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É incrível a transformação que se dá na cidade nessas épocas de festa.

Algo generalizado, que vai viralizando à medida que os dias passam, que o cenário toma forma, e que as pessoas vão se ajeitando. A mídia, bem verdade, contribui muito para isso, principalmente a televisão. Nos dias antecedentes, começam as perguntas "e aí, vai viajar, ou vai curtir?" "já viu a programação?", e por aí vai.

Começam as festas pré-festa, o comércio se organiza, as mulheres se ajeitam, quem não gosta programa viagens de fuga e por aí vai.

Apesar de estar alheio a todos os eventos pré-micaretescos, por conta do trabalho, na semana da festa eu fiquei particularmente envolvido. Estava terminando os detalhes da estrutura do camarote, em pleno circuito, o pessoal de Camaçari estava por vir, a tia Malu aportou por lá logo na quarta-feira, a Mirelle ligou avisando que chegaria na quinta e ia direto lá pra casa, enfim.


17 de abril de 2008

A confusão estava armada em casa.

Tia Malu, Mirelle, Clara, Adriana e a minha mãe, de touca na cabeça, se revezavam na cadeira da sala, uma fazendo a unha da outra. Mirelle fazia a customização das camisas do camarote (ela, o Maurício e a Clara compraram para dois dias, a quinta e a sexta) e a tia Malu tinha um jeito de fazer um acabamento no corte do pano com uma vela acesa. Depois começou a sessão de provas de roupas - é, ainda tinha a parte de baixo, com as opções do short, do shortinho, da saia, da saia-short, da minissaia - e aí vieram uma a uma no desfile enquanto as outras faziam a crítica.

- A bunda ficou derramada, Clara, bota aquele outro!

- Tu não tem cu, mãe, tem que usar uma coisa mais folgada...

- Ah, esse short ficou per-fei-to, Drica!

- Tá parecendo uma puta...

- Tira esse short que tá partindo o xibiu!

A tia Malu encrencou com a Mirelle, que escolheu uma saia minúscula. Então foi a noite toda enquanto se arrumava ouvindo "tu agora é uma mulher casada, Mirelle", "olha isso, gente, tá mostrando a polpa da bunda", "menina, tu vai levar tanta dedada no meio da rua", e a Mi respondia: "mãe, vai encher o saco do cão!"

A Drica se mostrava meio nervosa enquanto, sentada, esperava a minha mãe terminar o seu cabelo. Via a sua luta interna para deixar o medo e curtir a animação.

Quando todo mundo estava arrumado, saí do msn e peguei a minha toalha. Dez minutos depois joguei a minha camisa e tava pronto.

Ah, como é bom ser homem.



- Gente, esse camarote é tudo e nada! Tudo de bom e nada de ruim! Olha isso!

A Mirelle estava abismada com o luxo do negócio. Eu, como já tinha visto antes, não me surpreendi, mas a Drica e a Clara também ficaram espantadas. Eram aproximadamente duzentos metros quadrados de vários ambientes, boate, sala de massagens, buffet, cabeleireiro, tinha até uma cartomante que te dizia se você ia se armar ou não na festa. Garçons passeavam aos montes com todo tipo de iguaria, tudo feito na hora.

- Gente, como vocês são pobres... Eu já tô acostumado com isso, então...

Nem terminei de falar, a Mirelle me deu um tapa.

- Volta pra o cu, bosta! Te conheço, não é de hoje! Todo mundo pobre aqui...

- Bora ficar aqui, ó - a Clara estava nos empurrando - já percebi que os garçons tudo passa por cá.

- Morta de fome!

- Clara - eu adiantei - e meia noite vai sair um jantar super bombado...

- Eita caralho! Não vou fazer mais nada aqui, só comer!

- Não vai aguentar nem pular!

A Mirelle observava a rua de cima.

- Gente, olha o bloco delas! Vem ver, procura aí!!

A minha mãe ganhou duas camisas de um bloco alternativo e saiu com a tia Malu. Nos posicionamos todos para procurá-las, porque elas nos fizeram jurar que íamos gritar pra elas e tirar fotos lá de cima.

- Achei! Lá! - a Mirelle encontrou - Tira foto, Clara!

As duas lá embaixo não sabiam se pulavam ou procuravam a gente lá em cima. Tava muito engraçado as nossas mães de abadás, bandanas, etc.

- Olha pra ali! Duas coroguetes! Haha!

- Olha pra cá, mãe! Olha pra cá, tia!

- Ó, a coxinha, gente. O garçom tá passando ali...

Todo mundo correu e deixou as duas acenando lá embaixo.



- Ai, gente, que bom, que mãe tá se divertindo... - a Mirelle falou, pensativa.

- Te falei, Mi! Fica preocupada, não! Tudo se ajeita.

- Que foi, Clara?

- A Mirelle desde que se casou tá nessa neura, de que a mãe vai ficar só, e tal...

- Ah, Mi...

- Mas, gente... como não se preocupar? Minha mãe precisa de cuidado, também. Me casei, saí de casa; a Clara já, já, sai também. Dani se casa em julho, com o Rafa. Sei lá...

- Ó, nem pensa em levar a tia Malu pra morar contigo e com o Maurício, não, viu? Pelo amor...

- Não, pô. Sei quem é a peça. Com dois meses voltamos as duas pra casa... Mas aí, eu fico pensando... Pra aonde ela vai? Se ficar só, ela vai ter depressão. Não se dá bem com as irmãs, nem nada. Não tem namorado. Gente... ela vai ter que morrer!

Todo mundo explodiu na risada.

- Que louca!

- Hahaha, mas não é verdade?

- Mas, Mi... foi por isso que tu tava com aquela cara na hora do casamento e ficou na dúvida, e tal?

Assim que abri a boca e fiz a pergunta infame, me arrependi. Por uma conspiração daquelas, a música abaixou, o povo em volta parou de falar, o Maurício chegou perto, ela arregalou o olho, ele ficou vermelho, a Clara se mandou e a Drica abaixou a cabeça.

Que vontade de morrer.



A sexta foi a mesma coisa, fomos para o camarote, mas de vez em quando descíamos pra a avenida. Sentia falta de pular atrás do trio, não curti muito aquela de ficar olhando eles passarem.



No sábado de manhã o meu cadista preferido chegou lá em casa. O Diego veio mais cedo que os outros, porque tínhamos que terminar um projeto. A diretora administrativa da empresa de Camaçari tinha me contratado para fazer a casa dela, pois estava querendo se casar, e tal. O Diego, como sempre, nesses casos fazia o 3D, então reservamos a tarde de sábado para isto. Ou, tentamos.

- Gente, quem é esse DEUS?

- Olha o tamanho do braço do homem...

- E o bocão? Misericórdia...

Estavam: Clara, Drica, minha mãe, minha tia e uma vizinha, todas do quintal observando o Diego trabalhar na sala. Cheguei junto.

- Pshhhhh! O que é isso aí? Gente, que galinhagem! Eu tô ouvindo o quiquiqui de vocês lá da sala!

- Ai, Gu, mas você também provoca, né? - Clara não se intimidou - gente, eu conheci ele lá em Camaçari, quando eu tava ficando com o Otávio... cara, ele é um tesão mesmo. E agora eu posso investir, né? Tô solteira...

- Baixa o fogo, Clara. E vocês também. Quero trabalhar!

Mas que ele era tudo aquilo, era mesmo. Ele tava com uma regata vermelha que ressaltava ainda mais os braços enormes, tatuados, e uma bermuda tipo surfista que ficou muito legal. Ainda por cima, cheiroso.



O Terminal Rodoviário de Feira de Santana fica na Avenida Presidente Dutra, uma das principais da cidade, ligando duas importantes rodovias federais, a BR-324 e a BR-116. Eu não sei o que deu na cabeça dos organizadores e dos prefeitos, mas, desde 2000 que o principal circuito da festa é justamente lá. O resultado é uma balbúrdia total nos dias que antecedem e sucedem a micareta, pois todo o tráfego é desviado pra fora da cidade para salvaguardar os dois quilômetros dos desfiles dos trios elétricos. Vale ressaltar que a cidade é o maior entroncamento rodoviário no norte e nordeste do país, então, não preciso nem dizer que, pra quem quer chegar, sair, ou simplesmente transitar nessa área deve se preparar espiritual, física, psicológica e emocionalmente para a batalha do engarrafamento.

Estava previsto pros meninos chegarem no fim da tarde, então nesse sábado nos arrumamos logo e fomos todo mundo direto pra a rodoviária. Depois de algo como quarenta minutos entre chegar e estacionar, descemos do carro, eu, o Diego, a Drica, a tia Malu e a minha mãe. Foi muito fácil encontrá-los até, porque chegaram antes da gente. O Diego avistou primeiro.

- Meus bróder!!!

- E aeeee!!!!

Gritaria total, todo mundo se abraçando.

- Gente, foi mal a demora! - falei - é que pra chegar aqui, tá um horror!

- É, a gente tá vendo - disse o Murilo, me abraçando - mas aqui não tá ruim, não, viu? A rodoviária virou praticamente um camarote, olha só...

Passava um trio na hora e todo mundo riu. De fato, o terminal ficava dentro do circuito e as pessoas se acotovelavam na área de desembarque, pois ficava elevada em relação à rua. Por isso aquele setor era conhecido como o camarote popular.

O Edu foi se adiantando nas apresentações.

- A senhora deve ser a mãe do Gustavo, né? - disse ele em direção à minha mãe e ela confirmou com a cabeça - só podia, né? É a cara...

- Tudo bom? Estela.

- Eduardo.

- Bom, gente, vamos lá - intervi - esse aqui é o Eduardo... Edu! Essa aqui é minha irmã, Adriana, minha tia Malu... esse é o Murilo... e... esse... bom...

- Esse eu apresento! - disse o Edu, puxando o colega - esse aqui é o Jimmy, colega meu lá da faculdade. Jimmy, esse é o Gustavo, essa é a Dona Estela, Adriana... né? E dona Malu! Pronto. Todo mundo apresentado.

Apertamos as mãos. O colega do Edu era um pouco mais alto que eu, usava um cabelo moicano, estava de bermuda e camiseta, assim como todos nós, na verdade. Olhei pro Murilo, ele tinha passado algo no cabelo pra ficar hidratado, fiquei com vontade de pegar. No cabelo.

- Jimmy, você tem que apertar a mão, conversar, puxar o saco é dela aqui, ó! - o Edu fazendo palhaçada como sempre, apontando pra a minha mãe - porque a gente vai ficar é lá na casa dela! É ela que vai arrumar a nossa cama, fazer nossa comida...

A galera riu. Minha mãe respondeu:

- Ah, meu filho... se você estiver esperando por isso, é melhor aproveitar e voltar logo daqui da rodoviária mesmo, viu? - todo mundo riu de novo - a casa tá lá, agora, é cada um por si! Eu tô aqui pra me divertir!

- Gente, vamo embora? - falei - a gente vai andando mesmo até onde os outros estão...

- Gu, a gente tem que ver onde tá o nosso bloco viu? - a tia Malu lembrou.

- Claro, tia, vamo sim.

Fomos andando e o Murilo veio até mim, passando o braço pelo meu ombro. Cochichou no meu ouvido:

- As véa saindo em bloco, hein? Porra, tão melhor do que a gente...

- Hahaha, tá pensando? As coroguete são top, meu filho - respondi e rimos, passei o braço por ele também.

A minha mãe me observava. Falou pro Edu:

- Vocês eram todos colegas lá em Camaçari?

- Sim, sim, trabalhávamos lá na mesma empresa - o Edu explicou - mas, olhe, deixa eu explicar: esse rapaz aí que está com o seu filho, o Murilo, é o namorado dele, na verdade. Então, ele no caso é o seu genro.

Me virei e olhei pra a minha mãe. O sangue tinha fugido completamente do rosto dela, que não conseguiu esconder o assombro diante da brincadeira. Eu não preciso nem dizer que fiquei, pra dizer o mínimo, sem ar.

- É bom esclarecer logo, né, gente? - o Edu ria, nem tinha percebido que havia tocado num assunto espinhoso da agenda oculta lá de casa.

- É brincadeira, dele, viu, mãe? - me desprendi rapidamente do abraço do Murilo, não sabia onde colocar as mãos - esse é o Edu. Ele é isso aí. Eu não tinha falado.

- Ah... tá. Eu, hein! - a minha mãe suspirou, e eu, morto de vergonha.

Disparei na frente, onde andavam a Drica, a tia Malu e o colega do Edu.



Assim que deixamos as coroas no bloco, fomos em direção à área do circuito onde iríamos encontrar o resto do pessoal, os barracões universitários. O Daniel, junto com o Yuri e o Rafa, estavam nos esperando no barracão de Direito, e a Rose estava com algumas primas piriguetes no de Engenharia, então, passamos lá primeiro para pegá-la.

De novo aquela rodada de apresentações, agora um pouco pior, com mais gente, mais barulho, mais confusão. Eu sempre de olho na Drica, apesar de ela aparentar animação e tranquilidade. Percebi os meninos ouriçados com a Rose, aliás, não. Minto. Ouriçados com qualquer coisa que se mexesse diante deles naquele momento.



- Ai, tô morrendo de vontade de mijar, bora ali - a Rose me puxou e eu puxei a Drica.

Rodamos alguns quarteirões e nada de banheiro, então, a Rose decidiu se agachar entre dois carros e fazer xixi ali mesmo. Era uma dama.

- Menino, ai, que delícia... eu tava com a bexiga cheia. Pronto. Me ajuda aqui, Drica, me puxa, eu tô bêbada. Ai... meu... Deus. Meu. Deus. Mijei na minha perna. Que merda.

- Ai, que desgraça, Rose. Tu já tá bêbada uma hora dessa? O que é que eu vou fazer contigo agora? Vou te largar aí na calçada, no fim da noite eu te busco.

- Pera, eu tô boa.

- Jesus, tá mijada! - a Drica ria.

- Levantei. Ai, pronto! Tô cem por cento, Gu! Bora voltar. Menino, quem é aquele gato? Como é o nome dele mesmo?

- Diego - eu já tava acostumado, nem tentei os outros nomes.

- Isso, o bombadão, né? - ela tropeçou e eu aparei - Gente, eu quero ele.

- Gente, e o Dan? Tu vai pegar o cara na frente do Dan? Quer dizer... porque tu não pega o Dan?

- Ai, Gu, eu quero beijar na bocaaa! E se ele não tiver afim, e ficar naquela moleza dele? Não, amigo eu vou correr por fora também! Quem tem dois tem um!

- Então, tá. Olha quem vem ali!

O Yuri passou por nós e parou.

- Brother, onde tem banheiro por aqui, hein?

A Rose se adiantou em responder:

- Olha, é longe, viu! Eu só fui até lá porque eu sou mulher, mas você... Pega qualquer cantinho desse aí, menino!

- Verdade...

Olhei pra a Drica e ela riu da mentira da Rose. Cochichou no meu ouvido:

- Gu, a Rose tá bebinha, rss. Ela tá querendo mesmo pegar alguém assim?

Quando eu ia responder, algo me fez virar o rosto. O Yuri e a Rose estavam se beijando. Na verdade, se agarrando, encostados numa van. Olhei pra a Drica e arregalamos os olhos, rindo.

- Bora comprar umas bebidas pra a gente, Drica, que a Rose já resolveu o problema dela.

Peguei uma latinha e dei um refrigerante pra a Drica, logo depois a Rose apareceu com a cara mais lisa e voltamos pra o lugar onde o pessoal estava.



- Não podemos nem criticar a Rose, Drica. Ó pra ali.

- É verdade. Putaria, né, Gu? A gente é que é estranho.

Era aquela balbúrdia típica de carnaval. Os caras faziam (meio que) um corredor, e quando as meninas passavam, eram (meio que) obrigadas a beijar. Elas ficavam (meio que) bravas e (meio que) satisfeitas.

Onde a gente tava, no barracão de Direito, a pegação rolava solta mesmo. Quem liderava a caça, do nosso grupo, era o Rafa (o peladão da república), o Yuri, e o Diego, sempre prontos pra atacar. O Daniel, o Edu e o Murilo não estavam tão focados, então formamos uma rodinha e ficamos conversando. O Jimmy oscilava, entre a conversa, a paquera e a dança.

- Gente, o que é aquilo que o Rafa tá querendo pegar? - chamei a atenção dos outros. É mulher?

- Hahaha, tenho minhas dúvidas, Gustavinho, tenho minhas dúvidas - disse o Murilo, rindo, com uma lata na mão e com o outro braço passando por mim. Ele estava de fato muito carinhoso naquele dia.

- Quem, gente? Xô ver! - a Rose se acotovelou pra ver a cena.

- Aquela ali, Rose. Tá vendo não? A criatura com aquela franja alisada que vai até depois do nariz, ó...

- ...e completando o penteado com uns trezentos grampos coloridos - o Daniel me completou.

- A de frente única?? - a Rose identificou.

- É... destacando as vinte e quatro costelas... - o Murilo observou.

- ...e um shortinho que delineia a bunda ausente. Observe - o Edu apontava, sério.

- Cu de gia, o nome disso!

- Kkkkk! Gente! Coitada da bichinha!!! Vocês não prestam!

Ficamos ali, observando, enquanto o Yuri agarrava a criatura, que ainda por cima calçava uma conga, chupava seus beiços até quase fazê-la desfalecer; soltá-la, ela andar por alguns metros, esbarrar com o Jimmy, e... se atracarem.

- Não acredito! Olha aquilo ali!!

- Gente, que putaria...

A zoação foi geral quando os meninos viram. Deram tapa na cabeça do coitado, diziam que ele tinha catado o bagaço do Yuri, que tinha pegado a baba da boca da menina. Eles eram terríveis.



- Gente, esse povo não presta... - eu me virei pro Murilo, rindo.

- Oi?!!

- Esse povo não prestaa!!

- O trio tá passando! Ah, aqui não dá pra ouvir não, véi! - ele me puxou pela cintura e eu gritei no ouvido dele - aai, porra!

- Você que pediu pra gritar! Hahaha! Uaai! Não acredito! Amo essa música! Pera!

A banda começou a tocar uma música que eu simplesmente amo. Saí correndo do barracão pra ir pro meio do povo.


https://youtu.be/EZ-d9O1CDhI


Dei uma olhada antes pra ver o pessoal, tava todo mundo entrosado lá, a Drica com a Rose. Me embrenhei na galera e colei na corda do bloco com a minha latinha na mão.

Como é uma música muito conhecida, a galera se exaltou e eu fui no meio. Pra mim que sou anão, era difícil, mas eu não ligava de ir sendo levado pela correnteza.

Enquanto cantava, me lembrei há quanto tempo não me deixava levar por alegria em estado puro. Das poucas vezes em que havia saído nos últimos meses, era sempre preocupado com o horário, com o clima em casa, com as contas, com o trabalho. Por conta disso, deixei sentir que a música reverberasse no meu peito, fazendo-o sentir o impacto físico do som. Era ensurdecedor e era bom. Joguei as mãos pra cima e fui gingando.

Uma moça gritava ao meu lado, eu ri e dançamos juntos, ensaiando uns passinhos combinados. Outro rapaz gostou da ideia e se juntou, passinho pra lá, pra lá, pra cá e pra cá de novo. Rimos. Aquilo era carnaval, era assim.

Senti um tapa nas minhas costas e por impulso olhei pra trás. Não tinha percebido que o Murilo estava atrás, tentando me alcançar. Me virei e ele gritou algo que eu não entendi, só pude perceber que ele estava agoniado. Parei e esperei ele vir até mim.

- Caralho! Tá maluco!

- Que foi porra!

- Sair assim?

- Oi?

- Sair assim! Porque não me chamou?

- Oi?

- Vamo sair daqui!

- Nãaaoooo!

Saí na frente e o puxei pela mão, com a outra eu segurava a latinha e balançava. Estava alegre, e já bêbado também. A multidão nos soltou um do outro, e me virei e ele gritou novamente.

- Gustavo, vamo voltar!! Bora! Vem pra cá!

- Não!!!

- Tá cheio demais velho!!

- E fico assim o tempo todo a te esperar!! Até que um dia você possa se tocaar!!

Me virei pra a frente novamente, cantando o resto da música:

- E vir correndo me tirar da solidão! E só assim conquistarei seu coração!

Automaticamente pensei: "Merda! Agora ele vai ficar pensando que eu cantei pra ele. Eu não cantei pra ele. Cantei? Não. Acho que não."

Senti a sua mão me puxar violentamente pra trás e o seu outro braço passar pela minha cintura, me agarrando. Ele falou no meu ouvido:

- Cê quer morrer né velho? Não tá vendo como tá cheio aqui não? Se lembra da outra vez?

- Hahaha lembro!

- Vem pra cá!

Ele me colocou na frente e foi me levando pra dentro do barracão, mas em outro ponto. Encostamos num freezer e esperamos o trio passar, realmente o bloco era muito grande e o aperto estava insuportável.

Rolou uma briga perto de nós e o empurra-empurra começou. Por impulso, ele me abraçou por trás com uma mão e com a outra tentava nos desvencilhar das pessoas. Pouco a pouco, a confusão foi diminuindo.

O curioso é que, depois de toda a multidão se dispersar, continuávamos abraçados. Verdade que o barracão continuava cheio, mas acho que dava pra se soltar, sim. Ele pousava a mão em minha barriga, com a outra segurava a latinha, e eu, inerte, sem saber se me soltava dele aos poucos ou de vez, ou, se queria me soltar. Só bebia, mais e mais.

Passei tanto tempo sabotando o Murilo da minha mente, afastando quaisquer fagulha de pensamento assim que ela surgia na cabeça, que me surpreendi naquele momento com a sensação deliciosa de tê-lo ali, com o corpo tão perto do meu quanto possível. Abraçados, curtindo? Sim! Silenciamos, só observando a travessia das pessoas à nossa volta. Decidi que iria ficar ali e aproveitar. No minuto seguinte começaria a sabotar novamente, mas ali, naquela hora, ia aproveitar.

Só fiquei na dúvida de qual seria o motivo de ele ter ficado inerte também. O meu, eu já sabia.

Meu coração acelerou.

Ele começou a alisar a minha barriga, levemente, aos poucos, enquanto bebia. E quando eu pensei que ele finalmente se soltaria, eis que ele, com essa mesma mão, me puxa mais pra si. Gelei e fiquei com medo de ele sentir os meus batimentos, me denunciando.

Só que ele que foi denunciado.

Estávamos tão próximos que inevitavelmente senti o seu volume atrás de mim. Corei só de pensar que não era o celular, ou a carteira, ou qualquer outro objeto, mas, o pinto dele mesmo. Natural devido à proximidade, mas estranho por conta da nossa relação de amizade.

Tomei uma atitude ousada e, morrendo de medo, pousei a minha mão sobre a sua e comecei a alisar. O álcool contribuiu para a iniciativa, é claro. A resposta que eu obtive foi inusitada: ele apertou a minha mão, suspirou. E o volume dele começou a crescer.

Enchi o peito de ar, não querendo fazer qualquer movimento. Entrelacei a minha mão na sua, e ele deliberadamente roçou em mim, e eu sentia o seu órgão latejar. Eram pulsos que me cutucavam, cada vez mais forte, eu de fato perdi o ar. Mas fiquei.

Ele jogou a lata no chão e me abraçou de vez, com as duas mãos segurou as minhas. Se existia alguma dúvida do que era aquilo, nesse momento se dissipou, pois ele encostou no freezer atrás de si, se abaixou um pouco, abrindo as pernas, e me encaixou entre elas. Agora senti tudo de forma muito clara, era impossível não perceber que ele estava muito excitado. Ele empurrava lentamente, ao tempo em que me trazia pra trás, e roçava descaradamente na minha bunda, e eu correspondi, me jogando pra trás. Já estava excitado também. Ele empurrava, e soltava.

- Tem cerveja ainda aí? - ouvi a sua voz rouca de tesão no meu ouvido.

- Tem, sim. Quer? - coloquei a latinha na sua boca e ele bebeu. Nos fitamos, e a partir dali, seria a primeira vez que nos olharíamos depois de algo tão ousado. Tentei ao máximo fingir naturalidade, e acho que consegui. Ele disse:

- Vamo ver se já dá pra encontrar o pessoal, né?

- É.

Me soltei dele e instintivamente olhei pro seu short. A barraca estava armada, de fato (como se carecesse de confirmação). Voltei os olhos pra ele e ele me abraçou, agora de frente, porém com a mesma ousadia de antes. Me levantou, agarrou os meus quadris e os fez roçar o seu sexo novamente. Cheirou o meu pescoço.

Virei pro lado ainda rindo e olhei uma Rose estupefata, nos observando. Ela estava de queixo caído.



Por um impulso, me soltei do Murilo e fui até onde ela estava.

- Rose! E aí? - a minha cara era típica daquelas pessoas que são pegas com a boca na botija.

- E aí o que? Cadê tu? - ela estava com a Drica.

- Ah, fui atrás do trio e... daí começou a apertar.

- E porque tu ficou aqui longe?

- A gente tava esperando folgar mais...

Olhamos em volta e estava super, super folgado. Ela me olhou. O Murilo já tinha vazado pra perto dos outros.

- Eu tava indo com a Drica mijar. Mas eu realmente não entendi nada por que você...

- E aí, povo? Se esconderam aqui?

O Diego surgiu entre a gente e pegou na cintura da Rose de um jeito que ela perdeu completamente o raciocínio. Dei graças a Deus, porque não sabia o que dizer naquela sabatina. Ela respondeu, abestalhada:

- Ah... a gente tava indo fazer xixi...

- Ah, beleza! Eu também! Bora lá!

Ela me puxou pelo braço e fomos andando os quatro, até o banheiro químico. Dessa vez a Rose ia ter que ir até lá mesmo.

- Quero ele quero quero quero!

- Pega, porra. Agora é a hora - incentivei.

- Mas tem que ser na cocó, porque eu já peguei o outro, e eu não quero que o Daniel veja.

- Então. Encosta ele num beco desse aí, ó!

- Tá doido? Não sou piriguete.

Quando chegamos no local, eu me enfiei numa cabine e quando saí, eles já estavam se agarrando, num cantinho próximo. Aguardei a Drica sair e saímos, deixando-os lá.



- Porra cadê vocês, véi? - o Daniel me abraçou.

- Aff, nem fala. Andei duas légua atrás de banheiro agora com a Rose.

- E cadê ela?

Olhei pra ele, sem saber o que dizer.

- Ah... é isso. A gente se perdeu, não sei também se ela tava dentro da cabine ainda quando eu saí. Será que ela tava cagando?

- Kkkkkkk! Maluco! - ele me abraçou - pô, véi, não some não, caralho!

- Tô aqui, porra!

- Olha só, se ligue que a sensação da Micareta 2008 é essa dancinha aqui desse rapaz aqui vindo diretamente de Camaçari...

- Quem, gente?

O Daniel me apontou o colega do Edu, o Jimmy, dançando com o Rafa e o Yuri, e o pessoal em volta rindo muito. Ele de fato dançava muito engraçado, gingando com os braços e jogando o corpo pra frente e pra trás. Hilário.

- Os meninos tão ali querendo aprender com ele, hahaha - o Daniel ria alto.

- Achei massa, cara... vamo ver se a gente faz igual, Dan!

- Hahah, não, me deixe aqui! Kkk! Não tenho esse jogo corporal não...

A Rose chegou e encostou na gente. Saí de perto e deixei-a lá com o Daniel, fui aprender a dancinha. O Jimmy me pegou pela mão e fiquei do lado dele, tentando fazer igual. Rimos muito.

De vez em quando olhava pro Murilo, e ríamos uns risos bestas, e a Rose olhava desconfiada.



Enquanto tomava as minhas latinhas, pensava no que acabara de acontecer. Eu já tinha posto na minha cabeça que aquela história com o Murilo, com todas aquelas confusões, não passava de fumaça, que o que tinha ocorrido e que eu julgava uma possível reciprocidade era coisa da minha cabeça, criada pela minha carência e paixonite. Afinal de contas, o que se sobrepunha a tudo eram os fatos: ele não parava de comer geral, tinha a noivinha, e, depois da Noite Fatídica então, em que ele me deixou de pé pra fazer o meu carro de abatedouro, tinha ainda um amor surgido do nada pela estagiária vira-lata. Eram argumentos fortes contra as esperanças que eu acalentava.

É, tinha tudo isso. Mas agora tinha também um pau duro.

O dele, no caso. Depois de tudo aquilo, em que eu nem pensava mais em nada, ele me agarra e se excita em plena festa. Ali não tinha como eu dizer que era por outra coisa, simplesmente nos agarramos e vi sua excitação. Isso não queria dizer nada? Nossa, então, não sei. Fiquei confuso de novo. Tinha toda a história anterior, mas tinha também como argumento um pau duro. E um pau duro é um argumento e tanto.



Chegamos em casa por volta de quatro da manhã, a tia Malu e a minha mãe já dormiam no quarto. Resolvemos que o Edu, o Jimmy e o Murilo dormiriam lá em casa e o Diego na casa do Daniel, o Rafa e o Yuri ficavam na casa vizinha, da mãe de um deles.

A Drica logo se recolheu no quarto da minha mãe, e ficamos nós ainda jogando conversa fora no meu quarto. Como o talento pra falar besteira era muito grande, não faltava papo. Enquanto isso, eu tentava arrumar o circo pra a dormida.

- Ó, toma aí, esse lençol pra tu, esse pra tu. Forra com esse. Tem esse colchão ainda pra botar aqui do lado, ó.

Os três colchões ficariam no chão e ainda tinha a minha cama.

- Se alguém tiver problema em dormir no chão, pode dormir na cama que eu não ligo.

- Que nada! Relax, tá de boa - o Edu assegurou.

O Murilo estava sentado na minha cama conversando com o Jimmy que estava sentado no chão. Desabei na cama e fiquei olhando eles conversarem, tomando coragem pra tomar banho. O Edu pegou a toalha e foi logo.

- Ó, gente, tem outro banheiro lá atrás, no fundo. Se não quiserem ficar esperando o Edu terminar.

- Ah, relaxa. Nem sei se eu vou tomar banho... hahahaha! - o Murilo respondeu, jogando o corpo em cima de mim.

- Kkk, vai, porco! - ri, e ele voltou a sentar-se na beira da cama. Mas ficamos com as mãos entrelaçadas. O Jimmy olhou, estranhando.

Enquanto conversávamos os três, ficamos assim, até que eu soltei e fiquei alisando a sua coxa. Ele, em retribuição, alisava o meu pé. Aquele carinho descarado era na cara do colega do Edu mesmo, mas eu nem liguei muito, porque estava bêbado e porque eu nem conhecia ele direito também. De novo, decidi aproveitar.

O Edu entrou no quarto e o Murilo saiu, dizendo que ia mijar. Eu o Jimmy nos levantamos também, ele pra tomar banho, e eu pra catar algo na cozinha. Depois fui pra a sala, deitei num colchão que ficava lá e liguei a tevê. O Murilo apareceu e deitou do lado.

- Tá passando o que aí?

- AAaai!

- Que foi?

- Tu botou tua cabeça em cima do meu braço.

- Eta, e doeu, por acaso?

- Não. Fez cosca.

- kkkk! Cosca. Sabe nem falar.

- Eu sei que é có-ce-ga, tá? Mas eu falo cosca que é mais prático...

- Hahaha, tá bom. E tu sente cócega no braço? Nunca vi isso.

- Ah, meu filho, eu sinto cosca até no dedo mindinho. Às vezes eu sinto até quando uma pessoa tá muito perto e eu fico com medo dela se bater em mim. É horrível.

- Êta porra. Né possível.

A cara dele estava indiscutivelmente querendo me zoar e eu percebi.

- Murilo. Pare. Pare.

Não adiantou. Ele veio pra cima de mim e ficou me fazendo cócegas, eu me debati enlouquecido.

- Páaara Murilo! Pelo amor de Deus! Páaara! O povo vai acordar! Kkk!

O Jimmy entrou, estacou e saiu da sala, constrangido. Ele me soltou, rindo.

- Sem graça! Ai... cansei. Porra.

- Você que é doido. Eu não sinto cócega assim não, cara.

- Eu sou cosquento. Mas tu não sente em lugar nenhum? Xô ver - afundei o dedo na lateral da sua barriga e ele deu um salto - ahhhh!! Safado! Sente também, né?

Ele segurou as minhas mãos, rindo.

- Calma! Não faz isso! Pera! Kkk!

- Pera um caralho! Na minha vez você não perdoou!

- Pera. Pera porra. Aí, ó. No sovaco eu não sinto - levantou o braço - faz aí.

Cocei o dedo no sovaco dele, ele nem se mexeu.

- E aqui? - fui descendo lentamente até a barriga, e ele se contorceu.

- Ah, pô, mas assim do jeito que você faz, eu sinto. Deixa eu fazer em você.

- Não. De novo não. Para.

- Pera, pô. Eu vou fazer devagarinho. Pra ver se você não sente.

Ficávamos nos olhando enquanto ele passeava pelo meu corpo, com um dedo apenas, levemente. De fato senti menos, mas mesmo assim me debati um pouco. Sussurrei no ouvido dele:

- Ai, não tem jeito, não, Lilo. Sinto mesmo...

Ele chegou-se mais perto e sussurrou:

- Você tá todo arrepiado.

Do quarto ouvi o barulho dos meninos conversando.

- É. Normal.

Nos afastamos.

- Que é que tá passando aí?

- Não sei. Deve ser algum filme.

- Aumenta aí um pouquinho.

Ele levantou, apagou a luz da sala e deitou de novo ao meu lado. Passou a perna sobre mim e jogou o braço pra eu apoiar a minha cabeça. Eu olhava pra a tela da tevê, e poderia estar passando o casamento de Osama Bin Laden com George Bush, eu não estava prestando atenção. Imergi naquele momento que, de novo, me pegou. A perna dele subiu até a minha barriga, e eu passei meu braço e fiquei lhe fazendo cafuné enquanto "assistíamos".

Me virei pra ele e o olhei, ele me retribuiu o olhar. Nunca tínhamos tido um momento, uma conexão daquelas em nenhuma ocasião, pois antes, estávamos preocupados com as aparências. Eu sentia sua respiração forte, a temperatura da sua perna sobre mim, e mais, a vontade recíproca de avançarmos para algo além.

Suspirei. Ele fechou a mão no meu quadril, apertando-o e eu enfiei os dedos no seu cabelo.

Foi quando ouvi a voz da minha tia irromper na sala, histérica.

-LUIZ Gustavo!!


...

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