02. A VIDA DE UM CIVIL
A vida após o período de serviço militar é como uma caneca de chá depois de passar horas brincando na neve, como quando eu era criança. Recebo com alívio o fato de não ter mais o meu tempo milimetricamente controlado ou a falta de privacidade do quartel, nem as ordens hierárquicas e as regras enfadonhas. Também gosto de poder deixar o meu cabelo crescer.
Não que tudo a respeito do período tenha sido ruim. Ganhei massa muscular e acho que nunca estive tão saudável, o que é bom. Adquiri o hábito de correr pela manhã, mesmo no clima mais frio.
Todavia, inegavelmente, é bom ser só um civil outra vez. Bom pra caramba.
Posso me vestir como quiser, desfrutar dos privilégios de pertencer a uma boa família e, acima de tudo, retomar a minha vida de onde parei: quarto período do curso de engenharia mecânica na Universidade Aureum College, visando o início de um estágio na empresa de tecnologia do amigo do meu avô.
Para isso, uma das primeiras coisas que faço quando volto a ser civil é me encontrar com a orientadora acadêmica do meu curso para organizarmos como retomarei as aulas no semestre que vem, depois de destrancar a minha matrícula.
Acaba sendo uma conversa muito mais rápida do que eu previa, onde a senhora Kallahan, a orientadora em questão, apenas me faz algumas perguntas a respeito de como quero pagar as disciplinas referentes ao período e então me libera com uma cópia do cronograma do semestre após o verão. Como o período atual já está em curso há dois meses, vou ter que esperar um bom tempo antes de retomar os meus estudos.
De qualquer forma, ter tudo acertado com antecedência é bom. Saio da sala da senhora Kallahan um pouco mais tranquilo e sigo de elevador para o andar térreo, sendo acompanhado por um guarda pessoal que me segue a todo momento desde que saí do quartel e voltei a ser um alvo de só-os-ancestrais-sabem-quem.
No ano passado, eventos estranhos aconteceram. Um dos membros do Grande-Conselho, a organização que rege Orion em conjunto com o rei, morreu com o filho mais velho em um acidente e um outro ex-membro (por acaso, meu avô materno) teve a casa invadida por criminosos e se machucou. Em razão disso, o guarda na minha cola acabou sendo um mal necessário, mesmo que nenhum evento assim ocorra há meses, já que sou filho da atual única mulher participante da organização.
No térreo do prédio, encontro Aiden Kannenberg à minha espera, um amigo de longa data, que também veio para um encontro de orientação acadêmica depois do serviço militar.
"Café na Melodramatic?" Sugiro.
Ainda é de manhã e, apesar de eu ter tido um banquete no café-da-manhã do palácio (onde moro quando estou na capital do país, porque minha tia, por acaso, é a rainha), mais um pouco de comida não faria mal a ninguém.
Concordando com isso, Aiden dá de ombros.
"Desde que você pague", é o que diz o folgado. Ele não precisa realmente de alguém para bancá-lo, porque tem pais e um avô generosos, mas vive fugindo da responsabilidade.
"É por minha conta", reviro os olhos.
A Melodramatic é uma das cafeterias do pequeno complexo comercial da Aureum College, mas, mais especificamente, a cafeteria mais frequentada. Tem tanta gente que o guarda que me acompanha fica com um pouco de dificuldade de continuar me seguindo, principalmente quando Aiden e eu avistamos conhecidos no andar superior e decidimos nos juntar a eles, que têm a sua própria cota bastante generosa de seguranças. São os príncipes Greenhunter mais velhos.
"Agora dá para entender o fato de que todas as meninas do campus resolveram que queriam tomar café nesse exato momento. Era desculpa para vê-los", Aiden fala quando nós nos aproximamos deles.
Timotheo e Kyle estão dividindo uma mesa, mas é como se tivessem sido obrigados a isso. Até onde eu sei, eles não são próximos para além dos laços de sangue, o que explica as coisas. Kyle até tenta ser amigo do irmão, mas o Theo é como um gato velho e ranzinza que não gosta de contato.
"Por que vocês não se juntam a nós?" Dadas as circunstâncias, a sugestão de Kyle é quase um pedido de socorro.
Eu ocupo uma das cadeiras vazias da pequena mesa, mas Aiden diz que vai pedir café no balcão e peço que ele me traga um latte.
"Você veio para se encontrar com a orientação acadêmica?" Kyle me pergunta, ao que assinto em afirmação.
Ele e eu temos a mesma idade, o que significa dizer que o príncipe também esteve cumprindo o seu período militar recentemente.
"Você também?".
Kyle anui.
"Fiquei no campus para me encontrar com a Aeryn, mas ela precisou se encontrar com a Miranda", ele explica.
Aeryn Kannenberg - que é prima de Aiden, o que explica o sobrenome em comum - é namorada do príncipe há dois anos e, provavelmente, a garota com quem ele um dia vai se casar. Já Miranda... Ela é o meu assunto proibido, e a razão disso é uma longa e exaustiva história.
"Entendi", murmuro.
Não me agrada a ideia de falar sobre Miranda, mesmo que de forma indireta, então finjo procurar por alguém ou algo ao redor. Mesmo no andar de cima da cafeteria, o lugar parece sufocante. Muitas meninas estão mesmo aqui para verem os príncipes, apesar de Kyle e Theo frequentarem a Aureum College há anos e não serem novidade. Elas esticam os pescoços e nos bisbilhotam como câmeras de segurança, o que não parece incomodar os irmãos. Eles estão acostumados com esse tipo de assédio, o que entendo. Apesar de não estar no mesmo patamar que eles, também recebo certa dose de atenção gratuita por ser um Maximoff de vez em quando. Ainda assim, é sufocante.
Paro de olhar ao redor e me concentro em Theo, que está com fones no ouvido e observa o campus através da janela ao lado da mesa.
Para chamar a sua atenção, eu estalo dois dedos na frente do seu rosto, o que faz com que o príncipe me olhe com desgosto. Ele odeia quando faço isso, porque, apesar do que pode parecer, ele não escuta música quando coloca esses fones, e sim audiolivros. Para ele, é um aborrecimento dar uma pausa, mas estou pouco me importando no momento. Preciso de uma distração.
"O que foi?" Timotheo resmunga, tipicamente mau-humorado.
"Você falou com o Tobias recentemente?" Decido tocar em um tópico que diz respeito a nós dois, já que se trata do nosso melhor amigo em comum, Tobias Durkheim.
"Estou evitando ele, na verdade".
"Por quê?".
"Não é da sua irmã que ele fala o tempo todo", Timotheo deixa claro o seu desagrado com o fato de Tobias namorar justo Elisabeth, sua única e preciosa irmã mais nova. Ela e Tobias estão juntos há um ano e meio, mas Theo ainda não se acostumou.
"Deixa eles. Os dois ficaram meses sem se ver por causa do período militar do Tobias e da distância", Kyle arruma um jeito de entrar na conversa.
Assim como nós dois, Tobias também esteve os últimos meses preso em um quartel e, assim que ele voltou para a vida civil, seguiu para uma nova vida em Nova Iorque, onde a princesa de Orion está morando com o caçula da grande família, príncipe Niklaus.
"Parece mentira que você é o ciumento", aponto para a figura calada e sombria. "e você o irmão compreensivo", aponto para a figura de sorriso com covinhas e olhar atencioso.
É nesse contexto que Aiden volta a aparecer, mas sem café em mãos.
"Vim só avisar que estou indo embora. Surgiu um imprevisto e eu não pude nem fazer os pedidos naquele balcão lotado", ele parece um adolescente frustrado, principalmente porque seu surto pós-período militar foi platinar o cabelo.
"O que houve?" Theo pergunta. "Algo com o seu avô?".
"Não, o velho está bem", Aiden diz. "Mas a Aeryn", ele olha com certa acusação para Kyle ao citar o nome da sua namorada, "me ligou agora há pouco me dizendo que está em um lugar afastado da cidade com a Miranda e precisa que eu vá lá buscá-las".
"Por que ela não pediu isso para mim?" Kyle soa chateado.
"E eu vou saber?" Aiden retruca. "Tudo o que eu sei é que tenho que ir, porque a minha querida prima me deixou preocupado. Ela parecia atordoada".
"Você disse que ela e a Miranda estavam em um lugar estranho?" Pergunto.
Não gosto de admitir, mas fico preocupado. Orion é, de um modo geral, um país seguro, mas sempre há as suas exceções. Não me agrada que elas possam se meter em problemas - ou que já estejam metidas em um.
Acho que Kyle pensa o mesmo.
"É na zona norte", Aiden diz. "Pesquisei na internet e é um centro comercial com predominância de clínicas e centros estéticos".
"O que é que elas foram fazer lá?".
"A Aeryn só me disse para ir buscá-las. Não tenho detalhes, Caellum", Aiden me rebate, azedo. "Vão parar de me alugar agora e me deixar ir?".
"Eu vou com você", Kyle não deixa brechas para ser contrariado. Ele fala no seu tom de voz de comando, então Aiden não faz objeções.
"Está bem".
Fico tentado a dizer que vou junto, mas me reprimo. Diferente dos dois, que são primo e namorado de uma delas, eu não sou nada e só tornaria tudo estranho. Por isso, vejo-os partir em silêncio, sendo seguidos por parte do séquito de segurança dos Greenhunter.
"Então somos só nós dois", olho para Theo, que arqueia uma das sobrancelhas e depois volta a colocar os fones de ouvido. É o seu jeito nada discreto de dizer que está me dispensando, o que me faz fechar a cara. "Se Orion fosse uma democracia, eu nunca te daria o meu voto".
"Se Orion fosse uma democracia, eu não precisaria do seu voto, pois não teria uma vida política", ele retruca.
Reviro os olhos.
"Vou pegar o meu latte".
Olá, pessoas!
Mais uma sexta-feira e, dessa vez, na companhia do Caellum pós-dispensa militar com um capítulo mais tranquilo depois do susto inicial. O que acharam?
Spoiler do bem: esperem bastante participação do Aiden nesse livro, pois ele não pintou o cabelo à toa.
Também esperem muita participação do Theo, Theozetes! hihi
Até o próximo capítulo <3
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