12.
— Porra, aonde esse guri tá indo?
Luís reclamou pela milésima vez com os dentes trincados, e Adriana compartilhou silenciosamente daquele mesmo questionamento. O que tu esconde? Se o palpite dela estivesse certo, em breve descobririam. Já o acompanhavam há alguns minutos pelas ruazinhas apinhadas de turistas que entravam e saíam das lojas com sacolas de chocolate e caixas de vinho nas mãos, e Pedro não dava sinais de querer parar.
Seguiam mais atrás, pela mesma calçada, mas parando ocasionalmente para admirar vitrines e esquivar-se dos olhares assustados do rapaz. Adriana apertou a alça da bolsa, mirando a parte de trás da cabeça de Pedro como se o simples ato pudesse responder a suas perguntas insistentes.
Quais seriam as razões de todo aquele... cuidado? Como um ladrão que receia ser pego, Pedro caminhava encurvado, seus olhos castanhos observando cada canto e loja, todas as pessoas que passavam na rua principal. As mãos dele, fechadas em punho, tremiam, e os cabelos desarrumados davam a Pedro uma aparência alternativa que condizia com aquela condição de fugitivo.
Luís empurrou Adriana para dentro de uma ótica quando Pedro virou a cabeça, procurando por alguém. Os dois ficaram em silêncio, apoiados na porta e observando, esperando que ele se virasse e seguisse seu caminho. O coração de Adriana batia furioso no peito quando o lojista, confuso com aquela entrada inesperada, aproximou-se.
— Não queremos nada, amigo — disse Luís, puxando Adriana para fora da loja e ignorando a cara feia do atendente. — Tu acha que ele nos viu?
— Acho que não. — Ela esticou o pescoço. Pedro atravessou a rua, as mãos enfiadas nos bolsos. Com uma boa olhadela para os dois lados, ele seguiu em frente. — Pelo menos ainda não.
Atrás dele, voltaram às calçadas da rua principal repleta de lojinhas. Vendedores de artesanato tentaram empurrar bolsas, colares e brincos à Adriana, que desviou habilmente de todos. Com os olhos fixos em Pedro, ela sentiu a antecipação do encontro crescer. Aonde tu tá indo? Com quem tu vai te encontrar?
Pedro não olhava para nada, como se apenas o objetivo final o interessasse. Ignorou os vendedores ambulantes e o pipoqueiro, e remexeu as mãos nos bolsos, seguindo em frente. As manchas de suor cresciam em sua camisa. Foi aí que Adriana cometeu um erro.
Passavam em frente a um brique quando Pedro estaqueou, abrindo ligeiramente a boca. Pelo espelho de bordas douradas exposto na rua, seu olhar castanho assustado fixou-se no fundo da alma de Adriana. Por trás dos óculos de aro grosso, seus olhos injetados brilharam, e ela entendeu que haviam perdido a chance de descobrir aonde Pedro iria. Por causa de um maldito reflexo.
— Ele me viu — sussurrou ela com um gosto amargo na boca, virando-se para um ambulante. — Disfarça.
Com o canto dos olhos, ela percebeu Pedro arregalar os olhos para eles, sacando o celular do bolso traseiro das calças. Seus dedos enviaram uma mensagem rápida, e ele voltou a enfiar o aparelho no bolso. Atravessando a rua, Pedro entrou numa cafeteria de esquina, sentando-se numa mesinha na rua.
Observando-o de longe, Luís descansou as mãos na cintura. As bandeirinhas nos postes tremelicaram com a brisa e mais turistas sorridentes, carregando compras, passaram. Uma garçonete baixinha serviu Pedro, que bebeu seu café lentamente, observando o movimento. Mesmo de longe, mesmo com aquela pose tranquila, Adriana percebeu que as mãos dele tremiam.
Luís coçou a barba, suspirando. Uma música irritante, vinda de uma máquina de sorvete italiano atrás deles, voltou a tocar. Adriana fechou a cara, recebendo uma olhadela de Luís, que perguntou:
— Tu acha que ele vai se encontrar com alguém?
— Se ia, não vai mais — retrucou ela. Encarando a mesa de Pedro, que bebia outro cafezinho, Adriana grunhiu. — Vamos almoçar.
---
A caminhada até o Tempero do Sul foi amarga. Por mais que Luís tentasse diminuir a culpa de Adriana, o humor dela não melhorou. Os olhos castanhos e injetados de Pedro no reflexo do espelho e o suor em sua camisa não saíam da cabeça dela.
Se não fosse por aquele maldito espelho, saberiam aonde Pedro estava indo. Ou com quem tava indo se encontrar. Qual a verdadeira relação dele com Érica? O que o filho de Martin Camargo de Sá sabia, mas não dizia? Por que aquele medo? Adriana trincou a mandíbula, apertando a alça da bolsa como se pudesse destruí-la.
De cara amarrada, ela desabou na primeira cadeira do Tempero do Sul, abrindo o cardápio com uma raiva direcionada a si mesma que nem as piadas de Luís conseguiram dissipar. Escolheu o primeiro prato que viu para se livrar do garçom e buscou o celular dentro da bolsa.
Como esperado, nenhuma mensagem de Otávio. Quinze dias e nenhuma palavra dele. Nenhuma mensagem, nenhuma ligação. Adriana torceu os lábios para o aparelho, apertando-o com mais força do que o necessário. Por que Otávio não conseguia entender que aquele era o trabalho dela? Qual o problema em entender que as coisas nem sempre sairiam do jeito dele? Malditos advogados.
Quando a mão de Luís apertou a sua por cima da mesa, Adriana ergueu os olhos. Ele a olhava como se esperasse uma resposta para uma pergunta que ela, absorvida pela raiva de Otávio e si mesma, não ouvira. Por fim, Luís riu, suas covinhas aparecendo no rosto mal barbeado.
— Terra pra Adriana? — Ele riu outra vez. Adriana recolheu a própria mão, trincando a mandíbula e atirando o celular dentro da bolsa. — Relaxa. Mais cedo ou mais tarde ele vai te ligar.
— Foda-se ele, Luís — retrucou ela, apoiando a cabeça nas mãos. Luís ergueu as sobrancelhas, esperando pela explicação. Adriana bufou. — Perdemos uma chance de ouro com o Pedro. Tudo culpa minha e daquele maldito espelho.
— Para com essa paranoia. Outra hora a gente pega ele.
— Quando, Luís? — perguntou ela num tom mais alto, que ninguém exceto os dois perceberam. Adriana suspirou, fechando os olhos por um momento. Calma. — Eu tô cansada. Ninguém aqui parece ajudar.
— A gente sabia que seria assim. Ninguém quer realmente ajudar numa investigação de assassinato. — Luís pegou o próprio celular, lendo as mensagens com a testa vincada. Ainda com o rosto descansando na mão esquerda, Adriana franziu o cenho para a expressão confusa dele.
Nada era mais engraçado do que ver Luís tentando lidar com tecnologias. Qualquer eletroeletrônico parecia criar vida própria nas mãos dele. Como uma senhora idosa que está iniciando no mundo da tecnologia, Luís digitou a resposta devagar, procurando as letras no teclado. Com um olhar de relance para Adriana, ele disse:
— Bárbara. Eu sempre prometo ir às apresentações dela, mas nunca apareço. — Virando a tela para Adriana, mostrando a mensagem da filha repleta de emojis de violinos e música, Luís franziu o cenho. — Se eu não for nessa, ela disse que vai me deserdar como pai. Acho que isso nem existe.
Adriana deixou um riso assoprado escapar, seu humor melhorando um pouquinho. Quando o garçom voltou com os pedidos, colocando o prato de massa fumegante em sua frente, a investigadora se esqueceu, por um breve momento, de sua irritação. O cheiro do tempero de Rosa encheu seus pulmões, e ela deu a primeira garfada com gosto.
Seu celular tocou, e buscando-o na bolsa, cometeu o segundo erro do dia: atendeu sem olhar o visor. A massa virou borracha em sua boca quando ouviu a voz de Gregório do outro lado da linha.
— Como vai minha investigadora preferida?
Adriana fez uma careta de dor para Luís, que não precisou de nenhum outro sinal para saber com quem ela falava. Ele revirou os olhos e, com gestos irritados, pediu a Adriana que desligasse. Ela apertou o celular contra o ouvido, descansando o garfo ao lado do prato.
— Gregório. Que surpresa — Adriana fez uma pausa, tomando um gole de suco. — Pensei que tinha se esquecido de mim.
— Nunca, meu amor. — O tom ofendido de Gregório era divertido. Ela ouviu-o abrir uma gaveta do outro lado da linha e esperou. — Enfim, liguei porque já tenho tuas informações.
Adriana enrijeceu na cadeira, trocando um olhar ansioso com Luís. Ele piscou de volta, sem entender. Ela umedeceu os lábios com a ponta da língua, sabendo que o segredo para lidar com Gregório era não parecer tão ansiosa por suas informações.
— Tu levou bastante tempo pra compilar o material, Gregório. Mais de quinze dias. Pelo jeito tu deve ter feito quase um dossiê sobre Érica.
A risada do jornalista explodiu nos ouvidos de Adriana como um ruído agradável. O coração dela bateu furioso quando ele, após um pequeno silêncio misterioso, disse:
— Quando tu vai perceber que eu faço tudo por ti, Adri? — Ele suspirou e ela riu. Em sua frente, Luís comia com uma expressão fechada, prestando atenção no próprio prato e apertando o garfo com força. — Mulheres. Sempre partindo corações.
— Acontece. — Adriana observou o garçom servir outras mesas, sentindo a adrenalina de uma nova descoberta começar a correr em seu sangue. — Mas chega de rodeios, Gregório. Vamos logo ao que interessa.
— Claro, mas primeiro as damas. O que tu tem pra mim?
Ela sorriu com o canto dos lábios.
— Pensei que tu fizesse tudo por mim. O que aconteceu com o amor desinteressado?
— Se um dia chegou a existir, morreu lá no século XI, meu bem. — Gregório riu. — Vamos lá, Adri. O tempo tá passando.
— Um jantar? — disse ela. Do outro lado da mesa, Luís ergueu os olhos do próprio prato. Do outro lado da linha, Gregório ficou em silêncio. Adriana sorriu com o canto dos lábios. — Alô?
— Boa tentativa, Adri. Quase me pegou. — Ele riu. Adriana ouviu-o digitando num teclado de computador quando continuou: — Por mais que eu te ame, acordo é acordo. O que tu tem pra mim? E não tenta me enrolar que eu sei que vocês já receberam os laudos da Perícia.
Puta que pariu. Adriana girou a colher nas mãos, observando o próprio reflexo distorcido no metal. Esse era o problema de lidar com gente como Gregório. Ele sempre parecia estar um passo à frente.
— Sempre muito bem informado...
— Só tô fazendo meu trabalho, princesa — disse ele. — Então?
Adriana trocou um olhar amuado com Luís, que comia a massa com a cara amarrada. Sem alternativas e curiosa para receber as informações do jornalista, ela disse:
— Houve uma invasão ao quarto de hotel de Érica, mas nada foi levado. O invasor era homem, possivelmente o assassino. E a gente tá investigando o caso da Érica como assassinato em série.
Luís engasgou com a massa. Do outro lado da linha, Gregório ficou em silêncio. Que problema uma mentirinha faria nos jornais? Eles estão cheios delas mesmo. Adriana sorriu para Luís, que tossiu, bebendo refrigerante. Desconfiado, Gregório perguntou:
— Sem enrolação?
— Eu alguma vez já te enrolei? — perguntou ela. Para convencer o jornalista, continuou: — O índice de desaparecimentos aqui é alto. Tudo leva a crer que ela foi vítima de um serial killer. Satisfeito?
— Muito. — Gregório sorriu. — Por essas e outras que tu é minha investigadora preferida.
— Tua vez.
— Justo. — O jornalista remexeu em mais algumas gavetas e voltou a digitar no computador, provavelmente segurando o celular nos ombros. — Demorei porque falei com muitas pessoas, querida. Tu não tem ideia dos podres que desenterrei.
— Sou toda ouvidos.
— Bem, do começo, então. — Gregório fez uma pausa, e Adriana ouviu-o batucar a caneta na mesa. — Primeiro de tudo, ninguém da Gazeta chegou a ter um caso com Érica. Isso me deixou um pouco decepcionado, pra ser sincero. O que os caras andam pensando hoje em dia?
— Dispenso tuas opiniões, Gregório — disse ela. — Continua.
— Direta ao assunto como todo bom policial deve ser. — Ele riu. — Como eu ia dizendo, ninguém do jornal teve um caso com Érica, mas ela já teve problemas de relacionamento.
— O que tu quer dizer?
— Fabrício Tilar. — O jornalista deixou escapar uma risadinha debochada. — Soa familiar?
Adriana franziu o cenho para Luís, apertando o celular contra o ouvido.
— O herdeiro ricaço que se casou recentemente? — perguntou ela. Fabrício Tilar tinha tudo o que um jovem poderia querer: uma família rica, beleza e muito tempo livre para gastar com viagens e noitadas nos clubes de Porto Alegre. Mês passado ele havia se casado com uma modelo turca e se mudado para Abu Dhabi. — Não sabia que os dois tinham se envolvido...
— Pois é, e parece que o final não foi feliz — disse Gregório. — Eles ficaram juntos por seis meses, até Érica prestar queixa contra Fabrício por tentativa agressão e danos morais. Ao que parece ela entrou no apartamento dele e viu o cara... numa festinha com algumas... moças de família. Quando confrontado sobre o ocorrido, Fabrício tentou descer a mão em Érica, além de ameaçá-la de morte.
— E como ninguém levantou isso antes?
— Porque a Érica retirou a queixa. — Gregório riu. — Seria um escândalo pra família Tilar ter o herdeiro envolvido numa merda dessas. Me pergunto quanto Érica recebeu pra esquecer a história.
Adriana assentiu, comendo uma rápida garfada de sua massa, que começava a esfriar. Limpou a boca no guardanapo, ouvindo Gregório digitar furiosamente do outro lado.
— Fora esse caso com os Tilar, na esfera particular nada parece ser importante. Érica é tão interessante quanto uma porta pintada de branco. Boas notas, nenhum furo no imposto de renda, nenhum esquema. Ela era... sem graça.
— E na esfera profissional...?
— Bem, é aí que a coisa fica interessante, princesa — disse Gregório. — Antes dessa ideia de ano sabático, Érica investigava um esquema de corrupção entre empresários. Coisa grande.
— Nada de novo no front, Gregório.
— O principal investigado era Estefano Albuquerque, que cuida das exportações da Vinícola Albuquerque. — Quando o nome do filho mais velho de Teodora chegou aos ouvidos de Adriana, ela enrijeceu. A fotografia do homem engravatado de cabelos e olhos castanhos voltou com força aos pensamentos da investigadora. — Ele e alguns peixes grandes andaram sonegando impostos, financiando festinhas privadas com incentivos do governo e outras barbaridades.
E Érica foi logo tirar um ano sabático aqui, no reduto da família Albuquerque. Com o telefone preso ao ouvido, Adriana engoliu em seco. Luís comia em silêncio, mirando-a de quando vez com olhos curiosos. Lentamente, as peças do quebra-cabeças começavam a se unir diante da investigadora.
— E tu sabe me dizer em que pé andava essa investigação?
— Não. — Ele batia a caneta na mesa novamente. — E quem me passou a informação também não faz ideia. Acho que ainda tava no estágio inicial, mas tudo é muito curioso, não?
— O que tu quer dizer com isso? — perguntou Adriana ao ouvi-lo usar aquele tom distante, quase contemplativo.
— Ela investiga o cara, decide tirar um ano sabático na cidade natal dele e amanhece morta, jogada numa cova. — Gregório riu. — Quer saber minha opinião?
— Manda.
— Procurem saber o que Érica descobriu — disse o jornalista. — Essa história de biografia familiar? Desculpa esfarrapada. Érica já investigava Estefano há seis meses, e uma vez dentro da casa dele, não ia perder o foco e deixar isso de lado. Não sei que podre ela desenterrou pra ter sido morta assim, mas não deve ter sido pouca coisa, Adri.
Ela assentiu e os dois ficaram em silêncio. As novas informações giravam na cabeça da investigadora. Antes que Adriana pudesse se segurar, perguntou:
— E tu sabe onde Estefano tá?
— Isso é trabalho de vocês, princesa. — Gregório riu outra vez. — Fiz a minha parte, tu fez a tua. Como eu já sabia, somos um time imbatível. Isso não merece uma comemoração?
— Uma comemoração de que tipo? — Ela sorriu o canto dos lábios. Do outro lado da mesa, Luís fez uma careta, dando as últimas garfadas na própria massa como que por obrigação.
— Um jantar. Sou um ótimo cozinheiro, sabia?
— Não me diga.
— Digo. E se tu gostar do meu tempero podemos emendar um café-da-manhã.
Ela riu, balançando a cabeça.
— Tu não desiste, hein?
— Nunca. — Gregório riu. — O que me diz?
— Se eu terminar com o meu namorado até o final desse caso, te ligo. — O jornalista riu, e tão logo Adriana disse aquilo, Luís semicerrou os olhos para ela. — Foi um prazer trabalhar contigo, Gregório.
— O prazer foi meu. — Pela maneira como ele falava, a investigadora imaginou-o sorrindo com o canto dos lábios. — E se depender de mim, muito em breve o prazer será nosso, Adri.
Ela riu e encerrou a chamada, devolvendo o celular à bolsa. Excitada pelas informações de Gregório, Adriana deu uma garfada na massa quase fria, pensando em Estefano. Ignorando os olhares de seu parceiro do outro lado da mesa, ela comeu em silêncio.
O que Érica descobriu é a chave para sabermos o que aconteceu. E se o filho de Teodora, ou qualquer outra pessoa estivesse envolvida, eles descobririam. Era apenas uma questão de tempo até o culpado aparecer. Sem perceber, Adriana comia com gestos mecânicos, querendo voltar à DP para continuar o trabalho.
— Eu não acredito que tu tá dando assunto pra esse mala — retrucou Luís, esfregando a boca com o guardanapo. — O que ele queria?
Adriana tomou um gole de suco de maneira apressada, dando de ombros.
— Informações novas sobre Érica. — Ela inclinou-se em direção a ele. Luís fez o mesmo. Adriana olhou para ambos os lados, como se pudessem ser observados, e sussurrou: — Mas não quero falar sobre isso aqui.
— Vamos pra DP, então.
— Não. — Adriana olhou para os dois lados outra vez. Luís franziu o cenho. Ela bufou, mirando-o como se falasse com uma criança impaciente. — Tô tendo algumas ideias aqui, e quero tu e Dante no meu quarto hoje à noite pra... recapitular.
Após um breve silêncio, ele brincou:
— Olha, Adri, por mais que eu adore Dante, não sou um cara que gosta de... dividir.
— Para de bancar o engraçado. — Ela fechou a cara, atirando algumas cédulas de dinheiro em cima da mesa. Inclinando o corpo um pouco mais, Adriana completou: — Hora de voltar ao trabalho.
---
A tarde inteira passou como um borrão diante dos olhos de Adriana. Absorvida pela própria pesquisa, ela não percebeu o tempo passar. De repente, tudo o que não envolvesse esfolamentos, lâminas pontiagudas e Estefano Albuquerque era incapaz de capturar seu interesse.
Pulando de artigo a artigo online, Adriana não demorou a perceber o filho mais velho de Teodora como uma personalidade sorridente e extrovertida, que vez ou outra figurava nas colunas sociais como um empresário bem-sucedido posando entre modelos e atrizes do momento. Através da tela do computador, a investigadora tentava ler nos olhos castanhos de Estefano e em seu sorriso amigável a que ponto ele chegaria para defender os próprios interesses, para abafar um escândalo. Provavelmente até onde fosse necessário.
Todas as matérias que incluíam o nome de Estefano sugeriam um empresário confiável, que com seu faro econômico alavancou as exportações da vinícola Albuquerque em quase 200%, levando o vinho brasileiro para o mundo. O único artigo que não tratava Estefano como uma espécie de deus dos negócios era de um jornal londrino. Numa pequena nota era comentado certo incidente numa boate inglesa, onde Estefano, aparentemente bêbado, se desentendera com os donos e quebrara dois espelhos da casa.
O jornalista, em tom de escárnio, terminava a matéria da seguinte maneira: "Albuquerque pagou uma indenização aos proprietários, que foram rápidos em se calar acerca do ocorrido. O que um belo par de olhos brasileiros não faz, hein?" E Adriana se viu pensando a mesma coisa enquanto mirava a fotografia sorridente de Estefano.
E se ele tivesse visitado Lisiantos e descoberto a pesquisa de Érica? Teria ele tentado convencê-la, dissuadi-la da ideia de escancarar seus esquemas? E se eles nunca chegaram a se encontrar, mas de alguma maneira Estefano descobriu e, estando do outro lado do oceano, mandou assassinar Érica? Adriana engoliu em seco. A segunda alternativa era absurda, mas a primeira, nem tanto.
Se os esquemas que Érica investigava viessem à tona, Estefano provavelmente terminaria preso, ou seria sentenciado a pagar uma multa salgada, sem falar na queda do prestígio da vinícola. Escandâlos nunca eram bons aos negócios. Ele tinha muito a perder caso Érica atingisse os próprios objetivos. E pessoas que têm muito a perder geralmente são perigosas.
A única informação que faltava naquele quebra-cabeça, era saber se Estefano estivera na cidade e, principalmente, se conversara com Érica. Na sala reservada, com divisórias envidraçadas sem graça, Dante andava de um lado para outro, o telefone colado ao ouvido, tentando saber da agenda de Estefano, de suas viagens. A investigadora suspirou, não vendo grandes avanços por parte dele, que gesticulava para o interlocutor invisível com a mão livre. Pegar alguém rico como Estefano era o mesmo que encher um balde cheio de buracos. Nunca se podia esperar muito.
Pela primeira vez na tarde, Adriana desviou os olhos do monitor, apenas para perceber Sérgio e Ricardo trocando olhares raivosos, virando-se para seus próprios afazeres com amargor. Miranda e Jorge, ao lado dos próprios parceiros, tentavam amenizar o clima. O som dos ventiladores velhos e o ronco da máquina de café se elevavam acima dos cochichos rápidos, transformando a delegacia num corredor de hospital. Entediada e sem perspectiva de avanço, Adriana voltou o rosto para a figura sorridente de Estefano, as palavras de Gregório rondando sua mente como abutres ao redor da carniça.
Apenas quando Luís tocou seu ombro foi que Adriana percebeu através da janela empoeirada que o sol brilhante e o céu sem nuvens deram lugar a um crepúsculo amarelado, cor de hematoma recente, que descia sobre Lisiantos rapidamente. Ela desligou o monitor no exato momento em que Luís apoiou-se em sua mesa, cruzando os braços.
— Eu não vejo a hora de ouvir o que tu tem a dizer, Adri.
— São só algumas ideias. — Ela lançou-lhe um sorriso cansado, remexendo na própria bolsa. — Depois do telefonema de Gregório, temos novas informações, e eu...
Luís esperou, seus olhos castanhos brilhando. Adriana deixou um suspiro escapar, balançando a cabeça como se pedisse para ele esquecer. Dante ainda andava de um lado para outro na saleta, vez ou outra fazendo anotações num bloco.
— Assim que Dante estiver pronto, voltamos ao hotel — disse ela.
— Como tu quiser. — Ele afastou-se da mesa. — Vou arrumar minhas coisas.
Ela assentiu para Luís, que apertou seu ombro antes de sumir de vista.
---
No quarto, Adriana andava de um lado para outro, esperando. Com uma olhada ansiosa para o relógio de pulso, ela percebeu que já marcava quase oito horas da noite. E, para melhorar, nenhuma notícia de Dante.
Quando saíram da DP, ele limitara-se a apontar para o celular com uma expressão culpada, virando as costas logo em seguida. Adriana e Luís, sabendo da importância do telefonema, seguiram para o hotel, sendo quase encurralados por jornalistas que, magicamente, descobriram a última parada de Érica. Com a ajuda da simpática dona do hotelzinho, que teve a ideia de avisá-los discretamente por celular, entraram pelo jardim, subindo as escadas sem serem notados pelo grupo de jornalistas curiosos.
Dentro do quarto e deitado na cama como se estivesse em casa, Luís apertava os botões do controle remoto, detendo-se por um momento no canal de infantil.
— Sério, Luís? — Adriana parou, erguendo as sobrancelhas para o parceiro, que ria com os desenhos. Ele respondeu com um olhar confuso. — Tô bem arranjada.
Por sorte, Dante não demorou a chegar. Afobado, ele entrou no quarto com uma expressão cansada. Sua camisa estava amassada, seu rosto parecia clamar por uma noite de sono, mas seus olhos brilhavam, e Adriana sentiu medo do que estava por vir.
— Estefano teve aqui — disse ele, deixando-se cair na cama ao lado de Luís. — Mas ficou na cidade só dois dias. Agora será que tu pode me dizer por que diabos isso importa?
— E quando ele foi embora? — perguntou Luís.
— Na quinta. — Dante olhou para os dois. — Um dia antes de Érica ser morta.
Adriana e Luís ficaram em silêncio. Com a cabeça rodando, ela pôs-se a caminhar de um lado a outro novamente, sua hipótese do envolvimento do filho mais velho de Teodora desmoronando. Mesmo que durante um final de semana, Estefano poderia ter descoberto as pesquisas de Érica e mandado acabar com ela, voltando para Londres logo depois. Ansiosa, Adriana começou:
— Certo, vamos recapitular.
Com palavras rápidas, apressadas pela excitação, Adriana explicou em linhas gerais a ligação de Gregório e os motivos pelos quais pedira a Dante para descobrir, de uma maneira ou de outra, onde Estefano Albuquerque estivera. Além disso, comentou o que acontecera com Pedro na rua, a cena da perseguição que dera errado e como o rapaz enviara uma mensagem a alguém antes de parar num café, sabendo que era observado. Adriana sabia que falava rápido, mas o olhar de Dante a incentivava a continuar.
— Ele parou quando nos viu, Dante, mas isso não é o que importa — disse ela. — O que importa é a mensagem, entende? Pedro ia se encontrar com alguém, mas quando nos viu, desistiu.
— Sim, mas quem? — perguntou ele, olhando para os dois. — Estefano não tá mais aqui. Sem chances de ser ele.
— Nem ideia. — Adriana suspirou. — Vamos deixar Estefano em aberto por enquanto. O que já temos?
Dante e Luís trocaram um olhar sem graça. Não muito, pelo jeito.
— Verônica viu Érica na quarta-feira pela manhã, usando as mesmas roupas da noite anterior e procurando por algo na bolsa — disse Luís. — Além de dar a entender que Érica e Pedro... mantinham um romance.
— Na quinta-feira pela manhã, Vitória convidou Érica pra jantar na sexta, mas ela negou por ter um compromisso — prosseguiu Adriana. — E na hora do almoço, Martin ameaçou Érica na frente de todos. A última pessoa que viu Érica com vida foi o Sr. Lafue, na sexta-feira à tarde.
— E por fim temos as chamadas do celular dela — finalizou Dante, deixando um suspiro derrotado escapar. — Estefano poderia se encaixar em qualquer dia até quinta, mas acho difícil ele ter descoberto as pesquisas de Érica num tempo tão curto.
Após outro silêncio, Dante se ergueu da cama pesadamente. Olhando para os dois, sentenciou:
— Precisamos descobrir muitas coisas ainda, mas querem saber minha opinião? — Ele fez uma pausa. — Duvido que o Estefano tenha algo a ver com essa merda, mas não digo o mesmo sobre a mãe dele. Pedro é outro. Se a gente espremer o cara, ele vai abrir o bico. Não sei o que o guri esconde, mas aí tem. E digo o mesmo sobre o Sr. Lafue.
— Concordo. — assentiu Luís. — Esse velho tem o rabo preso com alguém, e já passou da hora da gente descobrir com quem.
Os três ficaram em silêncio, ouvindo a musiquinha irritante de outro desenho que passava na televisão. Os olhos cor de mel de Dante a encararam, esperando uma resposta. Ainda sem saber por que a cicatriz em seu pulso comichava, Adriana assentiu. É um erro deixar Estefano passar assim, uma vozinha irritante sussurrou no ouvido dela, mas a investigadora foi rápida em afastá-la. Com um aceno de cabeça para os dois, sentenciou:
— Primeiro Pedro, depois o Sr. Lafue. E depois Martin.
Dante assentiu e despediu-se. Antes de ir, porém, puxou um folheto amassado do bolso traseiro do jeans surrado, estendendo-o à Adriana. Num tom de roxo esmaecido, o panfleto tinha uma flor branca e lilás, um lisianto, impressa na frente.
— Festival das Flores de Lisiantos— explicou Dante, antes que ela pudesse ler. — A cidade em peso vai tá lá. Aproveitem pra realizar mais alguns interrogatórios, observar o povo. Vai ser bacana.
— Valeu pela dica, Dante — agradeceu Luís. O amigo se despediu, lançando um sorriso cansado à Adriana, que ergueu o panfleto em agradecimento. Quando Dante fechou a porta, Luís virou-se para ela, coçando a barba por fazer. — E aí, qual o próximo passo?
Olhando para Luís, ela sorriu. Balançando o folheto, Adriana disse:
— Vamos ter uma conversinha com nosso amigo Pedro.
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