos corredores da mansão, o qual me oferece um sorrisinho de moleque arteiro.

"E aí, papai do ano?".

"Você não cansa de me chamar assim, não é?".

"É claro que não", ele me segue quando eu continuo andando na direção da saída. Apesar de ser um lugar grande e passível de se perder, já estive na casa de Maxwell Kannenberg por vezes o suficiente para saber o caminho. Aiden e eu nos conhecemos há muito tempo. "Nunca imaginei que você seria o primeiro a ser pai dentre os meus amigos".

Eu também não, o que diz muito.

"Ainda assim, vira a página. Você não tem nada melhor para fazer, além de me importunar?".

"É claro que tenho", Aid retruca. "Sou um empresário, esqueceu?".

"Você deixa alguém esquecer?".

"E também estou saindo com a Gina Ashworth".

Isso me chama a atenção o suficiente para parar de andar e encará-lo.

"Mas é algo sério dessa vez?".

"Desde quando eu saio com alguém a sério?".

Não consigo evitar uma pontada de desapontamento quando digo:

"Verdade. Pelo visto, você ainda está esperando a volta da Mary Ann".

Esse é um nome mágico. O único capaz de fazer todo o humor de Aiden Kannenberg sumir.

"O que você acha que eu sou, um tolo?" Ele força uma risada.

"Você realmente acha que eu tenho moral pra zoar alguém por não esquecer uma pessoa?".

Mary Ann Coven é para Aiden o equivalente ao que Miranda é para mim. A diferença é que Mary Ann partiu o seu coração indo embora e nunca dando qualquer sinal de que o correspondia para além de uma amizade, o que me faz ter sinceras dúvidas de qual de nós dois é o mais ferrado. Não que exista uma competição.

"Eu não penso mais em Mary Ann dessa forma", Aiden fala o que nenhum de nós dois acredita. "Já faz quatro anos que ela foi embora".

"Mas vocês ainda conversam, não é?".

"Não da forma como era antes", ele balança a cabeça em negação. "Agora, se me der licença, preciso ir à Starry Night conferir o movimento de hoje... E encontrar a Gina, é claro", antes que eu possa falar algo, ele se apressa a seguir rumo ao corredor onde fica o elevador com passagem direta para a garagem.

Sozinho outra vez, eu balanço a cabeça em negação. Realmente não posso julgar Aiden, mas acredito que ele tem muito mais razões para seguir em frente do que eu. Afinal, vou ser pai dos filhos da fantasma que me importuna enquanto a dele já saiu de sua vida, sem planos para voltar.

XxX

"Então você está me dizendo que a Miranda está grávida de gêmeos, um menino e uma menina?" A voz da minha mãe soa tão incrédula quanto a minha própria quando fiz quase a mesma pergunta a fim de confirmar a situação com Mimi.

Por estar no lado contrário da questão agora, permito-me sorrir.

"Exatamente. Você também não acha que é coincidência demais?".

"Eu diria até que a vida está brincando comigo".

"Você soou tão Miranda, Katherine Maximoff. Ela também não ficou muito feliz com a novidade, e sim preocupada".

"E com razão", mamãe retruca. "Não vai ser nada fácil manter as crianças longe dos holofotes. Uma vez que os veículos de mídia fiquem sabendo que você será pai e ainda mais de gêmeos...".

"Eles vão vir com tudo, não é?" Suspiro. Por mais otimista que seja, não sou tolo. Sei bem o quanto a mídia influencia as nossas vidas muito mais do que gostaríamos, nos manipulando a agir como se estivéssemos encenando para sempre um comercial da típica geléia de pimenta Oriana.

"A menos que algo ainda mais explosivo do que isso aconteça".

Ela e eu ficamos em silêncio por um momento. Estou dirigindo rumo ao palácio, onde fico quando em Dominique, e o trânsito está um pouco congestionado devido ao recente temporal, o que não ajuda em minha tentativa de organizar os meus pensamentos.

"Vai ser ainda mais difícil lidar com a Miranda tendo recusado o meu pedido de casamento, não vai?".

"Querendo ou não, as pessoas esperam que a gente proteja os códigos da boa família Oriana", mamãe é honesta. "Você ser pai sem estar em um relacionamento considerado adequado vai ser um prato cheio para sensacionalistas como a Amy Stone".

"Sempre a Amy Stone", percebo.

Trata-se da editora-chefe do principal veículo midiático de fofocas em Orion, depois do meu amigo Tobias, o portal The Royals.

"Não tem mesmo jeito de você conseguir convencer a Miranda a casar?".

"Mamãe, eu também tenho o meu orgulho. Ela me disse não, deixou bem claro que não gosta de mim o suficiente para isso, então...".

"Para mim, vocês só não estão conversando direito", Katherine me interrompe. "O que deve ser o mal dos Maximoff. Agir com o corpo muito mais do que com a cabeça".

"Mamãe!".

"Você, por acaso, já falou para ela como se sente?".

Anos atrás, antes de levar um pé na bunda porque ela queria conhecer outros caras e havia enjoado de mim.

"Por que só eu tenho que tomar uma atitude?".

"Porque só você tem ideia do que enfrentarão. Pelo pouco que conheci da Miranda, ela sabe que não vai ser fácil, mas acredita piamente que vai dar conta e algo me diz que ela é daquelas que só vai perceber que não pode lidar com tudo depois que estiver dentro do olho do furacão".

"Isso é verdade, embora eu esteja surpreso que tenha percebido isso quando só falou com ela uma vez".

"É que ela me lembra a Katherine de vinte e poucos anos atrás, que estava, praticamente, na mesma situação".

Isso me pega de surpresa.

"Sério?".

"Se não fosse pelo seu pai ter assumido as rédeas do quase escândalo naquela época, muita coisa teria sido diferente. É por isso que eu insisto para que pense mais nos bebês e menos no seu orgulho".

"Ainda assim, não acho que seria tão sortudo quanto vocês dois, de conseguir fazer dar certo. Não posso forçar uma relação com a Miranda que ela não quer. Não sou assim, mãe".

"O que me faz temer por vocês dois", ela murmura, agourenta. "Ou melhor: por vocês quatro. Ainda estou tentando absorver essa novidade".

Seu assombro perceptível me faz rir.

"Acho que também ainda estou absorvendo", confidencio. "Uma parte minha está muito feliz porque eles terão um ao outro como a Cassie e eu, mas outra teme não dar conta. Como foi para a senhora quando teve que lidar com dois de uma vez só?".

"Assustador", mamãe me confidencia. "Você era quietinho, mas a Cassiopeia chorava muito e gritava até cansar quando o Jun não estava por perto para acalmá-la. Eu só consegui lidar melhor com a sua irmã quando ele me contou o seu segredo para acalmá-la".

"E qual era?".

"Niná-la cantando Chiquitita, do ABBA".

Isso me faz sorrir.

"Você ainda faz isso, não faz?".

"Quando a sua irmã me permite", sua resposta traz à tona a nuvem pesada que se consolidou sobre as nossas cabeças desde a volta de Cassie da Alemanha.

"Eu não entendo", agora estou perto o suficiente do palácio para enxergar a sua cúpula ao final da avenida Carpentier. "A Cassie e a senhora nunca brigaram. O que a fez começar a agir assim, tão rude? Eu mal a reconheço desde que voltou".

"A sua irmã tem os motivos dela para isso", mamãe diz. "Se estivesse no lugar dela, também teria raiva de mim".

Como? O que diabos aconteceu?

São sempre essas perguntas que me vêm à mente quando o assunto é esse, mas ninguém parece disposto a me esclarecer os fatos.

"Então vai ficar por isso mesmo?" Pergunto. "Vão guardar segredo e ficar com raiva uma da outra?".

"É assim que os Maximoff lidam com as coisas", seu tom é amargamente conformado.

"Um claro indício de falta de terapia".

Isso a faz rir.

"Devo marcar uma avaliação psicológica?".

"Por favor".

"Está bem, espertinho", mamãe diz. "Vou desligar agora, mas me mantenha informada sobre tudo o que está acontecendo em Dominique".

"Como quiser, vossa graça. Tchau".

Assim que a nossa chamada chega ao fim, faço o contorno para a entrada dos fundos da propriedade do palácio e passo pelos procedimentos de segurança até a garagem. Ela é tão grande quanto o estacionamento de um shopping; lotada de carros de uma coleção particular de décadas dos Greenhunter.

Quando saio do meu carro, tranco-o e pego o elevador até o terceiro andar, onde fica a ala com os quartos destinados aos membros da família.

No momento, como quase sempre, ela está praticamente vazia. Além de mim, apenas dois seguranças circulam pela entrada e eles mal me olham quando eu passo, agindo como itens de decoração.

Apesar dessa ala também ser a dos quartos de Theo e dos meus primos, não estou esperando encontrar ninguém. Elisabeth e Niklaus estão em Nova Iorque desde o ano passado, Leonard passa mais tempo na casa da namorada do que aqui, Kyle vive no centro de treinamento de arco e flecha ou na sala de música e Theo quase nunca tem tempo para viver desde que passou a acompanhar parte da rotina do pai, quando não está na faculdade. Logo, é com um baita grito de susto que saúdo minha irmã quando abro a porta do meu quarto e encontro Cassiopeia feito um fantasma dentro da penumbra dos meus aposentos.

"Filha de uma...".

"Fala sério", ela rola os olhos, interrompendo-me.

Eu acendo as luzes do cômodo antes de entrar e fechar a porta de novo. Quando me volto para Cassie outra vez, espero estar parecendo tão zangado quanto me sinto.

"O que diabos está fazendo aqui, no escuro, feito o fantasma da rainha Rosemary?".

Para contribuir com o meu susto, minha irmã está usando um vestido branco que mais parece a camisola que fantasmas usam em filmes e seu rosto está tão encovado quanto o da noiva cadáver pela recente perda de peso.

"Você é tão exagerado, Caellum", Cassiopeia rebate, nada afetada. "E um cagão".

"Fala sério", é minha vez de rolar os olhos. "Ainda não respondeu a minha pergunta. Você sumiu e simplesmente não falou mais comigo desde aquela noite no apartamento, nem mesmo no jantar da mamãe, mas então eu volto para casa e a encontro no meu quarto... Ficou doida, por acaso?".

"Eu só estava te esperando", ela rebate. "Como você parece decidido a ir até o fim com essa história de bebê com a Miranda...".

"Se veio para mais um discurso pró-aborto...", a interrompo.

"Não pretendo mais me meter na sua vida. Se o que quer é ser pai, então...", ela dá de ombros. "Vim apenas para dizer que vou abdicar da minha parte no imóvel que o Patrick e a Nancy nos deram".

"Como é?" Não consigo evitar o meu tom surpreso. De todas as coisas que Cassiopeia poderia me dizer e que passaram pela minha cabeça, nem uma foi essa.

"Você e a Miranda vão precisar de um lugar para ficar e cuidar do bebê. Não faz sentido que compre outro lugar quando temos um apartamento que mal usamos".

"Essa não era uma questão que havia passado pela minha cabeça até agora", eu admito.

"O que não me surpreende, porque você não é dado a pensar com responsabilidade. Ainda é imaturo".

"Vai começar os ataques de novo?".

"Estou apenas constatando o óbvio", Cassie rebate. "E torcendo para você perceber que ser pai significa crescer e assumir um monte de responsabilidades, porque estará lidando com uma vida".

"Eu sei disso, Cass. Não sou tão imaturo assim".

"É o que todo mundo espera", ela fala. "Inclusive eu".

"Então não vai mais agir como se eu estivesse cometendo um grande erro por não escolher o que você quer?".

"Uma hora ou outra você começaria a pensar com a própria cabeça".

Apesar de parecer um novo insulto, isso me faz rir.

"Senti a sua falta, Cassiopeia. Se sumir de novo, vou te achar e chutar a sua bunda".

Por um momento, a minha irmã me olha sem emitir qualquer reação, mas depois bufa como se me achasse patético por minha ameaça e isso é tão Cassie que me dá uma pontada de esperança de que as coisas vão parar de ser estranhas e tudo será resolvido em breve.

"Eu vim apenas para te falar sobre o apartamento", ela diz. "Em breve receberá a papelada com a minha abdicação".

Minha irmã faz menção de passar por mim e ir embora depois disso, mas eu a seguro.

"Cass", ela me olha com óbvio desagrado pelo meu gesto, mas faço-me de desentendido. "Não vou mais te pressionar daqui em diante, então não some mais. Só promete para mim, por favor, que, seja lá o que aconteceu na Alemanha, você não vai deixar isso te quebrar como o que aconteceu com o Theo anos atrás".

Cassiopeia se desvencilha da minha mão e me encara com os olhos mais vazios que eu já vi, sem qualquer sinal de emoção.

"Você já está cuidando de pessoas demais, irmãozinho. Preocupe-se com a Miranda, com o bebê e consigo mesmo. Eu não vou quebrar. Isso já aconteceu. E você não vai gostar de ver os cacos, se eles forem expostos. Agora...", ela meneia a cabeça e sorri, sarcástica. "A gente se vê em outro momento". 

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