09

- Porque tu não comeu Jôse?

Di estava me olhando de lado, com os olhos semicerrados.

- Porque ela, enfim, tava fazendo cu doce lá, cheia de coisa...

- Jôse... cu doce..?

Eu estava sofrendo um interrogatório, percebi. Di e Zoião, na sala da república, me inquiriam. Faltaram apenas os instrumentos de choque elétrico e um tonel de água pra enfiarem minha cabeça.

- Eu a chamei pra vir dormir aqui em casa. Mas eu tinha compromisso no sábado, ela queria saber se ficaríamos aqui e eu disse que não poderia, que ia sair logo cedo.

- Hum...

- Aí ela disse que não queria vir.

- Você vacilou. Trazia ela pra cá, comia e depois mandava embora, porra!

Zoião assentia, os olhos enormes brilhando com a possibilidade do sexo fácil, em casa, sem consequências.

- Mas quem te falou que eu peguei Jôse?

- A empresa inteiraa! Kkkk! Você tá achando o que? Brinque com a língua do povo! Tsc, tsc... trazia ela pra cá, lascava e pronto, rapaz! Ela que pegasse o motoboy pra ir pra casa. Aliás foi assim que eu fiz quando eu comi.

- Ah, deixa lá. Também não tava afim, não. Tava mais pra dormir mesmo.

Deixei dois colegas chocados na sala de estar e fui pro quarto.


Bati a porta, pensando: "mesmo um hétero não pode ter um dia que não esteja afim? Tem que corresponder sempre que a mulher quiser? Não, né?"

- Tá falando com quem? hahaha – Thales saiu do banheiro da suíte, enxugando os cabelos. Tomei o primeiro susto por ele me pegar falando sozinho, e o segundo pela sua própria figura: tórax ainda molhado, cueca de pano fininho, coxas grossas, homem grande...

- Ah, tava aqui lembrando umas coisas... E aí? Passou a semana em Salvador, tava de folga?

- Não, cara, na verdade fui ver um trampo novo. Os meninos não te falaram não? Tô indo embora!

- Indo embora, como?

- Vou voltar pra minha terrinha! – vestiu um short – Meu pai arranjou um trabalho lá, o salário é a mesma coisa, mas pra mim vale a pena. Fico aqui só até a semana que vem.

Gostava de Thales. A sua figura era um deleite, e ele, apesar de meio avoadinho, era gente boa. Super tranquilo.

Apenas quatro meses de convivência, e, na semana seguinte, ele se foi.

Combinei com os outros meninos da república que iria arcar com o pagamento integral do quarto, para não ter que dividir com mais ninguém.


Na segunda seguinte, passei na casa da minha tia Malu, em Feira de Santana, para ver umas coisas que ela disse que tinha separado pra mim se eu quisesse. Uma mesa de jantar com a perna quebrada e a fórmica esfarelada, um sofá-cama com a estampa já ausente, de tantas nádegas que passaram por ali, uma fruteira que foi comprada por ser inox, mas que só de olhar você já contraía um tétano, e três cadeiras de ferro.

- Menino, como é que tu vai levar esse cacareco pra tua casa nova?

- Que casa nova o que, tia? Uma república toda esculhambada! Precisa ver os móveis de lá!

- Tá tudo combinando então, né?

Mirelle saiu do quarto pra ver a bagunça. Eu tinha contratado uma pick-up pra levar até Camaçari e o rapaz estava colocando as coisas na carroceria. Ainda levei de casa meu computador e o rack.

- E aí, gato?

- E ai, piriguete? Tava entocada em casa?

- Estudando, meu filho, tenho prova hoje... Ah, fim de semana é carnaval, não esquece não, Marquinhos já ligou querendo saber se a gente vai mesmo...

- Mas é bilógico! Sábado a gente desce!

- Ai, eu vou me acabar toda lá naquela avenida!!

Marquinhos era meu primo, irmão de Mi (e meu também, já que fomos criados todos juntos). Ele morava em Salvador com a noiva, mas a ex-mulher, Clarinha, ficou morando com a minha tia Malu e minhas primas, Mirelle e Danielle, já que ele, antes de partir, deixou-a com dois filhos. É uma história bem complicada, nunca consegui explicar pra ninguém sem o auxílio de um papel e uma caneta. Um dos meninos, inclusive, era meu afilhado, e Clarinha na verdade já era considerada da família.

Fiquei mais um pouco ouvindo minha tia falar mal do meu tio (de quem é separada há anos e desde então sequelou), conversei besteira com Mirelle e desci pra Camaçari.


Foi uma festa na república quando os móveis novos entraram. Acomodamos a mesa na cozinha mesmo – tivemos que encostar na parede, porque uma das pernas era solta – e o bicama na sala. Deixei o computador na sala também.

- Eu pensei que vocês nem iam gostar... – falei.

- Tá doido? Isso aqui MORALIZOU a casa! – Di estava dando um trato na mesa com uma fita crepe, pois as folhas da madeira prensada estavam descolando, parecia uma boca aberta com a língua de fora – Ó, se você quiser, a gente pode contratar internet, já que você tem computador. A gente passa o cabo pela sala e vai pros quartos, porque eu tenho note e Zoião também.

- Beleza, fica quanto?

- Sessenta. Vinte de cada.

- Fechou.

- Vamos agora usar a mesa novaaaêeeeee!! – Zoião veio com uma cerveja e três copos. Pegamos as três únicas cadeiras da casa e sentamos, brindamos e bebemos.

Até Zoião apoiar o cotovelo na mesa e ela cair.


No outro dia, à tarde, eu me encontrava no pé da mangueira em frente do galpão. Estava cansado, a manhã tinha sido bastante corrida, aí parei um pouco pra relaxar. Valquíria tinha me chamado na sala para saber da minha habilitação e eu disse que a prova teórica já estava marcada. Ela me deu pressa nisso.

Fiquei na dúvida se acendia um cigarro, nunca tinha fumado lá. Decidi ficar na minha.

No final do estacionamento tinha um carro da empresa parado, a uns cento e cinquenta metros de distância. Me chamou atenção porque havia uma pessoa dentro, me olhando. Pude perceber, de longe mesmo, os olhos verdes do Murilo.

Sorri e ele retribuiu. O sol do fim de tarde pegava seu rosto de frente, e só o que fazia era deixá-lo mais bonito.

Quando ia acenar, ele ligou o carro e partiu.


Ter internet na república, como dizia Mirelle, era tudo e nada. Tudo de bom e nada de ruim. Atualizei meu Orkut, troquei de foto no msn, mudei meus status, tinha meio mundo de gente online.

Conversei com o Dan até altas horas, nos atualizando da vida um do outro.

Os meninos já estavam dormindo, então resolvi fuçar um pornô. Só que desta vez eu pensei em algo diferente.

Nunca tive coragem de olhar nada referente a homens na internet. Lá em casa não havia privacidade suficiente, e eu tinha um bloqueio enorme em relação a esse assunto, sobretudo por conta do Incidente na minha infância. Esse assunto, portanto, era inexplorado por mim.

Abri a página do Google. "Sexo entre homens"? "Sexo gay"? "Foda entre caras"? Como pesquisar?

Coloquei a primeira alternativa. Apareceram algumas coisas, sites de vídeos e fotos, discussões sobre homossexualidade.

Abri o site Gonline.

Quanta foto! Quanto peito, quantas caras sensuais. Cowboys, surfistas, ninfetos, tinha até uma seção chamada de Lolitos. Abri algumas fotos e gostei muito. Era muito bom poder olhas os caras sem ser de relance, sem se preocupar em olhar demais. Ali o objetivo era esse mesmo.

Tinha uma seção de vídeos, mas só para assinantes. Abri uma opção de "free tour", então assisti uma amostra de um minuto e meio, um clipe com algumas cenas. Senti a excitação crescer, na mesma medida do medo de ser pego.

Fechei a janela. Andei pela república para conferir se os meninos estavam dormindo mesmo, e voltei para o computador. Abri de novo.

Tentei acessar outros sites, mas voaram pop-ups para todo lado.

Entrei no bate papo do UOL, na sala gay.

Coloquei meu nome: deGust, kkkkk.

Estavam online: AFIM, bH_passivo, Rola Grossa, raboguloso, Negão do ABC, dentre outros.

Eu digitava com minhas mãos geladas.

Comecei uma conversa com um rapaz que me deu seu msn. Hesitei um pouco, mas acabei adicionando-o. Bloqueei-o na mesma hora.

Abri o pornotube, assisti um filme hétero e fui dormir.


Na segunda semana depois do carnaval, fiz minha prova teórica para tirar minha habilitação. Já tinha tomado o curso há séculos, e se não fosse o puxão de orelha da minha chefe eu ainda iria protelar por bastante tempo. Dei uma lida na cartilha, repassei uma placas de sinalização e fui, porque estava marcado para às nove e queria viajar até no máximo onze da manhã.

Sentei em frente ao computador do DETRAN e fui marcando as questões rapidinho, para terminar logo. A prova era realmente muito boba, como tinham me falado, era tudo tão óbvio que eu não precisava nem ter repassado logo cedo. Muito simples.

É, só que eu perdi.


- A pessoa tem que ser muito burra, cavala, jumenta, quadrúpede, mesmo, né? Pode falar!!

Eu tava conversando com o Dan no celular, para desabafar.

- Né isso não, brow, relaxa... É que você não tava com cabeça pra isso, tava com pressa...

- Não venha me enganar, Dan, eu sou burro mesmo...

- Não deu importância.... Te falaram tanto que era fácil... Fez quantas questões?

- Acertei vinte e sete, mas o mínimo eram vinte e oito.

- Puta que pariu! Kkkk

- Quero ver só como é que vai ser pra falar com a Valquíria, ela vai me matar. Só posso remarcar daqui a um mês!

Dito e feito. A mulher fechou uma cara que só vendo. E eu, não tinha onde enfiar a minha.


Os dias passaram na velocidade da luz. Eu enfiei a cara no trabalho como nunca antes. Já estava cuidando de três obras ao mesmo tempo e sendo treinado para elaboração de projetos, então me desdobrava pela manhã nas vistorias e à tarde estudando e fechando relatórios e atualizando cronogramas. Nos fins de semana, me desdobrava nos meus projetos extras, que estavam aparecendo cada vez mais.

Comecei a dividir o carro da empresa com o Walter, já que ele dirigia, eu ia na carona visitar as minhas obras. Nos aproximamos muito, trocávamos várias ideias do trabalho, e acabou que ajudávamos um nos afazeres do outro.

Otávio parecia mais leve. Passou a almoçar mais conosco, às sextas-feiras, procurou se enturmar. Acabei descobrindo que o motivo do jeito fechado dele era por conta de uma rixa que ele teve com a Gilda, a nossa diretora geral, e ele ainda estava ressentido.

Grudei no Edu e nos meninos da república. Almoçava praticamente todos os dias com o colega e, à noite, conversava horas com o Di sobre variados assuntos. Ele era muito gente fina.

Num desses almoços com o Edu, inclusive, falamos do Murilo.

- Ele nunca mais colou com a gente, né?

- Murilo tem a vida toda complicada, cara – Edu respondeu – essa coisa dele ir e voltar pra Salvador todo dia é foda. E ele é todo cheio de frescura também, vez em quando fala que a gente almoçou e não chamou ele.

- Ô! Ele não sabe que a gente almoça todo dia não?

- É o que eu digo: frescura.

- Verdade... Mas ele tá bem, né? Vocês devem se falar mais...

- Tá bem sim, a gente se bate lá na área quase sempre de manhã. – Edu me examinou – engraçado que ele faz a mesma pergunta de você, se você tá bem, e tal... vocês não se conversam não, é?

- Ah... a gente se vê, sim, mas é bem pouco. Quando eu chego na empresa, ele já saiu, porque ele chega antes e eu, sempre atrasado; fico a manhã toda fora, ele só volta no fim da tarde pra deixar o carro e se mandar...

- Vamos marcar alguma coisa aí com ele, pô. Chamar esse fresco pra tomar uma.

- Vamos sim.


Foi em um dos dias de meados de junho que recebi duas notícias maravilhosas. O primeiro telefonema era da minha mãe, gritando, eufórica, xingando tudo:

- A Drica foi chamadaaaa!! Puta que pariu, porraaaaa! É uma filha da puta mesmo!! Vem pra cá pra a gente comemoraaaaar!!!!!

- Oi?? Passa aí pra alguém, gente?

Mirelle que tomou o telefone e me explicou: A Universidade tinha feito as matriculas e convocaram, na segunda lista, a Adriana, minha irmã. Ela estava louca de felicidade. Ouvia os gritos ao fundo e Mirelle mandando todo mundo calar a boca pra poder me explicar. Tava uma galinhagem lá em casa.

O segundo telefonema veio do Daniel.

- Deixa eu te falar, antes que eu esqueça: Minha irmã foi chamada na Estadual e minha mãe tá preparando uma feijoada pra o findi!!

- Pôooo, que massa!

- Pois é!! Pô, Dan, queria tanto que você tivesse por perto...

- Cara, mas é justamente sobre isso que eu quero te falar! Consegui uma transferência, brow!! Sábado eu tô aí nessa porra dessa feijoada!

...

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top