XV - Dois metros de pedaços

     Bastou Oscar abrir a porta do carro para que Olivia lançasse o corpo para fora e vomitasse toda a cerveja que ingeriu nas últimas horas. Ele não costumava ser uma pessoa tão paciente, mas continuou segurando seu cabelo vomitado até que ela se sentisse bem o suficiente para voltar para casa – o que demorou mais do que ele gostaria.

     Mesmo não estando sóbrio, Oscar conseguiu dirigir pelas ruas desertas de Windenburg com segurança. Olivia fechou os olhos na tentativa de não ver mais tudo girar e acabou dormindo em poucos minutos. Não demoraram para estacionar de volta no circo, e ao puxar o freio de mão, o rapaz a encarou com a cabeça tombada no vidro e a boca aberta.

     Algumas cutucadas em seu braço e nada dela acordar. Ele poderia continuar tentando despertá-la para descer do carro, mas ficou com medo de Olivia fazer algum barulho que acabasse por acordar seu pai. Por fim e sem muito esforço, Oscar passou um braço por suas pernas e outro por debaixo de seus braços e a pegou no colo.

     Olivia soltou apenas alguns balbucios ininteligíveis e deu um tapa desajeitado em seu peito, mas se aconchegou em seu colo e voltou a dormir – se é que havia de fato acordado. Oscar não poderia deixá-la em casa naquele estado, então parou em frente à sua porta. Enquanto buscava uma maneira de pegar a chave em seu bolso sem correr o risco de acordá-la, pensava se aquilo era de fato o melhor a ser feito.

     Não seria a primeira vez que ela dormiria ali, mas dessa vez era diferente. E se ela acordasse pensando que ele se aproveitou de seu estado quase inconsciente? Oscar podia não ser um santo e nem mesmo uma pessoa muito agradável, mas jamais faria algo sem consentimento. Sentindo o corpo de Olivia pesar, olhou em direção aos últimos trailers e fez o que tinha certeza que ela faria se estivesse acordada.

     Bateu na porta de Megan algumas vezes, mas ela não atendia. Mesmo não podendo fazer barulho, as batidas seguintes foram mais altas. A carranca que ela exibiu ao abrir a porta se desfez no segundo em que viu sua amiga ainda em seu figurino, desacordada no colo de Oscar.


– Só me deixa colocar ela na sua cama que eu explico tudo – Oscar falou antes mesmo que Megan pudesse abrir a boca.

– O que você fez com a minha amiga?! – praticamente gritou.

– Fala baixo! Eu já disse que vou explicar.

– Então pode começar – cruzou os braços.

– Megan, a Olivia está pesada e meus braços estão doendo, então por favor, me deixa entrar com ela.


     Oscar arqueou uma sobrancelha e esperou até que Megan abrisse totalmente a porta para que ele passasse com Olivia. A ruiva o seguiu até o quarto batendo os pés, deixando claro sua raiva. Ele a deitou na cama bagunçada e ela se espreguiçou pelos lençóis antes de se encolher novamente.


– Deita aqui comigo...


     Olivia murmurou e esboçou um sorriso antes de soltar um longo suspiro típico de quem está em um sono profundo. Ele desejou que aquele pedido surgisse durante a sobriedade. Megan o encarou com as sobrancelhas arqueadas, esperando pela explicação. Oscar foi até a sala para não acordá-la e Megan o seguiu.


– Olha aqui, você pode ter dois metros de altura e carregar facas por aí, mas se você fez algo pra minha amiga, eu juro que eu te mato, esquartejo e espalho seus dois metros de pedaços em cada canto desse terreno, até que nunca mais consigam juntar um defunto inteiro para enterrar.


     Megan o segurou pelo colarinho da blusa, mas sequer conseguia intimidá-lo, já que ele era muito mais alto que ela. Oscar não conseguiu segurar a risada, a fazendo soltá-lo com ainda mais raiva e se sentar no sofá com os braços cruzados.


– Você tem um minuto pra me dizer o porquê você apareceu na minha porta com a minha melhor amiga desmaiada no seu colo em plena madrugada.

– Ela não estava desmaiada, ela estava dormindo...

– Cinquenta segundos, melhor agilizar sua explicação.

– Nós dois saímos depois da última apresentação, ficamos bêbados e ela dormiu no carro enquanto voltávamos. Se eu a acordasse, ela faria barulho e o David ia ouvir e você sabe bem que se tem algo que os Turner não precisam é de mais problemas, principalmente a Olivia – cruzou os braços e encostou na parede de frente para ela.

– Por que eu devo acreditar em você?

– Porque é a verdade – deu de ombros – Você esperava o quê?!

– Eu não sei – Megan falou com sinceridade – A Olivia é como se fosse minha irmã, quando eu te vi com ela desmaiada no colo...

– Dormindo – a corrigiu.

– Ok, dormindo – suspirou – Eu pensei que você tivesse feito algo e...

– Eu jamais faria algo de ruim pra ela, Megan – a interrompeu – Foi justamente por medo do que ela pudesse pensar quando acordasse que eu a trouxe pra cá e não pra minha casa.

– Faz sentido... – relaxou no sofá.

– É claro que faz! Eu sei que não sou muito simpático e que você não gosta de mim, mas isso não significa que eu sou uma pessoa ruim. Eu jamais me aproveitaria de uma mulher, imagine então da Olivia, que é minha amiga. Eu entendo seu receio, mas quanto a isso você pode ficar tranquila. De tudo que tive nessa vida, caráter foi uma das poucas coisas que me restou.

– De quem foi essa ideia de fugir na calada da noite e encher a cara?!

– Foi dela. Eu nem queria ir! Ela me pediu pra ir até um pub, disse que não queria te chamar porque você estava cansada... Foi só isso.

– Pelo o que eu me lembro, você também estava cansado, estava até dormindo na coxia. Por que você aceitou ir? Tem algo acontecendo que eu deveria saber? – arqueou uma sobrancelha e sorriu ladino.

– Meu minuto de explicações já acabou faz tempo. Boa noite, Megan.


     Oscar já estava cansado de estar ali, cansado daquela noite interminável e precisava se esquivar da pergunta de Megan, já que ele mesmo não sabia se tinha algo acontecendo entre eles. Terminou de falar e foi até a porta sem esperar que ela o respondesse. 


– Ah, quando ela acordar, dê uma aspirina e um relaxante muscular, ela vai precisar – ele falou antes de sair em direção ao seu trailer.


     Assim que adentrou em sua casa, Oscar tirou os coturnos e a roupa e se jogou em sua cama. Encarava o teto enquanto acariciava a barriga de seu gato, que ronronava preguiçosamente ao seu lado. Deveria dormir, mas não estava com sono. Tentava pensar em qualquer coisa que não fosse aquela noite que ainda não havia acabado.

     Fazia tempo que Oscar não se sentia leve como naquelas breves horas no pub. Havia uns bons anos que ele não sabia o que era rir até suas bochechas ficarem doloridas, que ele não tinha preocupações, que ele saía com um amigo. Que ele tinha uma amiga. Já havia muito tempo que ele não se sentia feliz como naquela noite, quando conseguiu desanuviar sua mente.

E então Olivia o beijou.

     Olivia o beijou e isso era a única coisa que passava insistentemente por sua cabeça. Sim, estavam bêbados. Não, ele não lembrava dos detalhes com perfeição. Não poderia sequer afirmar se foi um beijo tão bom assim, já que estavam com a adrenalina à flor da pele e tudo aconteceu muito rápido. Num minuto estavam correndo pelas ruas da cidade, fugindo sem pagar a conta, no outro, o beijo. Num intervalo ainda mais curto, o vômito.

     Ainda em meio às lembranças recentes daquela noite, Oscar deixou seu gato dormindo sobre as cobertas e tomou um banho quente para ver se o sono chegava. Voltou para sua cama e mesmo se esforçando para dormir, sua cabeça parecia não parar. Ele já era acostumado com isso, dificilmente sua mente dava uma trégua, as memórias lutavam contra as inseguranças e ansiedades constantemente para ver quem atrapalharia suas noites de sono.

     Mas naquela noite todas as inseguranças, ansiedades e memórias de um passado mais distante deram lugar a apenas um nome – Olivia. Não sabia o porquê daquela moça estar tomando tanto tempo em suas lembranças, ela era só uma amiga, só mais um beijo que ele torcia para esquecer quando acordasse carregando sua ressaca, mas que no fundo esperava que ela se lembrasse.

– Foi só um beijo. Só isso – tentou se convencer antes de finalmente dormir.


Olá meus amores! Como estão?!
Sei que o capítulo de hoje foi bem curtinho, mas começou e terminou onde senti que deveria.

Sei que vocês gostariam que a Olivia dormisse na casa do Oscar, mas ele tem razão em ter receio. E a Megan também está certa em se desesperar, até então o Oscar não tem uma fama muito boa no circo né?

Ah, na mídia temos a Olivia acordando de ressaca sem saber onde está kk

É isso, vejo vocês em breve!
Beijinhos ♥

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