18
"Ó, na quinta-feira logo é bom comprarmos as coisas, porque lá é difícil de encontrar."
"Quem vai pegar o Daniel?"
"A gente sai que horas na sexta?"
"Eu vi na internet que vai fazer sol o fim de semana todo, vai ser massa"
"Tem uma moça lá que faz a faxina o que você acha?"
"A gente contrata pra ela fazer na quinta e depois na segunda"
"Por que aí a gente não se estressa com isso"
"Dá não sei quanto pra cada"
"Seis horas saindo daqui tá bom, né?"
Ele. Não. Parava. De falar. Nesse. Feriado.
- A gente resolve, o que você achar melhor, tá?
Ligamos para o Di e a Suzi e eles adoraram a ideia. Como eu havia decidido ir, a gente começou a conversar e planejar algumas coisas, e acabou que ele perdeu o horário do ônibus da faculdade, mas, ele não estava mesmo muito afim de ir. Saímos pra tomar uma cerveja.
Ele, empolgadíssimo, me contava todos os lugares que poderíamos visitar em Sítio do Conde: a praia da Siribinha, o Cavalo Russo, se desse até em Mangue Seco, quem sabe.
Eu, que havia saído de Feira naquela segunda resolvido a colocar as coisas nos seus devidos lugares, cheguei no fim do dia com este plano fracassado: iríamos passar o feriadão juntos. Minha cabeça não parava de ponderar prós e contras dessa proximidade. Ele nem cogitou levar a noiva. Ele me chamou. Mas ele é só um amigo.
Bom, eu, quando lembrava da situação, procurava me reservar um pouco, entoando meus mantras anti-fudição: Ele é hétero. É só um amigo. Gosta de mim como amigo.
- Eu sei que você não tá curtindo ainda, mas você vai ver como é bonito lá.
- Quem disse que eu não tou curtindo? – retruquei, tomando um gole.
- Talvez porque seja EUU que estou chamando, né? Tive que adular, insistir...
Olhei pro céu e levantei as mãos.
- Ai, Deus, porque me abandonaste? O que eu fiz, Pai?
- Pode sacanear...
- Eu, hein? Tou aqui tomando essa cerveja, planejando a viagem... O que foi que eu fiz?
- Tá com essa cara aí...
Aquele bico que ele faz. Aquela levantada de sobrancelha. Aquela abaixada de cabeça. Cara de carente.
Suspirei.
- Desculpa, eu tô só cansado. E preocupado com algumas coisas aí.
- Que coisas? Tá cansado porquê?
- Minha mãe tava internada esse findi, fiquei lá acompanhando. Não descansei direito. Trabalhei o sábado todinho também.
- Ufa!
- Pois é...
E pensei em você, seu merda...
- E sua mãe já saiu?
- Sai amanhã, se tudo der certo.
- E você tá preocupado com isso, né?
- Também.
Estava imaginando na verdade ligar e dizer que não ia passar o feriadão com o povo lá de casa. Minha mãe, quando está em crise, fica numa depressão terrível, minha irmã Drica segurando as pontas. Além disso, elas deviam estar numa expectativa de passearmos pra algum lugar, pra "inaugurar" o carro. Enfim, estava me ocupando do meu passatempo predileto: me sentir culpado em relação à minha família.
- Relaxa, ela vai ficar bem. E você também precisa descansar.
- Valeu.
- Você resolveu aquela situação lá com a Valquíria?
Eu tinha me metido numa confusão lá na empresa. Em uma das obras que eu fiscalizo, percebi, fazendo uns cálculos, que poderíamos enxugar algumas etapas do processo e com isso economizar algo em torno de cento e vinte mil reais. O problema é que seria necessário fazer a alteração no projeto e ainda suprimir estes itens do contrato da empreiteira, que, claro, se negou a fazer, alegando que eu estava atentando contra a segurança. Valquíria me chamou e eu a expliquei direitinho o que eu estava pensando, mas ela ficou insegura. Pra completar, a engenheira da empreiteira convocou a direção e disse que eu estava sendo irresponsável, e que eu era muito novo, e que mais um bocado de coisas.
- Ai, Murilo, nem fala nisso... tá uma merda aí com meu nome.
- Você sabe que o Miguel tá apoiando a construtora, né?
- É... eu imaginava... ele é muito conservador. E ele não ia mesmo me apoiar, ele acha que eu sou inexperiente... na verdade eu sou, mas... sou estudioso também.
- Experiência não é tudo, né?
- O pior não é isso. A direção acabou convocando um especialista pra resolver a quizila, e adivinha quem é esse cara? Meu professor da faculdade. Murilo, você não tem no-ção de como esse cara é ferino... Ele tem uma língua do cão!
- Qual é o seu medo?
- Bom, eu tô com todos os meus cálculos organizadinhos, eu tô... seguro... digamos. Mas... numa hipótese...
- ...de você estar errado..? seu medo é esse?
- Claro! Esse cara vai espalhar pro Brasil inteiro a merda! Tô fudido!
- Relaxa. Vai dar tudo certo.
- Precisa ver esse cara falando... "Não sei quem fez merda numa obra lá não sei aonde!" "Não sei onde fulano aprendeu tal coisa, lá na UEFS é que não foi!" "Incompetentee!" "Sicrano é burro!"
- Não tem segurança que resista, né?
- Rsss, não. Ele chega depois de amanhã, a diretora geral e Valquíria fizeram questão de participar da vistoria.
- Nem sei que te dizer. Não posso ajudar muito, só te oferecer o ombro.
- Valeu, Lilo.
Ele riu.
- Nunca mais tinha me chamado assim.
- Nunca mais? Acho que sexta...
- Foi? Hahaha, então... três dias.
- Hahaha...
Achei estranho o Murilo querer saber como estou e ainda prestar atenção na conversa, ele não é disso. O forte dele é querer ser cuidado, então geralmente ele nem percebia se você estivesse pra baixo ou algo assim.
Voltamos a conversar da viagem. Tentei mostrar uma animação.
- Vem cá, o seu carro pega MP3, né? Vamos gravar uns CD's pra a gente ir curtindo um som...
- Não, pô... eu tenho um case cheinho de CD ali... Vanessa da Matta, Tom Jobim... Caetano, Chico...
- Ave Mariaaa! – meteu o dedo na garganta – todo mundo vai cochilar no carro, vai acontecer um acidente!
Ele que ia dirigir. Já tinha inclusive marcado os lugares: eu na frente, Daniel, Di e Suzi atrás.
- Som, porra. Tem que gravar um som bom! Do que é que você gosta mais?
Pisquei o olho pra ele e alisei a sua coxa.
- Hum.... do que eu gosto mais? Posso falar aqui..?
- Sai, porra! Kkkk! De música! Tava falando de música! Kkkk!
- Hahahaa... Ah, pô... Eu sou eclético. Do que combina com teu gosto assim, xô ver... Red Hot! Amo!
- Porraaa, aí, tá vendo? System Of a Down?
- Não!!! Barulho puro!
- Nada a ver! Vou te dar um CD que eu tenho pra você ver...
Bebemos e conversamos muito sobre música.
- O pessoal tá aí na república?
- Di deve estar, sim. Zóio, não sei.
- O bar vai fechar daqui a pouco.
Olhei pra ele.
- Lilo, você não quer dormir aí hoje não? A gente aproveitava e gravava logo esses CD's...
Ah, que merda. E a resolução do fim de semana, imbecil?
Ele parou, rodando o copo de cerveja pela mesa.
- É, pode ser. Não sei, não tenho roupa. Melhor não.
- Tranquilo.
Pedimos a conta. Ele me levou em casa de moto, pois eu tinha deixado o carro lá antes de irmos. Desci da moto e apertei sua mão.
- Valeu, véi. Inté amanhã... – ele olhava pra dentro da minha casa, procurando por algo - ...então.
- Valeu... que horas são?
Consultei o relógio do celular.
- Onze e quarenta.
- Hum...
Ficamos parados, eu olhando pra baixo e ele segurando o capacete. Depois ele acendeu um cigarro. Não sabia se ele estava reconsiderando silenciosamente a hipótese de dormir lá, mas o fato é que eu não ia chamá-lo novamente. Peguei o cigarro da mão dele e dei um trago.
- Você tem mídia de CD aí? – ele perguntou.
- Tenho, sim. A gente comprou um pacote pra deixar aí.
- Hum.
Dei o cigarro a ele. Ele terminou, jogou no chão e apagou com o pé, olhando pra mim.
- Então, deixa eu ir. Né?
Ainda olhava pra ele. Não disse nada.
- Vou lá. Pegar meu caminho.
Não desviamos o olhar um segundo.
Não era possível que aquilo fosse impressão minha.
- Cuidado aí na volta.
- Tá.
Ele deu a partida na moto, ainda olhando pra mim, e finalmente se foi. Encostei no portão e fiquei observando-o sumir até o final da rua. Devagar, hesitante, entrei, tranquei o portão e caminhei até a porta. Verifiquei se o carro estava fechado e encostei ali também.
Pensava eu que seria fácil determinar que não mais me permitiria me confundir com quaisquer atitudes do senhor Murilo. Ora, ora. Agora eu estava paralisado na minha varanda, com o olhar fixado no infinito, recapitulando toda a noite em busca de sinais de reciprocidade de algum sentimento, como se eu soubesse o que eu mesmo estava sentindo.
O telefone tocou. Murilo.
Meu coração veio até a boca, e esta respondeu abrindo um sorriso.
- Oi...
- Gustavo?
- Oi! E ai?
- Já tava dormindo?
- Não, seu maluco... Você acabou de sair, como pode? Rsss...
- Ô, você capota em menos de cinco segundos... hahahaa...
- Rsss.. nada disso... Não é bem assim...
- É sim...
- Né nada...
- Eu já dormi aí, esqueceu? Eu tô conversando, quando eu vejo... já eraaa!
- Uma vez só que aconteceu! Rancoroso...
- Tá bom...
Rimos, e rimos de novo, de nada.
- E você, já chegou em casa?
- Não, ainda não. Parei aqui no meio da rua.
- Ué? Pra fazer o que?
- Na verdade... eu tô te ligando é... pra te pedir o número do 0800 da empresa.
- Oi?
- É, o que a população liga pra reclamar e fazer sugestão...
- Ah... ah, eu não lembro de cabeça não... quer que eu pergunte ao Di?
- Não. Nãaao, pô, deixa pra lá. É que eu vi um problema aqui no caminho... e resolvi parar pra perguntar.
- Não é em obra minha não, né? Rsss, senão nem liga, a gente resolve rapidinho sem que ninguém saiba!
- Não, kkk. Acho que essa é do Miguel!
- Hahaha, então amanhã eu levo a equipe do BATV pra registrar!
- kkkkk! Tá bom, então...
- Então... tá.
Silêncio.
- Você tá aonde?
- Na varanda.
- Ah...
- Porquê?
- Tô ouvindo um barulho de grilo.
- Rssss, pois é... vou entrar, então.
- Vou pegar minha rota.
- Tá bom... Beijo...
- Abraço!
Desliguei com o sorriso ainda na cara. Deitei, sem nem me dar conta do quanto eu estava fodido.
No outro dia liguei para minha mãe, ela já estava em casa e parecia melhor – da dor. Os comentários pessimistas e depressivos saíam um após o outro, principalmente quando eu falei que viajaria no feriado com meus amigos. Fez algumas chantagens emocionais, insinuando que agora que eu estava de carro, ia sumir no mundo, e que elas não iriam nem ver o meu rastro... quem ia usufruir do carro seriam meus amigos, que é quem importavam... disse que eu nem tinha contado em levar a Drica, pelo menos, já que ela está velha e moribunda mesmo, pelo menos levasse a minha irmã... que ela ainda não estava boa ainda, o médico só liberou porque ela já estava há muito tempo lá, mas o que importa isso, não é verdade? Eu não queria saber mesmo...
Depois de trinta minutos finalizei a ligação, estressado.
Peguei o meu professor às oito e meia da quarta, na rodoviária de Camaçari. Paramos para tomar um café, e ele me pediu para detalhar o que estava ocorrendo. Eu havia passado a noite anterior refazendo meus cálculos, passei tudo a limpo pra entregar a ele. Depois que finalizei meus argumentos, ele me disse:
- É, tudo indica que a gente possa reduzir, sim. Mas, não esqueçamos que se trata de uma contenção de encosta, então, é bom ter cuidado. A Dra. Socorro também entrou em contato comigo, vamos ver.
Foi o suficiente para minha boca secar e minha barriga encolher todinha. A vagabunda correu atrás e entrou em contato com o cara para tentar convencê-lo!
Valquíria ligou e disse que estavam todos lá, esperando. A engenheira da empresa fez questão de buscar a diretora geral, a Gilda, para testemunhar qualquer eventual fracasso da minha hipótese.
No trajeto até a obra procurei conversar amenidades com o professor. Assim que chegamos, no entanto, ele não mais prestava atenção no que eu dizia: observava cada detalhe da contenção, calado. As pessoas vieram até nós, e fizeram os cumprimentos de praxe. Eu recuei um pouco, suando litros por baixo da farda. Bem feito pra mim. Podia ter apenas seguido o que me cabia e finalizar a obra sem querer inventar. Eu merecia o que estava por vir.
A engenheira da empresa, Dra. Socorro, se adiantou e começou a explicar. Ele a interrompeu com um gesto de mão e seguiu andando. Valquíria me deu um sorriso acalentador, como se falasse: "relaxa". Fiquei na minha.
- Sim, Dr. Roberval, como eu estava tentando lhe explicar, o motivo da discussão é...
- Não existe motivo para discussão, Dra. Socorro. Nenhum motivo para discussão. O negócio é óbvio e está na nossa frente. – abriu os braços, mostrando a obra.
Todo mundo se entreolhou.
- O Luiz Gustavo está certíssimo! Olha quanto desperdício se fizermos esta etapa! Não é nem um pingo necessário isso aqui!
- Mas estava previsto no projeto que...
- Espere que eu não terminei de falar. Que coisa! – ele a olhou de lado e se voltou para as pessoas – estava sim, previsto em projeto, mas este primeiro muro já é suficiente para conter tudo! Claro que sim! Minha filha – se virou para a engenheira – quantas obras dessa você já fez na vida? – ela fez menção de falar – nenhuma, pelo visto! Um projeto é um projeto, está no papel com as considerações. No campo, as coisas acontecem e você tem que se readaptar!
Ele tem o costume de falar sempre em alto tom, esbravejando, mesmo que não fosse o caso, o que dava mais ainda peso no que dizia. E nunca perdia o costume de ser tão categórico. Ela ainda tentava retrucar, cada vez mais encabulada.
- É que eu costumo seguir à risca os projetos que passam para serem executados, então...
- Sei, sei, sei bem esse seu papo. Se fosse pra mudar o projeto e colocar mais dinheiro no seu contrato, eu queria ver se você não aceitava rapidinho... – virou-se pra mim – Gustavo, meu querido, se não fosse a sua insegurança poderíamos até ter economizado aqui por baixo, uns quarenta mil ainda.. mas tudo bem, a Valquíria não ia deixar mesmo, né? É outra insegura. Eu entendo. O importante é que você viu a tempo e não ficou pensando somente em tocar a obra, você raciocinou. O problema dessa geração de engenheiros que temos por aí é justamente esse, esqueceram de estudar, são todos uns MERDAS, parecem jegues, que só vêem o que está na frente e não olham pro todo, só querem saber de...
E a sua língua não parou por mais uns vinte minutos. Eu comecei a ficar com pena da mulher, que estava para enfiar a cabeça numa vala que ali existia. Ela estava morta de vergonha, e eu costumo ficar penalizado e constrangido pela pessoa.
E me elogiou, dizendo que sabia que eu ia ser um bom profissional, porque eu era bom aluno, avisou à Gilda que se ela vacilasse ia me perder pro mercado... Avisou à Dra. Socorro que era para ela estudar os meus cálculos, e rever tudo, enfim...
Cheguei no galpão e contei tudo pro Edu e pro Murilo, a gente ficou trocando ideia, super animados. O professor passou o resto do dia visitando outras obras com a Valquíria, mas me avisou que iria dormir na cidade para ver outro cliente no dia seguinte. Marcamos uma cerveja para mais à noite.
E eu tomei essa cerveja com a sede do mundo, porque eu tava de alma lavada. O dia tinha sido perfeito pra mim, nossa, eu tava rindo à toa.
Estávamos eu, o professor, mais dois caras de outra empresa que ele presta consultoria, o Bigorna e o Diego, que eu tinha chamado pra ir comigo. Nem o Murilo nem o Edu puderam ir por causa das aulas.
O cara era um contador de histórias, o Diego se divertiu muito com ele. Claro que não podia faltar os casos dos colegas que fizeram merda aqui e ali, esbravejando contra a "miserabilidade e pobreza das mentes atuais, preguiçosas", e tal.
A certa altura ele me diz que a Larissa estava na cidade, de passagem também por lá.
- Mas olha que coincidência, cara... a Larissa, nunca mais eu vi – desde aquele dia do estupro do meu amigo Dan, mas claro, não citei o episódio, senão a colega estaria na boca de meia Bahia no dia seguinte.
- Pois é, chamei ela para vir pra cá. Só aqui nessa mesa terão três alunos meus, hahaha!
Minutos depois ela chegou e sentou-se à nossa mesa. Nos abraçamos e trocamos ideia.
Mas ela estava focada.
No Diego.
Enquanto conversávamos ela não parou de encará-lo, passava a língua pelos lábios e dava risadas insinuantes, percebi que o gostosão tava ficando sem graça. Ela passava o dedo na borda do copo, olhando para ele, jogava o cabelo, ajeitava o seu corpanzil entalado no vestido.
Quando o Diego levantou para ir ao banheiro, ela cochichou no meu ouvido:
- Menino, quem é esse?
- Esse quem?
- Não se faça de desentendido... Gente, que cara gostoso é esse? Que braço, meu Deus, que boca, olha só aquilo...
- O nome dele é Diego. Mas ele é casado, tem filho, acho que não rola não, viu?
- "Não rola" não faz parte do meu vocabulário. Espere e verá.
Ela levantou e foi atrás dele. Encontrou-o já no meio do caminho, ele voltando para a mesa. Ela puxou-o pelo braço e comprimiu seu corpo contra o dele. Coloquei a mão na cabeça, de onde eu tava. Ele arregalou os olhos, de susto, passou por ela, se desvencilhando, ela foi até o banheiro, olhando pra trás, fazendo caras e bocas e ele sentou-se à mesa.
- Brow! Maluco! Caaara... quem é a doida?
- Só te digo uma coisa: pergunta ao Dan quem é Larissa.
- O quêÊÊÊ? Essa é a gorda de Daniel? Hãaaaaa!
Assenti com a cabeça.
- E te digo mais: ela disse que vai te comer hoje, quer você queira, quer não. E você sabe que ela come, né? Ó, lá vem ela.
Ela se debruçou entre nós dois.
- OOOiii, garotos... Gu, querido, deixa eu sentar aqui do lado do colega, que eu acho que o Roberval quer falar um negócio contigo...
Eu ia inventar algo pra falar com ela, mas o Diego foi mais rápido. Enlaçou o braço dele no meu e disse:
- Não vai dar, não. Eu tô aqui conversando uma parada séria com o meu amigo e ele vai ter que esperar.
- Sério, isso? Vocês se veem todo dia, isso não pode esperar não? – ela alisava o ombro dele.
- Sério, não pode não. É meio urgente.
- Mas eu tinha algo também interessante pra te contar – ela apertava os braços dele, a nuca, o ombro, e ele tentava se sair – acho que você vai preferir ouvir o que eu tenho pra falar, menino...
Ela passava a língua nos lábios e fazia um olhar de capivara morta, sensualizando, mas o Diego foi firme.
- Não desculpa, com certeza eu vou me interessar mais com o papo do meu amigo Gu aqui, tá? Na boa.
Ela olhou de um pro outro, suspirou e sentou-se no seu lugar. Ficou de cara fechada um tempo, mas depois insistiu novamente, puxando papo com o pobre rapaz.
Diego apertava meu braço tão forte que eu comecei a sentir formigamento.
- Dá pra tu soltar o braço só um pouquinho? Eu só queria deixar o sangue circular...
- Não, aonde que eu vou te soltar? Relaxa, fica aí quietinho...
Ele estava com uma cara de pavor. A ninfo não parava de secá-lo. Às vezes, ela puxava papo e passava o braço dela por cima de mim, pra pegar nele, ele me apertava, ela vinha pra cima, tava um horror aquilo. Eu estava no meio de um sanduíche humano. As pessoas da mesa começaram a reparar algo estranho naquela movimentação. O professor inseria um assunto e ela se distraía.
Até que eu cheguei no ouvidinho dela e falei:
- Lari, meu amor, fica na tua que o cara não tá afim. Ele não vai te comer nem amarrado. Ponto. E você fique quieta ou então procura outro cacete pra você, porque ESSE não vai rolar, tá? Você já tá constrangendo meu colega, que nem tá mais aproveitando a noite. Pára com isso.
Ela ficou calada. Depois reagiu.
- Afff, Gu, precisava disso? Eu só tava querendo, enfim, ajudar o rapaz, caso ele tivesse atraído por mim e estivesse tímido, sem saber como chegar... afinal a mesa só tem eu de mulher, né, ele pode estar retraído...
- Não, nega, não é isso. É só falta de interesse mesmo. Bebe, porque é o que tem pra hoje.
- Que povo fraco...
As fotos dessa noite são ótimas. Eu e o Diego parecíamos um casal gay, agarrados. Algumas com a Larissa se jogando no meio, a cara dele sem graça. Uma perna dele em cima da minha.
Ainda bem que a calça que eu usava naquele dia era folgada, senão a foto mostraria o quanto eu estava, digamos, gostando de ajudar o colega.
Ah, e no outro dia eu encontrei com a Larissa no msn. Pensei que ela nem ia me chamar, talvez estivesse chateada comigo. Mas puxou conversa, e me disse que acabou esticando a noite no motel com o rapaz que estava sentado ao lado do professor, se eu me lembrava, e tal.
Na quinta-feira à noite passei na rodoviária e lá estava o Dan, de mochila, me esperando. Ele tinha saído de Itaberaba pra lá, e no outro dia partiríamos cedo pra o litoral. Desci do carro e nos abraçamos, apertado. A gente tinha se visto pela última vez no show de Lulu. Uma eternidade, quase três semanas.
Pra mim, o feriado já estava começando ali. Fomos na república antiga dele, aquela fuzarca, depois paramos pra tomar uma cerveja, colocamos todos os papos em dia. Ele me atualizou dos desafios que estava enfrentando na empresa dele, eu contei também dos meus...
- DAAAN! Nem te conto quem aportou aqui na cidade ontem!
- Quem? Quem? Quem?
- Fat Lari!
- Kkkkk! Não acreditoo!
- Quase te pega aqui!
- Deus é pai!
- Ow, mas ela tá ótima! Uma cara boa, emagreceu, me disse que perdeu dez quilos!
- Então...
- Então agora ela só pesa 240!
Contei do Diego, ele quase morre de rir. Disse que estava com ciúmes, o bandido.
Voltamos pra casa cedo, porque tínhamos combinado de sair às seis de Camaçari. Suzi já estava dormindo lá em casa com o Di, então precisaríamos apenas pegar o Murilo na casa dele.
Arrumei o bicama no meu quarto para o Dan. A gente ainda conversou um pouco antes de pegarmos no sono. Quer dizer, antes de eu pegar no sono.
Quando acordamos, às cinco e meia, ele tava ranzinza.
- Que foi, Dan? É por causa do horário?
- Não, véi. É que... puta que pariu, esse bicama é ruim demais... Eu tô todo quebrado aqui. Não dormi nada de noite – colocou as mãos nas costas.
- Ôoow, sério? Poxa... se eu soubesse, tinha dormido aí... O Murilo não reclamou, será que ele também achou ruim? Estranho... – massageei um pouco as costas dele, ele tava com a cara feia mesmo, de dor.
- O Murilo dormiu aqui?
- Sim.
- Porquê?
- Ah, sei lá. Uma vez porque a galera dele tava na praia, e a outra porque a gente ficou conversando até...
- Ele dormiu aqui mais de uma vez? Eu, hein... Ele não tem casa, não? É tão pertinho.
- Que coisa, que é que tem? Às vezes fica tarde, ou a gente bebe demais, melhor não vacilar. Poxa, Dan, que merda, que pena que tu não dormiu bem...
- Ainda pensei em vir pra a tua cama, dividir contigo aí. Mas tu tava todo esparramado, deixei quieto.
- Me empurrava, pô! Tinha problema não...
- Verdade. A gente dormia de valete. Me fodi.
- Pô, Dan, foi mal.
- Vamo embora. Já arrumou as coisas?
- Já.
- Vamo lá – olhou pro bicama antes de sair – mas o Murilo é muito folgado, viu...
Suzi não cabia em si de tanta animação. Ela era muito meiguinha, uma fofa. Arrumamos as coisas no carro e fomos pegar o Murilo, que já estava pronto, esperando, de camiseta azul e short tactel preto. Boné e sandália.
- E aí, galera! Vamo lá?
- Vamoooooo!
Fui para o banco do carona e deixei-o tomar conta da direção. Ele me mostrou três CD's que tinha gravado depois que chegou da faculdade.
- Você é doido, ainda foi fazer isso, deve ter ido dormir tarde, né?
- Foi, mas tem nada não.
Pegamos a estrada, que estava tranquila. O som tocava Red Hot, Lulu Santos, Coldplay e Amy. Ele disse que gravou porque sabia que eu gostava dela. Tínhamos trazido lanche, começamos a abrir as coisas, às vezes eu pegava algo pra dar pra o Murilo comer. Ele virava o rosto pra mim, sem tirar os olhos da estrada, abria a boca e eu colocava um biscoito ou um pãozinho, ele ria e eu também. Senti que ele estava gostando de receber comidinha na boca.
O dia nascia com a promessa de ser lindo. O sol já despontava, reinando sozinho no céu, sem nenhuma nuvem para atrapalhar seu espetáculo. O clima pedia praia, era uma sexta de feriado da independência, setembro de quase primavera. Os meninos conversavam um papo solto, ríamos, um clima maravilhoso, tranquilo. O calor começava a dar sinais.
Eu estava me sentindo muito bem, com os meus amigos, ali. Me encostei no banco, sorri e relaxei, achando que foi uma boa ideia ter ido e que aqueles três dias iam ser muito bons.
...
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