A lenda da máscara negra

- Joguem suas armas na mata! - gritou Paloma quando Emílio e seu grupo subia pela construção.

Nenhum deles fez o menor movimento de cumprir a ordem e ela atirou, derrubando um dos soldados.

- Último aviso! - disse a rainha mirando na direção de um dos conselheiros que sobraram, sendo imitada pelos outros que a acompanham e que foram surgindo de todos os lados da plataforma mais elevada de Calakmul.

O imperador percebeu que não teria outra escolha se não obedecer.

- Vai nos matar a sangue frio, Paloma. Você mudou muito, vestiu de vez o papel de traidora...

- E você continua o mesmo assassino - respondeu ela sem perder um segundo - Joguem as armas agora...

Emílio fez um gesto para que parassem, depois retirou o arco e revólver que carregava e os atirou na direção da mata que cercava as ruínas.

- Façam o que ela manda - ordenou ele.

Após seus homens obedecerem, o imperador fez um pedido.

- Posso ao menos ficar com a minha espada. Você sabe, ela foi presente de meu pai...

- Por que tanta consideração? Teve esse mesmo sentimento quando mandou matar o rei e sua mãe?

Emílio soltou um riso alto.

- É a minha espada da sorte. Foi com ela mesma que o pescoço do meu pai foi cortado, aquele rei fraco, mas não fui eu quem o matou...

- Mandar ou fazer é assassinato da mesma forma...

- O que você quer de mim, traidora Paloma? - berrou ele.

- Sua cabeça enfiada numa estaca, para vingar a todos que você caçou e matou.

- Então venha buscar! - respondeu Emílio com ódio.

- É o que eu vou fazer! Matem qualquer um que interferir.

A rainha jogou sua pistola para Mariano que a olhava assustado. Jamais na vida a viu tão ensandecida e temia pela vida dela, mas resignou-se, fazendo uma prece silenciosa.

O imperador retirou a espada do suporte e continuou subindo ao encontro da rainha. Sabia que morreria de qualquer forma, mas teria o gosto de arrancar a cabeça dela antes, imaginou ele feliz.

Iniciaram um luta de espadas feroz e o imperador ficou surpreso com a técnica que ela utilizava. Havia imaginado que poderia feri-la aos poucos, para lhe causar o máximo de sofrimento antes de vencer, mas após poucos golpes perfeitos dela, teve que se concentrar em não ser derrotado facilmente.

Em vez de ganhar terreno, levando-a a subir para não ser atingida pelos seus golpes, o que ocorria era exatamente ao contrário. Paloma foi atacando de todas as formas e Emílio mal conseguia se defender.

Ela o foi acuando até que o imperador ficou na ponta da escada. Quando tentou recuar mais um passo, percebeu que estava sem chão e que poderia despencar no próximo recuo que fizesse, mas a rainha se afastou e deixou que Emílio ganhasse terreno.

- Esperava mais de você, imperador mascarado - ela disse rindo.

- Sua...

Ele voou para cima dela atacando ferozmente, mas a rainha se desvencilhou facilmente e com um golpe certeiro cravou a espada em seu coração.

Emílio caiu de joelhos e a olhou incrédulo, enquanto Paloma retirava a espada sem piedade.

- Você é um mostro e espero que queime no inferno...

Ela girou a espada e tentou arrancar a cabeça do imperador com um golpe só, mas esta ficou pendurada e a rainha teve que dar mais uma espadada para completar o serviço.

Paloma olhou para baixo e viu que os últimos soldados e os conselheiros que sobraram faziam menção de fugir, mas ela tentou acalmá-los.

- Não precisam correr, acabam-se aqui as mortes por ordem deste imperador louco.

Apesar de suas palavras, eles ainda demonstravam querer fugir e o conselheiro mais próximo lhe fez uma pergunta que Paloma achou estranha a princípio.

- Posso arrancar minha máscara?

- Pode sim...

Assim o conselheiro o fez e se aproximou receoso.

- Rainha Paloma, você venceu, mas perdeu...

- O que você quer dizer?

Ele lhe contou sobre a ordem louca de Emílio, para caso ele não voltasse com vida toda a América fosse atacada.

Ela mandou prendê-los e depois foi falar com o general, que assistira o confronto.

- Temos que fazer alguma coisa, pois caso contrário, nossos esforços terão sido em vão...

- Eu creio que sei o que podemos fazer. Não tenho certeza se vai dar certo, mas penso que é a única solução.

Formaram um pequeno grupo e conduziram por mar os prisioneiros até Vera Cruz e de lá rapidamente seguiram para a Cidade do México.

Encontraram somente o líder mexicano, pois os demais dirigentes foram providenciar a segurança para suas próprias famílias.

Após uma breve reunião, a rainha se despediu e junto com Mariano e seus homens passaram numa loja de fantasias, depois seguiram novamente para o porto de Vera Cruz, de onde, após se apossarem de um dos navios calteses, seguiram para a Espanha.

Quando chegaram em águas espanholas, próximo ao porto de Santa Maria, foram recebidos por uma esquadra de dez navios de guerra. Eles sabiam que a missão era arriscada e que podia custar a vida de todos, mas não havia escolha.

Na proa do navio, Paloma conduzia um caixão de madeira com a máscara do imperador presa na sua tampa. Ela usava uma máscara felina branca e oito de seus homens vestiam as máscaras que pertenceram aos conselheiros de Emílio.

Da proa, o comandante do seu navio informou aos inimigos que estavam numa missão de paz e precisavam chegar em terra firme.

Foi liberado o acesso deles ao porto, mas os navios calteses permaneceram em posição de ataque. Um soldado mais graduado foi recebê-la, com inúmeros outros soldados de apoio e ela se apresentou.

- Sou a rainha Paloma e vim trazer o corpo do imperador Emílio para ser enterrado aqui. Ele lutou bravamente, mas tombou sob a minha espada...

Ela levantou sua arma que ainda tinha manchas de sangue na lâmina.

- Eu sei das ordens que seu imperador deixou, para que invadissem a América caso ele não voltasse em um mês. Aqui está ele, infelizmente morto, mas dentro do prazo previsto.

Começaram diversas discussões, mas que foram contidas pelos soldados.

- Deixem que ela termine de falar! - berrou o soldado líder.

Quando o volume das vozes irritadas diminuiu, Paloma retomou a palavra, sob alguns protestos.

- Não espero que me aceitem como sua rainha, apesar de deter este título ainda, pois gostaria que todos agora fossem homens livres, pelo menos da Lei das Máscaras.

A rainha arrancou a sua máscara e seus homens fizeram o mesmo.

- Peço que este continente viva em paz, reconstruam tudo que o imperador Emílio, em sua ira, destruiu. É tudo que eu tinha para dizer...

O soldado líder se aproximou com seus comandados e fizeram uma barreira entre a rainha e o povo, antes de falar em tom mais ameno para ela.

- O imperador revelou tudo, rainha Paloma, ele omitiu a parte mais importante do seu último decreto, ainda em vida.

- Por sorte - continuou ele - eu servi a seus sogros, depois ao rei louco e vou conseguir lhe proteger por algum tempo, para que escape daqui com vida...

- O que mais ele planejou? - disse ela já esperando o pior e sendo surpreendida.

- Ele decretou que caso fosse morto, aquele que matasse o seu algoz teria direito de governar o povo Caltês em seu lugar e assim sucessivamente.

- E eu me entreguei de bandeja...

- Infelizmente sim... - disse ele tristemente.

- Os soldados estão sob o seu comando? - disse Paloma pensando rápido.

- Estão, mas não sei por quanto tempo conseguirei contê-los para não se rebelarem junto com o povo.

- Mas eles seguirão a ordem de uma rainha?

O líder dos soldados pareceu confuso por um tempo, mas depois compreendeu aonde ela queria chegar, fazendo um sinal de concordância com um aceno.

- Então faremos assim: eu não deixarei você e seus homens para morrer por mim. Me ajude a chegar até a capital da Espanha para que eu aja como a rainha que sou...

- A senhora tem certeza? Será quase um dia de viagem galopando rápido, podemos sofrer muitas emboscadas.

- É o que eu desejo. Informe a todos!

O líder dos soldados chamou mais homens e pediu que informassem aos navios as ordens da rainha. Fizeram um corredor para que Paloma passasse com segurança até os cavalos dos soldados e rumaram para Madri.

Tiveram poucos problemas no caminho, pois a notícia da morte de Emílio caminhava lentamente para dentro da Europa.

Com a chegada da rainha na corte espanhola, ela tratou de exigir preparativos urgentes para uma nova coroação pública sua e quando o povo lotou os pátios do palácio real, viu subir ao trono uma nova imperatriz, que após a coroação, de forma emocionada falou ao povo pela primeira vez.

- Povo europeu, povo africano, povo de todas as partes, eu sou Paloma Caltês e o meu primeiro ato será repudiar todos os decretos lançados pelo imperador Emílio.

- Todos os prisioneiros serão reavaliados e soltos, se assim merecerem. Todas as terras serão devolvidas aos seus legítimos proprietários, todas as mortes e perseguições sem fundamento acabam hoje.

- Tive que cruzar o mundo fugindo da morte para aprender a governar como a verdadeira rainha que fui e a minha missão a partir de agora será levar a paz por onde a guerra só trouxe desgraças.

- O povo americano nos auxiliará na reconstrução deste novo mundo e eu mesmo viajarei por todos os cantos onde o imperador pisou para levar a esperança e quero contar com o apoio de todos vocês, que sofreram muito nestes últimos anos.

Demorou quase um ano para a ordem ser restabelecida em todo o império Caltês e a última visita da imperatriz Paloma foi na Ilha de Moon, onde ela reiniciou a construção das cidades e também onde ela viu crescer seus filhos e depois os netos, junto ao imperador Mariano.

Por muitos séculos as máscaras dominaram aquela ilha, mas foi finalmente o amor que a iluminou e a retirou das trevas, transformando as velhas histórias em lendas, ainda contadas nas épocas de festas, quando as crianças correm vestidas de máscaras umas atrás das outras, mas agora somente com o objetivo de alegrar.

Uma dessas lendas dizia que no dia que a máscara negra tombou, a ferida aberta na terra cicatrizou e ela voltou a florir, mais linda do que nunca.

Poucos sabiam o quanto de verdade essa lenda contava...

FIM

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