06. PASSADO
Quase em um piscar de olhos, uma semana se passa depois do encontro com Caellum e, nesse meio tempo, tento retomar a minha vida como se nada fora do comum estivesse acontecendo, o que se torna mais difícil do que era quando a gravidez era um segredo apenas meu. Além da barriga estar começando a aparecer depois de três meses, embora ainda dê para disfarçar como mera gordura, ainda tenho que lidar com os cuidados de Aeryn e Caellum.
Enquanto a minha melhor amiga até tenta ser discreta, apesar das suas preocupações serem excessivas quando estamos juntas (ultimamente ela não me deixa nem carregar a minha própria bolsa!), Caellum não se importa de chamar a atenção ao me mandar mensagens frequentes e aparecer muito mais do que devia no campus da faculdade para me ver, já que ele sequer está estudando ainda. Mesmo que ninguém pense que o motivo para tudo isso seja gravidez, Antonella e David, amigos nossos, já me questionaram se, por acaso, eu não estou saindo às escondidas com Caellum de novo, o que é humilhante. Enquanto eles pensam que estou aos beijos com o lorde, a realidade é um buraco ainda maior do que esse. E falando no diabo...
Mal me deito na minha cama após um dia exaustivo e meu celular toca, sendo, é claro, uma chamada do pai do Pesadelo:
"Você não acha que está exagerando um pouco?" Pergunto ao atender. "Nada aconteceu desde que nós dois nos vimos mais cedo, na Aureum College".
"Na verdade, eu só liguei porque tenho uma data para o jantar com os nossos pais".
Isso me deixa em alerta e acabo sentando em posição de borboleta no colchão antes de dar continuidade à conversa.
"Quando?".
"Semana que vem", Caellum diz, bem mais tranquilo do que deveria, diante do significado do jantar. "Sei que vai sobrar pouco tempo para o caso de você ainda estar cogitando aborto, mas foi a data mais próxima que consegui convencer a minha mãe de vir. Políticos não têm muita folga, você sabe".
"Tudo bem", não posso me zangar com isso, posso? Por mais que o nosso tempo esteja correndo com relação ao aborto, a verdade é que, cada dia que passa, sinto menos rejeição pelo Pesadelo depois de ter certeza de que não estou só. É tão estranho o quanto meras palavras e gestos simples de outras pessoas podem fazer a diferença. Por mais conflitante que a minha relação com Caellum seja, no fundo, estou grata pela presença dele. Tudo seria bem diferente, se ele não tivesse acreditado em mim e rejeitado o bebê. "Eu vou falar com os meus pais e estaremos prontos no dia", ou, pelo menos, é nisso que eu quero acreditar.
Há um instante de silêncio do outro lado da linha antes de Caellum continuar:
"Acho que tem mais uma coisa que você iria gostar de saber sobre o jantar".
"O quê?".
Estou, mais uma vez, tensa antes de ele responder:
"Será aniversário da minha mãe, então nós nos reuniremos sob esse pretexto".
"Ah...", de fato, é melhor saber disso antes, porque, se fosse apenas na hora, eu não me lembraria da gravidez ao atacar Caellum com um garfo. "Acho que devo levar um presente, nesse caso. Do que a sua mãe gosta?" Não consigo pensar em nada que uma duquesa já não tenha.
Do outro lado da linha, Caellum ri. Um som que eu nunca pensei que voltaria a ouvir sendo direcionado a mim.
"Isso não vai ser necessário, Miranda. A minha mãe não está esperando ganhar nada, além da família reunida no jantar para um momento tranquilo".
Saber disso me faz gemer de frustração.
"Por que de repente parece que eu sou a vilã que vai destruir esse cenário ao soltar sobre a sua família uma notícia que eles não estão esperando?".
"Não é como se você fosse fazer isso sozinha. Não pense assim, Mimi", é um pedido difícil ser otimista diante de tantas circunstâncias difíceis, mas tento não sofrer antecipadamente. Quando faço isso, parece que afloro ainda mais os sintomas da gravidez, então busco respirar fundo e manter a calma. "Cá entre nós, há uma probabilidade muito maior de a Cassiopeia estragar o jantar ao invés da gente".
"Como assim? O que a sua irmã fez?".
Tudo o que eu sei sobre a gêmea de Caellum é que Cassie esteve na Alemanha durante o ano passado e que seu retorno estava marcado para junho. Porém, ela voltou muito antes disso, embora não tenha aparecido nenhuma vez na Aureum College para ver a mim ou aos outros.
Do outro lado da linha, o lorde suspira.
"Ela e a mamãe estão brigadas, o que significa dizer que, muito provavelmente, o clima do jantar já não vai estar dos melhores antes de qualquer notícia que a gente der".
Fico curiosa para saber a razão da intriga entre as duas, mas não quero parecer intrometida, então contenho todas as perguntas que surgem na minha mente. Algo me diz que, mesmo que eu não descubra agora, a convivência forçada com Caellum vai me levar a saber.
"Que droga", eu digo. "Sinto muito por isso".
"Vai ficar tudo bem", ele parece verdadeiramente acreditar nessa possibilidade, o que demonstra o quanto somos completos opostos: Caellum é um baita otimista, enquanto eu sou pessimista.
"Espero que sim", respondo.
E então vem o silêncio.
Não tenho mais nada a dizer e, pelo visto, Caellum também não, mas também não nos despedimos.
"Então...", ele fala, após cerca de dois minutos que mais pareceram um infinito.
"Aproveitando que telefonei, como você e o Pesadelo estão?".
"Exaustos", suspiro.
"Sinto muito", é a vez dele se compadecer. "Não posso dividir o fardo dos sintomas com você, mas se tiver algo que eu puder fazer...".
"Vai ficar tudo bem", experimento um pouco do seu otimismo e tento não pensar no que "bem" significa dentro do nosso contexto, já que ainda não decidimos se ficaremos com o Pesadelo.
Felizmente, é com o esperançoso que eu estou falando. Do outro lado da linha, ouço Caellum rir baixinho.
"Vai sim", ele concorda.
E quando parece que o silêncio vai retornar, apresso-me a dizer:
"Bom, se telefonou só para avisar sobre o jantar, vou desligar. Falei sério sobre estar exausta, então preciso descansar um pouco".
"Está bem", Caellum concorda. "Mas lembre- se do que eu te disse antes: avise, se precisar de algo".
"Está bem, Super-Homem", tento não pensar muito no quanto estranho estarmos tendo uma conversa tão tranquila após tantos anos de trocas de farpas depois que menti para me afastar de Caellum e de sua família. Ainda mais quando a conversa é sobre algo que vai mudar as nossas vidas para sempre e que, até alguns dias atrás, era meu pesadelo particular. "A gente se fala".
Antes que ele responda, aperto o ícone de encerramento da ligação e deixo o celular de lado.
XxX
Durmo pela maior parte da tarde, o que me garante um acúmulo de matérias da faculdade para dar conta em um horário inoportuno. Quando acordo e me dou conta disso, sinto-me ainda mais cansada e tentada a voltar a fechar os olhos, mas me obrigo a levantar e tomar um banho quente para espantar o máximo possível da preguiça que sinto.
Alguns minutos depois, quando saio do chuveiro e volto para o quarto conjunto, a primeira coisa que penso é que três meses e um pouco mais da existência do Pesadelo me garantiram uma pequena protuberância em minha barriga que escondo com um pijama de moletom bem no momento em que minha irmã abre a porta em um rompante, sem bater.
"Miranda!" Ela grita.
Quase ao mesmo tempo, eu grito de volta:
"Que susto, Julie! O que eu falei sobre entrar no meu quarto sem bater?".
O constrangimento toma a sua face de imediato, deixando-a vermelha.
"Me desculpe, Mimi, eu esqueci".
Como posso ficar com raiva de alguém com bochechas tão fofas e que é como uma mini versão de mim? Chega a ser frustrante tentar.
"Está tudo bem", falo. "Mas por que você veio me procurar com tanta afobação?".
Tiro a toalha que cobre a minha cabeça e começo a desembaraçar o meu cabelo enquanto aguardo uma resposta de Julie.
"É que a senhora Carter está aqui, então a mamãe pediu que eu te chamasse para falar com ela".
"Ah", talvez o cansaço fosse um aviso do Pesadelo de que, se eu levantasse, um destino pior do que o acúmulo de tarefas da faculdade me pegaria. Para resumir, a tal senhora Carter é a mãe do meu primeiro e único namorado, que, apesar de ser meu ex há três anos, permanece mais presente na minha vida do que eu gostaria. "Você pode avisar para elas que eu já estou indo?" Sei por experiência própria que, se inventar qualquer desculpa para não ir ao encontro dela, a senhora Carter virá até aqui como naquele provérbio do Maomé e da montanha.
"Está bem", Julie assente. "Mas não esquece de colocar a sua pulseira anti-bruxa, ok? Hoje a senhora Carter está bem mais chata do que o normal".
Eu quase rio, porque é fácil fazer isso quando se tem uma irmã mais nova como Julia Miller.
"Pode deixar, Unicórnio".
Julie sai do meu quarto depois disso e eu me volto outra vez para o espelho, onde encontro a imagem doentia que me acompanha desde que descobri a gravidez: estou inegavelmente pálida, com o rosto mais cheio e com bolsas escuras sob os olhos.
Minha mãe e meu pai não são de reparar em detalhes assim quando estão sempre ocupados, mas a senhora Carter... Ela tem olhos para cada detalhe, como boa fuxiqueira que é. Por isso, termino de desembaraçar o meu cabelo e o deixo solto para secar naturalmente. Depois, busco disfarçar a minha palidez e os sinais de sono desregulado com maquiagem e troco meu pijama por um pulôver amarelo e calça legging preta, as quais disfarçam os poucos centímetros do Pesadelo.
"Por favor, fique quietinho. Nada de se manifestar pela próxima hora", pego-me encarando minha barriga através do espelho.
É somente quando me dou por satisfeita com o disfarce e coloco a tal pulseira anti-bruxa (que é só um amontoado de miçangas coloridas feito por Julie) que saio do quarto e desço a escada para o andar térreo, onde encontro a minha mãe, Julie e a senhora Carter na cozinha.
"Boa noite", cumprimento.
"Mimi!" Julie vem correndo para perto de mim e me abraça pela cintura, o que me deixa travada por um momento, mas minha irmã não parece perceber nada de diferente em mim.
"Olha só quem finalmente apareceu", a senhora Carter me oferece um dos seus sorrisos diplomáticos. "Faz tempo que não a vejo. Você está linda com o cabelo longo, Miranda".
"Obrigada, senhora Carter".
Sendo sincera, ele só está longo porque, no meio do meu drama, a última coisa que me veio à mente foi cortar o cabelo. Mas preciso fazer esse lembrete. Prefiro muito mais quando ele está na altura dos meus ombros do que no cumprimento atual, quase no busto.
"A Miranda anda mais ocupada com a faculdade", minha mãe comenta. "Depois das férias de verão, ela vai começar o último ano e os planos são de buscar um bom estágio naquela empresa famosa... Como é mesmo o nome, Mimi?".
"1XM".
"Isso!".
"Eu nunca ouvi falar", a senhora Carter diz, com o tom tipicamente esnobe de sua família. "Mas suponho que seja por não me importar com esses jogos. É tão infantil. Imagino que a Miranda tenha outros planos, além desses".
"Ah...".
"Bom, tenho planos de chegar até um cargo executivo fazendo o que gosto, mas, para isso, preciso começar de baixo, não é mesmo?" Ofereço o meu sorriso mais falso para a visitante. Minha mãe não precisa ouvir críticas sobre a minha futura profissão quando ainda reluta tanto em aceitá-la.
"É claro", a senhora Carter diz, a contragosto. "Mas não era exatamente sobre isso a que me referia, e sim a casamento, filhos... Você sabe, uma mulher precisa se dedicar ao lar em algum momento".
Pelos meus ancestrais... Eu realmente mereço ouvir isso agora?
"Ah, Linda, como a Miranda pode pensar em casamento, se o último namorado dela foi o Landon?" Mamãe acaba intervindo diante do meu silêncio. "Depois dele, ela não teve mais ninguém. Focou completamente nos estudos".
"Que coincidência, porque com o Landon também foi assim", diz a senhora Carter. "Talvez seja um sinal de que vocês precisam se reencontrar, Miranda. Agora que estão mais maduros, o que não deu certo no passado pode dar certo nesse momento. Vocês eram um casal tão lindo!'.
Tenho que me controlar para não manifestar o meu desagrado com esse assunto, por mais frustrada que me sinta com isso.
"Apesar de tudo, eu tenho que concordar, Mimi", o que mais dói é saber que a minha mãe pensa o mesmo.
Juliana Miller e Linda Carter me encaram com expectativa, obviamente querendo que eu concorde, o que me faz sentir tão encurralada quanto, de fato, estou.
"Como eu disse antes, os meus planos são outros. Não estou pensando em casamento no momento", oculto a parte dos filhos por razões óbvias e aperto mais Julie no abraço que estamos dando uma na outra desde que entrei na cozinha, buscando apoio nela. "Além disso, prefiro deixar o Landon no passado. Fomos um casal lindo, mas acabamos. Ele sabe disso".
A senhora Carter fecha a cara, ao passo em que mamãe ri de nervoso e diz:
"Não precisa ser tão extremista, Mimi".
"É apenas a realidade, mãe", retruco, forçando um novo sorriso. "E, agora que eu já vi a senhora Carter e ela me viu, é melhor eu voltar para o meu quarto. Tenho um trabalho da faculdade para fazer. Com licença".
Desvencilho-me de Julie e aceno um adeus com a cabeça. Quando saio da cozinha, ainda escuto a minha mãe pedir desculpas para a senhora Carter pelo meu comportamento e justificar minhas falas com "estresse", o que é frustrante.
Para quem costumava esconder as emoções, sinto-me patética quando percebo que a bomba de hormônios que o Pesadelo trouxe consigo enche os meus olhos de lágrimas, porque jurei no passado que nunca mais derramaria uma lágrima sequer por causa de Landon Carter. Mas, ao que parece, eu não posso me dar esse luxo.
Landon foi meu namorado dos quinze aos dezoito anos de idade, por quase todo o ensino médio. Numa época onde as nossas famílias já eram próximas e ele vivia por perto, porque estudávamos no mesmo colégio, foi simplesmente natural que nos tornássemos um casal e, durante os primeiros meses, foi mágico.
Landon era meu príncipe, meu apoio. Ele era lindo, inteligente e amável com os outros. Eu era a sortuda que o tinha conquistado, o que nossas famílias sempre faziam questão de ressaltar. Enquanto Landon tinha muitas qualidades, a minha qualidade era tê-lo, mas eu não me importava. Até o drama começar.
Primeiro foram cenas de ciúme bobas que eram seguidas de pedidos de desculpas, depois foram chantagens, depois pequenas agressões... Vivemos um carrossel que chegou em seu ponto final quando Landon bateu com o carro em uma árvore depois de me fazer uma ameaça que, de tão sombria, às vezes me faz pensar se realmente aconteceu ou se sonhei com isso enquanto estive apagada depois do acidente:
"Se você quer terminar comigo, então vai ser do meu jeito. Com nós dois lado a lado em túmulos!".
Se foi sonho ou não, ter sobrevivido com apenas um machucado na perna me fez querer arrancar Landon da minha vida, o que os Miller, os Carter e o próprio Landon, aparentemente, não querem aceitar. Muito provavelmente porque não quis falar o que causou o acidente.
Todavia, me pergunto o que vai acontecer quando eles souberem do bebê e que isso, praticamente, leva embora qualquer fiapo de esperança de uma volta entre Landon e eu. A senhora Carter e o filho vão se desencantar de mim ou Landon vai querer voltar a ser o meu pesadelo, mas agora ameaçando a mim e ao meu possível filho?
De repente, tenho mais um motivo para temer o jantar que Caellum está preparando.
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