01. PESADELO


Eu poderia morrer agora mesmo.

Tenho a sensação de que seria algo melhor do que o que estou vivendo nesse momento, o que não deve ser um bom pensamento para quem acaba de descobrir que está carregando uma carga de vida a mais.

Merda, Miranda.

Merda, Miranda.

Merda, Miranda.

Por um momento, é só isso o que consigo pensar enquanto a descrença é dolorosamente substituída por uma certeza que eu não pedi para mim. Mas, de acordo com todas as náuseas, a fome descomunal e os enjoos matinais que ando sentindo com frequência há duas semanas, além do atraso significativo do meu período menstrual e dos cinco testes de farmácia que comprei... Eu estou grávida.

Inegavelmente grávida, porém não o suficiente para que eu aceite, pois me pego murmurando: "Isso não pode ser verdade".

As duas listras vermelhas marcadas nos testes dizem o contrário, mas eu as encaro como se o poder da minha mente pudesse mudar a dolorosa verdade, porque, se eu estou grávida, isso significa que eu também estou acabada.

Ainda sou só uma estudante, tenho apenas vinte e um anos, moro com pais extremamente protetores (que, obviamente, não vão dar uma festa se souberem disso) e, acima de tudo, o homem com quem transei mais recentemente - o que o coloca no lugar de segundo culpado pela criatura dentro de mim -, é alguém com quem vivo uma situação extremamente complicada.

Em um breve resumo, ele é membro de duas famílias que poderiam esmagar a minha com um estalar de dedos. Neto de um dos homens mais ricos do país por um lado e herdeiro da família real Maximoff pelo outro. Assim que ele surgiu, eu sabia que seria um problema, mas me deixei levar. Caellum Maximoff era atencioso demais para que eu me permitisse a isso. Pensei que poderia controlar a situação, até me pegar apaixonada de verdade.

A questão que o torna inalcançável é que, para a família megaimportante dele, eu sou uma ninguém. Na verdade, tornando ainda pior, eu sou alguém... Mas alguém que, segundo a sua avó, se aproveitará dele para subir na cadeia alimentar.

Tendo ficado descuidadamente grávida após uma única noite que nem sequer deveria ter existido, eu até posso imaginar o que essa avó irá dizer se souber do bebê. Serei a aproveitadora. A aplicadora de golpes do baú.

"Isso só pode ser um pesadelo!" Sussurro para mim mesma, encostando a cabeça na parede da cabine de um dos banheiros femininos do prédio central da faculdade, onde me enfiei para fazer os testes.

Está um calor infernal aqui dentro e estou suando feito um porco, mas não consigo me obrigar a sair. Na minha cabeça, sair é aceitar essa nova realidade fodida onde os meus pais vão me matar e os Maximoff vão desejar que a prática de levar alguém à forca seja retomada no país.

Por que justo eu?

Sei que a resposta é óbvia, afinal me deixei levar completamente por instintos sujos durante a festa que me levou a dividir uma cama com Caellum, mesmo depois de ter prometido para mim mesma que me manteria longe dele. Fiquei tão inebriada e estava tão bêbada que nem sequer me lembro em que ponto erramos exatamente, porque não foi na falta de um preservativo. Quando acordei sóbria e odiando a mim mesma depois do efeito do álcool passar, encontrei um pacote prateado no chão. Então... Por que justo eu, se não fomos completos irresponsáveis?

Essa gravidez não poderia ser mais inconveniente e indesejável.

Penso no bebê dentro de mim e ele é como uma interrupção de tudo o que sonhei para mim mesma: começar um estágio, finalizar a faculdade, encontrar um bom emprego e sair da casa dos meus pais. Planos sólidos que agora escorrem feito areia pelas minhas mãos graças a duas listras.

Pergunto-me o que será para Caellum, se ele souber. Sendo filho de uma duquesa, ele é um dos cotados para substituir a mãe na câmera dos Lordes (embora a sua irmã gêmea seja a favorita) e sendo neto do acionista majoritário do conglomerado Feng, ele é cotado para assumir algum cargo executivo. Em outras palavras: uma gravidez indesejada e com alguém que nem sequer é sua namorada vai ser um escândalo enorme na sua vida, se vier à tona.

Não posso deixar isso acontecer com a gente.

"Você não pode existir, Pesadelo".

Por algum motivo, começo a chorar justo depois de afirmar isso. Talvez porque, inconscientemente, estivesse buscando maneiras de tornar a gravidez aceitável. Por mais mente aberta que eu seja, a ideia de interromper o que pode vir a ser uma vida me parece dolorosa demais.

De qualquer forma, engulo o choro quando alguém bate na porta.

"Mimi?" Ouço a voz conhecida de Aeryn Kannenberg, a minha melhor amiga. "Você está bem?".

"Só um minuto". Fujo da sua pergunta. Sendo Aeryn a pessoa mais doce do mundo, com certeza ela vai querer ser prestativa e entender os meus motivos, se eu disser que não estou bem. E, se eu disser que estou bem, nem eu mesma vou acreditar. Minha voz é inegavelmente uma voz de choro no momento.

Por isso, levanto do vaso sanitário em que permaneci sentada sobre a tampa para ver o resultado dos testes, depois apanho a minha bolsa do chão e coloco os testes e as embalagens dentro dela. Tento inutilmente secar meu rosto com papel higiênico e então abro a porta.

Aeryn está encostada em uma das pias, de braços cruzados e com uma expressão preocupada.

"Você demorou, então vim ver se tinha acontecido alguma coisa ou se precisava de algo. Já bateu o sinal para o próximo horário e você disse que tinha aula, então...".

"Obrigada, Aeryn", tento sorrir. "Acho que a minha alergia atacou. Não parava de espirrar".

A única coisa que ter pais superprotetores me proporcionou com maestria foi um talento questionável para mentir de forma convincente. Um talento que, pelo menos, vem a calhar.

"Isso explica você estar com lágrimas nos olhos", ela indica o meu rosto com um dedo, apesar de não parecer totalmente convencida.

Eu afirmo com a cabeça, ainda tentando fazer parecer que não há motivos para ela se preocupar, e então caminho até a pia e abro a torneira para lavar as mãos. O tempo todo evito olhar para o espelho, onde sei que vou ser encarada por um reflexo que grita mentirosa com o olhar.

Aeryn ainda está me observando.

"Tem certeza de que foi só uma crise alérgica?".

Assinto.

"Esse tempo meio frio meio quente me mata", digo e, porque sei que ela não mudará de assunto se eu não o fizer, adiciono: "Obrigada mesmo por ter vindo. Eu não ouvi o sinal, o que significa que vou estar ferrada pelo atraso. O sr. James é legal, mas tem seus limites".

"O que significa que é melhor você se apressar, então", Aeryn percebe.

Fecho a torneira e ponho as mãos na secadora.

"Ainda temos alguns minutos para você falar sobre o Kyle no caminho", digo. "Você falou que ele vai ser dispensado do exército no mês que vem?".

XxX

Apesar da ideia de interromper a gravidez vir à minha mente no mesmo dia da descoberta, demoro um mês para pôr o plano em prática. Um longo mês repleto de náuseas, enjoos matinais, fome descomunal, sono inconveniente e transformações corporais que mudam a forma como me visto.

De qualquer forma, o tempo é necessário. Apesar de o aborto ser legalizado em Orion, o que proporciona clínicas sérias especializadas no procedimento, além da segurança, eu me preocupo com a discrição. Parte da minha decisão de tirar o Pesadelo é esconder a existência dele de todos os outros, principalmente dos meus pais. Como eles cuidam do meu seguro de saúde, não posso utilizá-lo para financiar o procedimento e tenho que pagar tudo à vista com minhas economias. Em razão disso, pesquisei bastante por uma clínica na qual pudesse confiar.

Levou duas semanas para que eu me decidisse e mais uma semana para que conhecesse o lugar e o médico, o que me levou a assinar os termos. Infelizmente, a minha escolha teve de ser um pouco duvidosa em questões de segurança porque, inesperadamente, a maioria das clínicas exigia que eu fosse acompanhada por alguém durante o procedimento, além da assinatura consensual do pai do Pesadelo. A exceção foi a escolhida, que pediu apenas minha assinatura e meu dinheiro.

De qualquer forma, a decisão foi tomada e tudo devidamente encaminhado. Na última semana de março, na data-limite para que eu pudesse passar pelo procedimento, saí de casa após seguir a rotina de todos os dias e dizer aos meus pais que dormiria na casa da Aeryn depois da faculdade.

Meu plano, de forma simplificada, é seguir até a zona Norte, tirar o Pesadelo, ficar internada durante as 24h mínimas de pós-procedimento e então voltar para casa.

No entanto, quando saio na plataforma de metrô em que estive na semana passada e sigo o mesmo caminho até o prédio de dois andares com janelas espelhadas... Travo na calçada.

Tenho plena noção de que pareço completamente suspeita para as pessoas ao redor com meu moletom folgado de capuz escuro cobrindo a cabeça, mochila e postura tensa. A descrição do assaltante que eu preferia ser, ao invés da grávida.

Fico olhando para o prédio da clínica, tentando me convencer a seguir em frente e entrar para acabar logo com o Pesadelo. No entanto, as minhas pernas não me obedecem. A minha posição suspeita só muda brevemente porque meu celular vibra no bolso do moletom, dando-me um susto.

É Aeryn.

"Você está doente?" Minha amiga pergunta quando atendo, o que é inesperado o suficiente para que eu pense que ela está me observando encarar a clínica nesse momento, então olho ao redor à sua procura com certo temor. "Não apareceu na faculdade", sua explicação varre a tensão de meus ombros. "Imaginei que fosse o caso".

"Não estou doente", a verdade me escapa antes que eu pense muito a respeito. Seria uma boa desculpa para minha ausência na faculdade.

"Você tem certeza?" Aeryn insiste. "Não quero ser chata, mas não está parecendo nada bem ultimamente, Mimi. Primeiro pensei que fosse estresse e que você falaria a respeito mais cedo ou mais tarde, mas sei lá... Anda vomitando, chorando, se irritando... Por acaso aconteceu alguma coisa na sua família? Sei que não gosta de falar sobre si mesma, mas estou preocupada. Pode confiar em mim, sabe? Não sei se já te falei isso, mas...".

Não dá outra: começo a chorar.

"Mimi?" Aeryn se assusta, porque não é um choro bonitinho. É quase um expurgo repleto de lágrimas e um barulho alto saído dos confins dolorosos da minha alma. "Ai, Mimi...".

Não consigo falar nada enquanto expurgo, encharcando a frente do meu moletom com lágrimas.

Estive me desdobrando para esconder todos os sinais possíveis e para passar por isso tudo sozinha, mas percebo agora que travei aos quarenta e cinco de encerrar o Pesadelo, porque estou com medo. Morrendo de medo.

E se eu passar pelo procedimento, mas algo der errado? E se eu nunca me perdoar por isso? E se eu nunca mais conseguir ser mãe? E se os meus pais ainda descobrirem, de alguma forma? E se Caellum descobrir e me odiar ainda mais por ter posto o fim sozinha em algo que também lhe diz respeito?

Eu estou na droga de um beco sem saída.

Ao mesmo tempo em que não consigo me imaginar com o Pesadelo, não consigo me imaginar acabando com ele dessa forma.

"Então o que diabos eu devo fazer?" Pergunto para mim mesma, inconsolável.

"O quê?" Aeryn ainda está ao telefone comigo. "Fazer o que sobre o quê, Mimi? Me explica! Onde você está? Por que o choro?".

Eu adoraria conseguir explicar, se pudesse.

"Cometi um erro enorme, Aeryn. Imperdoável. O maior erro da minha vida...".

"Você está me assustando. O que pode ser tão grave assim?".

Seguro o celular com força e serro o punho livre. O Pesadelo simplesmente não tem como acabar bem, quer eu escolha fazer isso agora ou não.

Engulo em seco.

"Promete que não vai me dar uma bronca, se eu disser? Não acho que conseguiria recebê-la bem agora".

"Não vou te dar uma bronca", Aeryn nem hesita. "Pode confiar".

Mas eu hesito.

Falar para alguém, mesmo ela, só vai tornar o Pesadelo mais real.

No entanto... Eu preciso.

Sei que preciso que alguém me ajude a pensar e esteja comigo, porque não posso passar por isso completamente só, e ninguém melhor do que Aeryn para ocupar esse posto.

"Eu estou nesse momento na frente de uma clínica, confusa sobre uma decisão", resolvo começar dando voltas ao invés de ser direta. "Lembra da festa de revéillon do Aiden, que eu disse que não participaria?".

"Uhum".

"Na verdade, eu fui".

"E por que essa declaração é importante agora?" Aeryn tenta chegar ao ponto.

"Porque eu bebi umas garrafas de champanhe com o Caellum e nós dois transamos".

"O quê?!" Ela se exalta diante da informação.

Aeryn fica em silêncio depois disso, aguardando que eu termine o falatório, mas torno a hesitar. O meu coração está batendo tão alto nesse momento que é como se fossem dois, então imagino que o Pesadelo saiba que o rodeio todo é para chegar até ele.

"Foi um erro", adianto-me. "Ele e eu sabíamos disso, então não falamos nada um para o outro quando nos deparamos sem roupa num dos quartos da casa do seu avô".

"Sem detalhes, por favor".

"Não se preocupe, vou chegar na razão de eu estar estranha ultimamente agora".

"Ah...", Aeryn murmura, e quase posso imaginá-la com sua cara de quem liga fatos históricos como um quebra-cabeça temporal, sendo a aluna brilhante do curso de História da Universidade Aureum College que é. "Por acaso você...".

"Naquele dia que você foi atrás de mim no banheiro há um mês, eu não tive uma crise alérgica, Aeryn. Eu havia acabado de descobrir que estou grávida. Grávida de Caellum".

Olá, pessoas!

Fevereiro chegou e, como prometido, SLGA também. Espero que tenham gostado do primeiro contato com a Miranda, apesar de ter sido um capítulo tão pesado.

(E eu já adianto que os próximos são tão pesados quanto!).

Por enquanto, os capítulos vão ser apenas às sextas, como foi no início de SLPA, mas, assim que conseguir me articular melhor, tentarei atualizar com mais frequência.

Até a semana que vem <3

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