Nottingham
Eu, Gillian e Percy percorríamos as ruas mais pobres de Nottingham com os rostos escondidos sob capuzes e trazendo os arcos cruzados nas costas, junto com a aljava de flechas.
Nossos cavalos vinham carregados com sacos de moedas presos às selas. Tuck aceitara parte do dinheiro e devolveria outra ao meu pai e ao conde, mas eu havia ficado com um dos sacos e trocado os valiosos besantes de ouro por moedas menores com os judeus da cidade.
Por fim, paramos diante da pequena igreja de parede branca que ficava ao fim de uma das ruas.
- Padre! - chamei, batendo palmas e fazendo um estardalhaço impaciente.
Logo depois, um padre de aparência envelhecida saiu pela porta e aproximou-se de nós com um ar curioso, provavelmente tentando imaginar quem eram os cavaleiros encapuzados diante dele e porque faziam tanto barulho.
- O que desejam na casa de Deus, arqueiros?
Percy desmontou, desamarrou um dos sacos da sela e o estendeu para ele.
- Com os cumprimentos de Robin Hood - disse.
- E seus amigos - Gillian completou.
O padre meneou a cabeça em negativa e ergueu as mãos espalmadas. Parecia desconfiar de nós por estarmos com os rostos escondidos.
- Não posso aceitar nada que não venha de um trabalho honesto.
Sob os capuzes, nós três nos encaramos com olhos confusos. Afinal, era difícil decidir se um roubo era honesto, mesmo que fosse Gawain a vítima.
Suspirei, desci do cavalo, e pegando o saco ainda na mão de Percy, joguei-o aos pés do padre.
- Passamos por vários mendigos e crianças com ares famintos. Que importa de onde vem o dinheiro? - Costumo ser calmo, mas a atitude dele me irritara.
O padre abaixou-se, pegou o saco e jogou-o de volta a Percy. As moedas tintilaram.
- Rapaz arrogante! Não precisamos de suas moedas! - desafiou-me, franzindo as sobrancelhas do rosto magro.
Por essa eu não esperava! Meu sangue ferveu e subiu à cabeça e, enfurecido, puxei o saco das mãos de Percy, abri o cordão que o prendia e comecei a lançar as moedas para o alto.
- Aos anjos! - gritei, virando-me.
Moradores tinham parado por perto e escutavam a discussão. Vários correrram para as moedas, principalmente as crianças, e mais delas chegaram atraídas pelos gritos animados das primeiras. Esvaziei o restante do saco nas mãos delas, voltei a Bucéfalo e subi na sela.
Percy também montou e saímos de lá apressados, antes que o padre tivesse tempo de perguntar novamente sobre a origem do dinheiro.
- Podia ter sido mais educado... - Gillian recriminou-me.
Eu bufei.
- Maldito padre! Ainda bem que sou tranquilo, ou ele estaria em maus lençóis pela ofensa.
Meu amigo desviou o olhar e percebi que sorria com o canto da boca. Divertia-se com a história do padre e isso me deixou ainda mais furioso. Peguei outro saco de moedas e novamente passei a jogá-las para o alto, como um desafio a Deus que não quisera recebê-las.
Outros correram, erguendo as mãos para apanhá-las.
Por fim, entre risadas, Gillian e Percy me imitaram. Continuamos pelas ruas estreitas e cheias de lama, retirando punhados de moedas dos sacos e jogando-as para os moradores que nos olhavam das portas e janelas, ou nos seguiam a pé. Quando outros nos viam, aproximavam-se, dando vivas e levantando as mãos, enquanto atirávamos as moedas para eles.
Eu esquecera a raiva e gargalhava de prazer. Naquele dia descobri que era infinitamente melhor dar do que ganhar algo.
- Com os cumprimentos de Robin, o fora da lei que rouba dos ricos! - eu gritava, acompanhado por Gillian, que também ria como um louco e jogava as moedas ainda mais alto.
Nos rastros de nossos cavalos formou-se uma procissão de pessoas animadas. Chegamos todos ao mercado central da cidade; era o meio do dia e o local estava lotado. Muitos circulavam pelas bancadas cobertas por panos coloridos e cheias de mercadorias e alimentos.
Desmontamos, amarramos nossos cavalos nas estacas de uma rua lateral e caminhamos entre as bancas, continuando com a distribuição do dinheiro aos que vestiam-se mais simplesmente.
A confusão aumentava, quando muitos tentavam se aproximar e forçavam a passagem entre a multidão que nos cercava.
- Agradeçam ao fora da lei...
- Robin Hood rouba dos ricos e doa o dinheiro à quem precisa...
- Assaltou o castelo de um nobre, quase foi morto, mas conseguiu escapar...
- Ele ama uma garota, Marion, mas ela está presa por um conde malvado em uma terra distante... - Espalhamos os boatos entre risadas.
As moedas estavam acabando. A confusão ao nosso redor aumentara ainda mais. Alguns queriam um pouco do dinheiro, outros ouvir as novidades e terceiros só aproximavam-se para saber quem eram os homens cobertos com capas que diziam-se foras-da-lei e andavam à solta pela cidade, desafiando aos soldados e ao xerife.
Estes foram chamados. Eu, Gillian e Percy nos entreolhamos, assustados aos vê-los aproximarem-se em passos apressados. Se fossemos capturados demoraríamos muito tempo para contar tudo e provar nossa inocência, e talvez, nem mesmo isso conseguíssemos. Em comum acordo, nos viramos e saímos correndo.
- Parem! Bandidos! - alguém gritou.
Era uma voz conhecida. Olhei para trás e vi John entre os homens que partiam atrás de nós. O xerife oferecera-lhe o cargo de capitão de volta; ele não aceitara, porém passava a maior parte do tempo com seus antigos soldados enquanto estávamos em Nottingham. Se o arqueiro descobrisse o roubo ficaria furioso.
Percy escapuliu para o outro lado e desapareceu. Os soldados continuaram atrás de mim e de Gillian.
- Maldição! Estamos ferrados! - exclamei, puxando-o pelo braço e apressando-o.
Corremos, colidindo com pessoas que vinham na direção contrária.
- Bandidos! - alguns gritavam, enquanto tentavam nos segurar mesmo sem saber o que estava acontecendo.
Nós os empurrávamos e continuávamos como loucos, agora apavorados de verdade. Em minha mente formava-se a cena; eu sentado diante do xerife, sendo julgado como fora da lei. John de um lado, o rosto franzido em uma máscara de fúria, e do outro, meu pai, pedindo ao xerife que me enforcasse imediatamente.
Corri ainda mais, e tanto que acabei batendo de encontro a um rico mercador que vinha pela rua. Ele trazia dinheiro escondido sob a capa; mais moedas caíram, tintilando pelo chão. Eu me abaixei, pegando algumas rapidamente e jogando-as para cima. As pessoas pularam para alcançá-las, bloqueando os soldados que vinham logo atrás.
- Com os cumprimento de Robin - ainda tive forças para gritar, enquanto John e os soldados atrapalhavam-se.
- Aqui! - Gillian chamou-me com um gesto afoito. Ele tinha tirado o arco do ombro e armara uma flecha. - Vamos assustá-los! - gritou e disparou.
A flecha passou a um palmo do rosto de um soldado e este parou, temendo pela vida. Os que os seguiam diminuíram o ritmo.
Eu imitei Gillian e armei meu arco. O único que não se intimidara havia sido John, que empurrava os homens para tentar nos alcançar. Distendi a corda e mirei.
Ele usava um chapéu engraçado desde o dia anterior. Uma boina verde pontuda e com uma pena presa à lateral. Horrível! Um presente de Alan, meu ex-primeiro tenente e agora capitão, o arqueiro explicara sem graça, quando eu olhara para aquilo e rira.
Soltei a flecha e a maldita boina voou longe.
- Mais um passo e acerto entre os olhos - ameacei, engrossando a voz para não ser reconhecido.
Felizmente, John parou, encarando-nos com olhos mortais.
Gillian virou-se e correu. Eu mais ainda. Chegamos às muralhas, corremos para o portão leste da cidade e atravessamos a ponte sobre o rio. Continuamos pela estrada em direção à floresta como se mil demônios nos perseguissem e enfim nos embrenhamos entre as árvores.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top