13.

A manhã de sábado prometia um dia quente, abafado e mais vibrante do que o normal. Não havia sequer uma nuvem no céu azulado de Lisiantos, e Adriana desejou que Dante não tivesse inventado aquela ideia estúpida de dar uma olhadinha no Festival das Flores.

A praça principal da cidade estava tomada por barraquinhas de flores, vendedores alegres, flores de todas as cores e tipos e turistas sorridentes que sentiam a necessidade de apontar suas câmeras — e celulares — para tudo o que se movesse. Adriana semicerrou os olhos, sentindo os raios de sol aquecerem seu rosto. O cheiro adocicado das flores deixava o clima preguiçoso, como se o verão pudesse dar uma rasteira na primavera e entrar a qualquer momento em cena.

Era como se tudo transcorresse em câmera lenta. Produtores e vendedores sorriam, mostrando flores aos turistas e possíveis compradores como pai orgulhosos. Uma bandinha tocava num pequeno coreto no centro da praça, alternando músicas alemãs e italianas em seu repertório. Vendedores de algodão-doce, pipoca e sorvetes encantavam as crianças, que voltavam correndo aos pais, esparramados preguiçosamente na grama tomando chimarrão, para pedir trocados.

Adriana riu para uma menina alta, de maria-chiquinha nos cabelos loiros, que passou voando por eles tão logo a mãe liberou algum dinheiro para o sorvete. Seu irmão gorducho bamboleou atrás dela, ávido por não perder a oportunidade de escolher o sabor do próximo picolé.

— E aí? Tu não te anima, Adri?

A voz de Luís fez a investigadora voltar o rosto em sua direção. Ele tinha as mãos nos bolsos, a camisa social azul ligeiramente amarrotada e um sorriso estampado no rosto mal barbeado que deixava à mostra suas covinhas. Seus olhos castanhos se perderam pela praça, observando as famílias e a alegria que rondavam o festival. Adriana riu, cruzando os braços.

— Não é pra mim. Mal consigo cuidar das minhas plantas sem estragar tudo.

Ele deu de ombros e riu. Se avaliaram no silêncio embalado pela bandinha, pelas conversas animadas e o riso das crianças, esperando pelo o que viria a seguir.

Adriana era bem acostumada aos silêncios e olhares do parceiro. Desde a faculdade ele fazia isso, avaliava silenciosamente cada resposta de Adriana, cada pausa e entonação como se todas as falas dela possuíssem significados ocultos, especiais. Era quase como se ele tentasse ler seus pensamentos, descobrir o que o interior de sua alma queria dizer.

— É justo — disse ele, rindo e se virando para a praça. — Antes de Bárbara nascer, eu mal conseguia organizar os meus livros.

— Não parece que mudou muita coisa.

Ele abriu a boca para responder, mas desistiu, preferindo apertar os olhos. Adriana riu e seguiu distraidamente um grupo de crianças, olhando os estandes repletos de flores sem realmente prestar atenção em nada. Com Luís ao seu lado, procuravam por qualquer rosto familiar que pudessem interrogar. Mais especificamente, o rosto de Pedro Camargo de Sá.

Após a breve conversa no quarto de Adriana, decidiram que descobrir o que Pedro escondia ajudaria, no mínimo, a acalmar os ânimos da imprensa. Com Bernardino agindo como o delegado celebridade, se exibindo como um pavão na televisão, e jornalistas se deslocando de todo o estado para Lisiantos, o trabalho deles ficava mais complicado do que antes. E se Pedro tem respostas, tá na hora de abrir o bico.

Mas não foi o rosto de Pedro que chamou a atenção de Adriana no centro da praça, entre uma fileira comprida de estandes. Ela estacou no lugar, mirando o estranho com as sobrancelhas unidas.

A primeira característica que fez Adriana parar, além da estatura avantajada, foram seus olhos. O homem possuía olhos negros como sílex num rosto pétreo, de maxilar quadrado, bochechas encovadas e expressão melancólica, tendo sua fisionomia coroada por cabelos negros revoltos e lisos. Ele não expressou nada quando os olhos dos dois se encontraram. Nenhum meio sorriso, nenhum aceno de cabeça. Ligeiramente curvado, ele seguiu entre os turistas, sem olhar para nada em especial. Aquele tipo sombrio, de olhos negros, pele pálida e roupas desbotadas não combinava com as cores vibrantes dos estandes repletos de flores coloridas, com os sorrisos dos turistas, com o céu azul e as músicas alegres da banda.

Seria ele o... mas ela foi incapaz de concluir o pensamento. Luís puxou seu braço, sussurrando num tom urgente:

— Pedro.

Ela ergueu o rosto e viu o filho mais velho de Martin andar pelos estandes sem um rumo definido, prestando mais atenção no celular do que nas flores que os vendedores tentavam, sem sucesso, lhe oferecer. Agora a gente vai fazer tudo certo. Adriana assentiu para Luís, mas antes que pudessem se mover na direção de Pedro, o rosto maquiado e o decote revelador de Verônica surgiram diante deles.

Instintivamente, Luís recuou um passo, piscando para a mulher como se buscasse saber de onde ela havia se materializado. Por cima de sua cabeça, Adriana percebeu que o homem sombrio havia sumido, mas que Pedro ainda vagava pela praça, a atenção presa à tela do celular. Verônica sorriu para Luís, mas teve a cortesia de se dirigir ao dois.

— Gostando do festival, investigadores?

Surpresos pela aparição dela, nenhum dos dois conseguiu responder. Com medo de perder o rastro de Pedro entre os inúmeros turistas e estandes, Adriana deixou a tarefa de responder e ser educado para Luís. Com um sorriso contido que escondia seu desprezo, Luís inclinou a cabeça.

— Realmente, é uma festa e tanto.

Animada pela resposta dele, Verônica apertou os lábios num sorriso malicioso. Esticando o pescoço, Adriana mirava Pedro por cima da cabeça dela, ignorando sua ladainha sobre a cidade e o festival. Como se estivesse entre amigos, Verônica tomou o braço de Luís, intrometendo-se entre os investigadores. Pega de surpresa pela aproximação, Adriana franziu o cenho para a mulher.

Verônica pôs-se a caminhar como se estivesse no salão de baile de um filme antigo, não dando alternativa a Luís e Adriana senão segui-la pela fileira de barraquinhas.

— O Festival das Flores acontece uma vez por ano e é sempre assim. — Ela indicou os estandes e os turistas com um gesto sorridente. Luís olhou para Adriana, pedindo socorro quando Verônica apertou seu braço. A investigadora limitou-se a conter um sorriso. — Vocês tiveram sorte de aparecer justo quando a cidade fica mais bonita.

— Não foi como se tivéssemos muita escolha — retrucou Adriana, ainda procurando por Pedro.

Contrariada, Verônica apertou os lábios. Dependurada no braço de Luís, ela suspirou, erguendo o rosto para o céu. Seu decote ganhou vida, revelando os seios fartos e bronzeados da esposa de Martin.

— É uma pena que as circunstâncias tenham sido tão tristes. Érica não merecia terminar assim.

— Estamos trabalhando pra descobrir os autores — assegurou Luís.

— Ainda mais essa! — exclamou Verônica, aninhando-se no braço de Luís como uma menina indefesa. Adriana apertou os olhos. Pelo amor de Deus. Luís corou, tentando discretamente se afastar do aperto dela. — Só de pensar que há um doido à solta, espreitando pela cidade... O senhor irá nos proteger, não?

Luís não soube como responder ao apelo infantil de uma mulher crescida. Enojada pelo comportamento lamentável de Verônica e o desaparecimento de Pedro, Adriana enfiou as mãos nos bolsos das calças.

— Não será necessário — a investigadora retrucou num tom seco. Contendo a animosidade, esforçou-se para sorrir. — Apenas tranque as janelas e fique alerta. Se algo acontecer, temos certeza de que a senhora pode correr. Ou quem sabe montar para longe, já que se considera uma ótima amazona.

Verônica não entendeu o que ela quis dizer, mas os lábios de Luís se apertaram, escondendo uma risada. Caminharam em silêncio durante alguns instantes, ouvindo as músicas animadas da bandinha no coreto e as vozes das crianças. O cheiro adocicado das flores os acompanhava, até Verônica apontar para um dos estandes e sorrir.

— E lá está o da nossa vinícola! Venham!

Como uma adolescente faceira, Verônica arrastou Luís pelo braço até o que parecia ser a barraquinha de flores da Vinícola Camargo de Sá. Flores roxas e brancas se projetavam de vasinhos com o monograma da vinícola. Adriana percebeu que, além de vender flores, o estande oferecia garrafas de vinhos especiais.

— Não sabia que os Camargo de Sá também... comercializavam flores? — perguntou Luís, franzindo o cenho para a barraquinha da família.

Verônica riu de uma maneira afetada.

— É apenas um negócio secundário, investigador. — Ela cheirou um ramalhete de flores, erguendo os olhos para ele. — Martin diz que é saudável manter a tradição, mesmo não sendo o foco.

Sem graça, Luís assentiu. Ao lado do estande, Adriana percebeu um grande banner colorido que, em forma de linha do tempo, contava a história da vinícola, seus fundadores e um outro, sobre a produção e venda de flores como um negócio secundário. O segundo banner capturou a atenção da investigadora, que se aproximou lentamente para ler melhor.

Uma fotografia antiga ocupava a parte superior do banner, mostrando três homens posando para a câmera, sorrindo cordialmente. O do meio, já um senhor de cabelos brancos e bigodes, usava um terno amarelo berrante e se apoiava nos outros dois, sorrindo abertamente. O da direita, já um homem feito, tinha cabelos castanhos encaracolados e linhas marcadas no rosto duro que demonstrava um sorriso contido. Mas não foi nenhum dos dois que capturou a atenção dela.

Enfiado num terno azul, o mais jovem parecia estar em seus vinte anos. Os cabelos castanho-escuros eram revoltos, e seus olhos, também castanhos, pareciam brilhar com a faísca própria da juventude. Apesar do rosto austero, ele sorria como o homem mais velho, como se fizesse graça para a câmera. Covinhas despontavam de suas bochechas sem um traço de barba.

Adriana foi tomada pela sensação de que o conhecia, mas sem saber de onde. O conjunto do rapaz se parecia com um conhecido seu, alguém familiar. De onde eu conheço esse rosto? No canto superior da foto, um número. 1986. Adriana ficou perdida, tentando se recordar de onde conhecia aquele jovem, mas não por muito tempo. Verônica, percebendo que a investigadora observava a fotografia, riu.

— Ele não mudou nada, né? — perguntou ela com um suspiro. Quando Adriana não deu sinais de reconhecimento, Verônica apontou para o senhor de terno amarelo. — Este é o Seu João, avô de Martin. — Ela apontou para o homem à direita. — Este aqui é o pai de Martin, Seu Geraldo. E este...

Verônica não precisou terminar. Os olhos de um Martin trinta anos mais jovem encararam Adriana, mas a sensação de que o conhecia de outro lugar não se aplacou com a explicação de Verônica. Mas de onde, então?

Adriana afastou os olhos do banner por um momento, e para sua surpresa, tornou a ver a figura esguia de Pedro. Era dali que conhecia aqueles olhos castanhos. Ainda com a atenção presa no rapaz, que digitava furiosamente no celular, Adriana tocou o antebraço de Luís. Confuso, ele segurava os panfletos que Verônica lhe dava sobre a vinícola e as flores sem saber ao certo o que fazer — ou para onde olhar, já que o decote da mulher de Martin quase se avançava sobre ele.

— Obrigada pela atenção, Verônica — agradeceu Adriana, antes que Luís pudesse receber outro panfleto ou ficar com as orelhas mais coradas —, mas agora realmente precisamos ir.

— Mas...

— Foi um prazer.

Adriana fez um gesto com a cabeça e puxou Luís para longe do estande dos Camargo de Sá.

— Pedro tá ali. — Ela indicou com a cabeça. Sem desconfiar da presença deles, Pedro mexia no celular, andando pela praça sem rumo, desviando vez ou outra de algum turista ou criança. — A gente não pode perder outra oportunidade.

Ele assentiu, esticando o pescoço para enxergar melhor. Com um olhar determinado para Adriana, disse:

— Tá na hora de pegar esse cara.

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