06

Esse foi apenas o primeiro de uma série de domingos que ainda viriam em que eu ficava de banzo. Sei lá, não estava acostumado à nova rotina, e passar na minha cidade os dois dias do fim de semana me desanimava a voltar pra lá. Ainda não estava entrosado com o pessoal. Liguei pra o Daniel, e ele me disse que na segunda não iria, porque tirou folga e ia resolver umas coisas da facu. Pronto, me deprimi.

Na segunda-feira, no entanto, consegui me aproximar dos outros engenheiros da equipe. Gostei de cara de Walter. Cinquentão super simpático, ele mantinha no rosto uma expressão, assim, que parecia estar sempre lembrando de alguma piada que disseram pra ele, um riso preso. Personalidade tranquila... Se dispôs a me ajudar no que fosse preciso.

Miguel, apesar de ser mais jovem, talvez uns trinta e poucos, era mais plantado. Ele mostrava uma preocupação em ser o "doutor", então andava todo apertadinho, camisa por dentro, expressão preocupada. Mas também era gente boa, conversamos bastante. Corpinho massa.

Otávio era fechado. O mais antigo da equipe, chegava, sentava em sua cadeira e não proferia palavra que não fosse necessária. Conversamos um pouco, e no meio do papo achei que fosse interessante perguntar no que ele trabalhava lá (porque percebi que ele não saía pra campo como os outros), e ele me encarou e respondeu:

- Nada. Eu não faço nada aqui.

Eu, muito sem graça, apenas olhei pra Diego, que só fez altear as sobrancelhas. Girei minha cadeira e fui cuidar da minha vida.

À noite fui para minha nova casa. Di me recebeu e me apresentou o outro morador, de nome Paulo e apelido Zoião.

Bem, amigos, se na outra república eu não sabia pra onde olhar, por conta de tanto homem bonito, nesta eu não teria esse problema: Di, apesar, de ter um rosto até legalzinho, era bem desajeitado de corpo (para dizer o mínimo), e Zoião era muito, mas muito feio. Cabeça grande, olhos enormes, barriga maior ainda, dentes mal cuidados e um semblante de quem está permanentemente ébrio. Di completou:

- O seu colega de quarto já está até aí, mas chegou mais cedo e parece que dormiu. Bom, quando ele acordar vocês se apresentam.

- Beleza, vou tomar um banho e já já eu capoto também.

- Quer comer alguma coisa? Tem pão aí.

- Não, valeu, eu já comi na rua. Ah, por falar nisso, como é a questão da comida, etc?

Pelo que ele me explicou, a geladeira que tinha lá e o fogão eram de uso comum, pois foram comprados pelos integrantes antigos que foram cedendo. A sala não tinha absolutamente móvel nenhum, se eu quisesse podia colocar qualquer coisa lá. Senti falta de uma televisão, tinha uma no quarto dele e outra no de Zoião. Teria que ver isso.

Com relação à comida, cada um comprava a sua e guardava na geladeira. Se alguém quisesse algo de outro, pedia permissão antes e depois reporia. Todo mundo almoçava na rua, então tinha pouca coisa com o que se preocupar.

Posso dizer que conheci a bunda do Thales, antes do próprio Thales.

Entrei no quarto e já estavam instalados as duas camas e meu guarda-roupa. Ele estava deitado, de barriga pra baixo, pernas em forma de 4, vestido apenas de short tactel. Olhei pra trás pra ver se tinha alguém me observando, e, como não tinha, me pus a olhar.

Ele era enorme, devia ter 1,90m, branco, braços grandes e costas largas, com algumas espinhas. O bumbum era um espetáculo à parte. Redondo, ressaltava no short, coxas grossas e cabeludas do joelho pra baixo. Os cabelos bem lisos e pretos, na altura do pescoço, cortado em camadas.

Fui tomar banho pra esfriar o calor.

Quando saí do banheiro, ele estava acordado, acho que por conta do barulho do chuveiro da suíte. Nos apresentamos, ele já tinha posto uma camisa. Daí pude perceber que tinha também o rosto bonito, e um peitoral grande, daqueles, bom de olhar. A aparência dele, no geral, se fosse pra definir, era: mauricinho.

Conversamos um pouco, ele era de Salvador e estava lá pra trabalhar em um órgão estadual. Formado em administração, queria passar um tempo lá aprendendo, mas estava com intenções de voltar futuramente e assumir a loja do pai.

Os quatro conversamos depois, sentados no chão da sala. Senti um clima super agradável. Thales tinha a mania de passar a mão no cabelo e jogar a cabeça pra trás, tipo o Encantado do filme Shrek.

Essa república seria muito diferente da outra, aquela bagunça que reinava lá parecia não encontrar ali guarida. Trocamos algumas impressões da cidade, telefones e promessas de sair para beber na quinta-feira. Os dois veteranos se comprometeram a nos apresentar os points da cidade.

Fomos dormir. Antes, Thales pegou o celular e foi pra a varanda. Ficou lá por uns quarenta minutos, depois voltou, dizendo que se não fizesse o relatório pra a noiva, era problema.

Ah, então era noivo. Hum.

Saímos na quinta, e foi muito divertido. Os meninos eram legais, e Di era bem preocupado em nos acolher, parecia que era importante que estivéssemos gostando. Contaram histórias dos integrantes antigos da república (formada já há cinco anos), as bebedeiras, as confusões, as orgias.

E o papo prosseguiu sobre mulheres. Thales se interessou em saber como era o negócio, se na cidade era fácil encontrar mulher fácil, se eram gostosas, se davam logo de primeira... Di ia contando as experiências, as festas, dava dicas pra a gente ir não sei aonde, e que aquela menina tem uma conhecida, e que vamos marcar sim...

- É porque hoje é quinta, pô, senão a gente ia ali conhecer um barzinho massa, cheio de mulher... Dia de sexta-feira bomba!

Fiz uma prece silenciosa por estar em Feira na sexta.

- Ah, mas não pretendo ficar aqui nos fins de semana não – explicou Thales. Volto pra Salvador toda sexta e venho segunda.

- É, eu também. Pra Feira, no caso – respondi.

- Ah, vocês são foda.... – Zoião concluiu.

Sexta-feira voltei, no busão da faculdade do Daniel, e colocamos o papo em dia. Durante a semana não pudemos conversar muito, ele estava sempre ocupado e eu também (com minha equipe de campo maravilhosa e superreceptiva), então estávamos eufóricos em contar as novidades. Engraçado como já parecíamos nos conhecer há séculos.

Ele até falou sobre um complexo que ele tem com relação ao nariz, que é grande. Eu não achava que era tão ruim, assim, porque ele tinha um rosto muito bonito, não comprometia tanto. E eu também acho massa homem de narigão. Rss. Mas isso eu não podia dizer a ele, então só ouvi mesmo.

Como minha mãe já estava em casa, aportei na minha cidade e fui direto pra a praça de alimentação do shopping. Tinha marcado com Rose lá.

Rose era a minha melhor amiga (estava no ranking junto com minha prima Mirele), nos conhecíamos desde a faculdade e desde então não nos largamos mais. Era uma negra toda volumosa, do tipo gostosona do morro, cabelo ora cacheado, ora de chapinha. Só digo que no semestre em que nos encontramos, acabando perdendo em metade das matérias, de tantas saídas, risadas, escapadas e irresponsabilidades cometidas. Me sentia muito bem junto a ela, à vontade. Apesar de não abrir minhas dúvidas internas a ninguém, em sua companhia eu posso dizer que era o mais próximo da minha essência, sem preocupações.

Ela só me cobrava, às vezes, que eu me soltasse mais na vida, aproveitasse.

- Menino, nunca mais vi tu pegando ninguém... Qual é teu plano, hein? Virar eunuco?

- Eta, nem tem tanto tempo assim...

- A última que eu sei foi minha prima, no início do ano. Ah, inclusive, tá doida. Me ligou, querendo saber, tá rondando aí...

- Sério?

- ... Eu, nesse intervalo de tempo, já peguei Zé, Boca, Arnaldinho, Rivotril e aquele teu amigo lá do bairro...

- Ô, filha, mas se eu quiser te seguir, aí eu vou ter que largar o emprego e focar nisso, né? Kkkk

- Filho da puta! Você sabe como eu sofro... – se fez de coitadinha, colocando a mão na cara, fingindo que ia chorar, a palhaça – eu apenas estou tentando esquecer Zezão, o meu negão...

- Te falei que tu ia se lascar nessa história, não falei?

- Me lasquei... Mas foi uma delíciaaaaa!

- kkkk

- Por falar nisso, vou espalhar pra as minhas amigas todas! – Levantou o dedo, como se fosse anunciar uma grande novidade, estava bêbada já – ...não recomendo a nenhuma mulher que pegue um negão! Você se acaba com aquela enormidade, aquele, né..? aquele monumento, quando está acostumada, ele some e fica um vazio no... peito!

Ela nem percebeu que falava alto, e ainda mais o garçom estava repondo o chopp na nossa mesa, e até tentou, coitado, mas não se conteve e riu. Pediu desculpas.

- Pode rir, pode rir, meu filho... quem tem que chorar sou eu. Depois disso você não se contenta com pouca coisa...

Eu só ria, bêbado também.

21 de dezembro de 2006

Trabalhei com pressa, porque o expediente era mais curto. Dra. Valquíria liberou a tarde para comprarmos os presentes do amigo secreto que ia rolar logo depois, à noitinha. Era na verdade uma confraternização mais informal, visto que a da empresa mesmo tinha sido hoje ao meio dia, um almoço com todos os funcionários no pátio do escritório central. Houve um pequeno discurso da diretora geral, entrega de alguns prêmios de funcionários do ano, e um buffet muito bom, vorazmente consumido pelo pessoal. Então Valquíria achou melhor juntar o pessoal que trabalhava no galpão e fazer a nossa festinha, todo mundo adorou a ideia.

Neste almoço, o senhor Lúcio veio me desejar boas festas, ele não iria à noite. Dois meses depois daquela reunião fatídica, o meu trabalho com a equipe dele já havia acabado, e a minha relação com o mesmo, melhorado bastante. Ele não havia deixado, lógico, de ser aquela pessoa tosca, bruta e cheia de brincadeiras de gosto duvidoso, mas comigo, estava diferente. Me respeitava, e o mais importante, entendeu que eu estava ali apenas para ajudá-lo.

Eu sempre tive facilidade para fazer amizades com os operários, já havia trabalhado em obras antes, então meu esforço depois daquela reunião foi de me aproximar a eles. Comecei a enfatizar que era um esforço nosso, e fiz até algumas piadas, que a gente ia pro paredão (eu incluso) se a gente não conseguisse, eles foram relaxando e o trabalho deu certo. Identificamos os problemas existentes nos processos deles (exemplo: a telefonista não entendia direito as queixas, o que gerava retrabalho, e os materiais estavam cadastrados no sistema de compras sem nenhum critério, aí gerava muita confusão), solicitamos da direção a contratação de um estagiário e o trabalho fluiu maravilhosamente.

Saímos eu, Daniel e Eduardo para comprar os presentes. Fomos no comércio, e quase não compramos nada, de tanta palhaçada que rolava. Os caras são muito idiotas, e eu me identifiquei, rss. Nesses dois meses eu havia me aproximado mais deles. Perdi a conta de quantas vezes a gente ligava um pra o ramal do outro no meio do expediente e se encontrava debaixo da mangueira em frente ao galpão, só para contar alguma coisa engraçada, zoar com o outro, comer pipoca, chupar picolé, e voltar cada um pra sua sala.

O Murilo às vezes fazia parte da algazarra, mas ele trabalhava como motorista de um setor diferente, e a rotina dele era muito mais externa, então não era tão constante. Ele reclamava às vezes que a gente não chamava. Confesso que eu não me aproximei dele quantos dos outros dois, porque ele me atraía sexualmente, e eu tinha medo de dar bandeira. Eu me pegava às vezes fitando o olho dele, que era de um verde claro muito bonito... ah, e a calça do uniforme dele também era de um tecido muito fino, que não me ajudava.

Depois de comprarmos nossas coisas, voltei para a república pra descansar um pouquinho, antes da confraternização. Thales chegou logo depois, procurando por mim no quarto.

- E aí, mano, vamo lá?

Ele estava querendo ir pra academia. Há um mês começamos a malhar. Eu sou um fracasso total na matéria, tenho uma indisposição nata ao exercício físico. Thales, por sua vez, é viciado, e acabou me convencendo a ir com ele. Na primeira semana eu quase morro, mas ele não aceitava desculpa, e acabei indo todo dia. Depois pedi arrego total, e ele concordou em irmos três dias por semana. Ele já chegava do trabalho gritando meu nome, com palavras de ordem, como se fosse do exército, dizendo que era pra me animar. Mal sabia ele que o que me animava era vê-lo trocando de roupa pra a gente ir, e andando na esteira à minha frente, com aquele short massaaa que ele usava.

Acabei tendo que ir, tamanha a insistência. Cheguei em casa por volta de oito e meia, tomei banho, coloquei uma camisa cor de rosa que eu nunca tive coragem de usar, porque era muito rosa, e fui pro barzinho.

A noite estava pedindo para ser aproveitada, o calorão que tinha feito mais cedo deu lugar a uma brisa gostosa, e da nossa mesa dava pra sentir direitinho. Estávamos em um salão bem amplo no primeiro andar do bar, a nossa mesa tinha umas vinte pessoas, mas percebi que havia ainda outras três mesas em que as pessoas também confraternizando com os colegas de trabalho.

Quem me sorteou no amigo secreto foi o Otávio, o engenheiro carrancudo do nosso setor. Me surpreendi mesmo foi com o discurso dele, me apresentando como um jovem de imenso potencial e pessoa de alma boa, que ele simpatizava demais, alegre, e que deixou o ambiente com um clima bom. Fiquei sem graça, porque não pensei que ele tivesse essa visão ao meu respeito, porque ele nunca foi de muita conversa. Gostei muito, me ajudou a tirar a impressão negativa dele.

Me deu uma camiseta laranja horrorosa.

Eduardo tirou a Valquíria, e aí deu pano pra manga. A galera começou a dizer que ele tinha fraudado, porque ele que havia preparado o sorteio, e ela era sua chefe imediata (eles trabalhavam na mesma sala), uma confusão, rss.

Depois iniciei os trabalhos etílicos. Comecei com uma caipirinha, mas a cerveja tava tão gelada que não resisti. Demos muita risada, eu, Daniel, Eduardo, Diego e Murilo. Engraçado como eu não conseguia ficar muito tempo lá com a "equipe técnica" (os engenheiros Walter, Miguel, Otávio e Valquíria), gostava mais da palhaçada dos caras.

- Bicho, vai passar as festas aonde? – Daniel me perguntou.

- Natal, em casa, mesmo, aquela velha ceia de sempre. Réveillon a gente vai pra o litoral. E tu?

- Merma coisa. Só não sei pra onde vou ainda no dia 31, tem uma galera lá da rua que quer ir pra a praia, mas tem um amigo meu que tá me chamando pra ir pra a Chapada.

Murilo interveio:

- E Jamile, como é que fica nessa história aí, Daniel?

- Quem é Jamile? – perguntei.

- A namorada dele, né? Tu não sabia não?

Arregalei o olho.

- Namorada? Não, sabia, não. – Virei pra Daniel, que estava corado.

- É o que digo, tá vendo, Eduardo? – Murilo apontou para o colega com o indicador, da mesma mão que segurava seu copo. Eduardo riu.

- Nunca te contei não? – Daniel deu de ombros. Pensei que tinha te falado... – tomou um gole.

- Não... – me virei para o Murilo – e "o que é que você diz", que você falou aí?

- Que essa namorada de Daniel é fake, é uma lenda urbana... Ninguém conhece, ele nunca fala dela...

- Não, pô – retorquiu Edu – é uma boneca inflável que ele comprou e deu o nome...

Os dois riram. Daniel estava constrangido. Falou:

- Sacanagem, idiotas. É que nunca calhou mesmo de falar. A gente conversa tanta besteira que nem, sei lá... Mas a gente namora sério, sim, ela é super legal, você vai conhecer.

- Desculpa, Dan – falei – é que a gente conversa tanto, que... Há quanto tempo cês tão juntos?

- Ah, uns quatro, cinco, anos, por aí...

- Nossa! Casado já! – me espantei de novo.

- Casado o quê? – Murilo veio zoar de novo - Ele não leva a guria pra lugar nenhum, só viaja sozinho, não traz pra conhecer a gente...

- E você é o pai dele, por acaso, é, pra ele ter que trazer namorada aqui? – Eduardo implicou – Traz, Daniel, pra Murilo dar a bêncão...

- Ah, idiota, tou falando porque a gente já fez muito reggae junto.

- E é melhor mesmo que não traga. Imagine se for igual à tua noiva... – Eduardo riu e botou a mão na cara, que nem criança quando faz besteira – é melhor que fique por lá!

Daniel gargalhou.

- Tá cheio de advogado de defesa, o outro aí...

- Tome, sacana! – Daniel juntou as duas mãos num sinal de "se fodeu". Virou pra mim – Gustavo, você não tem noção de como esses dois brigam, caara...

- Quem? Murilo e a noiva? Você tem noiva? – fiz cara de espantado, mas só pra zoar também, porque eu já sabia, de outro papo. Os meninos riram e foi a hora dele ficar sem graça.

- Tem sim. Ele noivou contra ela! Kkkk – Daniel zoou.

Murilo se virou pra mim.

- Gustavo, só porque a gente brigou umas duas vezes na frente deles, eles ficam falando..

- Umas duas dúzias de vezes!

- Mentira da porra!

- Ela é louca, Gustavo, sente ciúme até do cachorro dele! Do pai, da mãe, da atendente do plano de saúde... Só não é pior do que a mulher do Diego!

Diego se virou, abriu os braços.

- Má rapaz... Eu tô aqui quieto, na minha, o povo já tá com o meu na boca...

- Vá se arrombar! Diga aí se não é verdade! Eu, quando quero assistir um Vale Tudo, vou com eles pra uma festa!

- Vixeeee, Deus é pai! Com uma dessa eu vou ali, dá licença – levantei e saí pra fumar.

Ainda lá de fora ouvia as risadas dos meninos. Ouvi um "vá se foder!", e dei risada.

Eu fiquei bolado com a história do Daniel ter namorada. Não que não fosse natural, ele é tão legal e bonitinho que, de fato, era improvável que não tivesse (num mundo em que até o Zoião era noivo), mas é que nunca houve menção a esse fato nas nossas conversas. Os fins de semana dele também, pelo que ele me falava, eram sempre nas farras, durante a semana era aquela loucura... Não enxergava em que pedaço da vida dele essa menina conseguia se encaixar.

Tá, fiquei com um pouquinho de ciúme também.

Quando eu estava terminando meu cigarro, Murilo veio até mim e me pediu um também.

- Você fuma? – perguntei.

- Fumo. Quer dizer, assim, eventualmente, quando eu tou bebendo, eu gosto de fumar. Eu também nunca te vi fumando não.

- É, eu passo por fases, assim. Desde que eu cheguei aqui em Camaçari, eu tou procurando não fumar, principalmente durante o dia, e é fácil porque eu tô ocupado, mas à noite, quando eu tô em casa... Já viu, né.

- Você tá morando na república de Di e Zoião?

- Sim. Aqui pertinho.

- Sei onde é.

Demos uma tragada. Terminei meu cigarro.

- Espera eu terminar o meu pra a gente subir.

- Sim, claro... eu ia esperar mesmo. Pensou que eu ia te deixar sozinho?

- Sei lá, né... Você só quer saber dos meninos...

- Oi??

- kkk, tô zoando, porra.

- Ah, tá. Rss.

- É a primeira vez que você sai aqui né?

- Na verdade, não... Eu já saí algumas vezes...

- ...com os meninos, ah tá! Tá vendo aí? Nem me chamou...

- ...saí com o povo da república! Eu, Di, Thales e Zoião. Vocês nunca me chamaram pra nada aqui à noite. Quer dizer, o Dan, quaando não tem aula, me chama pra comer alguma coisa na rua, mas eles sempre tão ocupados. O Edu também faz faculdade à noite, então fode tudo. E você, só tem marra, mas também não te vejo muito lá.

- É porque eu trabalho na Qualidade, pô. Aí eu vou lá só pra pegar o carro mesmo, vejo o roteiro, e pronto. Mas às vezes eu fico lá, também. Te vejo passar, lá, só anda apressado, nem fala com ninguém...

- Êta, falo sim – rimos. Eu fico mais apressado pela manhã, porque eu faço as vistorias de campo logo. Aí eu fico procurando carro pra me levar, e é mais difícil porque tem que ser com motorista, eu ainda não sei dirigir.

- Sério?

- É, falta de vergonha na cara. Valquíria me deu um prazo pra eu tirar a carteira de motorista, e até me matriculei na autoescola, mas relaxei. Tenho que ver isso.

- Se tiver precisando de ajuda, pô, eu te dou umas aulas, a gente vê um horário.

- Pô, pode ser. Mas eu tenho aulas também na autoescola, falta é coragem pra ir, todo sábado de manhã. Afff..

Os meninos gritaram lá de cima, reclamando da demora. A gente foi subindo as escadas.

- Seria bom se eu pudesse te levar pra essas vistorias aí. Só que eu sou de outro setor, aí fica ruim.

- É. Pô, seria massa, né?

- É, só assim, pra você se desgrudar e dar um pouco de atenção aos outros amigos – botou as duas mãos no peito e fez cara de coitadinho.

- Ahhh, meu Deus, eu vou chorar! – demos risada. Vai pra a mesa que eu vou no banheiro.

Quando eu voltei do banheiro, passei pelo grupo da Valquíria e dos outros e fiquei um pouco lá. Mas toda hora via o Murilo acenando, mostrando uma cadeira ao lado dele que ele tava guardando. Fui pra lá.

- Senta aqui, pô, pra a gente conversar.

- Tá.

Os outros meninos estavam envolvidos em outra conversa, zoando uns aos outros como sempre.

- Esse copo é seu, eu pedi pra renovar que o outro já tava quente.

- Ah, valeu – Sorvi um gole generoso, de fato a cerveja estava muito boa. Ele olhava pra mim.

- Você é engenheiro civil, é?

- Sim. Disse, colocando o copo na mesa.

- Novinho demais, cara.

- Rss, me formei com vinte e três. Mas isso nem sempre é bom.

- É porque você, além de ser jovem, tem cara de mais jovem ainda – rimos. E é pequeninho, então, pra respeitar fica difícil.

- Eu vou voltar pra lá, tava melhor pra mim o negócio... – peguei meu copo e fiz menção de sair, mas tava só brincando. Ele me agarrou pelo braço.

- kkk, não, porra, fica aí, deixa eu te falar uma parada.

- Diz!

- Eu também faço engenharia.

- Sério? Coisa boa...

- É, aqui na empresa meu cargo é de motorista, sabe? Mas eu faço engenharia à noite, lá em Salvador. Mas não é engenharia civil, não, é mecânica.

- E você vai e volta todo dia também que nem o Daniel?

- Sim. Saio daqui às cinco, chego meia noite e meia.

- Puxado, né?

- É. Mas é o jeito. A faculdade é muito boa, eu consegui pelo ProUni bolsa integral!

- Muito legal, cara...

Ele falava cheio de orgulho, e transparecia uma alegria que me emocionou.

- Poxa, Murilo, nem imaginava que você tava na ralação da engenharia.

- É, só porque o bicho é peão, não tem cérebro, né?

Dei um tapa forte no ombro dele.

- Nada disso!

- Porra, doeu, tava brincando!

- É porque a gente nunca conversou direito, nem é por nada, não.

- Eduardo que fala isso. Aquele vagabundo, fica falando que eu não sou ninguém lá dentro, que ele não deveria nem falar comigo. – olhamos para Edu e ele nos estendeu o dedo médio de volta.

- Aaff, que absurdo...Rss, ele fala isso brincando, é doido.

- É... Lá na empresa mesmo, eu fico meio frustrado, sabe? Porque eu acompanho o pessoal da Qualidade, aí vejo uns processos, assim, que poderiam ser melhorados, mas aí eu não posso dar palpite, porque senão o cara pode se zangar...

- Porque não pode dar palpite? Franzi o cenho e o olhei de cima a baixo – pode sim, e se o cara não quiser, azar o dele! A melhor coisa é a gente ouvir outra opinião.

- Sério?

- Claro, Murilo. Só se o cara for muito tapado mesmo pra não querer. Ele não sabe que você tá fazendo faculdade de engenharia?

- Sabe, ele que me libera um pouco mais cedo pra eu poder pegar o transporte.

- Então. Sei lá, vai falando com ele aos poucos...

- E tem coisas que eu tenho vontade de falar: "não precisa ir ninguém comigo, eu já vi vocês fazendo, eu sei como é..."

Rimos.

- É uma boa também, principalmente pra eles. Só não sei se é bom pra você, que não ganha pra isso.

- Ah, mas é bom pra mim também. Aí eu vou aprendendo.

- Você tem quantos anos?

- Oi?

- Você tem quantos anos?

- Eu tenho vinte e sete. Tô começando tarde, né.

- Nunca é tarde. E você é super jovem.

Percebia que ele, ao longo da conversa, ou aproximava o ouvido, ou ficava fitando minha boca. Aí num impulso eu me afastei. Ele pegou em meu braço.

- Desculpa, às vezes eu me aproximo demais pra te ouvir. Eu tenho uma deficiência na minha audição, esse ouvido aqui – apontou para o esquerdo – quase não funciona.

- Ah, tá. Pensei que tava querendo me beijar!

Demos uma gargalhada.

- Não, aqui não, aqui não. Kkkkk

Os meninos nos chamaram pra contar alguma história podre envolvendo o nome do Diego, que eu tinha que saber.

- Vamo lá ver qual é a vítima da vez!

- Vamo sim. Ei, você vai como pra casa?

- Bom, eu não sei. Eu vim de mototáxi. Aqui é pertinho de lá, dá até pra ir andando.

- Não, pô, eu te levo de moto.

- Não fica ruim pra você? Aqui é tranquilo.

- Não, eu te levo.

Ficamos nós cinco lá, bebendo e zoando. Nossa, quanta capacidade de falar merda.

Às vezes colava uma ou outra pessoa, querendo participar da risadaria. Tinham umas duas meninas lá super atiradas, vinham com indiretas, ou até diretas mesmo. Tinha uma que toda hora pedia pra tirar foto, e se esfregava legal, era muito doido. Já estava meio alta.

Fechamos a conta e ficamos mais de meia hora na porta do bar, só em sessão de fotos. Daniel informou que existia uma nova forma de tirar foto, de um jeito que era, assim, de baixo pra cima, todo mundo abraçado, e que de outro jeito não servia mais, era over. Umas vinte tentativas depois, conseguimos do jeito que ele queria, as tais mandalas.

Walter me perguntou se eu queria carona, porque eu morava na rota dele. Falei que sim. Fui me despedir da galera.

- Eu não falei que te levava? – Murilo me falou.

- Mas ele tá indo pro mesmo lugar que eu, aí fica melhor, né?

- Você tá com um capacete só, Murilo – Daniel lembrou.

- Eu dou a ele o meu capacete, grande besteira isso. É daqui pra ali, uma hora dessa não tem problema não.

Walter esperava.

- Gustavo, falta ainda a gente tirar umas fotos! – Uma menina gritou.

- Libera o cara, pô – Murilo falou, apertando meu braço.

- Tá.

Tiramos mais umas duzentas fotos: abraçados, dois a dois, três a três, eu subindo nas costas de Daniel, todos de capacete, todos dando língua, coisa de bêbado mesmo.

Não posso mentir que foi uma sensação muito boa eu ali, bêbado, na garupa da Yamaha XTZ de Murilo, sentindo o vento bater no meu rosto... Como ele tava bêbado também, ia acelerando, fazendo curvas bem deitado, e perguntava se tava bom.

- Tá massaaaa!!

- Então eu vou empinaaaaaaaarr!

- Nãaaaaaaaaaaaaaoooooooooooo!!!!

- kkkkkkkkkkk!

Fez questão que o capacete fosse comigo.

Chegamos na minha porta e eu estava vivo ainda.

- Pronto, está entregue – ele disse.

- Valeu mesmo, foi muito bom.

- A carona?

- A carona, a noite, tudo foi legal.

- Que bom saber, até porque a gente conversou pra caralho. E se você disse que foi tudo legal, então, o meu papo é legal. Rsss.

- Hahaha, convencido. Tá, vou te dar essa moral. Adorei conversar contigo.

Ele abaixou a cabeça, dando risada. Balançou a cabeça, deu risada de novo.

- Que foi, doido?

- Nada, não, kkk, tou lembrando das besteiras que a gente fala.

- Ah, tá, pois é, que povo idiota, né! Kkk

Rimos novamente.

- Bom, eu vou te liberar e entrar pra minha casa. Amanhã você vai estar por lá? – era uma quinta-feira e trabalharíamos na sexta ainda.

- Vou sim. Mas deixa eu te falar uma coisa.

- Diz.

- Foi muito bom a gente conversar. Te falar que eu também faço engenharia, e tal. Eu e o Daniel, a gente conversa muito, até porque a gente é vizinho...

- Vizinho?

- É, a minha casa é vizinha da república deles. E ele sempre me falava de você, dos projetos que você faz, e dos desafios que você pegou aí na empresa, e eu sempre ficava com vontade de me aproximar.

- Poxa, eu..

- Aí eu queria dizer só isso, que eu te admiro muito.

Eu corei. Abri minha boca e fiz menção de dizer algo, mas não saiu nada.

- A gente tá sempre preparado para uma crítica, mas nunca pra um elogio. Não sei quem disse isso. Rss.

- Hahaha.

Eu abracei ele, bem apertado. Tava tocado ainda pelo que ele disse.

- Pronto, agora que eu já consegui te deixar sem graça, vou pra minha casa tranquilo.

- kkk, palhaço. Vai embora, vai.

Ele deu partida na moto. Girei a chave do portão quando ele saiu, mas percebi que ele buzinou e tava voltando. Esperei.

- Ei, você gosta de churrasco?

- O que? Como assim, eu sou carnívoro ao extremo!

- Bora almoçar amanhã num lugar aqui que eu conheço? É numa birosca perto de um distrito. Se você não tiver problema com lugar humilde, acho que vai gostar de lá.

- Colé, adoro boteco! Vamos sim!

- Beleza, então.

Apertamos as mãos.

- Agora pode ir! Rss

- Tchau, Murilo.

Nossa, foi a primeira vez que eu saí com a galera do trabalho e foi muito bom! O pessoal, fora do escritório, é mais solto (fora os meninos, que são palhaços sempre), conversei com bastante gente. O Walter, a Valquíria... Ela se mostrou, na verdade, para mim, ser uma pessoa fechada mais por timidez do que por qualquer outro motivo, mas era uma simpatia.

Pensei também em como as aparências nos enganam, nós, sempre acostumados a tirar conclusões pelo pouco que dispomos a observar das pessoas. Otávio achava que eu era bom profissional e, sempre calado e sério, me admirava por ser alegre, olha só. Daniel tinha namorada! E Murilo fazia engenharia e me observava de longe.

Tirei minha camisa rosa, tomei banho e provei a camiseta que tinha ganhado, só pra confirmar que era horrorosa mesmo.

...

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