24.

— E aí, alguma notícia dele?

Adriana se encolheu contra o banco do carona do carro de Dante. Algumas velhinhas atravessaram a rua, carregando sacolas coloridas de lojas e vasos de violetas nas mãos. Apesar do dia estar lindo, a investigadora não poderia estar num humor pior. Fazia três dias desde a ida de Luís para Porto Alegre, e o caso não avançara em nada. E além de tudo havia aquela... história dela com Luís.

Percebendo o olhar de Dante se intensificar conforme o silêncio crescia, Adriana deu de ombros. Não olha pra ele. Não olha pra ele.

— Não, mas o Luís tá agindo como uma criança. Nenhuma novidade aí. — Adriana cruzou os braços. Do volante, Dante franziu o cenho e fez uma curva. — Mas a quem eu tô querendo enganar? Esperar uma atitude madura do Luís é o mesmo que plantar uma bananeira e esperar colher morangos.

O amigo riu, e Adriana recebeu seu melhor olhar de irmão mais velho. Os cabelos cor de areia dele brilharam contra o sol enquanto esperavam pelo semáforo abrir. Dante apoiou-se na direção e, com um sorrisinho, clarificou:

— Eu tava perguntado do Otávio, mas tudo bem...

Ela enrijeceu no banco, as bochechas esquentando. Dante fez outra curva e, estacionando logo em seguida, girou a chave na ignição. Ficaram em silêncio dentro do carro, ouvindo o motor resfriar. Sem graça, Adriana baixou o rosto, mas Dante não deixou que o momento se estendesse. Pousando uma das mãos na perna dela, ele sorriu como quem pede desculpas.

— Relaxa. O Luís só precisa de um tempo pra entender tudo o que aconteceu entre vocês — disse ele. Adriana apertou os olhos, abrindo a boca. Dante corou. — Nós conversamos no domingo. Foi difícil pra eu entender, porque no início ele não parava de reclamar e dizer a Adriana vai me matar um dia, Dante! Ele ficou bem... transtornado com tudo.

Ela fechou a cara.

— O problema do Luís é que ele faz muito caso de coisas que não... que não são tão importantes assim. — Um casal passou na rua, tomando sorvete e rindo, o que não contribuiu para o quase inexistente bom humor de Adriana. Por que todo mundo precisa ser tão feliz o tempo inteiro? Ela trincou a mandíbula antes de dizer: — Porra, a gente tá no meio de uma investigação de assassinato. Tem coisas que podem esperar.

Dante ficou em silêncio outra vez antes de dizer:

— Tenta entender o lado dele também, Adri.

— O lado dele? — retrucou ela, erguendo as sobrancelhas.

Sem graça, Dante apertou o volante. Com as bochechas rosadas, ele deu de ombros e evitou o olhar determinado de Adriana.

— Eu não quero me meter, mas tu sabe que o Luís é doido por ti desde a faculdade. Não deve ser nada fácil pra ele.

Adriana engoliu em seco quando a imagem de Luís, pronto para ir embora, se formou em sua cabeça. Eu te amo, Adriana. Muito. Ela virou o rosto para a janela, não querendo que Dante percebesse o rubor de seu rosto. Por que Luís sempre tinha aquela tendência irritante de fazer a coisa certa na hora errada?

— Eu sei, Dante, mas nada justifica ele agir como uma criança e abandonar o caso.

— Bem, se ele não agisse como uma criança, possivelmente não seria o Luís.

Ela sorriu com o canto dos lábios e Dante deu um tapinha amistoso em sua perna. Então, como havia chegado, o momento passou. O amigo desafivelou o cinto e, enquanto checava a carteira, perguntou:

— Alguma coisa que eu deva saber sobre o Sr. Lafue antes de a gente entrar?

Adriana piscou, avistando a loja do livreiro francês do outro lado da rua. Com aquela maldita conversa sobre Luís, havia se esquecido do real motivo de estarem ali. Pra trabalhar no caso que ele fez questão de abandonar. E interrogar Mathieu, a figura silenciosa que tal qual uma sombra rondava a livraria e os pensamentos de Adriana.

— Nada que tu já não saiba, Dante.

— Beleza. Vamos nessa, então.

Desceram do carro e abriram as portas da loja, que novamente estava vazia. Outra vez, Adriana foi assaltada pelo sentimento de entrar em uma máquina do tempo. O sino acima da porta soou, e o ambiente de luz amarelada, repleto de livros e estantes de madeira, fez a investigadora sentir-se em alguma época distante, quase como se estivesse presa numa fotografia sépia de algum álbum esquecido.

Adriana quase sorriu quando os livros trouxeram a lembrança de Luís, de seu perfume forte e do sorriso largo que qualquer livraria tinha o poder de estampar em seu rosto mal barbeado. Por que justo agora que ele havia ido embora tudo, absolutamente tudo à vista de Adriana, trazia a lembrança dele? Desmanchando o sorriso, ela foi em direção ao balcão enquanto Dante, admirado pela organização das estantes, lia o título dos livros nas lombadas e caminhava pela loja com as mãos nos bolsos. Adriana tocou a campainha dourada ao lado da caixa registradora e esperou. Em silêncio, ela observou as páginas do livro de registros dos clientes que descansava em cima do balcão.

Preguiçosamente, sabendo que não encontraria ali nada de novo, Adriana leu os nomes que se seguiam nas páginas amareladas. Entre um dos últimos, o de Érica brilhou na caligrafia que ela julgou ser de Mathieu. Adriana levou a ponta dos dedos ao nome da jornalista, traçando as letras como se pudessem lhe dizer quem tivera coragem de cometer aquela brutalidade com Érica. Sem respostas e esperanças, a investigadora virou a página, voltando no livro de registros e encontrando as folhas repletas de nomes.

Vitória Albuquerque e Rosa Sampaio eram apenas uma amostra de nomes conhecidos que figuravam entre os clientes do Sr. Lafue. Outros tantos que Adriana nunca vira também brilhavam na página, na caligrafia apertada e miúda de Mathieu, preenchendo as colunas de cima a baixo. Rafaela, Beatriz, Fernanda, Mara, Martin C. de Sá. E a lista continuava.

A porta da salinha do Sr. Lafue se abriu, e a cabeça morena de seu ajudante surgiu. Os olhos profundos de Mathieu giraram pela loja com desinteresse, parando em Adriana e Dante. Sem esboçar emoção, o homem falou algumas palavras num francês sussurrado, possivelmente indicando ao Sr. Lafue a chegada deles.

— Ah, oui! Aqui dentro, investigadorres.

Adriana e Dante entraram na salinha abafada do Sr. Lafue, encontrando o velho livreiro atrás da mesa abarrotada de papéis onde, agora, descansava um aparelho de chá de porcelana antiga e maltratada. Sorrindo, o Sr. Lafue pegou a bengala que descansava na beirada na escrivaninha e se ergueu para cumprimentá-los, recebendo-os com uma alegria contagiante.

— Sinto muito que o Sr. Machado não possa ter vindo — disse ele, dando a volta na mesa e sentando-se na cadeira de couro gasto. — Ele gosta tanto de livros.

— Fica pra uma outra hora, Sr. Lafue. — Dante sorriu, agradecendo com um gesto de cabeça a xícara de chá que as mãos trêmulas do livreiro lhe alcançavam. — Aliás, devo dizer que foi um tanto quanto... difícil encontrar um horário disponível pra falarmos com Mathieu.

O ajudante, ouvindo seu nome ser mencionado, afastou-se da escada caracol em que estava escorado, olhando para o Sr. Lafue com uma expressão confusa. O velho sorriu como quem pede desculpas.

— Mathieu faz muitas entregas fora da cidade. Sinto muito por isso.

— Sem problemas. — Dante sorriu outra vez, levando a xícara aos lábios. Olhando para o ajudante, que agora estava recostado na parede com os braços cruzados, ele perguntou: — Vamos começar?

Outra vez, Mathieu olhou para o velho. Adriana percebeu um sorriso paternal do Sr. Lafue para o ajudante, que permaneceu escorado na parede com os braços cruzados.

— Algum de vocês fala francês? — questionou o Sr. Lafue, seus olhos cinzentos pulando entre Adriana e Dante. Frente a negativa de ambos, ele fez uma careta. — Mathieu entende muito pouco de português. Seria um incomodô eu ficar para traduzir?

Antes que a investigadora pudesse abrir a boca para responder, recebeu um olhar cortante de Dante que dizia tu sabe que isso não é certo. Apesar de tudo, o Sr. Lafue e Mathieu ainda eram considerados suspeitos. Quem poderia garantir aos policiais que, no francês sussurrado do velho livreiro e de seu ajudante, nenhuma informação importante se perdesse? Ou pior, que o Sr. Lafue ajustasse as palavras de Mathieu para protegê-lo, assumindo que o rapaz possuísse algum tipo de envolvimento no assassinato de Érica?

As variáveis, como sempre, eram diversas, mas não podiam perder aquela oportunidade. Adriana precisava de qualquer nova informação para ignorar os comentários nocivos da mídia e encontrar uma resolução para aquele caso. Com um olhar de confia em mim para Dante, ela assentiu para o Sr. Lafue.

— O senhor conhecia Érica Baldini? — perguntou o policial, mirando Mathieu.

Os olhos negros do ajudante voaram ao livreiro, que traduziu prontamente as palavras. Anuindo com um gesto rápido de cabeça, Mathieu permaneceu de braços cruzados contra a parede. Adriana descansou a xícara na escrivaninha quando Dante, mirando fixamente o ajudante, perguntou:

— Que tipo de relação o senhor mantinha com ela?

Hora da verdade. Adriana observou as sobrancelhas espessas de Mathieu se unirem enquanto ouviam a tradução do Sr. Lafue. Ele ficou em silêncio, pensando no que dizer, e Adriana percebeu vincos em sua testa larga. A resposta, para surpresa da investigadora, veio numa torrente de palavras que ela não compreendia, seguidas por um dar de ombros desinteressado.

O Sr. Lafue, com a anuência de Mathieu, traduziu:

— Normal. Não tínhamos muitos assuntos porque ela não entendia francês, nem eu o português. Conversamos poucas vezes sem a presença do Sr. Lafue.

— Onde o senhor estava na noite do crime? — perguntou Dante, mirando o rosto indecifrável de Mathieu. — Consegue se lembrar exatamente de onde estava, o que fazia e se estava acompanhado?

O Sr. Lafue traduziu, servindo-se com dificuldade outra xícara de chá. O ambiente sufocante da salinha abarrotada de papéis fazia a cabeça de Adriana latejar, mas Mathieu não parecia sentir o ambiente a seu redor. Com a indiferença característica e o semblante pétreo, ele respondeu em francês, indicando o velho livreiro com a cabeça. Então, Mathieu deixou que uma risadinha chegasse ao canto de seus lábios finos. O Sr. Lafue, aparentemente, não gostou do comentário.

— Estávamos em casa. Havia uma entrega a ser feita no outro dia em Gramado — traduziu o Sr. Lafue, fechando a cara. — Além do mais, não há muito o que se fazer numa cidadezinha medíocrre como Lisiantos à noite.

Adriana percebeu o velho livreiro apertar os olhos para o ajudante, repreendendo-o pelas palavras contra a cidade. Mathieu, entretanto, não pareceu se incomodar com a reprovação de seu patrão, mantendo a atitude que beirava o deboche.

— E quando foi a última vez em que a viu com vida, Mathieu? — perguntou Adriana, mirando o rapaz com determinação. As sobrancelhas dele se uniram. — Tente se lembrar. A memória de Érica precisa de paz, e nós podemos ajudar.

Após a tradução, Mathieu encarou Adriana. Algo nos olhos dele transpiravam uma tristeza quase anciã, como se o homem ossudo e de olhos encovados carregasse um fardo indescritível para qualquer ser humano do século XXI.

Todos na saleta ficaram em silêncio. Mathieu a olhava como se admirasse uma obra de arte que necessita ser entendida. Adriana não desviou o rosto, mas sabia que aquele olhar profundo enxergava cada recanto de sua alma, e isso a assustava. Um homem capaz de olhar assim, é capaz de coisas muito piores. Mathieu estava em transe, sua expressão perdida em Adriana. Ele não estava ali, naquela saleta abafada, mas longe, viajando com os próprios pensamentos para fora do alcance dela.

Então ele falou, sem desviar os olhos dos dela. Sua boca fina se movia, e as palavras em francês escorriam sem parada. Quando Mathieu terminou, trocou um olhar preocupado com o Sr. Lafue, que enrijeceu na cadeira e devolveu uma pergunta em francês. Dante, confuso por não participar, mirava os homens como se estivesse numa partida de ping-pong. Adriana engoliu em seco. Algo não tá certo.

— O que ele disse? — perguntou Dante, pressionando o Sr. Lafue com um olhar.

— Ele disse... — Mas o livreiro se calou, suas mãos tremendo mais do que nunca. Virando o rosto para o ajudante, perguntou: — Tem certeza, Mathieu?

Sem necessitar de tradução para saber que o livreiro pedia uma confirmação, o ajudante baixou os olhos e assentiu. O Sr. Lafue ajustou os óculos, que teimavam em escorregar por seu nariz, e mirou Adriana com uma expressão sombria.

— Lembra-se, investigadorra, que lhe contei que Érica acreditava estar sendo seguida? — Adriana assentiu. O Sr. Lafue tinha os lábios brancos quando disse: — Mathieu disse que... que viu. Ele viu o Sr. Camargo de Sá seguindo Érica na sexta-feira.

A sala caiu num silêncio pesado. Enquanto Mathieu mirava o chão, as engrenagens do cérebro de Adriana trabalhavam. O nome Martin Camargo de Sá ligado ao de Érica outra vez era coincidência demais para ser verdade. Precisamos tirar isso a limpo, uma voz sussurrou dentro da cabeça da investigadora.

— Tem certeza disso? — Dante encarou Mathieu. — Não poderia ser outra pessoa?

O ajudante mirou o livreiro, mas não recebeu tradução alguma. O Sr. Lafue, chocado por aquela revelação, encarava o próprio chá como se Érica pudesse aparecer a qualquer momento e desmentir a declaração de Mathieu. Sem graça, o ajudante encarou Dante e seus olhos negros queimaram quando apenas uma palavra saiu de seus lábios:

— Martin.

Dante assentiu lentamente. Martin matou Érica. Martin matou Érica. Adriana engoliu em seco, o clima abafado da salinha do Sr. Lafue contribuindo para sua sensação de claustrofobia. Trêmula por conta da declaração de Mathieu, Adriana abriu a bolsa e puxou algumas fotografias da Perícia. Só havia mais um ponto a esclarecer.

— Tu entalhou isso, Mathieu?

Ela entregou as fotografias da raposinha de madeira a ele. Mathieu observou-as com o cenho franzido, devolvendo-as quase que imediatamente. A falta de tradução de um Sr. Lafue ainda atônito fez Mathieu trincar a mandíbula. Na mesma voz profunda e de sotaque carregado, ele disse:

— Nunca viu.

Algo nos olhos profundos de Mathieu fez com que Adriana assentisse. Sem saber se ele dizia ou não a verdade, mas entendendo que não arrancaria mais nenhuma palavra de Mathieu, ela e Dante se ergueram e agradeceram pelo chá. O Sr. Lafue acompanhou-os até a porta, apoiado em sua bengala. Quando abriram a porta da livraria e a sineta tocou, o velho senhor segurou o braço de Adriana. Os olhos dos dois se encontraram por um instante, e ele engoliu em seco.

Descubrra quem fez isso a ela. Por favor.

— Estamos quase lá, Sr. Lafue. — Adriana sorriu e deixou que sua mão cobrisse os dedos nodosos do velho livreiro. — Não se preocupe.

Receber uma lufada de ar fresco depois de ficar enclausurada naquela salinha foi quase um presente divino. Dante olhou em volta enquanto Adriana se esticava. Após um breve silêncio, ela perguntou:

— E aí?

— Que bomba, hein? — respondeu Dante. — Martin seguindo Érica. Se esse francês maluco não se enganou, a coisa vai ficar feia pro Martin.

— Pensei o mesmo. Ameaçar e seguir uma vítima de assassinato não ajuda em nada. — Adriana fez uma pausa e sorriu com o canto dos lábios. — E o Sr. Lafue?

Dante deu de ombros.

— Pelo menos ele traduziu tudo ou quase tudo certo. Confesso que quando ele se ofereceu pra ficar, pensei no pior.

Adriana riu. A avó de Dante que morava em Gramado, francesa de nascimento, só falava com o neto e qualquer um da família no idioma natal, fato que fazia de Dante um porto-alegrense com um pé na terra do amor. Uma mentirinha para o Sr. Lafue, a fim de atestar sua prontidão para ajudar, fora não só necessária como um teste. Secretamente, Adriana ficava aliviada ao saber que nenhum item da conversa fora mal interpretado.

— Vamos precisar falar com Martin outra vez — comentou Dante, ao que Adriana fez uma careta. Ele riu. — É, eu sei que o santo de vocês não bateu, mas ele é a nossa próxima pista. Depois de gritar com Érica no restaurante, isso só confirma que esse cara esconde alguma merda.

— Concordo, mas...

O telefone de Dante emitiu um trinado, e ele puxou-o do bolso da calça. O rosto pálido do amigo ficou rosado quando o nome de Rosa apareceu como o remetente da mensagem. Adriana sorriu, desviando o rosto enquanto ele digitava uma resposta.

— Foi mal — disse Dante, devolvendo o celular ao bolso ainda sem graça. — Combinamos de sair hoje à noite, e...

A voz dele sumiu e seu pescoço estava vermelho como o de um pimentão. Adriana riu.

— Tu gosta dela, né?

— Rosa é uma mulher muito interessante — respondeu Dante, ignorando o olhar dela. Ele acionou o alarme do carro, dando a volta e abrindo a porta do motorista. — Além do mais, ela é muito... inteligente.

Adriana cruzou os braços, apertando os olhos.

— E testemunha num caso de assassinato...

— Eu sei, mas... — Dante se calou, apoiado na porta aberta do carro. — É só um jantar. Vai ser... legal.

— Acredito em ti. E se a Rosa não te quiser, tu é um partidão.

— Valeu pelo incentivo, Adri. — Corado, ele riu. — Agora vamos trabalhar um pouquinho?

— Se não nos resta outra opção...

Ela exalou um suspiro exagerado, e ambos sorriram. Sem perder tempo, dirigiram de volta à DP, as palavras de Mathieu sendo relembradas e mil teorias surgindo antes que virassem a esquina da livraria.

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Como esperado, Martin criou uma dezena de desculpas esfarrapadas para não os encontrar naquele mesmo dia. Culpava o volume de trabalho na vinícola, reuniões com investidores e controles de produção para se esquivar de abrir o bico. Adriana, que ouvira Dante conversar com Martin pelo telefone, andava de um lado a outro e cerrava os punhos a cada desculpa nova. Posso abrir um horário amanhã aos senhores, apesar de ser um incômodo, Martin dissera com um desprezo irritante na voz. Sem alternativas, Dante agradeceu e desligou. O resto do dia serviu, infelizmente, para esperar o dia de amanhã.

Bernardino continuava apaziguando a mídia sedenta por notícias e atualizações do caso, Miranda e Ricardo buscavam por cutelarias que poderiam ter vendido aquela faca, Sérgio e Jorge comparavam dados da Perícia e até Timóteo, o escrivão, ajudava os policiais nas pesquisas e recapitulações. Fora isso, nada de especial. Estavam, ainda, no maldito limbo da investigação, e não davam mostras de se ver livre dele tão cedo.

Por isso quando Adriana chegou ao quarto do hotel — evitando a todo custo a porta do quarto que Luís habitara — caiu na cama sem ao menos tirar a roupa. Seus músculos doíam, mas sua mente, agitada demais para dormir tão cedo, trabalhava numa velocidade alucinante. As palavras de Mathieu passaram o dia grudadas em sua retina, dando voltas em seu cérebro.

Martin seguiu Érica no dia do crime. Um homem influente como Martin seria capaz de tudo para esconder um segredo, disso Adriana tinha certeza. Mas acabar com Érica daquela maneira fria e calculada? Não parecia seu estilo.

Gemendo de frustração e jogada na cama, procurando ânimo para tomar uma ducha e dormir, Adriana suspirou. Amanhã tu pergunta tudo direitinho pra esse filho da mãe, uma vozinha sussurrou dentro da cabeça dela, e Adriana de bom grado acreditou. Reunindo forças, ergueu-se da cama para tomar um banho. Mal dera dois passos em direção ao banheiro quando seu celular tocou. Sem olhar no identificador de chamadas, pegou o aparelho da mesinha de cabeceira.

— Alô?

— Investigadora? — A voz feminina do outro lado perguntou apressadamente. Adriana franziu o cenho e confirmou, reconhecendo a voz de Verônica Camargo de Sá do outro lado da linha. — Ah, que bom que a senhora atendeu! Que bom! Tentei ligar pro investigador Machado, mas o número dele não...

Cansada, Adriana grunhiu. Porra, logo agora? A investigadora esfregou a mão livre pelo rosto e continuou rumo ao banheiro num passo lento. Que fechamento de noite perfeito para um dia de trabalho duro.

— Sobre o que seria, Sra. Camargo de Sá?

— Eu sei quem matou Érica.

As palavras atingiram Adriana como um tapa na orelha. Ela ficou em silêncio, o cansaço de repente sumindo de seu corpo. Ao longe, ouvia a risadinha alegre de Verônica. O coração de Adriana bateu mais rápido, e por reflexo ela apertou o celular entre os dedos. Muda, deixou que sua improvável interlocutora falasse.

— Eu sei quem foi! — Verônica repetiu num tom alegre. — Eu sei, investigadora!

— Como... como pode ter tanta certeza?

— Porque eu ouvi! — respondeu a mulher, sua voz animada escorrendo pela linha. — Não fui vista, mas tenho certeza do que ouvi. Andei fazendo minhas investigações também, sabe?

— E quem foi?

Verônica deu uma risadinha e, numa voz alegre e sussurrada, disse:

— Não vou falar por telefone! Me encontre no lago da praça em frente ao restaurante da Rosa em quinze minutos se quiser saber.

Adriana quis dizer que não tinha tempo de brincar de detetive com Verônica, aquela mulher terrivelmente infantil, uma dondoca fútil cuja única preocupação era chegar no country club a tempo do próximo jogo de polo, porém não conseguiu. Verônica deu outra risadinha e desligou o telefone, deixando Adriana mais acordada do que nunca.

Naqueles segundos de silêncio, o primeiro instinto dela foi ligar para Dante, mas seus dedos pararam a meio caminho da chamada. Não estrague a noite dele com Rosa. Outro policial, então? Levaria muito tempo, e Verônica poderia mudar de ideia. Isso se ela estiver falando sério. A ideia de um trote veio e partiu das alternativas como um trem-bala. O quê Verônica ganharia com isso? Já estava grandinha para trotes e, apesar de tudo, não parecia ser de seu feitio atrapalhar investigações criminais, por mais que sua vidinha de luxos fosse entediante. Olhando-se uma última vez no espelho, Adriana enfiou a pistola no cós das calças e saiu do quarto.

A noite quente de verão atingiu seu rosto, mas Adriana não parou de caminhar. Ia a passos largos pela calçada vazia, a boca seca pela ânsia da descoberta. O que tu vai me dizer? Que caminho tu vai me abrir? A possibilidade de resolver aquele caso que tirava seu sono há quase dois meses era tentadora. Ela não podia parar agora, e agradeceu por estar numa cidade pequena onde às onze da noite as pessoas já estavam seguras dentro da própria casa.

Quando a fachada do restaurante de Rosa ficou visível na esquina, o coração de Adriana pulsava como um ser à parte de seu corpo. As palmas das mãos da investigadora suavam e seus pés seguiam num ritmo alucinado até a praça. Adriana atravessou a rua vazia, rumando para o lago com uma determinação cega, passando pelos esparsos postes de luz fraca sem pensar em mais nada além de seu objetivo. Encontre Verônica. Quase lá.

Foi então que ela ouviu. No parque escuro e deserto, imerso na penumbra azulada da noite, o som inconfundível de um tiro rasgou a noite. Adriana estacou, sua garganta se fechando no mesmo instante. Não. A luz da lua brilhava sobre o lago e a investigadora correu, se aproximando da margem deserta com a pistola nas mãos. Porra, não pode ser verdade.

O corpo de Verônica Camargo de Sá boiava, de barriga para baixo, nas águas azuladas do lago, tendo como testemunha apenas o brilho sádico de uma lua cheia.

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