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Eu não tava CRENDO.

- É melhor encostar o carro de novo, pô, OLHA, CUIDADO AÊE!

Freei a dois milímetros do carro da frente. Encostei o carro, suspiramos do susto e:

- Bom, é isso, véi. Eu sou viado, também, no caso, e – tossiu – há algum tempo que... eu sou, quer dizer – tossiu – que eu sei que eu sou, ou que eu... comprovei que eu sou...

- Humm..

- Cala a boca.

- Tá.

- Senão eu não falo.

- OK.

- E é isso.

Ficamos calados. Eu ficava olhando em volta, tentando entender.

- Tu mandou eu calar a boca pra...

- Ah, sim! Calma, caralho.

Tamborilei os dedos no volante. Ele continuou:

- Pois é, bicho, lembra que eu te falei que eu tinha uma namorada, há um tempão já, e aí terminei com ela? Então, foi por isso, pô. Eu descobri que... curtia ficar olhando os caras, que me dava prazer ver, e tal... bom, aí comecei a procurar na internet algumas coisas...

- Foi quando mesmo, isso?

- Eu tinha 16.

- Nossa!

- É. Tem uns sete, oito anos isso. Aí eu comecei a entrar em salas de bate papo, na verdade no mIRC ainda...

- Nossa, mIRC! Jurássico.

- Sim, altos papos com os caras pelo mIRC.

- Praticamente a cigana Dara.

- Pois é. Bom, depois de meses, criei coragem e marquei o meu primeiro encontro.

- Humm... que massa... como foi?

- Rapaz, foi um menino daqui do bairro. Eu criei coragem porque eu vi que ele era da minha idade também, e tava nervosão... cara, era meio da noite, assim, a galera de casa toda dormindo, ele me deu o endereço de onde era a casa dele. Pertinho, na outra rua. A gente tava tão nervoso que quando chegou a hora combinamos que ia ser só papo mesmo. Ele, porque tava em casa sozinho, e eu porque tinha saído de casa no meio da noite e podia acontecer qualquer coisa, né?

- Que louco... E aí... conversaram.

- Conversamos, trocamos uma ideia. Depois a gente foi relaxando, e aí que rolou.

- Ué!

- Rolou, assim, beijo, sabe? Muito amasso. A gente bateu uma junto, e tal, mas ninguém teve coragem de fazer nada além disso. Mas, caara... Foi massa demais. Foi muito bom, de um jeito que, pô... e diferente, não sei explicar. E aí que eu percebi que eu tinha que olhar pra esse aspecto, entende?

- Sim... entendo...

- E aí foi quando eu terminei tudo com ela, ninguém entendeu nada até hoje, porque já eram seis anos... e... estamos aqui.

Inspirei e soltei o ar.

- Ufa! Por essa eu n... – o meu celular tocou. Era o meu cliente de Salvador, desmarcando. Enquanto conversava no aparelho, ainda percebia o Edu agitado. Finalizei a ligação – olha, só. O meu cliente de Salvador desmarcou.

- Então, véi, é isso. Bom, falei, né – jogou os braços no colo, como se tivesse despejando no chão um peso – bem que o Jimmy falou que o problema era só começar...

- Mas, gente, qual a trava em falar comigo?? Eu, uma viada dessa?

- Ah, cara, não é assim fácil. A gente nunca havia tocado, de fato, nesse assunto, de forma... sincera. Lembra das vezes que levantamos esse ponto, ainda quando você trabalhava aqui?

- Sim. Lembro. Por causa daquelas confusões das fofocas com o Murilo.

- A gente falava do assunto, você dizia que tava chocado ou bolado com as histórias que rolavam, ou então sobre as dúvidas do Murilo com relação à você, mas nunca, nunca em nenhum desses momentos eu parei pra te perguntar, ou você parou pra me perguntar: "sim, velho, e qual é a sua"?

- Eu não ia perguntar pra tu, porque eu, tipo, não desconfiava mesmo... Tu não tem jeito de gay nem nada, sei lá. Pra mim, não tinha porque levantar a questão – parei um instante – bom... tinha aquelas saídas, né...

- Kkkkk! Pois é! O acarajé! Hahahah!

Como já falei antes, o Edu às vezes dava umas sumidas. Tava todo mundo junto, aí ele saía e não voltava mais. E tinha uns fins de semana que ele ia pra Salvador, sozinho, e não queria ninguém na cola dele. Quando a gente perguntava, ele falava: fui comer um acarajé e voltei.

- O Bomba falava: esse acarajé, sei não... hahaha. Mas nem isso era suficiente pra me fazer pensar em nada, assim.

- Bom, Gustavo, e aí, do nada, a gente caminhando pela rua, você pega e me fala assim do nada: "ah, o Jimmy tá apaixonado por mim, e eu tô gostando também, e agora eu quero dar o cu..."

- Kkkk! Teu cu que eu não falei isso!

- Véi, eu fiquei sem ação, assim... Fiquei meio desnorteado. Falou como se fosse assim, "vou ali comprar pão". Aí eu precisei de um tempo pra reorganizar a cabeça, não sabia muito o que pensar na hora...

- Eu percebi que você ficou muito sem jeito logo quando eu falei. Sei lá... ficava meio que escolhendo as palavras... cheio de dedo, sem saber o que dizer... você geralmente não é assim! Mas eu tinha entendido que era por conta da minha revelação... ter sido assim, de supetão, né...

- Sim, por conta da revelação e... porque eu fiquei sem saber como agir. Era muita informação ao mesmo tempo e, assim, do nada! Pô, e também... você tava me dando a maior prova de amizade, de que confiava em mim pra... partilhar um negócio desse, então... cara, enquanto eu conversava contigo, a minha cabeça tava a mil! Eu ficava pensando se não tava sendo traíra, ou se não era a hora ainda, enfim. Precisei desse tempo pra finalmente me abrir.

Ficamos em silêncio por um tempo. Lembrei de todas as vezes em que eu precisei me abrir com alguém sobre as minhas dúvidas, e do medo que eu tinha de alguém desconfiar de algo que... o que? Nem eu sabia direito o que era mesmo... e ao mesmo tempo, o Edu estava ali, sempre, talvez compartilhando dessa mesma necessidade. Pensei o quanto a gente demora pra retirar certas cargas por conta do medo, e pensei como é bom ser a gente. Como é mais leve. Nos olhamos e rimos.

Mas ainda faltava uma coisa, e, como que adivinhando o que eu ia perguntar, ele continuou:

- Ah, e com relação ao Jimmy...

- Ai, olha, eu nem sei se eu tô pronto pra saber dessa história, Edu, o Jimmy o tempo todo nunca...

- Mas é justamente isso que eu queria te falar, pô; desde o início que o Jimmy me abusa pra eu te contar essa história logo... mas é que eu, como te falei, precisava de um tempo. Na verdade, se não fosse por ele me atazanando esses dias todos, eu ainda não teria contado.

Suspirei.

- Bom, voltando ao início... Eu e o Jimmy, na verdade nos conhecemos desde que entrei na faculdade, mas a gente só veio se aproximar mesmo nesse semestre, depois que a gente pegou umas matérias junto, e também porque a ex dele é minha brother. Pô, velho simpatizei mesmo com ele, muito gente fina... tanto que a gente começou a sair até sem ela. E nunca, nunca nem imaginei que pudesse rolar algo. Tava tudo de boa.

- Até...

- Até um dia que a gente saiu da facul e foi beber. Ele tava meio fudido da cabeça. Acabou me contando que tinha se envolvido com uma pessoa lá da faculdade, e que achou que ia ser algo assim, maior, e que caiu do cavalo, que tinha se envolvido no meio de uma história... bom, ele nem citou nomes, mas pela história eu sabia que era o Alisson.

- Você conhece o cara?

- Sim. Do meu semestre. Meu amigo também. Alisson já tinha me contado, na verdade. Alisson é praticamente casado, pô, com um cara, há anos, mas é uma história enrolada do caralho. Um vai e volta.

- O Jimmy me contou também.

- Ele me disse que tinha te contado tudo. Bom, mas voltando àquela noite, ele desabafou, e tava realmente acabado. Fomos lá pra casa e ainda conversamos até altas horas. Me disse inclusive que nunca mais ia se envolver com ninguém. Aí a gente começou a conversar sobre outras coisas, e tal, contei pra ele que também era viado, e, sei lá, sei nem te explicar como foi, por causa da cachaça, aí a gente começou a se pegar.

Minha garganta fechou, eu tentando engolir em seco.

- Desci pra o colchão onde ele tava, e começamos, mas, no final das contas, sei lá, nem eu e nem ele tava na vibe, e aí a gente parou. A gente começou a dar risada, e eu voltei pra a cama.

A primeira coisa que eu pensei foi que o Edu tava mentindo, aliviando a história conforme a minha reação. Tentei não transparecer, deixando-o falar.

- No outro dia ele foi pra casa, e eu pensei que ele ia mudar comigo, mas não. A gente continuou a sair junto, e conversar, mas nunca mais rolou clima nenhum com a gente. Ele dormia lá em casa, e tudo... Mas eu peguei aquele nojo de amigo que eu tenho, o mesmo nojo que eu tenho de você, do Dan... Nem precisamos, na verdade, conversar sobre aquele ocorrido, porque nem tinha necessidade. Éramos amigos, e acabou. Aí, um belo dia, eu convido ele pra ir pra a micareta de Feira, né...

- Humm...

- E aí você já sabe o resto da história.

- Acho que sei.

- Rss, ó: relaxa, pô. Se teve um erro aí, foi meu. E na verdade, pra ser sincero, acho que nem erro é, porque eu precisei desse tempo pra me sentir à vontade. Cada um tem seu tempo.

- Eu tô ligado, pô. É que... sei lá.

- Desde a micareta que eu percebi que o Jimmy tinha voltado estranho. Aquelas depressões que ele tinha, quando falava do Alisson, principalmente, nunca mais. E depois começou a perguntar por tu, e ainda tinha uma história de um CD, e quando você viria... Desconfiei. Começou a se arrumar todo pra ir lá em casa, quando sabia que você tava, enfim. Bom... eu observava, né, mas pra falar a verdade, nunca imaginei que ia dar em nada... não por ele, mas por você.

- Por mim?

- Sim. Bom, aí, depois que você me contou, ele começou a me encher o saco pra eu contar, porque disse que não queria esconder nada de você, e que se eu não falasse ele mesmo falaria, enfim. Bom, falei.

- Mas tu não ia me contar nunca, cão?

- Iaaa, porra!!! Mas não na mesma hora! Há anos que eu sei da minha orientação, pô, e nunca senti necessidade de contar nada pra ninguém! Primeiro porque não acho que eu sou obrigado, isso é algo meu e ninguém tem a ver, e segundo porque o mundo é preconceituoso e, porra, eu não quero me limitar a essa definição. Eu também gosto de mulher, e aí? Preciso ficar salientando isso?

- Não. Já inclusive conversamos sobre, lembra?

- Então. Mas, a partir do momento em que você me confiou também, eu de fato repensei: vale a pena, sim, partilhar isso. Principalmente porque você é meu brother, meu irmão de coração.

Apertamos as mãos e rimos.

- Nossa, como é bom, né? Uuuffaa!!

- É, é sim. Me senti assim depois que eu despejei e você quase morre atropelado. Hahaha!

- Rss. Você não vai mais a Salvador, então? Vai pra Feira, ou vai ficar aqui?

- Ai, nem sei mais. Tô meio largado. Não parei pra pensar ainda.

- Bora lá pra casa, pô. A gente conversa mais, tem muita coisa agora pra botar em dia.

- É... pode ser.

- E é ruim a gente ficar no meio da rua. Aqui é meio perigoso. Não tem nenhum um homem no carro.



Assim que chegamos na casa do Edu eu liguei pra o Jimmy e falei com ele que tinha resolvido dormir lá em Camaçari. Ele se animou todo, e disse que tava indo lá também me encontrar. Desliguei e me virei pro Edu.

- Ele tá vindo.

- Haha, que surpresa.

Joguei o travesseiro na cara dele e me esparramei no outro sofá.

- Abestalhado! Deixa o cara.. rsrs.

- Hahahah, eu deixo! Aliás tô adorando! Ele tá muito bobo, véi, pro teu lado, na moral. Tá apaixonado mesmo.

Comecei a arrancar as minhas cutículas, uma mão na outra. A minha voz saiu que era um fio.

- Tu acha mesmo?

- Tu tá perguntando isso de sacanagem, né? Cara, ele tá de quatro! Nesse caso, literalmente...

- Kkk, ainda não.

- Tudo bem que eu não sou amigo de infância dele, mas... eu via ele com a Rai, na facul, não era nem metade disso. E o próprio já me falou, né? Esqueceu que eu já te disse?

- Esqueci não. É que sempre me dá um medo.

- Hum. Sei. Você também já me falou disso. Sabe que, depois que vocês fizeram aquela putaria na casa do Bomba, ele me contou que vocês tiveram uma conversa bem longa sobre... sei lá, as histórias de vocês, não sei, as expectativas aí de cada um.

- Sim, tivemos. Te falei também, lembra?

-Lembro.

- Até fiquei mais leve depois disso, porque eu pude contar algumas coisas minhas e alguns temores também.

- Inclusive depois disso que ele surtou, me pedindo pra te contar logo, porque se sentiu ainda mais culpado.

- Sim. Para ele, foi uma oportunidade para contar.

- Mas eu não deixei. Bem, mas... tem uma coisa que eu queria te perguntar... Aliás, duas coisas...

- Me ajeitei no sofá.

- Posso?

- Perguntar, pode. Eu... respondo se eu quiser.

Rimos alto, ainda estávamos meio nervosos.

- Tá bom, vamos à primeira: esse seu temor, esse seu receio, essa sua – ele mexia os braços, procurando uma palavra – postura de retração... é só por ser uma experiência inédita mesmo?

- Hum?

- Você está dividido entre se jogar ou não, ou você está dividido entre duas pessoas?

- Não entendi.

O Edu me olhou com uma cara desconfiada, e decidiu prosseguir:

- O Jimmy também me falou que ficou mais leve com essa conversa que vocês tiveram, apesar de sentir que você ainda continua meio que reticente, na retranca. Ele me falou um negócio que me chamou a atenção. Me disse assim: "Edu, ele fez questão de me dar um alerta. Disse que eu talvez tivesse idealizando ele demais".

- Foi. É que ele tava me elogiando tanto que...

- Mas ele disse que você avisou a ele que você "era problema". Na hora, ele disse que não ligou muito, mas ficou encucado do porquê desse aviso, assim.

- Eu n...

- Por isso que te perguntei. Esse teu aviso, isso é porque tem outra pessoa?

- Não. Não. Não tem. Falei em um outro contexto, de que nem a minha vida, nem eu, sou aquela coisa ideal, eu tenho problemas, muitos, e que a minha cabeça não é boa. Não tava querendo alimentar aquela idealização dele.

- Sim... entendi. Hum. Essa sua resposta poderia até satisfazer a segunda pergunta que eu tinha...

- Já respondi às duas? Ô bicho retado, eu! Kkk!

- kkk, bosta. Né isso não. Na verdade eu vou perguntar mesmo assim. Porque eu tenho uma curiosidade do caralho nisso.

- O que é?

- Tu e o Murilo, bicho...


Comecei a roer a unha.

- ...o que?

- O que era aquilo de vocês?

- Ué, gente... uma amizade verdadeira... um...

Ele começou a rir e eu acabei rindo também. Ele disse:

- Kkkk, agora que já nos abrimos um pro outro, e tal, pensei que poderíamos conversar sobre isso de forma mais clara...

- Kkkk! Tá bom! Me rendo... – me recompus da crise de riso e suspirei – bom, Edu... eu e o Murilo... como é que eu vou definir aquilo... bom. Ah, simplesmente não sei dizer.

- Cara... eu ficava bolado com aquilo.

- Aquilo o que?

- Tu ainda pergunta?

- Não, porque... tô perguntando porque – levantei e procurei o meu cigarro, o Edu me acompanhava com o olhar. Acendi e sentei na janela da sala – eu sei o que houve aqui dentro de mim, mas nada que pudesse transparecer a outras pessoas.

- Kkkkkkk, agora eu vou rir! Não aparecia o que? KKKKKKKK!

Dei de ombros. Puxei uma tragada.

- Cara, vocês eram muito, tipo MUITO doidos! As coisas que vocês faziam na frente de todo mundo, cês não tavam nem aí... Não sei quem era o pior! Aquelas briguinhas, aquele chororô, os ciuminhos.... Kkkk! Um casal... completo. Sim, mas... e aí, me conta: o que foi que vocês tiveram mesmo?

- O que te falei: muita confusão, da minha parte, principalmente, muito sentimento, sei lá, complicado, mas nada concreto, nada que...

- Xô fazer uma pergunta mais direta: vocês foderam?

- Não!!

Ele se assustou.

- Se pegaram!

- Nãooo!

- Se beijaram!

- Não, porra!!

- Porra, você tá mentindo, caralho!!

- "Antes sêsse"!!

- Caraaa, não é possível! O que eu via não era isso não...

- Tá – apaguei o cigarro e joguei pela janela, no cemitério de bitucas do pai dele – e o que é que você via? – voltei pra o sofá.

- Cara, primeiramente, como falei: vocês eram um casal. Acho que até inconscientemente os outros meninos tratavam vocês assim e vocês se tratavam assim. Sempre que a gente saía, vocês se monopolizavam, vocês ficavam fazendo as vontades um do outro, ou então, criavam um climinha do nada, e aí brigavam...

- É, isso eu posso concordar, Edu. Eu realmente me confundi e acabei me envolvendo, criando uma fantasia sobre algo que era apenas... uma amizade mesmo. Mas... felizmente ou infelizmente, não sei, nunca houve nada, nada, de concreto. Nem um beijo, nem uma declaração, nem sequer um... enfim, nada, além do afeto normal entre dois amigos.

- Cara, kkk, tinha dias que vocês chegavam pra trabalhar de manhã, os dois de cabelo molhado, junto, se olhando daquele jeito assim, que eu só olhava e pensava: tavam fodendo... kkkk!

- Kkkk, nossa! E eu intacto, puro.

- Ele dormia direto na república, ainda por cima.

- Rss, era.

- Mas, assim... você, quando fala de confusão, no caso... é porque você gostou dele, é isso?

- Olha... hoje eu posso te dizer que eu me apaixonei por ele.

O Edu alteou as sobrancelhas, balançando a cabeça. Continuei:

- Não sei nem te dizer quando foi que começou isso. No início, eu adorava a companhia dele, o jeito dele ser tão carente, de prezar a minha companhia, valorizando MESMO os momentos que a gente tinha junto. Por mais que não tivesse nenhuma conotação romântica ou sexual, eu comecei a curtir aquela atenção, as coisas que ele falava sobre ele e eu também falava sobre mim... ou quando ele fazia os planos e sempre fazia questão de me encaixar, ou de só ir se eu fosse. Enfim. Só sei que, quando me dei conta, o meu peito tava doendo quando você me dizia que ele tava trepando com a Suzana, ou com a Gil, ou com a prima de não sei onde... e aí comecei a tentar tirar isso da cabeça de todas as formas possíveis e imagináveis, mas nada parecia adiantar. Mas, como da parte dele não havia reciprocidade, acho que isso contribuiu e... foi o fator determinante que me fez desencanar, botar a minha cabeça no lugar e entender que não era nada daquilo.

- É... – o Edu se recostou no sofá – Ufa! Eu pensando que ia ouvir um negócio mais do tipo "é, eu bati uma pra ele uma vez"...

- kkk, não...

- Uma coisa mais superficial... você vem com esse relato todo denso... porra!

- Na minha vida nada é assim tão simples.

- Tá. Tudo bem. Mas só discordo de uma coisa aí do que você falou.

- O que?

- Da não reciprocidade.

- Ah.

- Não mesmo. Não. Mesmo.

Respirei fundo.

- O Murilo quando estava sem você era uma pessoa, e quando estava contigo era outra. Você realmente precisava ver.

- Impossível, porque quando vocês ficam sem mim, é porque eu estou em outro lugar e portanto, não posso conferir como ele é sem mim. E quando eu estou com ele, ele é aquela pessoa "com mim".

- Acabou a palhaçada?

- Cabou. Kk.

- Cara, ele ficava diferente, abestalhado. E tinha dias que a gente saía junto aqui, pô, que: O papo. Era. Só. Você.

- Sim... eu confesso que essas coisas mexiam muito comigo, era na verdade o que mais me confundia. Mas eu sou uma pessoa muito objetiva, Edu, sei lá... Sou de exatas, rss. E o que eu tinha pra trabalhar eram fatos: ele pegava uma depois da outra, e agora, apaixonado por essa aí, enrolado com a Priscila, enfim... eu não vi espaço pra qualquer sentimento aí, não.

- É, não sei. Acho que falta um pensamento mais subjetivo aí, menos cartesiano.

- Bom...

- Pode rolar um sentimento, mas pode pesar a não-aceitação, né...

- Eu não pensei dessa maneira. Na verdade, eu procurei não pensar dessa maneira.

- Ele é muito preconceituoso, Gustavo. Muito. Ele é muito fodido da cabeça. Cheio de problema de aceitação com o pai e tudo. Bom, não sei. Só sei que o que eu vi... não me dizia isso que cê tá falando não. Eu vi, por exemplo, como ele ficou no dia do aniversário dele. Ou no dia que ele brigou com a Priscila por sua causa.

- Olha, sendo preconceituoso ou não, sequelado ou não, o que importa é que eu senti que, apesar de tudo, ele não ia se jogar em nada, então... e foi acontecendo tanta coisa também depois daquele aniversário, que eu até esqueci que tinha vida amorosa ou sexual, rss.

- Mas aí o Jimmy apareceu.

- Sim – meu sorriso se abriu – sim. E tá sendo maravilhoso.

- Maravilha.

- Então não tenho que escolher nada, entende? Quando o Jimmy apareceu, eu tava de boa, ele também, somos livres e estamos nos conhecendo, sabe? Se acontecer de rolar algo mais profundo, nós estamos prontos, eu acho.

- Esse é o ponto. Enquanto "não tem que escolher nada", tudo bem. Vamos fazer mais um exercício de imaginação.

- O quê?

- Digamos que o Murilo tenha aquele sentimento que eu acho que ele tem por você. E que, uma hora dessas aí, do nada, porque nós sabemos que ele é doido, ele resolve que vai se entregar.

- Hum...

- Te procura... quer se entregar... e aí?

Olhei pra cima tentando imaginar a situação.

- É tão difícil pra mim responder isso, justamente porque eu não vejo essa situação acontecendo... mas...

Num impulso olhei pra a porta da sala, que se abria lentamente. O Jimmy colocou a cabeça pra dentro e nos olhamos.

- Jimmy! – automaticamente me levantei, enquanto ele entrava – o portão tava aberto?

- Não, eu sempre tranco por causa dos cachorros! – o Edu retrucou, estranhando.

- Encontrei esse meliante no portão! – era a voz da mãe do Edu, que vinha logo atrás – estou eu chegando da minha caminhada, quando percebo um motoqueiro encostando... quase dou meia volta e saio correndo!

- Kkkkk, meu Deus! Eu tenho cara de ladrão é?

- Não, você tava de capacete!

A gente riu, enquanto a mãe do Edu adentrava a parte íntima da casa e ele despejava o capacete em um canto qualquer. Da cozinha, ela contava que naquela área tava um perigo e era bom não vacilar. Nossos olhares se fixaram. Ele, receoso pela minha reação ao fato que o Edu me contou. Eu, receoso pelo que ele possa ter ouvido. O que mais poderia existir entre nós e o nosso sentimento? Será que n...

- ...semana passada foi a filha da Cleusa, coitada, aqui na rua de trás! Quase arrancam o pescoço da pobre pra pegar o colar. Sete horas da manhã!

- Tá horrível mesmo – saí do transe – ainda mais aqui por essas periferias...

- Nessas bocada é bem pior, realmente – o Jimmy emendou.

- Mas olhaaa, Eduzinho, pra esses dois! E o senhor Gustavo, cuspindo no prato que comeu...

- Aí quando ele vier com a sacolinha dele aí, ó, mãe, a senhora lembra disso...

- Calma, gente! Que povo rancoroso! – me refestelei novamente – eu gosto daqui. É tão bom viver perigosamente, assim sem saber se você vai tomar um tiro agora ou quando for dormir...

- Olha pra esse descarado... Dextá!

- Ele tá tirando onda assim, mãe, porque achou outra freguesia.

- Ah, é? Tá se hospedando aonde agora, no Camaçari Plaza?

- Não. No Jimmy Plaza. Kkkkkk.

- Ahhh, tá explicado!

- Eu tô dando um descanso de imagem, assim, pra vocês sentirem saudades. Aí me ligam e pedem o meu retorno.

- Pois, meu filho, ainda bem que você está sentado. Pode continuar aí e esperar!

Todo mundo riu.

- Hoje você fica por aqui? – o Jimmy me perguntou.

- Sim. Vou ficar por aqui mesmo. Amanhã eu adianto algumas coisas e vou.

- E vai ficar por onde, a beleza? – a mãe continuou – agora que tá cheio de opções...

Antes que eu pudesse responder, o Jimmy interviu:

- Ah, a minha mãe até avisou que hoje iria fazer aquela carne de panela que você falou que curtia, lembra? Perguntou se você iria estar por aqui...

- Ah, pronto, ele vai correr atrás da comida, quer ver? – a D. Dalva espalmou as mãos e ria, já sabendo o que viria.

- Mas é claro! Nesse hotel daqui a comida é fraca! Vamos sim, Jimmy. Vamos pra lá.

- Eu tô guardando, ouviu, Dr. Gustavo!! Tô guardando!


Demos mais algumas risadas, me despedi do pessoal e fui com o Jimmy até a porta da saída. Antes de ele subir na moto e colocar o capacete, me perguntou, reticente:

- Quer ir direto pra casa ou passar em algum lugar?

- Quero sim, comer alguma coisa antes. Que eu sei que não tem carne nenhuma preparada pra mim lá né? Rss.

- Hahaha, acho que não...


- Eu queria MUITO te contar. Muito.

Suspirei. Estávamos comendo um sanduba na praça, sentados numa daquelas mesinhas de plástico características. Eu acreditava nas palavras dele, no seu olhar sincero e carente de um retorno.

- E principalmente depois daquele dia, daquela tarde que a gente passou junto lá na casa do seu broder. Sei lá, eu tava sentindo ali que a gente tava mais próximo, num outro patamar, saca? E eu ainda sem falar.

- Eu e o Edu conversamos sobre isso, tá? Ele me falou que você tava enchendo ele. Tá tranquilo, pô.

- Mas eu quero mesmo assim te reafirmar. Eu pensei até em: te contar; pedir pra você não contar que eu te contei; e quando ele te contar você fingir que não sabia...

- Hum?

- Mas ia ser sacanagem com ele, que me pediu segredo. Como ele me disse que ia te contar logo, sosseguei – pegou na minha mão melada de ketchup – e... outra coisa que eu queria te contar é que... não foi nada, não, tá? Na verdade, foi num contexto assim que, olhando hoje, não significou nada pra mim nem pra ele, porque, sei lá...

- Uma brincadeirinha.

Eu queria TANTO ser aquela pessoa evoluída para quem essas questões carnais e relacionadas ao passado não importava, o que contava mesmo era aquela sintonia que havia entre a gente e tudo o mais, e a coisa da...

- Isso. Foi mais algo de gente bêbada mesmo, fim de noite, sabe? Nada muito, assim...

- É... – peguei na mão dele, retendo-o – não precisa me contar detalhes, tá? – comecei fazendo a evoluída – porque na verdade, se formos ver, isso aconteceu, o que quer que tenha acontecido, foi antes da gente, e a gente tinha combinado de que ia levar essa coisa de forma mais leve, lembra? Sem cobrança... então... Relaxa.

Ele suspirou.

- Tá. Que alívio. Que bom que você tem essa cabeça assim, mais...

- Alguém meteu em alguém? Vocês treparam mesmo?

Ele abriu a boca, pasmo. O personagem não durou trinta segundos, eu tava me roendo. Eu botei a mão no rosto.

- Ai! Porra! Foi mal... – coloquei a mão na boca. Ele estava com o rosto parecendo um pimentão, dava pra sentir de onde eu tava a ardência que a timidez provocava na sua pele.

- Rsss... Calma! É melhor assim. A gente falando tudo, né? – ele pegou na minha mão de novo – ou você acha que eu não me mordo também, pensando em você e talvez mais alguém?

- Kkkk? Eu? Só sendo...

- Bom... a gente tinha saído, bebido, conversado, pô, foi massa... É tão bom poder conversar de tudo, sem medo de represália, preconceito, sei lá... Com uma pessoa que também tem experiências semelhantes, e tal...

Eu desfoquei um pouco do que ele tava falando e comecei a viajar na figura dele. Achava lindo quando ele disparava a conversar, sempre tão tímido – isso só acontecia quando estávamos só nós. Ele olhava pra cima, se empolgava; parava pra passar a língua pelos lábios e organizar a saliva na boca, por conta do aparelho. Dava pequenas mordidinhas no lábio também. As mãos gesticulavam como que para apanhar as palavras no ar. E aquele olhar castanho mel que tentava me capturar de vez em quando.

- ...aí, a gente deitou, e ficou conversando no escuro. Eu vendo tudo rodar, queria pedir pra acender qualquer luzinha pra melhorar um pouco. Nem sei te dizer o momento exato, mas sei lá, a gente começou a conversar abraçado, e aí... ai, cê tá com uma cara...

- Acho que não foi uma boa ideia, porque eu tô visualizando...

- Pronto. Parou. A gente se beijou, e começou uma punheta, mas, do nada, a gente cancelou tudo. O Edu ficou sem graça, se afastou, e depois começamos a rir. Não tava rolando mesmo. Foi isso. E pronto, chega.

- Isso. Melhor. Ai, acho que eu vou pedir um outro sanduíche.



A mãe dele tava bem mais relaxada dessa vez, e esclareceu que agora poderia receber alguém porque ela tinha feito uma faxina durante a tarde. Falei que ela não precisava se preocupar com isso, porque eu só tinha ido lá pra foder com o filho dela mesmo, e pra isso não precisava cerimônia. Mentira, pensei só. Conversamos muito ainda antes de irmos deitar.

O semblante do Jimmy tava bem melhor, apesar de sentir que ele às vezes me olhava pra ver se não sobrava em mim resquício de mágoa ou ciúme. Eu, pra ser sincero, apesar daquelas pontadas que dava quando vinha a cena na minha mente, no geral, procurei não ligar muito. Eu já sabia que não tinha sido a primeira experiência dele, afinal. Castidade mesmo só o Gustavo.


O Jimmy resolveu ligar o som do quarto dele baixinho, colocou numa rádio local. Me perguntou se eu me incomodava.

- Hahahah, meu filho... – me aconcheguei no travesseiro, puxando um lençol – se tivesse um trio elétrico atrás daquela cômoda ali, eu ainda assim estava no terceiro sono.

- Hehhe, nossa... – ele trancou o quarto e apagou a luz – às vezes eu esqueço do seu sono relâmpago... É que eu tenho o costume de dormir assim, ouvindo rádio...

Estava passando uma música romântica antiga, uma balada dos anos 80. Observei-o tirar a bermuda e a cueca, se dirigir até a janela e fechá-la. O quarto ainda continuava à meia luz, pois a casa não tinha forro, e a mãe dele insistia em zanzar pelos outros cômodos. Olhei para as suas costas, o seu bumbum lisinho e redondo, e suas coxas também lisinhas. Ele deitou na cama, bem devagar, olhando pra mim.

- Tem algum problema se eu dormir assim? – sussurrou.

- Acredito que não.

Ele puxou o lençol que me cobria um pouco para si e colocou a perna sobre a minha. Continuava me olhando. Olhei de relance e vi que ele já estava ficando excitado. Algo me dizia que ele não dormiria no colchão que estava preparado, logo ali ao lado da cama.

- Se você quiser também tirar a sua cueca, não tem problema, tá? – fez questão de balbuciar diretamente na minha orelha. Fechei os olhos. A mãe dele ainda na cozinha, lavando louça.

- Seria bom mesmo...

- É mais confortável.

- É. Mas tô com preguiça de tirar...

- Quer que eu te ajude? – a sua mão já descia lentamente me alisando, braço, cintura e quadril. Fitei-o e sua expressão era de puro desejo, e deixei-o retirar lentamente a minha peça de roupa. Levantei meu quadril para ajudar, e quando a peça já estava passando pela minha coxa, lentamente ele desceu pela cama, retirando o resto, não sem antes explorar o caminho. Beijava o meu pescoço, peito, mamilo, barriga... abriu as minhas pernas e explorou todo o entorno, enquanto eu puxava o seu cabelo na intensidade das minhas sensações. A cama rangia algumas vezes, e eu entendi, sorrindo, o porquê do rádio ligado.

Ele deitou por cima de mim, procurando a minha boca, enquanto eu abria as pernas para lhe aconchegar. Era a minha posição preferida com ele até então, pois eu sentia todo o seu peso, enquanto podia lhe explorar com as minha mãos, desde a nuca até o bumbum, e a minha pele entrava em contato total com o seu pau duro.

- É melhor a gente ir pra o chão um pouco... – eu sussurrei.

Ele me pegou pela mão e lentamente deixamos a cama e seus rangidos constrangedores. Me ajoelhei no colchão, mas ele continuou em pé, dando assim, a dica do que queria que eu fizesse. E fiz.

Novamente explorei com a minha boca toda a sua anatomia, enquanto sentia seu corpo contorcer de prazer. As minhas mãos lhe traziam o mais perto possível, para que eu engolisse tudo, e ao mesmo tempo, para que o meu tato sentisse o seu bumbum que a minha visão já tinha captado antes.

Deitamos e nos exploramos feitos dois loucos, os beijos quase feriam de tão urgentes. Não cabia sequer um átomo entre os nossos corpos nus, a sua língua e a sua mão se revezavam, me esquadrinhando. Eu chupava o seu polegar enquanto ele lambia meu mamilo até o umbigo, me chupava entre carinhosa e violentamente, voltava a me comprimir, abrindo as minhas pernas e aconchegando o seu sexo entre elas, enfiando a língua na minha orelha e sussurrando obscenidades deliciosas, até que o suor e o gozo se misturaram. Era uma experiência incrível.

Ficamos por minutos a fio ainda colados, sentindo os nossos líquidos aos poucos grudarem na pele. Seu cabelo meio molhado, sua pele brilhante de suor. Nos beijamos e fechamos os olhos por uns instantes.

Ele levantou e pegou uma camisa sua, limpando da minha pele e do meu sexo os resquícios daquele momento anterior. Limpou também o seu corpo, depois voltou, largou a camisa num canto e direcionou o ventilador para onde estávamos. Ainda permanecemos longo tempo ali, inclusive reiniciando tudo, de forma mais calma, antes de finalmente dormir.


Acordei com um barulho de conversa na cozinha. Como acontece todos os dias, eu não queria abrir os olhos ainda. Me espreguicei e olhei, procurando o Jimmy, mas ele não estava mais lá. As vozes eram justamente dele e da sua mãe, conversando. E, além do cheiro do café, uma terceira voz entrando pela casa me despertou.

- Jimmy! Jiiimmy!

- Aqui na cozinha!

- Bom dia, dona Ana. E aí, viado? Nem passou lá em casa ontem, qual foi?

- Meu filho, fale baixo! – a mãe do Jimmy interrompia – tem gente dormindo! Hum hum hum, mal educado...

- Poxa, dona Ana, que é isso? Gosto tanto da senhora...

- Mas com essa boca de trombone aí, meu filho...

- Quem é que tá dormindo?

- Um amigo meu, que tá por Camaçari esses dias...

- Ah... Amigo de onde?

- De lá d...

- Porraaaaa! Queijo, presunto, pão de hoje... – ouvi uma cadeira arrastando – esse colega tem moral, já tô vendo, olha dona Ana?? Por isso que eu vi ele correr na padaria de manhã cedo, rapaz... vou xepar um pãozinho aqui, na moral. Né todo dia que é dia santo, né não? Kkkk.

Meti a cara no travesseiro pra prender o riso. Pude sentir do quarto a vergonha do Jimmy, que levantou mais cedo só pra me proporcionar um café mais caprichado. Dona Ana praguejava contra a má educação do rapaz e lhe solicitou moderação com os nomes feios. Mas ele parecia íntimo da casa, pois as broncas se revezavam com os risos. Levantei, vesti uma bermuda e camisa, escovei os dentes e me juntei a eles, aparecendo tímido na cozinha, e atraindo os olhares. O Jimmy me apresentou, e eu reconheci o nome dele da outra vez que fomos a Salvador, o Ogro. Ficou reparando em mim, acho que pelo fato de o Jimmy nunca ter falado nada sobre, eles sendo tão íntimos, ou porque eu não fazia parte de nenhum círculo de convivência dele. Mas parecia ser um cara legal.


O trabalho ficou um pouco de lado naquela manhã de sexta-feira no Galpão. Eu e o Edu alugamos aquele pedaço embaixo da mangueira, já tão usado pra outras conversas, e que agora era cenário das mais altas confabulações. Tudo que era proibido antes agora era a ordem do dia! E começou as especulações:

- E tu acha o que daquela conversa do Diego?

- Daquele dia da festa?

- Sim!

- Cara... muito estranho aquilo ali... Todo mundo na rua ainda, atrás do trio, ele ir pra casa com aquele cara, gay assumido, e se trancar no quarto...sei lá.

- Tem isso também, lembra, Edu? Ele nunca trancava o quarto, nem quando levava mulher pra comer lá...

- Bom. Tomara que seja viado, né? E que me queira.

- Kkkkkkkk!


Teve também enquete.

- De todos aqui, o que eu pegaria... – o Edu raciocinava.

- Sim.

- Pô, as opções não são boas.

- Ah, não. Os meninos são legais, sim. Pegáveis.

- Sei lá. Acho que é porque também a gente já tem uma amizade tão forte aqui, que eu nem olho pra esses cabra com tesão, não. Amigo, né?

- É. Mas o Diego...

- Numa cachaça. Me trancava com ele.

- Kkk, o Miguel. Gente, eu não gosto dele, eu sei, ele é chato, antipático. Mas...

- kkkk, aaah, safado. Então aquelas brigas de quando você trabalhava aqui com ele, era tensão sexual, né?

- Kkk, não! Era briga mesmo. Mas é o único daqui que tem um corpinho assim mais, mais harmônico.

- Ah, para.

- É, sim. É sim. O Diego é bom e tudo, mas parece um sabiá. Peitão, bração, e as perna fiiiinaaa... e não tem um pingo de cu.

- Ah, lembrei! Um que eu pego.

- Quem?

- o Walter, cara.

- Afffff, que horror!

- Porque? Só porque é coroa? Ele tem 50 anos, pô, e tá ótimo! Ele é massa...

- Ah, não.

- E ainda tem aquela mulher dele perseguindo a gente, é um estímulo a mais, hahahaha.

- Psicopata!


- E tem o Murilo também, né? Hehehe, mas esse é seu, então, ninguém nem se fala.

- Ai, ai. Meu. Só se for.

- Esse suspiro ai, menino?? Hummm, tô dizendo...

- Dizendo o que, satanás? Nem o Murilo nunca esteve afim, nem eu agora quero! Aliás, nem sei se algum dia quis... Afinal de contas, se eu nunca tive coragem de arriscar, né? Isso quer dizer alguma coisa.

- Arriscar, é outro papo. Tem a ver com aceitação e coragem. E sobre ele, você já sabe a minha opinião.

- Tá bom.


- Ah, já tô com o coração apertado de ir embora hoje e largar o Jimmy aí, sabe?

- É. É foda.

- Dormimos juntos dois dias, é tão bom...

- E a mãe dele, velho? Não desconfia de nada não?

- Acho que não. Sei lá. Ele arruma o quarto como se ele dormisse no chão, coloca o colchão lá, lençol. E a gente tem que tomar o maior cuidado, porque a casa não tem forro, e a porra da véia fica zanzando até uma da manhã, quase. Mas mesmo assim é legal. Dormir junto.

- Mas porque que você não fica aí, então, pô? Aproveita o fim de semana... Ou então... Ah! Leva ele pra Feira! Vê com ele se não quer ir, sei lá..

- Pô, será? E não vai ficar estranho, não? Que é que o Jimmy vai fazer em Feira?

- Passear! Não fica dando muita satisfação não, caralho.

- Se fosse uma galera... mas, assim... só ele...

- Bom. Já entendi a indireta. Se você pagar a minha cerveja e prometer que a gente sai hoje lá, pelo menos... – olhou as unhas e passou a mão pelo cabelo inexistente, limpando os dentes – eu posso fazer esse sacrifício e ir com vocês.

- Pilantra vagabundo ordinário.

- E se decidir sair amanhã, a cerveja também será sua. E assim por diante.

Liguei pra o Jimmy, que também já tava pra baixo, e ele adorou a ideia, de termos mais dois dias na companhia um do outro. Combinamos que ele iria usar a hora de almoço dele pra resolver umas coisas pendentes e que iríamos pegar a estrada logo depois. De repente me deu aquela animação, uma ansiedade de tudo, e uma alegria incontida, pelo fato de o fim de semana prometer muito, muito mais do que há cinco minutos.


Eu e o Edu entramos no carro pra almoçar. Ficaríamos esperando o Jimmy resolver as coisas dele.

- Pô, Edu, valeu pela ideia. Salvou meu findi.

- Só falei porque vi sua agonia. Mas vê se se liga daqui pra a frente, pô. Vocês vão ter que começar a fazer malabarismos mesmo, se quiserem ficar mais tempo junto. Ele ir pra lá, você ficar mais tempo aqui. Ah, aquela ideia de se encontrarem em Salvador também foi massa! Passearam, ficaram livres, relaxados.

- Foi. Foi ótimo mesmo – suspirei – ai, porra, se a gente soubesse um do outro na época que eu trabalhei aqui...

- Porra! Não ia prestar! Kkkk! Não...

- Kkkk, ia sim! Poxa, tanta coisa que eu queria contar!

- Ao vivo, né?

- Pois é! A bunda do cara da hidráulica, por exemplo...

- De qual?

- Ivanei.

- Pera, tu também reparava na bunda de Ivanei?? – o Edu deu dois tapas no painel do carro – Não acredito...

- Como. Não. Reparaaaar??? Tá doido??

- Nossa, véi, que rabão é aquele?

- Quando ele parava pra tomar água ali no refeitório, ele apoiava uma perna em cima da mureta e apoiava os braços no guarda-corpo, assim, ó... eitaaaaa!

- Aquela calça da farda dos peão de lá é massa demais kkkkk! E lá na fábrica mesmo, quando você sai do escritório, tem muita coisa boa!

- Ivanei, Flávio... Xô ver...

- Jorge, o encanador...

- Jorge é muito seco.

- Mas tem olhos lindos. Kkkk. Mentira. Se você reparar ele tem uma bundinha massa. Roberto, o coroa, aquele outro do cabelão...

- Roberto, eca...

- Nada disso. Eu me ligo nele. Se ele quisesse, ó... eu chegava ali nele... – comecei a rir antes de o Edu terminar. Ele tava fazendo um jogo de corpo e uma cara sedutora que eu não aguentei – e aí, Roberto, beleza, cara..? – ele simulou o olhar de cima a baixo e piscou o olho. Eu batia no volante, gargalhando.

- Queria ver essa cena, queria!

- Hahahaa, só bebendo muita cachaça, amigo.

- Hahahaha, que maravilha... Tá vendo? Imagine se eu ainda tivesse trabalhando lá. Meu Deus.

- O que eu mais iria gostar era de acompanhar essa história sua e do Murilo aí... que você diz que não comeu...

- Tadinho, ainda duvida... Eu não teria problema nenhum em falar, meu kirido, se tivesse rolado mesmo. Masssss... assim quis o destino.

- Bom. Aguardarei. Não terminou ainda mesmo. Véi, tira esse Red Hot, bota uma música de viado nesse carro aqui!

- Pera. Hahaha. Vou botar pra lascar logo de vez.

Eu tinha numa seleção de internacionais I Will Survive, e quando começou a tocar o Edu gritou. A gente riu alto e começou a cantar a paródia junto, o Edu, palhaço, fazendo mil gestos, caras e bocas.

"Eu não nasci gay

A culpa é do meu pai

Que contratou um tal de Wilson

Pra ser capataz


Eu vi o bofe tomar banho

E o tamanho da sua mala

Era demais..."

Enquanto o carro avançava a gente explodia em risada. A música tava muito alta e o Edu gritava "a gente tem que ir agora numa boate dançar isso", e eu só fazia rir, imaginando a cena.


O almoço foi na mesma pegada, tinha muita coisa da nossa relação pra atualizar; queria saber mais do processo dele, como ele passou a se aceitar, ele também queria saber detalhes da minha história com o Murilo, tudo isso enquanto esperávamos o Jimmy ficar livre.

Chegamos em Feira por volta de cinco horas, e fomos direto pra casa. A Drica e a minha mãe estavam lá e tão logo chegamos, o Edu e o Jimmy já foram pra o quintal com elas, e ficaram lá conversando umas besteiras que não sei de onde tiravam. Relembraram a bagunça da micareta, os outros meninos.

À noite saímos com a Rose, fomos pra um barzinho de karaokê. A Mirelle também passou por lá e ficou um pouco, cantamos Verdade Chinesa juntos para não perder a tradição, e o Edu acabou me explicando algumas coisas do idioma pajubá que eu não fazia ideia.

- ...aí você vai repetindo o processo até a água sair transparente.

- Nossa, Edu, que horror! Como é o nome mesmo desse procedimento?

- Chuca.

- Nunca que eu vou fazer uma desgraça dessa, desisto...

- Então, Jimmy, prepare-se, porque ele vai lhe passar um cheque.

- Como é??

A Rose estava cantando Asa Morena, abrindo os braços, se sentindo a própria Zizi Possi (ou, sei lá, uma Zizi Possuída), e foi a sorte, porque enquanto ele me explicava a nova expressão eu dava gritos de horror.

- Mas voltando, gente... – eu observava a minha amiga – bem que o Dan podia ter ficado com a Rose, né?

- Não pegou não? Pegou, pô – o Edu molhava as palavras, enquanto tentava lembrar o caso.

- Aaaaammm... Éeee... pegar, pegar... sapecou uns beijinho, mas não rolou nada demais nem foi adiante. Pelo início, achei que ia rolar até casamento.

- Mas cês não falaram uma vez que ele tinha noiva? – o Jimmy tava confuso.

- A noiva dele? – o Edu bufou – aquela tilanga...

- Como é o nome? Tilanga??

Nem percebemos que a Rose já tinha se aproximado e ouvido o fim da conversa, e o Edu ficou sem graça de ela ter ouvido uma expressão do idioma o qual ele era fluente. Teve que explicar, a Rose tava curiosíssima. Ela adorava essas coisas.

- Tilanga é... ah, pô, Rose...

O Edu na hora explicou mais ou menos o que era, mas eu decidi fazer uma pesquisa para colocar aqui a definição exata:

"Mulher que, por seus poucos atrativos físicos, se oferece excessivamente a homens (de qualquer classe ou nível social) que, por algum motivo obscuro (bebidas ou falta de opção), dão bola e aceitam sua companhia."

A Rose amou, disse que ia levar pra a vida, porque o termo "piriguete" (que começou aqui na Bahia e era com "i" mesmo) já estava popularizado demais.

E passava uma mulher pela nossa mesa e ela apontava:

- Olha pra essa tilanga, Edu, passando.... Kkkkkkkkkkkk!

A gente só fazia rir.


Eu arrumei os colchões dos meninos no chão, e joguei os lençóis (tá, não ia rolar conchinha nem sexo, mas eu já tava na vantagem em tê-lo ali), e logo o Edu se jogou e abriu o seu notebook.

- Edu, vou tomar um banhozinho pra desabar, cadê o Jimmy?

- Tá lá fora fumando.

- Vai ficar no note até altas horas né?

- Vou só ler um pouquinho. Tu sabe que eu não durmo cedo mesmo, né?

- Não dorme cedo nem dorme tarde. Você simplesmente não dorme, né?

- Deixa eu te mostrar uma coisa. Vem cá.

Sentei ao lado dele no colchão enquanto ele acessava uma página do Orkut.

- Eu fiz um fake há um tempão e participo de algumas comunidades muito boas. Lembra que eu te falei que na época que eu me descobri eu lia muito, pesquisava muito?

- Sim, sim.

- Uma das coisas que me ajudou bastante foi isso aqui.

- "Contos Eróticos Gays"... não entendi. Uma comunidade de leitura erótica, com...

- Não é exatamente uma "leitura erótica", quer dizer: tem contos eróticos, claro, mas tem muito relato pessoal aqui. Nossa, eu tô viciado. Às vezes eu viro a noite lendo algumas coisas.

Era uma comunidade com diversos tópicos abertos no fórum, alguns títulos muito parecidos entre si, algo como "Meu primo hetero", "o Meu Cunhado", etc. Tinha outra comunidade no canto esquerdo que eu cliquei pra explorar, chamada "Tenho tesão por amigos heteros", que tinha mais de 8.000 membros. Comecei a ler os nomes dos tópicos:

- "O namorado da minha amiga"...

- Esse é muito bom, e já tá terminado. Ele começou a contar a história dele ano passado, cara... eu comecei a acompanhar porque ele relatava quando o fato tinha acabado de acontecer. Ele se apaixonou pelo namorado da amiga dele, e começou a contar porque queria saber da galera se se jogava ou não, e tal.

- Uma história real?

- Sim. Tem muitas aí. Foi isso que te falei que me ajudou pa caralho. Tem muita história da galera se descobrindo, as dúvidas, os medos... e o povo participa, dá conselho, incentiva... sei lá. É bom. Aqui, a que eu tô lendo agora. O Médico.

Edu foi me contando mais ou menos a história do Benjamin, e eu fui achando que ali já tava demais também, você jogar a sua vida toda no ar desse jeito. Também fiquei curioso em saber como o povo se relacionava ali, mas os textos me pareceram muito grandes, e me deu preguiça. Devolvi o notebook a ele e fui tomar banho.

Imagine, você começar a contar a sua vida assim na internet? Que loucura.

...



Pessoas do meu coração.
Desculpem essa demora toda, eu sei que vocês não merecem. Mas foi por motivos que fogem à minha vontade e que por agora não vou esmiuçar. A gente passa por umas fases, né?
E quanto mais eu demorava, mais tinha vergonha de aparecer... esse capítulo por exemplo, eu to postando por conta das saudades, apesar de achar meio insosso e querer escrever mais um cadinho nele. Bom, resolvi publicar como está porque quero sentir vocês de volta.
Amo muito isso aqui, vou fazer de tudo pra concluir. Bjos e muitas saudades.
Votem, comentem, quero matar as saudades de todos!

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