05.
Os dois empurraram as portas do hotel, e Adriana ergueu o pescoço à procura de Dante no saguãozinho aconchegante. O clima estava diferente ali, entre os móveis de madeira polida e o cheiro de café que vinha do salão. A senhora que atendia no balcão tinha olhos assustados, e os funcionários cochichavam entre si, olhando para os investigadores com o canto dos olhos. Puta que pariu, Adriana pensou quando viu o policial gorducho, Jorge, vir na direção deles, suando.
— Tentaram entrar no quarto de Érica — disse ele, numa voz estrangulada que fez Luís franzir o cenho. — A camareira... a camareira viu. Venham.
Sem dizer mais nada, Jorge sumiu pelas escadas. Os investigadores trocaram um olhar preocupado antes de segui-lo. No corredor do segundo andar, algumas portas estavam entreabertas e olhos tentavam espiar o trabalho da polícia no quarto vedado de Érica. Adriana seguiu para o número 204, no final do corredor acarpetado, e sorriu para Sérgio, o policial magricela que acompanhava Jorge. De dentro do quarto de Érica, Dante ergueu a cabeça quando os ouviu chegar.
— Que merda é essa? — perguntou Adriana, tão logo pôs os olhos dentro do quarto.
Exatamente como o quarto dela, o quarto de Érica possuía uma cama casal, uma escrivaninha de madeira simples, um roupeiro antigo, um banheiro à esquerda, uma janela que dava para os fundos do simpático jardim do hotel e um frigobar bem abastecido. A única diferença é que o lugar estava uma bagunça.
Com as gavetas da escrivaninha reviradas, a janela aberta e o roupeiro entreaberto, nem parecia que a Perícia passara por ali no início daquela manhã, enquanto se reuniam na DP. O quarto de Érica parecia ter sido vasculhado por alguém que sabia o que procurava, e no tampo da escrivaninha, entre papéis rasgados e amassados, um diário de capa azul aberto era o centro das atenções. Puta que pariu. Adriana e Luís olharam para Dante à procura de uma explicação. O policial suspirou antes de dizer:
— Alguém entrou no quarto de Érica depois que a Perícia saiu.
— O quê? Como as... — começou Luís, mas não terminou. Ele deixou um suspiro irritado escapar. — Porra, nenhum policial tava de guarda?
— Ontem à noite sim. — Dante esfregou os olhos com o polegar e o indicador. — Mas depois que a Perícia saiu eles... saíram.
— Como assim saíram, Dante? — retrucou Luís. — É o quarto da vítima, porra.
— Os peritos recolheram algumas amostras, vedaram a sala e foram embora. Os policiais também, Luís. — Ele fez uma pausa e lançou um olhar ligeiro a Sérgio e Jorge, que esperavam do lado de fora, espiando para dentro do quarto com olhos arregalados. Dante suspirou outra vez e sussurrou: — A gente não tá em Porto Alegre, esqueceu?
— Quem tentou entrar aqui? — perguntou Adriana, ignorando o suspiro irritado de Luís. — Alguma testemunha ocular na cena?
— Uma camareira — disse ele. — Ela tava trocando os lençóis do quarto da frente, e ouviu uma movimentação esquisita aqui. Apesar da fita de isolamento, ela abriu a porta, achando que alguém precisava de ajuda, e viu um cara rasgando as páginas desse diário.
Adriana baixou os olhos e viu o diário ao qual Teodora se referiu na breve conversa que tiveram naquela manhã. A capa de couro azul parecia envelhecida, usada, mas as páginas, pelo menos as que não estavam amassadas, rasgadas ou jogadas no chão, pareciam intactas. Ela se aproximou, evitando tocar no que quer fosse, e leu, na caligrafia apressada de Érica, um nome repetido várias vezes.
— "P. C. de Sá" — Ela ergueu os olhos para Luís e Dante. — Vamos pedir para Miranda e Ricardo puxarem a ficha. Talvez seja um desafeto dela. Alguma ideia?
— P.C de Sá — disse Jorge, seus olhinhos apertados pulando entre os três detetives de Porto Alegre. Sérgio cruzou os braços, fazendo uma careta para o carpete. — Pedro Camargo de Sá. Filho único de Martin Camargo de Sá.
Aquilo de novo. Adriana assentiu lentamente, pensando no que fazer a seguir. O nome de um Camargo de Sá escrito repetidas vezes num diário que alguém tentara destruir. Esse caso fica melhor a cada minuto que passa. Ela franziu os lábios.
— O que a Perícia disse sobre isso?
— Esse é o problema, Adri. — Dante massageou o pescoço. — A Perícia não achou o diário.
— Como... — Luís fechou a cara. — Puta que pariu, hein?
— A Perícia não mencionou nada sobre isso. O cara que entrou aqui sabia que Érica tinha um diário, e sabia onde ela o mantinha.
— Alguma chance dessa camareira reconhecer o cara? — interrompeu Luís. — Alguma chance da gente prender uns caras e ela reconhecer alguém?
— Difícil — disse Dante, erguendo as sobrancelhas para a sugestão. — De acordo com ela o cara tava encapuzado. E como ninguém no saguão viu ele...
— O cara entrou pela janela — completou Adriana, deixando escapar um suspiro cansado. — Claro. Ele escalou as videiras, entrou no quarto, achou o diário e fugiu quando viu a camareira abrindo a porta. Porra. Onde tavam os policiais?
Dante pareceu sem graça por um momento.
— Parece que roubaram as galinhas de um...
— Porra, isso é uma investigação de assassinato! — exclamou Luís, seu rosto ficando vermelho. Dante suspirou. — Antes que tu comece, eu sei que o contingente é pequeno, mas assim não dá pra trabalhar. Mexeram nos pertences da vítima e o delegado retira os policiais da guarda por causa de uma porra de roubo de galinhas?!
Os dois policiais parados à porta arregalaram os olhos para a pequena explosão de Luís. Jorge pulava seus olhinhos de um para outro, esperando por ordens. Sérgio coçava a cabeça, apoiado no marco da porta. Os dois murmuraram qualquer coisa sobre falar com a dona do hotel e sumiram pelas escadas, com medo da fúria de Luís. Irritado, Luís trincou a mandíbula quando Dante simplesmente deu de ombros.
— Vou enviar o diário pra Perícia, e já chamei os peritos outra vez pra recolherem amostras, apesar de achar inútil. — Ele suspirou. — A camareira disse que o cara usava luvas brancas, então...
— Sem digitais — completou Adriana, descansando as mãos na cintura. Luís, ainda furioso, cruzou os braços como uma criança birrenta. — Que ótimo. Bem, pelo menos temos outro nome pra adicionar à lista dos suspeitos.
— Como foi a conversa com Teodora? — perguntou ele. Quando os dois fecharam a cara, Dante riu. — Ótima, eu presumo?
— É, tu não faz nem ideia — reclamou Luís. — Cada hora que passo aqui me lembro por que odeio cidades pequenas.
— Somos dois — concordou Dante. — Bem, eu vou voltar à DP, ver se consigo arrancar algo da camareira. Vocês?
— Vamos ver se os Camargo de Sá tem tempo para uma... visitinha. — Adriana sorriu com o canto dos lábios. — Quero ver o que esse tal de Pedro tem a dizer.
— É, mas antes vamos almoçar — retrucou Luís. — Se eu tiver que olhar pra cara de mais um rico insuportável de barriga vazia, tenho certeza de que vou morrer. Vem com a gente, Dante?
Ele ficou sem graça por um momento, como se quisesse, mas não pudesse. Adriana sorriu quando as orelhas de Dante ficaram vermelhas e ele disse:
— Se vocês puderem trazer algo pra mim na DP, seria ótimo. Não sei se vou ter tempo de sair, mas não se incomo...
— Relaxa. — Luís sorriu, dando um tapinha no ombro de Dante. — Não é incômodo nenhum, parceiro. Nos vemos mais tarde.
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— Meu Deus, eu amo esse lugar.
Adriana riu quando Luís deu outra garfada na massa à Carbonara. Ele esfregou a boca num guardanapo, fechando os olhos sem parar de mastigar, e Adriana aproveitou aquele momento para observar melhor o bistrôzinho simpático em que pararam para almoçar.
A construção lembrava uma adega antiga com pé-direito alto, paredes de tijolo à vista, alguns barris decorando paredes e cantos, mesas e cadeiras de madeira envelhecida e portas coloridas e abertas, dando visão para a rua principal de Lisiantos. Adriana suspirou, apoiando o cotovelo na toalha de mesa xadrez, incapaz de desviar os pensamentos do caso do diário.
O quarto revirado, as páginas rasgadas e o homem que fugira era uma prova de que o assassino estava à solta, rondando a cidade e interessado em algo que Érica escrevera. Mas o quê? Qual a motivação de um homem para esfolar uma mulher, enterrá-la e invadir seu quarto atrás de um objeto que, no final das contas, deixara para trás? Enquanto Luís saboreava o tempero caseiro do restaurante, Adriana pensava. Pensava no assassino, no corpo de Érica, na cicatriz de Teodora e naquele caso que ficava mais estranho a cada momento que passava.
Enfim, Luís largou os talheres e suspirou satisfeito, relaxando na cadeira.
— Sério. Essa foi a melhor comida que eu já...
— Tu diz isso depois de todas as pizzas que a gente já comeu juntos. — Ela riu. — Assim tu perde a credibilidade.
— Não consigo resistir. É muito mais forte do que eu — disse Luís, rindo e acariciando o próprio estômago. — Vamos pedir a conta e levar algo pro Dante?
Ela assentiu, e ele ergueu o dedo. O garçom baixinho e engraçado estava prestes a vir servi-los outra vez, entretanto uma mulher enfiada numa roupa de chef de cozinha, com uma bandana colorida prendendo seus cabelos castanhos, fez sinal para o garçom, que sorriu e foi atender outra mesa. Adriana franziu o cenho quando a viu se aproximar deles. Luís suspirou outra vez e, sem nem olhar para cima, disse:
— Vamos fechar a conta e...
— São os investigadores do caso? — perguntou a chef, fazendo Luís erguer o rosto. Ela sorriu e estendeu a mão para Adriana, que apertou-a enquanto ainda tentava decidir o que pensar da mulher . — Rosa Sampaio. Sou a dona do Tempero do Sul. Posso me sentar?
Luís trocou um olhar rápido com Adriana, que sorriu maquinalmente e indicou a cadeira que sobrava à chef. Os três ficaram em silêncio, esperando por palavras que não vieram. Rosa sorriu para os dois, incerta sobre como começar a conversa.
— Ficou tudo do agrado de vocês?
— Sim — respondeu Adriana, antes que Luís desatasse a elogiar o tempero do restaurante. Rosa agradeceu com um sorriso contido. — A comida estava deliciosa, mas não foi por isso que tu veio, não é mesmo?
Ela riu, baixando o rosto. Adriana piscou para Luís, que se endireitou na cadeira, franzindo as sobrancelhas. Rosa umedeceu os lábios e disse com calma:
— Eu tenho algo de Érica. Posso entregar a vocês?
Adriana e Luís ficaram em silêncio. Algo de Érica. As palavras giraram na cabeça da investigadora. Luís largou o guardanapo e se inclinou para frente. Rosa pareceu sem graça por um momento.
— Reter provas num caso desses é extremamente... — começou Luís, um vinco se formando entre suas sobrancelhas castanhas. Rosa arregalou os olhos e riu, escondendo o rosto nas mãos. Adriana leu nos olhos do parceiro o comentário é louca antes que ele continuasse: — O que é tão engraçado?
— Pelo amor de Deus, não estou retendo provas — explicou ela, as bochechas rosadas. Após uma breve pausa tensa, Rosa pediu: — Esperem aqui, por favor.
A chef se ergueu e, num passo apressado, sumiu em direção à cozinha. Algo de Érica. As palavras giraram na cabeça da investigadora, indo e voltando como um maldito ioiô. Luís perguntou em sua melhor voz policial:
— O que tu acha?
— Nem ideia — confessou Adriana, mirando a porta da cozinha como se o simples fato de olhá-la pudesse apressar a dona do restaurante à voltar. — Algo de Érica. O Dante já teve alguma notícia da Perícia?
Luís deixou uma risada incrédula escapar. Como sempre, o olhar brincalhão dele irritou Adriana o suficiente para que ela fechasse a cara. Seu parceiro relaxou, apoiando o braço no encosto da cadeira. Aquela mania de fazer troça de tudo era algo que deixava Adriana louca. Por que diabos Luís sempre tinha uma piadinha na ponta da língua, um comentário sarcástico para passar adiante?
— Sério, Adriana? A Perícia coletou os materiais ontem. — Ele riu outra vez, desta vez com mais gosto. — Tu tá há tempo suficiente na corporação pra saber que essas coisas demoram. Ainda mais no Brasil.
Adriana tinha a resposta pronta, mas se calou ao ver Rosa voltando da cozinha, sorrindo para o garçom. Ela se sentou e suspirou de uma maneira dramática, pousando um celular na toalha xadrez. Os dois investigadores trocaram um olhar por cima do aparelho, e Adriana soube que Luís pensava exatamente o mesmo que ela. Como Rosa tem o celular de uma pessoa que foi encontrada morta ontem? Como se lesse os pensamentos da policial, Rosa pareceu sem graça antes de virar seus brilhantes olhos azuis para Luís e dizer:
— Ela vinha aqui com frequência, e da última vez acabou esquecendo o celular. — Rosa suspirou, sorrindo de maneira triste para Adriana. — Eu ia devolver, mas o restaurante ficou lotado e...
— E Érica não apareceu pra recuperar o celular — completou Adriana, assentindo para o aparelho. Então, encarou Rosa e decidiu ser direta: — Qual foi a última vez em que a senhora viu Érica?
— Na quinta, talvez na hora do almoço? — respondeu Rosa, franzindo as sobrancelhas, tentando se lembrar. Por fim, suspirou. — É difícil dizer com certeza, a hora do almoço, como vocês viram, é bem... atribulada.
— Havia algo de diferente em Érica naquele dia? — interrompeu Luís, apoiando os braços na mesa. Rosa coçou a cabeça, e ele insistiu: — Algo de... anormal? Algo que não se parecia com ela?
— Bem, agora que o senhor mencionou... — começou a chef, deixando a voz morrer. Adriana fixou os olhos nela, em seu nariz pequeno e na boca delicada, como se pudesse arrancar a resposta de Rosa com um olhar. — Érica fez as mesmas coisas que sempre fazia. Entrou, acenou pra mim, comeu e foi embora. A única diferença é que ela tava... eufórica. Quase se esqueceu de pagar a conta.
— Feliz? — sugeriu Luís. — Como se tivesse recebido uma notícia boa ou algo do gênero?
— Não. Ela tava mais pra agitada do que feliz, disso tenho certeza. — Rosa fez um aceno de cabeça, como se tentasse se recordar melhor daquele dia. — Como se... se fosse uma adolescente que mal pode esperar pra ir a um show de rock. Sim. Esse era o clima. Quando meu garçom, Thales, foi limpar a mesa, até brincou que Érica tava tão avoada que deixou o celular para trás.
Eufórica. Como uma adolescente que mal pode esperar pra ir a um show de rock. Adriana ficou em silêncio, refletindo. Jornalistas eufóricos, pela breve experiência dela, eram um mal sinal. O que deixara Érica naquele estado de espírito, tão agitada a ponto de quase se esquecer de pagar a conta e abandonar o próprio celular?
Luís assentiu e continuou:
— A senhora sabia que Érica escrevia a...
— A biografia dos Albuquerque? Sim. — Ela riu quando Luís ergueu as sobrancelhas. — É uma cidade pequena, investigador. As pessoas não falam de outra coisa por aqui.
— Imagino. — Ele riu para Adriana, que conseguiu exibir um pequeno sorriso contido. — A senhora sabe de alguém mais que possa ter se relacionado com Érica durante esses seis meses em que ela passou aqui?
Rosa pensou por um momento antes de responder:
— O livreiro francês esquistão, o Sr. Lafue. Ela basicamente vivia na livraria dele.
— Esquisitão? — perguntou Adriana, com um olhar rápido para Luís. — Esquisitão como?
Rosa deixou uma risada baixa escapar e comentou:
— Não o conheço direito, mas sei que ele mora no sótão da loja e adora Chopin.
O pai de Adriana, pianista de formação, tocava todas as manhãs o segundo Noturno de Chopin ao piano. A melodia era triste, mas para Adriana sempre existiria uma conexão alegre entre as notas melancólicas e os abraços quentes do pai. A investigadora ergueu as sobrancelhas.
— Chopin?
— Isso, o compositor. Sempre que passo na frente da livraria dele para voltar para casa, a música escapa pela janela — disse Rosa. — Além do mais, o Sr. Lafue é meio surdo, então o volume alto da música é... é compreensível na idade dele.
Luís riu, tocando o peito com o queixo. Sem graça, Adriana sorriu para a chef. Com uma postura relaxada, a investigadora brincou com o saleiro, girando-o lentamente sobre a mesa. Novos clientes entraram no Tempero do Sul, e Rosa fez um sinal discreto para que o garçom os atendesse.
— A senhora parece conhecer bem a cidade... — Adriana deixou no ar, arrancando um sorriso de sua interlocutora.
— Modéstia à parte, sim. — A chef deu de ombros. — Trabalhar num restaurante faz com que nossos ouvidos fiquem mais atentos...
— Entendo. — Adriana assentiu, deixando o saleiro de lado. — Algo de especial?
A chef de cozinha riu, balançando a cabeça. Por fim, ela cruzou as mãos em cima da toalha xadrez e deu de ombros com uma expressão brincalhona.
— Acabamos ouvindo muitas coisas, investigadora. E aquilo que não ouvimos, a cidade faz questão de explicar.
— O que quer dizer com isso?
— Érica conversava com muitas pessoas, e algumas vezes esse excesso de curiosidade pode ser... perigoso. — Rosa suspirou para o saleiro. Seus olhos azuis se fixaram em Adriana, que sustentou o olhar. — Quando alguém faz muitas perguntas, esse alguém tende a sumir. É o que se vê nos noticiários, não?
Luís abriu a boca para falar, mas Adriana cutucou-o com a ponta da bota por baixo da mesa. Ele trincou a mandíbula, fazendo uma careta para ela. Rosa, perdida em pensamentos, não percebeu os olhares que os investigadores trocavam por cima da mesa. Como se saísse de divagações profundas, disse:
— Érica era uma boa pessoa. Ela sempre deixava gorjetas. Quem faz isso hoje em dia? — A chef deixou escapar um riso triste. De súbito, sua expressão ficou sombria. — Mexer no passado sempre traz consequências ruins. Érica sabia onde tava se metendo. Ainda mais quando aquele incidente com Martin aconteceu e...
Adriana enrijeceu na cadeira. Rosa entrou em outro silêncio meditativo, como se revisse uma cena desagradável. A chef apoiou o cotovelo na mesa, descansando o rosto nas mãos. A ausência de esmalte em suas unhas fez Adriana se lembrar da própria avó, cozinheira voraz que nunca pintava as unhas. Os dois esperaram, e quando Rosa não deu sintomas de retornar à realidade tão cedo, Luís pigarreou e perguntou:
— O incidente com Martin...?
Rosa piscou. Sem graça, ela sorriu.
— Eu sinto muito. Tenho essa mania terrível de perder o foco e...
Exatamente naquele momento, uma taça de vinho tinto se espatifou no chão do restaurante, fazendo todos os clientes se virarem em direção ao som. O garçom, um rapaz de cabeça raspada e um início de corcunda nas costas, estava da cor de um pimentão, segurando a bandeja circular como um escudo contra a fúria do cliente que teve sua camisa polo branca manchada pelo vinho. Rosa se ergueu da cadeira, apertando os lábios para a cena.
— Eu preciso resolver isso. — Ela se voltou rapidamente, mirando os dois investigadores. — Um jantar amanhã, por minha conta?
— Tecnicamente nós não podemos acei... — começou a investigadora.
Mas Rosa agradeceu com um gesto de cabeça e apertou o passo até o cliente nervoso, que começava a altear a voz contra o garçom. Adriana relaxou na cadeira, sentindo-se derrotada por aquele anticlímax. Luís cruzou os braços, erguendo uma sobrancelha para ela. Adriana fechou a cara.
— O quê?
— Tu e essa mania — reclamou ele. Quando Adriana franziu o cenho, pronta para responder, ele continuou: — Essa mania de não interromper. Foda-se o fluxo de consciência, eu quero resultados.
Adriana revirou os olhos, pegando o celular de Érica e enfiando na bolsa. Discretamente, checou o próprio celular para ver se não havia nenhuma chamada ou mensagem de Otávio.
— Tu que é muito apressado — retrucou ela, abrindo a conversa com Otávio na vã esperança de que a notificação havia se perdido em algum lugar. Na tela brilhante do celular, não havia nada. Ela suspirou, e quando ergueu os olhos, percebeu que Luís sorria com o canto dos lábios. — O que foi agora?
— Acho que tem alguém esperando uma ligação...
— Vai te foder, Luís. — Ela enfiou o celular na bolsa, fechando a cara. — Meu relacionamento tá a um passo de ir pro buraco por culpa tua.
— Por culpa do secretário de segurança, não minha. E relaxa, ok? O Otávio vai ficar puto durante uns dias, mas depois de olhar nesses teus olhos verdes aposto que ele vai esquecer de tudo. — Ele riu, cruzando os braços. — Típico.
— Nem tudo se resolve assim. Pelo menos não dessa vez. — Adriana semicerrou os olhos para a expressão brincalhona dele, querendo arrancar aquele sorrisinho dali. — E chega de falar disso. Vamos levar algo pro Dante comer e ir conversar com Martin.
— Que aparentemente teve um incidente com Érica — lembrou Luís, erguendo as sobrancelhas. — O que tu acha disso?
Adriana atirou algumas notas de dinheiro em cima da mesa e sorriu para o parceiro.
— Não sei, mas é algo que tô louca pra usar na conversa com Martin e ver como isso o afeta. — Do outro lado da mesa, Luís sorriu. Adriana piscou para ele. — Hora de ver o que os Camargo de Sá escondem.
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