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Levamos por volta de duas horas pra colocar a casa em ordem, parecia-nos que todos os objetos, móveis, sem exceção, estavam fora do lugar. Essa impressão, acredito, era causada pela preguiça que tinha encarnado em nossos corpos.

Enquanto a gente dava conta do serviço, íamos repassando os acontecimentos dos últimos dias. Minha mãe dizia que a melhor parte da festa era o depois, na hora de se juntar pra fofocar. Ela me contou dos dias em que pulou no bloco dos coroas com a tia Malu, e depois encontraram a tia Ivone no camarote dela e acabaram subindo.

- A gente pongou lá, mas saímos logo. Muito melhor pipocar do que aguentar a ladainha de Ivone no ouvido. Kkk! Tu acredita que ainda insiste em implicar com o corpo da gente? Agora veja, aquele mamute...

Minha tia Ivone, que nem era irmã de ninguém, só amiga íntima das duas, pesava uns 250kg, mas insistia que não era gorda, ela só tinha o estômago alto. "Dá uma impressão errada", ela repetia, com as mãos espalmadas fazendo o movimento de uma bola. Tinha dinheiro, comprava camarote todo ano, mas não conseguia companhia que aguentasse as suas conversas.

- Ai, ai. Tia Ivone é uma figura.

- E tu, Gustavo, tá aéreo? Tá nesse plano, ainda? Rsss...

- Ai, mãe, tô cansado. Tu não sabe o que é dormir com mais três no quarto esses dias todos. O Edu, conversa a noite toda, debatendo assuntos sozinho; o Murilo não para quieto no canto...

- Esses lençóis todos eu vou lavar, viu? Estão podres. Ah, e tu acha que lá no meu quarto foi fácil também? A caipora da Malu levanta de duas em duas horas pra fumar... Meu Deus.

A tia Malu. Nossa... Tinha até esquecido. Será que ela havia falado algo com a minha mãe? Pela sua reação, eu achava que não, mas não significava que ela não falasse posteriormente. A tia Malu tinha um dom esquisito, conseguia gravar em sua memória acontecimentos e, assim, do nada, trazê-los à tona. Cansei de presenciar conversas das duas em que ela, do nada, fazia um aparte: "Ah, Stela, por falar nisso, esses dias eu lembrei daquele verão de 79, se lembra? A gente tava na praia, era 11 de fevereiro, eu tava com aquele biquíni azul e amarelo e você derramou cerveja na minha canga. Voltei pra casa toda peguenta".

Então, até o ano de 2040, ou enquanto ela vivesse, não tinha chance de eu me livrar desse assunto, tão logo ela quisesse retomar.



Terminado tudo, eu me joguei na cama do meu quarto, agora parecendo enorme depois da desocupação. Deitei, mas não dormi. Por algum motivo, a minha mente não aquietava, a despeito do meu corpo estar cansado.

Foi muito legal poder reunir alguns dos meus melhores amigos, juntá-los numa só ocasião; sempre gostei de misturar as galeras, me divirto muito. Então, só por isso, já teria muita coisa pra contar. Mas, além disso, algumas coisas inesperadas surgiram.

Dizer que eu estava preparado para uma investida do Murilo era mentira, depois de meses em que tivemos um contato mínimo, e sabendo que ele estava cada vez mais empolgado (e enrolado) com aquela nova figura que aparecera das profundezas para me jogar no limo. Eu não contava mais com nenhum tipo de aproximação com ele, nem ousava alimentar esperanças de que algo mais acontecesse. Além de uma distância geográfica, de uma convivência que não existia mais, havia a separação emocional, sentimental, sei lá. Só sabia dele pelos meninos, seus planos pareciam refeitos; ele parecia outro por conta da nova paixão. O que poderia estar acontecendo na vida dele, portanto, que justificasse aquela (nova) mudança? Meses depois, do nada, esse rapaz me aparece, me espreme roçando em mim toda a sua virilidade, ousa em carinhos inéditos e audaciosos; esquece qualquer tipo de pudor; chama a minha mãe de sogra; e, por último, me revela tudo o que sentiu no dia do seu aniversário com a minha ausência.

Desde que ele tinha me jogado isso na cara, aliás, me pus a pensar cada vez mais se o motivo de ele ter me largado na Noite Fatídica não seria esse. Lembro dele falando: "Depois disso, velho, eu jurei pra mim mesmo que eu não ia mais permitir que você nem mais ninguém me deixasse daquele jeito". Foi inevitável eu não começar a pensar que ele tinha feito aquilo deliberadamente, como uma forma de me ferir, e ao mesmo tempo me esquecer.

"Me esquecer, Gustavo?" Olha eu de novo já fantasiando um sentimento, uma história. Bastou o Murilo bater numa porta e meu juízo escapulir pela janela.

Me espalhei na cama.

E por falar em falta de juízo... o que foi aquilo com o Jimmy? Na verdade, não foi só o Murilo que havia excedido em alguns comportamentos. Eu também estava mais solto, me largando em brincadeiras de duplo sentido, inclusive com aquele colega do Edu que eu nem conhecia. Nunca imaginaria uma cena como aquela que houve no quarto com ninguém, nem mesmo com uma pessoa mais íntima. Aliás, acho que, por isso mesmo, me soltei. Eu não o conheço, e, além disso, havia algo no comportamento dele que me impelia àquilo. Não sei explicar, mas ele não era como o Murilo, por exemplo, que sempre tinha por que tinha que reafirmar a sua masculinidade, sempre justificando as suas escorregadas e se atirando em piadas horrorosas e mulheres idem. Não, ele não parecia estar nem aí em mostrar o seu desejo, o seu querer.

Se fosse o caso, claro. Podia também ser que ele estivesse brincando, sem neura. Como saber?



O Edu me ligou.

- E aí, véi? Tudo certo na viagem de vocês?

- Beleza. Todo mundo chegou inteiro em casa. Quer dizer... eu ainda nem cheguei em casa.

- Tá onde?

- Tô no trailer, tomando uma.

- Menino, vai pelo menos deixar a sacola... tu tá virando alcóolatra, viu?

- Porra nenhuma. Alcóolatra meu ovo. Minha sacola já tá em casa, eu espero. Murilo ficou de deixar lá.

- Ah, pensei que eles estivessem aí contigo...

- Que nada. O Murilo foi correndo pra casa tomar um banho pra ver... sei lá quem porra... Priscila, Aline...

O Edu já tava com a voz engrolada.

- Ah... entendi. Foi fazer a média. Hum... e... o Jimmy? Não quis colar?

- Não, cada um foi pro seu canto, e eu... ah! Olha só! EEEEEEEi! Não morre mais! Hahaha!

- O que foi? – o Edu gritava pra alguém.

- Ah, não ouviu. A gente falando dele, o Jimmy acabou de passar de moto por aqui.

- Olha só. Deve estar procurando também alguém pra beber, rsss.

- Que nada. Tava com a namorada na garupa.

- Ah... Hum.

- Sim, bicho, e aí, fez o que depois que a gente saiu?

- Nada. Quer dizer, nada de interessante. Faxina, só. Rss.


Desliguei o telefone, azedo. Cada um dos dois possíveis pretendentes a meus futuros quase-nada com seus respectivos lados arranjados, e eu ali, largado na cama, devaneando.

Ai, gente.

Eu só não sou um perfeito idiota porque ninguém é perfeito.



22 de abril de 2008

O outro dia era uma terça, mas com a maior cara de segunda. Fiquei o dia inteiro no escritório, e no início da noite levei a minha avó na consulta de revisão. Desde a última vez, quando percebemos que o médico dela atendia no plantão também, mantivemos esse costume. Era muito mais tranquilo à noite, não me atrapalhava, a recepção nunca ficava cheia, e ele conseguia dar mais atenção a ela.

Ele intensificou o tratamento da osteoporose, pra prevenir novas fraturas, muito embora tenha alertado que os seus ossos estavam praticamente porosos, então, tínhamos que tomar cuidado, muito cuidado. Qualquer tropeço num degrau, esbarrão, poderia resultar em osso quebrado. Várias injeções, comprimidos, emulsões, poções, infusões, enfim.

Enquanto esperava o atendimento, me pus a praticar o meu esporte preferido: castigar a minha mente com suposições.

No fim de semana eu e o Jimmy conversamos muito, e ele me mostrou umas coisas legais que tinha no perfil dele do Orkut. Não sei porque não nos adicionamos logo, e até pensei em fazer isso na segunda à noite. Não fiz porque achei que ele ia achar que eu tava forçando amizade, sendo chato, ou, na pior das hipóteses, querendo algo com ele.

Engraçado que eu só comecei a pensar nisso depois que o Edu tinha me falado que ele tinha namorada. Antes era tranquilo; até porque cansei de adicionar gente que eu conhecia, assim, na balada, nunca me preocupei com isso. De repente criou-se uma cerimônia em torno de um ato tão simples e natural, só porque...

E qual o problema do cara ter namorada e eu adicioná-lo no Orkut? Até parece que eu tô querendo algo com ele. E até parece que por causa disso ele vai achar que eu tô querendo algo com ele.

E qual o problema do cara ter namorada?

Ah, aí... não sei. Jurava que tinha rolado algum clima naquele quarto, quando trocamos as camisas. Como assim, do nada, esse homem tem namorada? Então tem namorada, se esfrega nos outros assim e fica tudo por isso mesmo?

Ai... então era tudo zoação, brincadeira. Isso.

Tomara que eu não tenha dado mole de mostrar que eu tava achando na hora que não era brincadeira.

Bom, por isso mesmo, decidi não adicioná-lo no Orkut, pelo menos por enquanto. Chega de confusão. O meu protagonista-de-confusão é o Murilo, ele é craque em me fazer perder o juízo com as instabilidades dele e tá bom assim.



Quase quebrei o resto da ossada da minha avó ao largá-la na sua cama, estava com pressa pra ir pro meu quarto e ligar o computador.

Abri o Orkut. Meus amigos. Eduardo. Hum. Amigos do Eduardo. Olha lá.

O perfil dele tinha um texto grande no campo "Quem sou eu". Era algo sobre os capricornianos, e a sua foto do perfil era um cabritinho super estiloso.

Ele tem 800 scraps, 70 fotos, 11 vídeos e 58 fãs.

Ele tem mais fãs do que eu.

10 depoimentos. Adoro ver depoimento.

Três de amigos, falando besteira, dois de umas primas. Uma piriguete assanhada colocou uma coisas lá cheias de duplo sentido. Uma coroa botou uma letra de música.

Nossa, ele conhece uma pessoa chamada Delzuíta.

As comunidades variavam entre "Amo São Paulo", "Namoro à Distância", "Eu Odeio Acordar Cedo", "Legião Urbana", "Eu acordo de Pau Duro", etc.

Não o adicionei. Desliguei o computador e fui pro banho.



Meia hora depois estava abrindo o Orkut novamente e, olha lá, um pedido de amizade.

Ha, ha, ha.

Dei um sorriso de satisfação e quase cliquei imediatamente para aceitar, depois pensei que devia dar mais um tempinho pra ele não achar que eu tô desesperado pra fazer amizade com ele. Parei, fechei o Orkut, fui catar alguma coisa pra comer e marquei no relógio do celular uma hora de intervalo antes de aceitar.



Aceitar pedido de amizade.

Fui no seu mural de scraps e deixei um "Iaeeeee"

Ele me respondeu em depoimento, me mandando seu msn.

Adicionei-o, desta vez sem intervalos de tempo.

Jimmy SP: Eaw vey

Luiz Gustavo: Coleeee

Jimmy SP: Direitin??

Luiz Gustavo: De boa

Luiz Gustavo: Chegaram bem?

Jimmy SP: Beleza. Sem trauma

Jimmy SP: O Edu ainda ficou pela rua :/

Luiz Gustavo: Hahah ele me flw.


O papo vai morrer. Que há de se fazer? Conversar sobre a crise na Argentina, o fim da CPMF, a novela das oito?


Ele puxou papo.

Jimmy SP: Já voltou ao trabalho ou tá de ressaca ainda? Empresárioooo... trabalha qdo quer... huashuesahuas

Luiz Gustavo: Kkkk

Luiz Gustavo: so se sendo

Luiz Gustavo: Ralei hj o dia td

Jimmy SP: Sei...

Luiz Gustavo: Ta pensando o q? Se eu n trabalho n tem feijão, amigo... rss

Jimmy SP: Vdd. Tb ralei hj o dia todo, direto..

Luiz Gustavo: pois eh

Jimmy SP: Agora que eu tô desfazendo a sacola, pense ae

Luiz Gustavo: Ah ta

Luiz Gustavo:tirar duas blusa e um short...

Luiz Gustavo:moleza

Luiz Gustavo: ;)

Jimmy SP: Kkkkkkkkkkkkkk

Luiz Gustavo: Num eh?

Jimmy SP: So pq eu peguei uma blusa sua emprestada vc ta me tirando neh

Jimmy SP: Falar nisso

Jimmy SP: viu ae no teu guarda roupa?

Luiz Gustavo: Não... o q?

Jimmy SP: Olha aew na parte das camisa


Levantei e abri as duas portas. Vi a sua blusa vermelha dobrada no meio das minhas roupas. Corri de volta pra o computador.


Luiz Gustavo: Marrapaz

Luiz Gustavo:Tu largou aki msm neh

Luiz Gustavo: :D

Jimmy SP: Vc disse q tinha gostado

Jimmy SP: Fikei c a sua

Jimmy SP: Nada mais justo ne mulek

Luiz Gustavo: rssss entao ta

Luiz Gustavo:Vou ficar mesmo c ela

Jimmy SP: já que o gustavo ficou tao feliz... vou querer algo mais em troca...

Luiz Gustavo: rssss ai mds começou a chantagem


Ainda bem que não era papo com câmera, porque as caras que eu fazia na frente do computador me denunciariam logo. Aguardei ele responder, e acho que a demora foi proposital.


Jimmy SP: Grava uma copia daquele cd pra mim?

Luiz Gustavo: ??

Jimmy SP: O que tava tocando no teu carro

Luiz Gustavo: Ah.. Amy?

Jimmy SP: eh

Jimmy SP: pow... som mo legal

Luiz Gustavo: ah po... gravo sim

Jimmy SP: valeu...

Luiz Gustavo: levo qdo for ai

Jimmy SP: cara... ela tem uma voz mto boa

Jimmy SP: Vc eh fa ne

Luiz Gustavo: sou sim

Jimmy SP: cantora boa

Luiz Gustavo: vc acredita que ela so tem 24 anos?

Jimmy SP: serio?

Luiz Gustavo: sim. E eh o segundo cd dela imagine

Jimmy SP: pooo

Luiz Gustavo: o primeiro foi qdo ela tinha 19. Ah, vou aproveitar e colocar tb entao esse, viu?

Jimmy SP: viu.

Luiz Gustavo: vou colocar o primeiro cd, Frank, depois o Back to Black e depois um ao vivo que eu peguei. Vc vai gostar

Jimmy SP: já gosto. Tu eh fa msm ne. Rssss

Luiz Gustavo: huahuau sou

Jimmy SP: vc vem qdo aki em camacari?

Luiz Gustavo: hum. N sei

Jimmy SP: pra eu pegar na sua mao a mídia

Luiz Gustavo: acho q semana q vem

Jimmy SP: pow...

Jimmy SP: Vou ficar c sds

Jimmy SP: De amy

Luiz Gustavo: kkkk

Jimmy SP: rsrsrs


E a conversa continuou. Falamos mais de Amy, da sua relação com as drogas, da sua voz negra; falamos de família. Fiquei chocado quando soube que a sua mãe tinha 72 anos, e seu pai 80. Ele ainda tinha mais dois irmãos, um de 45 e a outra de 33, que moravam próximos, já estavam casados e com filhos.


Luiz Gustavo: entao ela eh meio que tua vo ne cara?

Luiz Gustavo:Sei la

Jimmy SP: rsss eh. Qdo eu nasci ela tinha 43 ne

Jimmy SP: e meu pai 50

Luiz Gustavo: porra horrível

Jimmy SP: :/

Luiz Gustavo: foi mal

Luiz Gustavo:pensei alto

Jimmy SP: kkkkkk rlx


Falamos também sobre a minha família. Ele observou – ele é observador demais – a minha atenção redobrada pela Drica, e eu disfarcei dizendo que ela é muito bobinha, e que eu ficava preocupado mesmo. Não quis falar nada além disso. Relembramos as loucuras do fim de semana – as brigas, o Murilo abrindo o banheiro químico com a mulher nua dentro, a dancinha dele, etc.


Luiz Gustavo: mds

Jimmy SP: q foi?

Luiz Gustavo: uma hora da manha

Luiz Gustavo:!!!!!

Jimmy SP: huauhauha

Luiz Gustavo: eu acordado ainda

Jimmy SP: pois zé! Eu tb

Luiz Gustavo: se eu dormir agora so vou ter seis horas de sono

Jimmy SP: kkkkkkkkkk

Jimmy SP: Vc faz isso tb eh?

Luiz Gustavo: o q

Jimmy SP: contando as hs que tem de sono

Luiz Gustavo: rssss eh

Jimmy SP: eu fico tb agora são seis horas de sono... agora são cinco horas e meia de sono...

Luiz Gustavo: e por ai vai rss

Jimmy SP: e qto mais vc pensa mais demora de dormir

Luiz Gustavo: num eh? kkkkk

Jimmy SP: rsrsrs

Jimmy SP: vo te atrapalhar mais não. Pode ir dormir agora J

Luiz Gustavo: ahh rsss que nada... atrapalha não

Luiz Gustavo:Conversa boua adorei rs

Jimmy SP: Tb. O tempo passa rápido qdo a gente ta de boa ne

Luiz Gustavo: vdd

Jimmy SP: a noite passou voando

Jimmy SP: Por ex

Jimmy SP: Rss

Luiz Gustavo: rssss

Jimmy SP: fds tb

Jimmy SP: Mto bom ter te conhecido

Luiz Gustavo: tb adorei que a gente se bateu

Jimmy SP: bom

Jimmy SP: Entao vai la

Luiz Gustavo: boa noite jimmy

Jimmy SP: abç



No outro dia o Edu ligou para o escritório.

- Quem é esse rapaz que atende o telefone daí, cara?

- Ah, é o Robson. Tá estagiando aqui com a gente. Porque?

- Menino... esse cara é maresia... só pela voz dá pra perceber.

Olhei pro estagiário novo, refestelado na cadeira, mexendo preguiçosamente o mouse, pálpebras semicerradas.

- É... mais ou menos isso, Edu. Rss. Não tenho como discordar.

- Eu tava até disposto aqui, mas aí ele atendeu o telefone... "aaalôoo... boa tarde... só... um... momento..." foi tanta disposição que me contagiou. Acho que vou pra casa dormir.

- Palhaço! Kkk. Tu ligou só pra assediar meu corpo técnico mesmo, ou tinha algum assunto?

- Ah, claro! Valquíria quer marcar uma reunião contigo aqui em Camaçari.

- Hum... essa semana ainda, não, né?

- Não sei, ela só disse que não podia ser muito longe. Parece que tem umas revisões de projeto pra você fazer, porque já foi analisado pelo banco.

- Pede pra ela ver se na terça-feira dá pra ser. Eu tô pegado num negócio aqui.

- Tá. Te ligo depois pra confirmar.



Não sei porque deu na minha cabeça de almoçar em casa, acho que é o meu talento nato de atrair situações de estresse.

Logo que entrei vi a minha mãe chorando na sala, revirei o olho e suspirei.

- O cão da tua irmã tá aí.

- Mônica? Que houve?

- O de sempre, né? Não ajuda em porra de nada aqui e vem só pra dar lição de moral.

A minha irmã mais velha assomou na porta, e parou. Minha mãe fechou a cara e virou o pescoço pro lado, e ela me olhou torcendo o bico. Voltou para a cozinha. Me sentei no sofá.

Bom, resumindo: a Mônica passou lá pra ver como estavam as coisas, a minha mãe achou por bem de contar como foi a nossa festa, a Mônica aproveitou pra dizer que não ia mais contribuir nas despesas lá de casa porque ela tinha a dela e porque a gente tinha como pagar, bla bla bla.

A minha mãe entrou logo com um jeb direto: "egoísta"!

A minha irmã devolveu com uma voadora: "louca excêntrica"!

A minha mãe recebeu, chorou e deu um arremesso: "mal amada"!

A minha irmã apenas deu uma joelhada: "vai se tratar"!

Não houve nocaute, pois a árbitra vó Liza finalizou, ameaçando jogar o andador no ringue.

- Gente, que baixaria...

- ...e que a gente era doido de levar a Drica pro meio daquela festa, e que aquilo era coisa de Satanás, e depois a gente reclama quando a desgraça acontece aqui em casa, olha... não tô afim. Não tenho paciência, não, gente.

- Ah... tá. Hum – suspirei – bom, em resumo, vocês brigaram, e sobrou pra mim, né? No final, eu é que vou ter que me virar pra pagar o caralho da prestação do remédio que ela não quer pagar.

- Eu tô aqui te contando que a tua irmã me esculhambou e tu não tá nem... ai, meu Deus! MEU DEUS! – ela colocou as mãos no rosto e começou a soluçar, daquela maneira que só ela sabia fazer. Só vi uma pessoa derramar lágrima com tanta facilidade uma vez acho que na tevê, a Cláudia Raia – Eu devia era morrer mesmo, gente, eu só sirvo pra levar patada de filho... a minha vida é uma merda mesmo! Eu não sei o que eu tô fazendo aqui, não, eu doente, cuidando de mãe, de filha, ai! – mais soluço – não tenho uma alegria! Uma! Aí vem a outra e me chama de irresponsável, o outro me grita, eu não aguento mais! Chega!

Saiu batendo a perna, chorando, e eu esperei o espetáculo terminar pra ver se ela se trancava logo no quarto e eu ficava em paz pelo menos na meia hora que eu precisava pra almoçar.

- Tu viu aí o escândalo? – a Mônica tava só esperando ela sair.

Suspirei.

- O que foi que teve?

- Ela veio me dizer que não tinha como dividir prestação de remédio mais com a gente, porque tá cheia de dívida, e não sei o que... ah, eu disse que quem não tinha condição era eu, e que ESSE MÊS eu TALVEZ não tivesse como ajudar na prestação do colete, porque eu tô abafada de dinheiro, e tal, e aí, já sabe, né? Ela é neurótica, Gustavo, não se pode falar nada!

- Hum. Gente... Então, resumindo, nem ela, nem tu vão liberar a grana. Hum.

- Não. Eu me esforço pra pagar, mas se for todo mundo junto. Vocês passaram quatro dias aí curtindo carnaval de camarote, subindo e descendo, e agora não tem dinheiro pra pagar o remédio?

- O camarote, amiga, foi um rolo que eu fiz com meu cliente, tá?

- Nãaao, não digo de tu, não! Tu tem direito, trabalha, é novo! Mãe que tem que se controlar! Gustavo! Ela deve a deus e o mundo! É a manicure, a mulher do salão, ela compra roupa na mão da colega dela lá, estoura os cartão, é louca! Aí quando é pra ajudar numa prestaçãozinha, diz que não tem? Ah, me poupe!

- Sim, então...

- Esse escarcéu todo que ela faz aí, ó. Grita, chora, derruba tudo... É puro teatro, pra sair da conversa e sobrar pra a gente. Ah, e outra: como é que vocês levam a Drica pra o meio dessa libertinagem, Gustavo? Vocês têm o que na cabeça?

- Como assim, gente? Ela adorou! Pergunta a ela como foi!

- A menina doente, só anda dopada, precisando de ajuda... vocês levam pra o meio de uma baixaria, tudo de ruim misturado. É droga, é prostituição, é... culto ao corpo, violência... Deus é mais, viu. Deus é mais.

- Eu não vi nada demais. Quer dizer. Vi. Diversão...

- Gustavo... Você sabe o que significa carnaval? Festa da carne, meu filho... isso é culto ao demônio, aos falsos deuses. Vestem essa porcaria como algo atraente pra atrair as almas para longe de Cristo.

- Olha...

- Tá em Romanos: "Porque, se viverdes segundo a carne, morrereis; mas, se pelo Espírito mortificardes as obras do corpo, vivereis".

- Mônica, minha fil...

- Em Gálatas, tá lá: "Porque as obras da carne são manifestas, as quais são: adultério, fornicação, impureza, lascívia, Idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas, dissensões, heresias, Invejas, homicídios, bebedices, glutonarias, e coisas semelhantes a estas, acerca das quais vos declaro, como já antes vos disse, que os que cometem tais coisas não herdarão o reino de Deus"! Não herdarão!

- Como é que vocês conseguem gravar essas coisas todas na cabeça?

- AH, Gustavo!!

- Olha, se você olhar lá na Bíblia você vai ver que Jesus andava era nesses lugares. Me mostre ele indo numa sinagoga, por exemplo!

- Gente, que blasfêmia! Ele ia somente para levar a salvação aos perdidos, assim como muitos crentes estão evangelizando nesses locais, você deve ter visto lá! Semelhantes a Jesus! E não semelhantes aos perdidos. Isso é blasfêmia, Gustavo, e heresia, pensar em um Jesus bêbado e pecador, pulando carnaval! Meu Deus!

Suspirei e olhei pra a cara dela. Se eu quisesse brigar, teria até lembrado o tempo em que ela infernizava a vida da minha mãe pra comprar abadá de bloco pra ela virar a noite na heresia, bebendo, fumando escondida e pegando geral. Mas fiquei quieto.

- Acabou o culto? Posso almoçar?

- Vocês aqui, olha, eu não sei não... depois reclama quando a desgraça se abate.

Fiz meu prato e ela veio atrás. Enquanto comia, ficava observando a minha irmã mais velha. Saia jeans cobrindo até a canela, com uns botões horrorosos do lado, camisa branca cobrindo do pescoço aos cotovelo, cabelo preso com um coque. Nenhuma maquiagem, brinco. Praticamente uma Marina Silva.

- Mônica... como é que tu tá?

- Eu? – ela se assustou – eu... tô bem, né? Quer dizer, tirando o cansaço... fevereiro eu voltei pro trabalho, então... nossa! Tô exausta.

A filha mais nova dela, a Camila, estava com oito meses de idade, e a mais velha tinha três e meio.

- E o Cristian?

- Tá lá. Tá bem.

- Aqueles problemas então... superados?

Ela estava quase se separando dele quando descobriu que estava grávida. Retomaram o casamento. Um tempo depois, a Clara o flagrou numa situação super suspeita com uma loira no shopping, contou à Mônica e ela me ligou, arrasada, convicta de que o marido tinha outra.

- Ah... sim! Sim. Nós conversamos muito, na verdade a menina era... enfim... colega dele da pós, e eles estavam reunindo pra discutir um trabalho.

- Hum.

- Ele até me apresentou a ela outro dia desse. Realmente, ela é muito bonita, e tudo, mas acho que a Clara viu maldade.

Terminei o meu almoço.

- Então, que bom, né?

- Aquelas meninas, a Clara, a Mirelle, elas não gostam do Cristian, e pegam no pé mesmo. Ele me falou isso, disse que elas tratam mal e querem sempre me colocar contra ele. Fiquei com uma pena! Coitado. Por isso que ele ficava sem graça quando tem reunião aqui em casa e junta esse povo.

A Clara antes tinha me contado a história, e não tinha sido bem assim. Quer dizer, a menos que se faça trabalho de equipe no boteco de uma praça de alimentação do shopping, alisando o cabelo da colega e com a mão em sua coxa, algo estava errado. E, sim, as minhas primas de fato não gostavam dele, mas porque ele era um canalha.

Tentei mudar de assunto pra não me estressar.

- E o carro novo? Tá gostando?

- Ah, é muito bom! Só tô com medo de bater, né? Rss.

- Ah, mas... normal. Eu mesmo já dei umas ralada aí no Palio... rsss.

- Deus me livre! Cristian me mata. Todo dia ele fala: "Não vai bater esse carro, meu dinheiro não é capim!" Rsss..

Franzi a sobrancelha.

- Mas foi ele que pagou? Tu não tinha feito um empréstimo pra pagar?

- Pra pagar a metade. Ele completou, com o dinheiro da poupança.

Demais pra mim. Suspirei.

- Mônica, não é tu que paga as contas da casa?

- Todas, não. Pago a prestação da casa, a água, luz, telefone, gás... supermercado. A creche de Júlia...

Alteei as sobrancelhas.

- Ele pagas as contas quando a gente vai num restaurante, viaja, enfim... tu acha que é pouca coisa, é, Gustavo? Ai, ai.

- Eu preferia ficar com essa parte... rsss.

- A gente combinou assim. Eu pago as contas, ele coloca o dinheiro na poupança.

- Então, é aí que eu queria chegar. A poupança é de vocês, e ele não pagou coisíssima nenhuma. VOCÊ pagou seu carro, se quiser jogar numa ribanceira, você joga.

- Tu é maluco!

Ela se levantou, exasperada, foi tomar uma água. Viu que aquilo não ia dar em nada bom, e eu também me aquietei. Depois ela voltou e conversamos coisas mais amenas, mas...

- Mônica, eu tenho que voltar pro escritório. O papo tá bom, mas...

- É, eu também tenho que trabalhar. Perdi a hora do almoço.

Levantamos e eu olhei pra ela.

- Mônica... qualquer coisa... me liga, tá?

- Rss, tá.

- Acho que o importante é a gente estar feliz... né?

- É. Depende. Às vezes andar neste mundo é difícil, principalmente pra quem quer seguir no caminho correto. Viver segundo a bíblia, então, meu filho, é para os fortes. E só se torna forte quem se põe fraco aos pés do Mestre. A boa notícia é que o Senhor nos diz: "Tome a sua cruz e siga-me."

Toda vez que eu conversava com a Mônica eu sentia a minha garganta apertar, como se uma mão invisível estivesse me enforcando.



Não sei se foi a falta de assunto, mas eu compartilhei esses acontecimentos com o Jimmy, logo mais, à noite. Não a baixaria toda, só os comentários da minha irmã. Sim, madrugamos de novo no msn.

Luiz Gustavo: entao eh isso

Luiz Gustavo:Entendeu?

Jimmy SP: era piriguete virou crente

Luiz Gustavo: casou pariu faz tudo e aceita tudo

Luiz Gustavo:Pra o varao não largar ela no vento

Luiz Gustavo:Vei

Luiz Gustavo:Esse povo crente eh mto tosco

Jimmy SP: a minha família eh evangelica

Luiz Gustavo: :/

Luiz Gustavo:eta

Jimmy SP: kkkkkkkkkkkkkk

Luiz Gustavo: huashueshuaheushuahu

Luiz Gustavo:ah foi mal

Jimmy SP: rlx

Luiz Gustavo: mas eh q eu axo fzr o q

Jimmy SP: ooooo ne

Luiz Gustavo: tua mae mesmo deve ser outra louca

Luiz Gustavo:Kkk

Jimmy SP: não

Jimmy SP: Rs

Jimmy SP: A bixinha eh gente boa

Luiz Gustavo: sei la

Luiz Gustavo:Eles tem uma regras loucas

Luiz Gustavo:Tipo

Luiz Gustavo:Ela deve tar te atentando p tu casar logo não?

Jimmy SP: rss

Jimmy SP: Ela da umas indireta as vezes

Luiz Gustavo: ta vendo rsss

Jimmy SP: mas ela vai cansar coitada

Jimmy SP: Demorar mto

Jimmy SP: Se eh q vai rolar

Luiz Gustavo: rs

Jimmy SP: nem tenho com quem...

Jimmy SP: To jogado...

Luiz Gustavo: mentirosooooooo

Jimmy SP: uahuau pq

Luiz Gustavo: edu ja me disse que tu tem namorada

Luiz Gustavo:e o Orkut ta cheio de menina se jogando ae

Luiz Gustavo:garanhao

Luiz Gustavo:rssss

Jimmy SP: tenho nao

Luiz Gustavo: ue

Jimmy SP: ele te disse isso?

Luiz Gustavo: não po

Luiz Gustavo:Foi no dia q vcs chegaram a gente tava no telefone ai axo que tu passou de moto

Luiz Gustavo:Ele me disse q tu tava c tua namorada

Jimmy SP: ah po

Jimmy SP: Ne não

Jimmy SP: Eh minha ex

Jimmy SP: Mas a gente já terminou mo tempao

Luiz Gustavo: ah

Jimmy SP: e qto as meninas fogosas

Jimmy SP: Deixa la

Jimmy SP: No momento to fechado pra elas

Luiz Gustavo: rs



O outro dia foi de arrumação no escritório, realmente tava uma bagunça aquilo lá.

- A gente vai pegar a segunda prestação daquele trabalho e comprar esse ar condicionado, Gustavo – a Lenita fazia planos – ninguém merece ficar no ventilador. O couro sua todo e acaba com a minha prancha. Ó pra isso.

- E também tem o calor, né? Humpf.

- kkkk, claro ne idiota! Mas o meu cabelo é mais importante.

- Hahaha, ah, tá.

- Visualize: eu coloco o ventilador em cima de mim pra ver se dá conta. A cabeça sua, a prancha acaba, o vento vem e dá o resultado final. Saio daqui parecendo uma louca.

Terminamos tudo umas três da tarde, e resolvi ligar pro Edu.

- Broder, confirma com a Valquíria por favor na terça-feira. Vê se ela pode.

- Ah, beleza. Falo com ela. Vê se dorme aqui, pô, pra a gente tomar uma.

- Não, relaxe, eu vou na segunda-feira logo. Chego de tardezinha, combinei com o Jimmy de...

- Com o Jimmy? Como assim?

- Ah... na verdade nem é combinaaar, combinar. Falei com ele que eu iria pra aí e levava o CD dele.

- Ah, tá, vocês se falaram, então. Ele nem me disse nada.

- Ah, ele me adicionou e a gente trocou ideia rapidinho. Ele me cobrou o CD e eu falei que ia. Bom, aí tu avisa a ele, ok?

- Beleza.

Será que o Edu estranhou algo? Ou que eu tô vendo estranhamento onde não tem?

Bom, que eu tô fantasiando algo com o Jimmy, eu tenho certeza, até porque esse é o meu esporte favorito. Desde que ele disse "tô fechado pra elas", me pus a imaginar o que ele estava querendo dizer com isso. Fechado pra elas?? Para as mulheres em geral? Era uma indireta então...

Ainda conversamos muito no msn depois da dita frase, mas o resto da noite passada foi mesmo visualizando mentalmente os finais, o que ele poderia dizer depois, enfim, fiquei dando vazão ao meu mundo interno, que nunca para.



Nos dias subsequentes não rolou da gente se encontrar no msn. No sábado, arrisquei deixar uma mensagem off-line, despretensiosa, de que já tinha gravado as músicas dele, e deixei a janela aberta enquanto olhava outras coisas. Uma verdadeira tocaia virtual.

À tardinha um ex-aluno meu apareceu (é, eu dava aula de reforço escolar na época da faculdade) desesperado, porque estava com uma prova de cálculo e não sabia mais o que fazer.

- Mas, Junior, toma vergonha... tu já tá fazendo faculdade de engenharia e querendo tomar banca... Meu deus...

- Gustavo, meu fi, me socorra, eu não sei caralho de nada! Tenho prova segunda-feira, velho...

- E tu acha que eu vou lembrar, Junior? Que assunto é?

- Limites e derivada.

- Meu Deus. Assunto de primeiro ano.

- Mas você é fera. A pessoa mais inteligente que eu já conheci neste mundo.

- Não precisa exagerar na falsidade, entra aí pra ver o que a gente pode fazer.

Ele tava tão desesperado que eu decidi ajudar. Passamos duas horas vendo a matéria, e, como eu já conhecia a peça, já sabia mais ou menos qual era a dificuldade dele.

- Já vi que tu não mudou nada, Junior – dei um pescoção nele – sabe o assunto, mas não lê direito, se perde em conta boba... sabe desenvolver, mas coloca que dez mais dez é trinta.

- Também não precisa usar de violência... cara tu me salvou.

Junior só veio largar do meu pé, minha gente, depois do quinto semestre. Sempre batia lá em casa no desespero. Mas eu era muito apegado a ele, além de tê-lo ensinado desde a sua oitava série, o fato dele ter escolhido engenharia me ganhou.

Depois que despachei o meu aluno, voltei ao computador e vi que tinha mensagem do Jimmy:


Jimmy SP: oi

Jimmy SP: Ce ta ae?

Jimmy SP:Valeu, entao c traz na segunda ne

Jimmy SP:Passo la na casa do edu

Jimmy SP:Ah axo que vou conseguir o dvd da minissérie que tu me falou

Jimmy SP:Os maias

Jimmy SP:to saindo

Jimmy SP:bj no b1b1


Fiquei tão contrariado que até me surpreendi. Porque aquilo tudo? Ora, eu deixei uma mensagem e ele respondeu. Mas o fato é que eu fiquei assustado comigo mesmo, em descobrir o tamanho da vontade que eu tava em falar com ele. Não via porque aquilo tudo. Uma pessoa que eu conheci há uma semana, amigo de um amigo, troquei duas ideias e, pronto. Não tem outra explicação a não ser pela via da carência, essa, sim, forte.

Suspirei e fui procurar alguma coisa pra fazer. Ah, beber com a Rose. Pronto.


28 de abril de 2008.

Eu não tinha compromisso na segunda em Camaçari, mas decidi ir mesmo assim. Cheguei no finalzinho da tarde, peguei o Edu lá na empresa e fomos pra a casa dele. Ele tinha que passar em casa pra pegar alguma coisa da faculdade.

Só que chegando lá me bateu uma preguiça de sair. Tirei o sapato enquanto o Edu arrumava uns papeis dele, e me larguei no sofá, a mãe dele assistia a novela das sete. Rolou um cochilo.

Não encontrei o Murilo na empresa, deveria estar na faculdade. Me esbarrei na estagiária vira-lata e nos cumprimentamos, só. Estava na ansiedade mesmo, tinha que admitir, era de encontrar o Jimmy. Mas ao mesmo tempo não quis perguntar pro Edu se ele tinha comentado alguma coisa de passar lá pra pegar o CD, ele podia estranhar. Afinal de contas, era só deixar na mão dele que entregaria depois.

Como que lendo meus pensamentos, o Edu me disse:

- Jimmy me ligou perguntando se você tinha vindo mesmo.

- Ah... foi? Eu trouxe o CD que ele me pediu. Depois tu entrega a ele.

- Ele disse que tá vindo aí, queria saber se a gente vai sair. Mas, bicho... tô cansado.

- É, eu também. Ai, graças a deus que tu não quer sair. Que bom.

Edu me observava.

- O Jimmy me perguntou de manhã se você viria mesmo, deve tá ansioso pra ouvir essas músicas, né?

Dei uma risada amarela e dei de ombros. Nem quis olhar pra a cara do Edu, achei que tava estranhando alguma coisa. Não saberia lidar.

- Edu, quero tomar um banho. Me empresta uma toalha aí, vai. E me diz onde eu vou me escorar.



Só no banheiro que eu pude dar vazão à minha ansiedade. Me olhei no espelho automaticamente procurando algum defeito que pudesse ser consertado, além daqueles que a natureza cometeu no nascimento e não tinha jeito. Se eu fizesse a barba ia dar muito na pinta, até porque ela não tava tão cheia assim. Bom, o jeito era tomar banho mesmo e relaxar.

O chuveiro ainda tava ligado quando eu ouvi a voz do Jimmy na sala. Ele veio mesmo!

"E ai vei, beleza?"

"Beleza, Jimmy. Passou em casa, tomou um banho, olha, mãe", era a voz do Edu, "tá parecendo gente... minino..."

"hahaha, ô idiota, cê num falou que a gente ia sair? Eu tava do trampo ainda"

"Sei"

"é... o Gustavo tá aí?"

"Tá... tá no banho..."

Falei em voz alta "eta caralho!". Ele tomou banho também!

Claro, né idiota! Quando que tomar banho é sinal de alguma coisa? A maioria dos brasileiros faz isso pelo menos duas vezes por dia.

Me vesti no banheiro mesmo e saí. Ele estava ainda de pé, no meio da sala do Edu, de um jeito tão irresistivelmente sem graça que eu sorri, e ele devolveu. Trocamos olhares muito carinhosamente, enquanto ele remexia os ombros, ajeitando a blusa no corpo, puxando pra baixo. Os cabelos estavam molhados ainda, ele tinha feito o moicano. Usava uma bermuda daqueles panos finos, e a camisa era meio apertada no corpo. Não me pareceu que ele tinha pegado a primeira roupa que encontrou, não.

Foi meio esquisito, mas realmente ficou parecendo que ele tinha ido lá só pra me ver. A mãe do Edu saiu do sofá e mandou a gente sentar "sentem aqui, ó, vocês", e eu fiquei imaginando um rapaz indo encontrar a moça em casa pra namorarem no sofá. Coisas da minha mente insana, mesmo.

- E aí?

- E aí, seu moço?

Rimos, sem graça.

- E as novidades..?

- Tá tudo velho...

O Edu sentou-se no outro sofá.

- O Jimmy se arrumou todo pensando que a gente ia sair, ó. Se fudeu.

- Ô, ele nem te falou, né? Poxa, mas é que...

- Não, pô, relaxe. Já tá meio tarde mesmo, e hoje é segunda-feira, né? Bom lembrar, rss...

- Ah, meu filho – o Edu retorquiu – mas aqui a segunda-feira era o melhor dia, né não, Gustavo?

- Certeza que era! Hahahaha! A gente queria saber do fim de semana de cada um, o Murilo não tinha aula nesse dia, enfim...

- O Murilo, é verdade... Cadê ele?

- Ah, apareceu lá, mas ele sai mais cedo pra a faculdade. Esse semestre não teve essa de folga dia de segunda não.

O pai do Edu entrou em casa e conversamos mais algumas bobagens, e de vez em quando, quando dava, olhava pra ele, pra pegar alguns detalhes. O seu sorriso era algo bonito, de quem se desculpava por rir; tímido, mas ao mesmo tempo fazia o olho brilhar, a sobrancelha franzia, e mostrava o aparelho dos dentes, aquilo tudo fazia ele ficar muito atraente. Ele também tinha umas tiradas interessantes, super legais.

- Ó gente, o papo tá bom, mas eu vou ali bater um banho! – o Edu se levantou.

- É, eu também já tô indo – O Jimmy levantou, se espreguiçando – amanhã é dia, rsss.

- Ah, deixa eu pegar o teu CD! – fui atrás da chave do carro – eu deixei no carro, porque eu vim ouvindo, tava testando, né?

- Quase esqueci!

O Edu já estava saindo da sala.

- Aproveita e leva então ele até a porta, que eu vou entrar no banheiro – bateu a mão com a do Jimmy – valeu véi!

- Te botando pra fora, olha só – ri.

- É, ele é assim...



Ele me acompanhou até a varanda da casa, onde meu carro estava, atrás do carro do pai do Edu.

- Tome. Faça bom uso.

- Farei.

- Aí tem os três CD's de Amy, e eu botei mais algumas coisinhas também que talvez tu goste. Sei lá, Red Hot...

- Gosto!

- O Teatro Mágico, que a gente tinha ouvido lá...

- Hum, massa... pô, velho, valeu.

- Nada! – suspiramos e demos risada – hahaha, então, tá, né!

- Então, tá. Cê já vai embora amanhã?

- Provavelmente. Vou ter uma reunião lá na empresa do Edu e depois não sei.

- Bom, então, se a gente não se vir mais, boa viagem...

Ele foi abrindo os braços pra me abraçar e eu apenas estendi a mão, e nós rimos novamente.

- Pô, que corte! Hahaha..

- Foi mal! Kkkk! – puxei-o para um abraço forte. Nos abraçamos e soltamos.

- Agora já foi bem efusivo, rsss. Pensei até que ia rolar beijo, rssss.

Ri, e numa fração de segundo, olhei em volta pra ver se estávamos realmente sós. Respondi:

- Ah, não seja por isso...

De repente encostei meus lábios na boca dele, dando um selinho bem rápido.

A cor do seu rosto havia sumido completamente, e eu ri, mais pra disfarçar a loucura que eu tinha cometido. Como assim, gente?

- Mas rapaz... – ele fez cara feia.

- Ô, foi mal, sério. Eu tava brincando.

- Tô reclamando disso não. É que cê nem avisa... me pegou de surpresa, e aí eu nem aproveitei direito...

- Ah, palhaço! – dei lhe um tapinha no ombro e fomos até o portão. Ele subiu na moto, estávamos cada um imerso no seu mundo particular, ressignificando o que acabara de acontecer. Ainda ouvi a sua risada depois que fechei o portão.

Entrei na sala e vi uma janela enorme que dava pra ver a varanda, tremi só de pensar se o pai do Edu tivesse visto alguma coisa.



O Edu sempre diz que tá cansado, mas só dorme depois de três, quatro da manhã. Fica no computador, baixando filmes, no msn, o diabo. Eu geralmente nem ligo, porque o meu sono é de pedra. Levo trinta segundos até o sono REM. Nessa noite, porém, me remexi mais um pouco, por conta dos últimos acontecimentos. Digamos, uns três minutos.

Eu nem sei exatamente porque é que deu na minha cabeça de fazer aquilo. O pior é que nem agora eu tava achando nada demais, um selinho, de brincadeira. O Jimmy tem essa característica impressionante: eu me sinto muito à vontade.

À vontade. Essa é a palavra que definiria como eu me sinto quando estou ao lado dele.

Quando a gente conversa, não tem essa de eu ficar medindo as palavras, ou atitudes. Não tem represália, nem julgamento de valor. Se no meio do papo eu decido pegar no braço dele, ou passar os dedos pelo seu cabelo moicano, ele gosta, ou simplesmente ri e retribui o carinho. Não existe aquela necessidade murilística de se afirmar. Não existe um carinho descuidado e logo depois um "olha, mas eu gosto é de buceta". Além disso, as nossas conversas vão longe, pra comentar sobre uma matéria que passou no Jornal Nacional a gente foi até o Egito Antigo. E tudo entremeado com piadas loucas, malucas, de rir até doer a barriga.

Por isso, eu nem fiquei preocupado de alguma consequência ruim daquela brincadeira, de perder a sua amizade, ou essas coisas, e achei até que ele gostou.

Bom, aí eu já não sei. Pode ser que eu também já esteja imaginando coisa, só porque o menino não me julgou.


29 de abril de 2008.

A reunião na terça foi ótima. Nunca mais tinha trocado ideia com a Valquíria, as revisões de projeto eram pouca coisa, e ainda teve projeto novo. Uma maravilha. Dinheiro que é bom...

- Valquíria, minha querida... quando eu vou ver a cor do seu dinheiro?

- Meu querido, só depende de você. Viu o e-mail que eu te mandei?

Ela tinha o dom de sempre estar com a razão. No fim do dia anterior, sabendo que já ia cobrá-la, a bandida puxou com o departamento financeiro as pendências para pagamento. Só não ligava porque ela era do bem, mesmo, e apesar de tudo estava me ajudando.

- Não vi...

- Aí, tá vendo? Vem me cobrar, e não lê os e-mails...

Ela falou já prendendo o sorriso, mas não teve jeito. Nós rimos.

- Sim, espertinha, me conte o que tinha nesse e-mail que tu deve ter acabado de mandar.

- Tem uma documentação ainda que precisa trazer pra colocar no processo de pagamento. E...

Aquela história ia longe, eu nem terminei de ouvir. Deixei ela falar toda empolgada e prosseguimos a reunião. Depois leria o e-mail e veria com o meu contador. Queria mesmo era almoçar. Fui procurar o Edu.

- E aí, véio? Bora comer?

- Claro, a gente tava só te esperando. Vai uma galera aí, a gente quer ir no espeto, pode ser?

- Pode, com certeza. Eu só tenho que estar aqui às três, marquei com a Valquíria pra concluirmos. Quem vai?

- Ah, o de sempre. O Diego, o Otávio, o Leandro, Bigorna, essa raça ruim aí.

- Hum – fingi que estava mexendo no celular pra disfarçar – o Jimmy até falou que poderia almoçar com a gente... e tudo. Ele... te ligou... alguma coisa?

- Rapaz, acabei de desligar o celular, tava aqui falando com ele. Tinha ligado mais cedo também, mas eu disse que não tinha nada certo e despachei.

- Ah... então tá.

- Mas posso ligar de novo. Quer chamar?



Passamos na casa do Jimmy antes de irmos no espeto, estacionei e o Edu chamou. O som estava muito alto, tocando I told you I was trouble, da Amy. Era o CD que eu tinha dado a ele.

Me perguntei se aquilo tinha sido de propósito.

Ele saiu novamente demonstrando um apuro no visual, tinha tomado banho e estava todo mauricinho. Estava vestindo a camisa que eu lhe dera semana passada.

Me perguntei se aquilo tinha sido de propósito.

Nos cumprimentamos e seguimos até o local, conversando amenidades. Ele perguntou:

- Cadê o Murilo? Não vai almoçar com a gente?

- O Murilo pediu folga hoje – o Edu respondeu – pra ficar em Salvador estudando. Só aparece aí amanhã.

Chegamos lá e o pessoal já estava, como era de se esperar. Tivemos que acoplar mais uma mesa, eu e o Jimmy sentamos lado a lado e o Edu do outro lado.

Era impressionante como eu estava completamente absorto na órbita daquele rapaz, e sentia que era recíproco também. Paralelo às conversas da mesa, nós sempre trocávamos algumas ideias, e a impressão é que estava 100% voltado pra mim. Mas poderia ser pelo fato de que ele só conhecia a mim e o Edu, que não parava do outro lado.

Ele me fitava, e eu ficava desconcertado.

Nossos joelhos se roçavam quase sempre, e aquilo me desconectava.

Mas eu senti um frêmito percorrer meu corpo realmente quando ele esticou o braço, repousando no encosto da minha cadeira e, sem que ninguém pudesse perceber, alisou o meu ombro por trás. Um movimento lento com os dedos, me fazendo carinho. Era um sinal claro de que aquelas coisas todas que estavam acontecendo não podiam ser entendidas de outra forma. E por isso eu tive o impulso de me afastar, ou até de levantar da cadeira. O medo de avançar se misturava à vontade de aproveitar o momento, experimentar aquela sensação tão nova e tão intensa.

Logo depois eu decidi ir contra o meu impulso natural e avançar. A minha mão esquerda foi ao encontro da mão dele, eu fingi coçar o ombro. Os nossos dedos se encontraram e ele retribuiu, entrelaçando. Durou muito pouco tempo, do contrário as outras pessoas perceberiam, mas o efeito que teve sobre o meu espírito foi alucinante.



- Pronto! – estacionei na porta da sua casa – o senhor está entregue.

Ele me fitou.

- Tem certeza de que não quer descer? Desce aí, Edu! Você disse que queria ver o serviço como ficou...

- Ah! Foi mesmo! – olhei pro Edu – deixa eu só dar uma olhada de como a minha antiga equipe resolveu o problema, vamo descer.

Descemos e adentramos a casa. Reconheci a sala em que eu e a Solange fizemos a entrevista há alguns meses, com a mãe dele. Reconheci também a velha, quando ela assomou na porta da cozinha, enxugando as mãos num pano de prato.

- Mãe, esses aqui são dois colegas meus, o Eduardo e o Gustavo. Essa aqui é a minha mãe, gente. Dona Ana.

- Tudo bem, meus filhos? – ela passou a mão na cabeça, arrancou um grampo de cabelo e colocou no lugar – Mas, Jefferson, como é que tu faz isso, meu filho? Eu toda desarrumada...

- Eles não vieram avaliar seu visual não, mãe, relaxa... – o Jimmy apontou pra mim – a senhora se lembra dele? O engenheiro daquela empresa que fez o serviço aí fora, do esgoto...

A mulher franziu o cenho, tentando lembrar.

- Eu vim aqui com uma colega, a Solange...

- Ah, sim! Tudo bem? Não lembro do seu rosto, mas eu lembro do dia.

- E aí, o Jimmy disse que a senhora não quis que eles consertassem?

- Ah, meu filho... a casa é alta mesmo, não tinha como os canos não ficarem expostos.

- Mas tinha como a gente...

- E também, olha só – abriu os braços mostrando a casa – você acha que ia melhorar alguma coisa?

O Jimmy corou, porque a casa era bem humilde. Era espaçosa, ampla, mas mostrava que era necessária uma manutenção. A sala tinha um sofá antigo, uma mesa de centro, um aparador, e tinha uma estante com vários objetos que denunciavam a antiguidade da decoração: uma vitrola, algumas enciclopédias. Na parede tinham dois retratos daqueles antigos, pintados à mão e emoldurados em forma quase circular, característicos das casas de interior antigamente. Na verdade, era uma típica casa de velho, por assim dizer.

Rimos, e sentamos no sofá dele, conversando algumas besteiras. Ele já tinha me falado que a mãe tinha idade avançada, então não estranhei. Mas não tinha quem dissesse que ela não era a sua avó.

- Gustavo, vem conhecer a casa.

- Sim, claro.

Levantei e o acompanhei, o Edu ficou conversando com a dona Ana. Ele me mostrou os outros cômodos.

- Ela te chamou de Jefferson.

- É, na verdade, Jimmy é o meu apelido. Uso mais, mas o meu nome mesmo é Jefferson.

- Ah...

- Vem ver aqui o quintal. O esgoto.

- Sim, claro.

Meu coração acelerou, enquanto eu percorria a cozinha até atingir a lateral da casa, nem sei porque. Acho que por conta dos olhares que ele me lançava, o jeito como ele passava a mão pelas minhas costas enquanto me mostrava a casa, sempre atencioso.

- A tubulação aérea. Gente... que horrível.

- Rsss. Não tem problema...

Trocamos algumas palavras só por falar, mas o diálogo mesmo acontecia pelos nossos olhares, pela nossa postura corporal. Eu estava completamente absorvido naquela atmosfera de sedução.

- Vocês têm uma área lateral boa, hein?

- E ainda tem o quintal aqui atrás.

- É?

- É.

- É mais reservado.

- Hum.

- Fica do outro lado. Quer ver?

- Sim.

Rodeamos a cozinha e ele passou a mão pelas minhas costas, para me trazer ao local. Sua mão continuou pousada na minha cintura, enquanto eu olhava a área sem enxergar nada, só tentando respirar e concatenar meus pensamentos.

- Uma área boa...

A gente se fitou.

- Não é?

Ele se aproximou mais. Estava cheiroso.

- Sim...

Rimos, mas um riso estranho, nervoso. Eu, imerso que estava naquele clima, passei o braço pelas suas costas. Sem desgrudarmos os olhos, e sem tirarmos o sorriso, nos aproximamos mais.

Não houve tempo para pensar em mais nada.

Ele alisou meu pescoço com a outra mão e carinhosamente me puxou para si, e eu obedeci caninamente.

Nossos narizes se roçaram, e eu fechei os olhos.

Senti a sua boca tocar a minha, enquanto nos abraçávamos de vez. Deixei que a sua língua me invadisse, abrindo a boca, percorrendo as suas costas com as minhas mãos. Foi um beijo entregado, nós estávamos ali, mas também em uma outra dimensão em que só havia nós dois.

Não foi nem curto, nem longo. Assim que abri os olhos, desatei a rir, e ele também.

- Doido...

Ele olhou em volta, num impulso de verificar se alguém tinha visto. Apontei para uma janela vizinha, de primeiro andar.

- Ó pra ali. Se alguém viu, se escandalizou. Rssss.

- Ih, será? Hahahaha...

Entramos na casa, e o Edu ainda estava no sofá conversando com a dona Ana. Passamos direto pro quarto, de onde não dava pra ser visto por quem estivesse na sala. Ele falou alto.

- Ah, separei aqui uns CD's pra você levar!

- Foi? Ah, eu quero ver!

Ele me agarrou de novo, dessa vez com um ímpeto maior. Eu devolvi com a mesma sofreguidão, queria experimentar mais daquele sabor novo. O sabor da sua saliva, dos seus lábios que agora eu mordia. Ouvia as vozes do Edu e da mãe dele:

"Ouvi hoje que vai ser o inverno menos frio de todos, passou na radio..."

"É, a cada ano piora o calor. Aquecimento global..."

"O que?"

Esse beijo foi mais longo, mais quente. Nos separamos e eu peguei os CD's que estavam na mão dele, e fui saindo. Estava trêmulo, minhas pernas bambas. Cheguei na porta e olhei pra ele, no mesmo lugar, com cara de pidão, e voltei, nos beijamos de novo.

Voltei pra a sala e falei com Edu:

- Umbora, Edu?

- Vamo sim – ele se levantou do sofá – a gente vai indo, dona Ana.

- E aí, olhou a casa? – a velha perguntou – o serviço tá direitinho?

Eu respondi:

- Ah, sim. Olhei. Bom, não é o ideal, mas, qualquer coisa, é só ligar, tá? A gente vai indo – me virei pro Jimmy que estava chegando na sala – Valeu, Jimmy.

- Valeu...

- Apareçam, viu, meninos! – a mãe dele gritava – vai desculpando a bagunça...

Quando estava entrando no carro, olhei para a janela do quarto dele, que estava aberta, e ele me olhava, assim como fez há uns meses, com a janela fechada.


...


https://youtu.be/-jzHwhWeWCI



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