A Fuga

A primeira flecha cruzou entre os punhos de John e cortou a corda; a segunda atingiu o chicote do soldado, fazendo-o voar para longe. A terceira e a quarta resvalaram em Gawain; uma raspou o tronco dele na altura do peito, a outra arrancou um cacho do cabelo. Eram avisos de que eu poderia tê-lo matado se quisesse. Enquanto isso, Gillian e Thiago também disparavam contra os soldados, sem os acertar, mas causando uma confusão tremenda.

Os que estavam na praça correram para todos os lados para fugir das flechas.
John pulou do tablado e veio em minha direção. Com o coração disparado, eu me levantei e, voltando o arco ao ombro, rapidamente escorreguei do telhado para a rua.

— Agradeça a Robin Hood por seu salvamento — disse assim que nos encontramos, engrossando a voz para não ser reconhecido.

— Espero que tenha um bom plano de fuga! — John apontou para a praça.

Gawain berrava como um louco, chamando o soldados.

Comecei a correr pela viela estreita e John me seguiu, enquanto eles partiam atrás de nós. Com passadas rápidas e seguras, eu percorria o caminho que escolhera na noite anterior. Um pouco depois, quase batemos de frente com Gillian e Thiago, que chegavam esbaforidos por uma rua lateral, também com rostos cobertos pelos capuzes.

— Corram! — Gillian gritou e vimos que mais soldados vinham atrás deles.

Disparamos em direção ao portão da cidade, correndo através das ruas estreitas e ouvindo os passos dos homens em nossa perseguição. Logo o atingimos; como sempre, um fluxo constante de moradores, camponeses e mercadores iam e vinham, cuidando de seus afazeres diários. Esbaforidos, cruzamos por eles e seguimos para o pórtico sob a muralha.

— Fechem a grade! —Escutei o berro de Gawain e olhei para trás; ele corria e saltitava, acenando com os braços para os guardas dos portões.

No entanto, os soldados que o seguiam não pareciam tão entusiasmados em capturar John, ex-capitão da guarda; Gawain quase nos alcançava quando um deles tropeçou e caiu por cima do maldito escudeiro, derrubando-o em meio à uma poça de lama.

Soltei uma gargalhada. Gawain rugiu e tentou se levantar, mas outro também fingiu escorregar, jogando-se sobre ele e esparramado lama para todos os lados. Com mais uma risada contente e erguendo a mão em um gesto mal educado, disparei atrás de meus amigos.

Cruzamos a ponte. Cinco cavalos nos aguardavam mais adiante, seguros pelas rédeas por outro encapuzado que montava um deles. Voamos para as selas e partimos em direção à floresta.

⚔️⚔️⚔️

Cavalgamos pela estrada por um bom tempo. Depois, nos desviamos para uma trilha estreita e nos embrenhamos entre as árvores, continuando em frente até termos certeza de que ninguém vinha atrás de nós. A trilha terminava na beira de um rio raso e de águas cristalinas; desmontamos, deixando os cavalos beberem e se refrescarem.

Eu estava sedento e eufórico, animado por meu plano ter funcionado. As más línguas dos trovadores dizem que meus planos sempre dão errado, mas com esse eu lhes provei que estão enganados!

Ajoelhei-me na beira e bebi um pouco de água, jogando-a também no rosto. De repente, mãos puxaram a gola de minha capa, obrigando-me a levantar e arrancando o capuz de minha cabeça.

— Robert! – John rosnou meu nome com olhos furiosos. — Tinha certeza de que era o tal Robin Wood desde o início!

Encolhi-me em um reflexo. Ele ainda estava sem camisa e todos aqueles músculos me intimidavam, embora se houvessem garotas presentes provavelmente estariam batendo palmas.

– Robin Hood – ergui o dedo e o corrigi com um fio de voz.

Ele franziu o cenho e estreitou os olhos, puxando-me para perto dele.

– Não interessa o nome! Desde quando passou a roubar?

Estremeci como um coelho preso em uma armadilha e tentei balbuciar algumas palavras. Por sorte, Gillian adiantou-se com um pulo e interpôs-se entre nós:

— Deixe-o, John! O dinheiro que distribuímos na cidade era o de Gawain!

John grunhiu e, por fim, soltou-me.

O rapaz que nos aguardara com os cavalos durante a fuga não era um rapaz, mas sim, Elizabeth. Havíamos mandado Percy e Guillaume à nossa frente, pedindo que nos esperassem em uma hospedaria da estrada com a bagagem. Tínhamos insistido para que Elizabeth seguisse com eles, contudo, ela obviamente se negara.

Como se houvesse escolha! Quando Elizabeth deseja algo, consegue. Por sorte ela havia me desejado por uma noite no passado, mas é melhor nem pensar neste assunto... Águas passadas não movem moinhos! Será? Não sei se concordo muito com esse ditado.

Bem... Voltando a história:

Baixando o capuz e tirando a capa, Elizabeth entregou-a para John e o ajudou a vesti-la. Ele continuava a resmungar, até que ela pousou a mão no braço dele, murmurando palavras doces em seu ouvido como se estivesse domando um cavalo selvagem. Enfim, o maldito arqueiro respirou fundo, começando a se acalmar.

Aproveitando a chance, Gillian e eu rapidamente lhe contamos sobre nossa invasão ao castelo e o furto.  De braços cruzados, ele cofiava a barba curta enquanto nos escutava e, de súbito, surpreendeu-nos com uma gargalhada:

— Todos na cidade estão contando histórias sobre os foras da lei como se eles fossem heróis! E por causa de minha fuga, agora também sou um deles! — exclamou entre as risadas.

Elizabeth o encarava apreensiva, provavelmente achando que o marido dela enlouquecera.

— Seguir as regras sempre foi o mais importante para você! Não se importa?— indagou, colocando a mão no rosto dele para testar se havia algum vestígio de febre que pudesse causar um delírio.

Ele ergueu as sobrancelhas e, tomando a mão dela entre as dele, beijou o dorso.

— John Pequeno, às suas ordens, milady — brincou, fingindo uma reverência, e depois novamente começou a rir.

Agora era Elizabeth que estava furiosa.

— Enlouqueceu? Pode ser enforcado por isso! — Ela franziu a testa e seus olhos dardejaram faíscas cintilantes.

Finalmente, John conseguiu controlar o riso.

— Enquanto fui capitão, muitas vezes fechava os olhos quando alguém era perseguido injustamente, e o deixava escapar. Agora, estarei livre para combater as injustiças!

— Combater as injustiças?! — Elizabeth rugiu. — Nada disso! Jurou-me que iríamos para Bruges e aprenderia sobre o comércio!

— Depois disso, é claro... — ele apressou-se em concordar, com um ar intimidado.

Elizabeth encolerizada transformava-se em uma deusa nórdica, mas uma daquelas que só se apaziguavam com sacrifícios sangrentos, e mesmo meu corajoso mestre-arqueiro preferia obedecê-la a enfrentar sua fúria gelada. Contudo, eu sabia que John jamais se contentaria em tornar-se um gordo e satisfeito comerciante, portanto até mesmo a ideia de tornar-se um fora da lei provavelmente lhe parecia uma oportunidade incrível.

Querendo apaziguá-la, ele adiantou-se e tentou abraçá-la, mas ela rugiu de novo e, afastando-se de nós, começou a chutar os seixos soltos na margem do rio, enquanto deixava escapar algumas pragas.

Com um suspiro, John voltou-se para mim e piscou um olho:

—Gostaria de estar por perto e ver a cara de Gawain quando descobrir que suas moedas preciosas desapareceram — disse com um meio-sorriso.

Thiago, que estivera calado até o momento, interpôs-se, encarando-me com um olhar de acusação.

— Quando Gawain descobrir o roubo, com certeza fará uma queixa contra nós. E além de deserdados, por sua culpa também acabaremos nos tornando bandidos!

— Estaremos bem longe daqui quando isso acontecer... — Dei de ombros, fingindo não me importar. Thiago me condenava pela brusca mudança na vida dele e de Gillian, e nossa relação desgastava-se a cada dia.

Ele iria retrucar algo, mas Gillian havia montado em seu cavalo e intrometeu-se, nos chamando:

— Se querem chegar à Aquitânia ao invés de ter as cabeças penduradas na corda da forca, paremos de discutir e vamos nos apressar!

Assenti e pulei para a sela. Gillian estava certo!

— Direto à Poitiers, sem inventar outras encrencas pelo caminho!—ordenei a mim mesmo, instigando meu cavalo.

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