VIII - Bastardo

     Agosto chegava ao fim, e naquele dia completava um mês desde que Olivia tentava voltar aos palcos sem que ninguém soubesse. Naquelas quatro semanas que se passaram, ela e Oscar treinavam quase todas as noites, além de algumas tardes esporádicas quando o circo estava vazio.

     Para manter seu segredo, Olivia já não reclamava mais por ter que limpar tudo após os espetáculos. Ninguém prestava muita atenção em Oscar, então ele sempre passava despercebido. A maior dificuldade era esconder de Megan, que não entendia porque sua amiga sempre negava sua ajuda.

     Olivia progrediu nos dias que se passaram, mas não o suficiente para que Oscar confiasse deixá-la sozinha naqueles oitenta centímetros que a distanciavam do chão. Ela conseguia se manter de pé, apesar de seu equilíbrio ainda não ser dos melhores, mas era visível em seu rosto o desconforto todas as vezes em que precisava distribuir seu peso nas duas pernas. Algumas vezes ela precisou voltar com as muletas, e sempre que isso acontecia, ele a obrigava a fazer o que mais odiava – tentar andar em linha reta sobre a marca de água no chão.

     Durante as noites no picadeiro, aquela amizade estranha se fortalecia. Oscar não costumava falar sobre sua vida, mas este também não era um assunto que Olivia gostava de lembrar, então eles se entendiam muito melhor entre os sarcasmos e piadas, a zona de conforto para que seus treinos ficassem mais leves, mesmo quando ela chorava de dor sobre a barra do trapézio e ele pedia para que ela se jogasse em seus braços de forma literal.


– Você consegue! – Oscar falou enquanto segurava a barra do trapézio.

– Eu não consigo! – as pernas de Olivia bambeavam e seus olhos estavam úmidos.

– Olivia, eu acredito em você. E você, acredita? – encarou seus olhos marejados, o medo era evidente.

– E se eu cair? – sua voz saiu embargada como a de uma criança com medo de subir em uma árvore.

– Eu já te deixei cair? – arqueou as sobrancelhas.


     Olivia respirou fundo e fechou os olhos. Concentrou-se como nunca antes. Apoiou todo o seu peso no pé direito e começou a levantar a perna esquerda. Seu objetivo era conseguir fazer um developpé, mas a dor não permitiu. Soltou um suspiro cansado quando abriu os olhos e voltou a pisar com os dois pés na barra.

     "Eu sou um fracasso", bufou enquanto descia da barra. Oscar não falou nada, apenas pendurou o trapézio em seu gancho e apagou as luzes, sendo seguido por Olivia para fora do picadeiro. Como de costume, seguiram em silêncio até os trailers. Às vezes até trocavam algumas palavras no percurso até suas casas, mas quando percebiam algumas luzes acesas em seus vizinhos, se mantinham quietos para não chamarem atenção.

     Os dois pararam em frente a seus trailers e se despediram como mesmo aceno de sempre. Antes, Oscar entrava antes dela. Agora, a esperava entrar para poder fazer o mesmo. "Boa noite", ela falou um tanto quanto desanimada. "Boa noite, senhorita inválida", ele sorriu, a fazendo sorrir também. Já fazia algum tempo que ele não a chamava assim.

     Só quando Olivia fechou sua porta que Oscar decidiu entrar em casa. Assim que se jogou no sofá, um gato preto pulou em seu colo e começou a esfregar a cabeça em seu braço. Wally era filhote quando Oscar o encontrou brincando atrás de seu trailer. Hector proibia seus empregados de terem animais, mas o rapaz não se importou. O felino já estava ao seu lado há pelo menos dois anos, sendo sua única companhia.

     Após um longo e relaxante banho, Oscar sentou-se próximo à janela e acendeu seu cigarro. Normalmente deixava uma pequena fresta aberta apenas para a fumaça sair, mas naquele horário não se importava em abrir todo o vidro. Ficou fazendo carinho em seu gato enquanto observava a noite calma. Vez ou outra olhava para a janela de Olivia na esperança vê-la espiando pela fresta da cortina, como ela sempre fazia.

     Naquela noite ela não estava, mas ele já imaginava. Nos últimos dias Olivia estava apreensiva, e por mais que não falasse muito de sua vida, ele sabia que era por causa de Hector e o pagamento ridículo que recebia por noite. Queria dizer que não escutava de sua casa, mas as brigas com Adam por motivos financeiros também eram constantes. Ela estava exausta, não só fisicamente, mas emocionalmente também.

     Fazendo um levantamento mental enquanto tragava seu cigarro, Oscar se deu conta que não se lembrava da última vez que esteve completamente bem. Sabia que foi muito antes de sua mãe morrer e de precisar ir embora do circo em que cresceu. Lembrou-se de como era sua vida em um trailer ainda menor do que o que vivia agora, vendo sua mãe se perder dentro de si mesma.

     Sua mãe o criou como pode, mas não era nada fácil. Por muitas vezes na infância o jantar foi a pipoca murcha que sobrava das apresentações, já que não tinham dinheiro para duas refeições ao dia. Nos dias em que não tinha espetáculo, ela se sujeitava a passar noites com o dono do circo apenas para conseguir um desconto no aluguel ou um adiantamento do salário para poder colocar comida dentro de casa.

     Conforme Oscar cresceu, se dedicou aos treinos e ao lançamento de facas, seu número principal. Nunca foi o homem mais forte do mundo, inclusive tinha vontade de rir quando via alguém o chamar assim. Apenas tinha mais força do que os antigos colegas de elenco, o que não considerava grande coisa.

     Quando se tornou um membro fixo do circo, a vida financeira de sua família teve uma leve melhora, mas ele não via mais sua mãe feliz. Nunca mais viu. Até que ela decidiu acabar com sua tristeza sem avisar. Com essa última lembrança, Oscar enxugou uma lágrima teimosa que insistiu em escorrer, fechou a janela e decidiu dormir.


     Acordar com alguém esmurrando sua porta não era algo que Oscar esperava para aquele domingo, mas foi o que aconteceu. Sequer sabia que horas eram, vestiu uma camiseta e se arrastou até a sala. Abriu uma fresta na cortina e viu um Hector irritado através do vidro. Só não parecia estar mais irritado do que ele. "Eu sei que você está em casa, Oscar! Abra a porta agora!", o homem gritou. O rapaz passou as mãos pelo rosto e soltou um suspiro alto ao girar a maçaneta.


– O que você quer aqui? – perguntou assim que desceu os olhos até o homem que tinha uma veia saltada na testa devido à raiva.

– Um mês e meio! – gritou – Um mês e meio que eu tento falar com você!

– Não tenho ficado muito em casa – deu de ombros – Você não vai me dizer o que quer? Me acordou cedo à toa?

– Cedo? – Hector soltou um riso debochado – Já passou do meio-dia.

– Acredito que você não veio aqui pra ser um despertador. Não tenho o dia todo, já que como você mesmo deu a entender, não está tão cedo e eu tenho muito o que fazer.

– Eu quero saber porque você devolveu o dinheiro que eu te dei.

– Eu não preciso da sua esmola. Pague o meu salário exatamente como você faz com todos os outros funcionários.

– Os outros funcionários não são...

– Não precisa se esforçar em terminar sua frase – o interrompeu – Eu também não sou. Não foi o que você me disse quando eu cheguei aqui?

– Olha Oscar, eu deveria te... – seu rosto estava cada vez mais vermelho.

– Você quer saber mesmo o que deveria? – o interrompeu mais uma vez, agora aumentando o tom de voz – Deveria pegar esse dinheiro extra que me deu sem eu pedir e pagar o salário que a Olivia merece. Isso é o que você deveria fazer.

– O que a Olivia tem a ver?! – Hector olhou para os lados para ver se alguém estava ouvindo e tentou empurrar Oscar para dentro do trailer, mas o rapaz sequer se moveu.

– Dez libras por noite. É isso o que tem a ver. Menos de duzentas libras em um mês. A menina não tinha nem condições de voltar a trabalhar e você a obrigou!

– Como você sabe de tudo isso?! – deu um passo à frente tentando fazer o rapaz recuar um passo para dentro de casa, mas Oscar se manteve firme na porta.

– Não te interessa. Eu sei que você paga mais pra mim do que pra metade do elenco. Pode pegar esse valor a mais e colocar no pagamento dela, eu não faço questão desse dinheiro.

– O que essa menina tem a ver com tudo, Oscar?! – agora quem aumentou o tom foi Hector.

– Você não mora aqui, você não vê o que essa família passa. Eu já passei necessidade, eu sei perfeitamente como é. Eu sei exatamente o que é trabalhar pra um cara ganancioso e egoísta igual a você.

– Cala a boca, moleque! Você mora aqui há três anos e acha que sabe algo sobre os Turner? O Adam é um viciado em jogos, já perdi as contas de quantas vezes atrasaram o aluguel porque ele perdeu o salário em apostas. O David é um coitado desde que a esposa fugiu, já a Olivia é uma encostada, o que uma mulher decente estava fazendo na rua uma hora daquelas?! Deve ser uma oferecida igual a mãe.


     Oscar podia não se importar com muitas pessoas, mas do pouco que conhecia Olivia, sabia que ela não era nada daquilo. Irritado, empurrou Hector, que quase caiu ao pisar em falso no degrau atrás de si. O homem o encarou sem entender aquela reação, já ele fechou o punho e se segurou para não piorar ainda mais a situação.


– Que porra é essa, Oscar?! – gritou.

– Sua visita acabou. Vá embora.

– Minha visita vai acabar na hora que eu quiser – Hector o segurou pelo braço – Lembre-se que eu ainda sou seu pai.

– Você nunca foi meu pai – puxou o braço com um tranco – Se eu não aparecesse aqui há três anos, você jamais saberia da minha existência.

– Eu estou tentando compensar as coisas.

– Depois de chamar minha mãe de vadia? – se aproximou do homem – Ou depois de me chamar de bastardo?

– Se não me respeita como seu pai, me respeite como dono desse circo. Você trabalha pra mim.

– Me manda embora – deu de ombros – Não tenho problema nenhum em levar a carta da minha mãe pra sua esposa. Acho que ela não vai gostar muito de saber que enquanto se recuperava de um aborto, você estava engravidando sua amante.

– Você não teria coragem...

– Pague pra ver. Se me der licença, a nossa conversa acabou – entrou e bateu a porta.

Olá meus amores! Como estão?!

Finalmente um capítulo focado no Oscar... o que acharam?
Então quer dizer que Hector é pai dele... desconfiavam?

Votem, comentem e vejo vocês em breve!
Beijinhos ♥

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