Decisões
Quase disparei, mas pude ouvir cavalos chegando pela estrada. Rezando para que fossem meus amigos, sorri de volta para Gawain e teria lhe mostrado um dedo em um gesto mal educado se não estivesse com as mãos ocupadas.
Os soldados do portão começaram a erguer as balestras de novo. Ouvi flechas zunindo atrás de mim, e eles caíram, acertados nos pés, mãos e ombros, com disparos tão certeiros que apenas uma pessoa poderia fazer aquilo.
John! Eu quase chorei de alívio.
Ele desmontou e colocou-se ao meu lado. Escutamos gritos vindos do alto da muralhas, nos ameaçando. Com um pulo, John agarrou Gawain e, postando-se atrás dele, passou o braço por seu pescoço e arrastou-o pela ponte, para longe do alcance de qualquer flecha disparada do castelo. Eu os segui, mantendo Gawain na mira com um ar firme.
Gillian, Elizabeth e Thiago também haviam chegado, assim como Will e o bando de foras da lei. Estes adiantaram-se e, erguendo os arcos, formaram uma barreira de proteção no início da ponte.
Gawain devia ser odiado por seus próprios homens. Os soldados nem esforçaram-se para contra-atacar; parados sob o pórtico do portão e na esplanada no alto da muralha, apenas ficaram nos observando de longe, provavelmente sem vontade nenhuma de enfrentar os foras da lei e arriscar suas vidas por ele.
John empurrou-o contra o chão da estrada. Gawain bufou com raiva, mas deixou-se ficar caído. Apoiando um joelho nas costas dele, o arqueiro tirou o próprio cinto e puxou as mãos do escudeiro para trás, amarrando-as com um movimento veloz, enquanto nós os cercávamos. Depois, puxou-o pela gola e fez com que ele se ajoelhasse de novo.
Elizabeth adiantou-se. Tinha um olhar duro, cheio de cólera.
— Por sua culpa Manfred foi morto! — acusou-o.
Gawain encarou-a e sorriu.
— Quem se importa com um criado? — retrucou com sarcasmo.
Thiago rugiu e investiu, mas Gillian segurou-o e empurrou-o para longe, impedindo que se aproximasse. Só então notamos - Thiago apertava o punho de uma adaga, o rosto contorcido em um esgar de raiva.
Eu puxei a corda do arco, pronto para matar Gawain com uma flechada e esquecido da promessa que fizera a Jack. Ele encarou-me, ainda ajoelhado, o rosto retorcido em uma máscara demoníaca, sarcástica e cheia de ódio. No entanto, matar um homem, mesmo um como aquele, não era nada fácil; continuei segurando a corda entre os dedos, as mãos voltando a tremer de tensão e angústia.
— Dispare, Robert! — Ouvi Thiago gritar, seu braço preso por Gillian em um aperto firme.
Pisquei, mordi os lábios, e limpei o suor que escorria em minha testa com a manga da túnica. Eu, covardemente, hesitava.
— Vocês não tem coragem, não é? — Gawain sorriu e ameaçou erguer-se.
No entanto, John o derrubou com um chute e colocou-se à frente dele, protegendo-o de minha flecha.
— O que está fazendo? — Thiago gritou e tentou atacar, desejando vingança por motivos que não conhecíamos. Mais uma vez Gillian o impediu, mantendo o aperto firme.
— Vamos levá-lo a Nottingham — John disse, voltando-se para Thiago com um olhar determinado e cruzando os braços. — E pediremos ao xerife para julgá-lo.
— O quê? — Elizabeth indignou-se e tentou empurrá-lo para ao lado. — Já passamos por isso no passado! Nada aconteceu!
John manteve-se no lugar, imóvel como o tronco de um carvalho.
— Se o matarmos agora, sem que possa se defender, seremos como ele — disse, e voltou-se para Gawain, encarando-o com desprezo.
Erguendo o queixo, Elizabeth praguejou e afastou-se.
— Maldição... — murmurei, abaixando o arco e respirando fundo. Conhecia o maldito arqueiro e sabia que a decisão era irreversível. John estava acostumado a mandar e era teimoso como uma mula. Contudo, sabia que ele falava a verdade. Sentira-me enojado comigo mesmo por ter de matar alguém preso e derrotado.
Gillian provavelmente pensara como John, e por isso também impedira Thiago. Eles haviam se distanciado e conversavam em voz baixa, trocando acusações entre eles. Com o rosto fechado, Thiago ergueu o braço, afastou Gillian com um empurrão e, a seguir, veio em minha direção.
— Covarde! — falou alto, seus olhos escuros acusavam-me, decepcionados.
Envergonhado, baixei os olhos, sem retrucar a um xingamento pela primeira vez em minha vida.
Thiago deu meia volta, caminhou para seu cavalo, montou-o e partiu pela estrada em disparada.
Ouvi Gawain rir, e ergui meus olhos a tempo de ver John derrubá-lo novamente com mais um chute. Ao menos o arqueiro é corajoso o suficiente para dar uma lição nele, martirizei-me, triste comigo mesmo. Passado o ardor da luta, agora eu tremia de verdade, exausto com tudo aquilo.
— Tudo bem? — Elizabeth aproximou-se. Sem esperar uma resposta, abraçou-me, e depois pousou a mão em meu rosto. — Podemos ficar alguns dias na minha casa em Nottingham, antes de seguir viagem. Mandarei preparar um banho quente e lhe farei bolinhos de mel. — Ela tentava animar-me.
— Sim, será ótimo! — Fingi um sorriso, ainda ardendo de vergonha.
Senti uma mão apertar meu braço e voltei-me. John me observava com seu jeito sério, pensativo. E então disse:
— Ouça esta regra. Não é uma de suas regras do amor, mas sim, uma regra de guerra. Os verdadeiros heróis não são aqueles que ignoram o medo. Esses são apenas idiotas! Ser um herói é encarar o medo de frente e ter coragem para enfrentá-lo. Você agiu bem não o matando! E se não tivesse partido como um louco atrás dele, jamais o teríamos capturado.
Desta vez, sorri de verdade.
— Agora pode tirar a mão de minha esposa... — ele continuou.
Percebi que ainda passava o braço pela cintura de Elizabeth e, com um murmúrio de desculpas, a soltei.
John afastou-se.
— Odeio o ciúmes dele! Vou torturá-lo com ferros quentes quando ficarmos sozinhos — Elizabeth reclamou, torcendo os lábios.
Maldição! Gostaria de estar na pele do arqueiro! As imagens de algemas e um chicote de plumas passaram rapidamente por minha cabeça, enchendo-a de ideias criativas. Lobos uivaram, o demônio ergueu suas asas de morcego e esfregou as mãos.Por sorte, com uma piscadela cúmplice, ela me deixou e seguiu atrás de John, provavelmente percebendo que eu a olhava com um ar faminto.
Enfim, lembrei-me de Gillian que deveria estar ainda mais chateado do que eu por causa de Thiago. Virei o rosto, procurando-o. O vi encostado à uma árvore, na beira da estrada; ele passava a mão no rosto, mordia os lábios e parecia bastante aborrecido.
— Tudo bem? — aproximei-me. Tinha voltado o arco para as costas e esticava os braços cansados de tantas lutas, alongando-os.
Ele grunhiu em resposta e sorriu um sorriso falso.
— Já parou de tremer? — perguntou-me, os olhos azuis procurando esconder que estava chateado.
— Quase... — respondi. E pela primeira ou segunda vez desde que nos conhecemos, dei-lhe um abraço rápido. — Você fez a coisa certa — disse.
Ele torceu o rosto em uma careta, surpreso com o abraço.
— Hei! — reclamou, empurrando-me para longe. — Não sou uma de suas garotas!
— Graças a Deus... — retruquei. — Não saberia quais das regras do amor usar com você.
— Panaca... — ele revidou.
Nossos ânimos começavam a melhorar. Enquanto trocávamos palavras gentis, víamos que o arqueiro, ajudado por Will, obrigara Gawain a subir em um dos cavalos e o amarrava na sela, preparando-se para levá-lo a Nottingham.
— Espero que John jogue Gawain em uma masmorra, e que ele saía dela apenas para o cadafalso — Gillian disse com a voz soturna.
— Tenho certeza de que John não o deixará escapar. Ele sabe que Elizabeth o mataria se isso acontecesse — tranquilizei-o.
Desta vez, Gillian sorriu aliviado. Todos nós queríamos esquecer o mal estar que a presença de Gawain nos causara.
— Você parecia um fora da lei de verdade quando abordou os soldados na estrada— ele mudou de assunto.
— Acho mesmo que levo jeito... — retruquei, desejando parecer humilde, mas na verdade sentindo-me orgulhoso.
Ele franziu a testa, curioso.
— Robin Hood?
— Rob, — apontei para meu peito e voltei o capuz para a cabeça, — in the hood. Gostou?
— Achei meio idiota...
Abaixei o capuz, fingi um olhar de raiva e fiquei em silêncio. Estava refletindo.
— Vamos! — John fez um sinal, chamando-nos. Os foras da lei o haviam cercado, como se o arqueiro já fosse o chefe deles. Ele emanava uma autoridade natural e todos acabavam obedecendo-o, gostassem ou não de suas ordens.
Acenei em resposta, e ele veio até nós.
— Vou até Aslan, John. Quero certificar-me de que Tuck não correrá perigo ficando por lá — eu disse.
— Sim... Tem razão! — ele assentiu. — Vou avisar o frade de que o aguarda na vila. Depois, nos encontramos em Nottingham. — Com um abaixar de queixo, despediu-se, e começou a se afastar. Mas, a seguir, parou e voltou-se para mim. — Não vai se meter em encrencas, não é?
Ergui os olhos com um ar inocente.
— É claro que não...
— Jure! — John exigiu.
Maldito arqueiro desconfiado! Ergui a mão.
— Juro! — menti na maior cara de pau.
— Ficarei com ele, John! Vou vigiá-lo de perto — Gillian veio em meu resgate, pois certamente preferia me suportar a ter que enfrentar o mal-humor de Thiago.
— Está bem... — Finalmente, o arqueiro concordou com um resmungou e afastou-se.
Elizabeth e os foras da lei, cercando Gawain, já haviam montado. John pulou em seu cavalo e partiram.
Esperei até que eles sumissem na curva da estrada. Então, voltei-me para Gillian, colocando o capuz de volta na cabeça.
— O plano ainda não terminou. —Dei um tapa no ombro dele e escondi o riso ao ver seu rosto contorcer-se em uma careta de protesto. — Vamos! E Robin precisa terminar o que começou!
Nota do autor:
Não se desesperem. Se estão lendo isso é porque sobrevivi para contar. E nenhum autor seria louco o suficiente para matar seus personagens principais. Ou seria?
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