VII - Não sei seu nome

     A primeira sessão da noite de sexta-feira não estava lotada, mas tinha muito mais gente que na noite anterior. Quando fechou a bilheteria, Olivia foi atrás do tabuleiro de pipoca para começar a venda e se surpreendeu quando viu que Oscar estava passando de fileira em fileira oferecendo pipoca para o público. Era nítido que o rapaz não estava à vontade com aquilo, mas estava se virando bem.

     As duas apresentações pareciam demorar uma eternidade. No intervalo entre uma e outra Olivia aproveitou para cochilar, já que não dormiu naquela noite. No segundo espetáculo, mais uma vez viu Oscar vendendo pipoca e não entendia o porquê ele estava fazendo aquilo. Todos sabiam que simpatia não era o seu forte, então nunca o escalavam para o contato direto com o público.

     Diferentemente da noite anterior, na sexta-feira Olivia viu quando acabou o espetáculo. Estava escorada na parede de madeira da bilheteria sorrindo para algumas crianças se despediam dela com acenos animados. Richard – o portador das más notícias, como ela passou a chamá-lo – já se aproximou com a vassoura e a pá.

     "Eu de novo?", ela perguntou com os braços cruzados. "Você sabe que é coisa do Hector... acostume-se", Richard respondeu e ela viu que o homem não concordava com aquilo. Ele se despediu e foi em direção ao seu trailer, assim como os demais artistas. Mais uma vez Megan surgiu sorridente e oferecendo sua ajuda, mas Olivia não achava justo com a amiga.


– Pode deixar, Meg, eu me viro – sorriu.

– Mas não é justo! Você não pode limpar isso aqui sozinha! – tentou tirar a vassoura da mão de Olivia, mas não conseguiu.

– Pode deixar que eu ajudo, Megan.


     As duas olharam para trás e viram Oscar se aproximando. Ele já estava sem metade de seu figurino e resquícios de tinta branca tomavam sua barba, além do lápis preto nos olhos – praticamente todos daquele circo estavam constantemente com restos de delineador. Megan arregalou os olhos e se virou para a amiga, esperando por uma resposta negativa dela.


– Não precisa, Oscar – Olivia sorriu.

– É Oscar, não precisa – Megan concordou.

– Faço questão, hoje seria a minha escala – estendeu a mão, pedindo a vassoura para Olivia.


     Olivia entregou a vassoura para Oscar, que virou as costas para as duas e seguiu até às arquibancadas, começando a varrer. Megan puxou a amiga de lado e olhou para trás, tentando ver se ele conseguia ouvi-las.


– Você enlouqueceu?! – Megan sussurrou.

– Por quê? – Olivia respondeu em um sussurro igualmente baixo.

– Você vai ficar aqui com o Oscar?!

– E qual o problema?

– Ele é estranho! – Megan falou um pouco mais alto e tampou a boca na mesma hora, fazendo Olivia rir.

– Você também é e ainda assim é minha melhor amiga. Vai pra sua casa, descansa bastante. Te vejo amanhã.


     Com dois tapinhas no ombro da amiga, Olivia se despediu e seguiu até Oscar com a pá em mãos. Megan ainda observou os dois por alguns minutos, e quando o rapaz olhou em sua direção, a ruiva apontou dois dedos para seus próprios olhos e em seguida os apontou para ele, o fazendo rir.


– Sua amiga é bem desconfiada, não é? – Oscar estava de costas, mas Olivia deduziu que ele estava sorrindo só pelo timbre de sua voz.

– Ela... Cara, eu não tenho palavras pra descrever a Megan – sorriu.

– Ela se preocupa muito com você, isso é óbvio.

– E eu com ela. Ela é minha melhor amiga desde que eu me entendo por gente.

– Deve ser legal ter alguém se importando assim com... – Oscar parou de falar no momento que percebeu que estava se abrindo para uma desconhecida.

– E seus amigos do circo que você veio?


     Oscar não respondeu, apenas continuou varrendo. Olivia podia não conhecê-lo tão bem, mas sabia que não adiantaria insistir no assunto, já que ele não costumava falar sobre nada que envolvia sua vida. Quando finalmente terminaram a limpeza – que dessa vez foi ainda mais rápida do que na noite anterior – os dois se sentaram na arquibancada para descansar.


– Vamos embora? – Olivia perguntou já se preparando para levantar.

– Pensei que você ia querer continuar o treino de hoje, mas se você quer, vamos.


     No que Oscar se levantou, Olivia estendeu a mão em seu peito e o parou.


– Você está dizendo que vai continuar me ajudando?

– Você não me acordou às sete da manhã à toa.


     Desviando da mão de Olivia que continuava parada em seu peito, Oscar foi até o picadeiro e soltou o trapézio do gancho. Na coxia, abaixou a barra até ficar encostada do chão. Ela o observava sem entender o que o rapaz estava fazendo, mas também não dizia uma palavra. Mais uma vez o viu esguichar uma linha de água pelo chão e revirou os olhos, não queria voltar a perder o tempo naquilo.


– Sério? De novo isso? – reclamou.


     Oscar assentiu e a chamou. Com as muletas deixadas de lado, Olivia mancou até ele e voltou a tentar se equilibrar no chão. Ela estava odiando aquilo, se sentia ridícula em tentar andar uma linha reta e não conseguir. Ele apenas a observava de braços cruzados, sem esboçar nenhuma reação.


– Por que eu ainda estou fazendo isso? Quem anda na corda-bamba não sou eu! – bufou.

– É só por causa do seu equilíbrio. Você acha que já pode tentar o trapézio? – Oscar perguntou e Olivia assentiu – Então tá bom, vem.


     A barra estava no chão, então não era difícil de subir. Olivia tirou os sapatos e primeiro apoiou o pé direito. Tudo sob controle. O pé esquerdo doeu bastante, mas ela conseguiu se manter de pé. Segurou os cabos laterais que o suspendia e conseguiu se equilibrar, mas isso parecia fácil demais. Desceu do trapézio e pediu para Oscar subir mais alguns centímetros.

     Aos poucos – e com muita paciência dos dois – o trapézio estava a meio metro do chão. Olivia conseguia se equilibrar na maioria das vezes, mas vez ou outra precisava se apoiar no ombro do rapaz que já estava visivelmente cansado. Com o pé já latejando de dor, ela desistiu de ficar em pé e se sentou na barra, a usando como um balanço. Já Oscar deitou no chão, apoiando a cabeça no antebraço.


– Por que você vendeu as pipocas hoje? Convenhamos que você não gosta desse contato com as pessoas.

– Você estava com dor no pé, não seria legal sair andando por aí com aquele tabuleiro.

– Eu não falei pra ninguém da minha dor... – o encarou, mas ele olhava apenas para as listras vermelhas e brancas da lona.

– Mas eu te vi sair de muletas. Depois do discurso motivador às sete da manhã lá na minha porta, você só sairia com elas se estivesse com dor.

– Você é observador...

– Na verdade me pareceu óbvio.


     Oscar continuou deitado no chão encarando o topo da lona, já Olivia o observava disfarçadamente. Se deu conta que não sabia absolutamente nada daquele rapaz, só aceitou a ajuda daquele completo estranho que dividiu um maço de cigarro com ela.


– Oscar... de onde você é?

– Manchester – respondeu sem nem ao menos erguer a cabeça para olhá-la.

– Quantos anos você tem? – continuava o olhando enquanto balançava no trapézio.

– É uma entrevista? - se sentou de frente para ela.

– Não, é uma pergunta. Sabe, pessoas normais conversam, se conhecem – revirou os olhos.

– Você diz como se eu fosse um ET – balançou a cabeça negativamente – Mas te respondendo, eu tenho vinte e sete anos... – ele não ia perguntar, mas não queria parecer ainda mais mal-educado – E você?

– Vinte e cinco.

– E de onde você é?

– Isso é uma entrevista? – sorriu ladino.

– É sim.

– Ah... – por um segundo ficou sem uma resposta irônica – Eu sou daqui. Nascida e criada em Windenburg. Mais precisamente, aqui no Taurus.

– Nascida no circo, assim como eu – esboçou um sorriso mínimo – Qual o nosso futuro além de ser artista, não é mesmo?

– Por que você escolheu as facas e a força?

– Por que você escolheu o trapézio e o tecido? – Oscar devolveu a pergunta.

– Minha mãe era a trapezista daqui – abriu um sorriso entristecido – Eu cresci desejando ser como ela.

– E onde ela está?

– Fugiu com o engolidor de espadas quando eu tinha doze anos – parou de se balançar e Oscar viu a tristeza em seus olhos.

– Eu também não tenho mãe. Não mais. Ela morreu há pouco mais de três anos.

– Eu sinto muito. E seu pai?

– Está ficando tarde – se levantou do chão – Vamos embora?


     Assim que Olivia se levantou, Oscar foi até a coxia para subir o trapézio até a altura que estava quando chegaram e o pendurou em seu gancho. Ela pegou suas muletas e após apagar todas as luzes, pegou seu pagamento na gaveta da bilheteria e o encontrou acendendo um cigarro enquanto a aguardava. Chegou já estendendo a nota de dez libras para ele.


– O que é isso? – ele perguntou.

– Seu pagamento por me ajudar a voltar a ter um salário.

– De jeito nenhum – devolveu a nota para ela – Eu não posso aceitar o dinheiro de uma senhorita inválida.

– Por que você me chama assim?! Já disse que tenho nome!

– Eu não sei seu nome – deu de ombros.

– Mas o que... como assim?! Você faz parte do Taurus há três anos! Olha Oscar, eu quero te dar um soco...

– Ei, calma! – sorriu – Eu só estava brincando. Eu sei o seu nome, Olivia. Mas eu gostei do apelido que você mesma se deu.


     Oscar soltou um riso baixo e rouco, e Olivia não sabia bem o porquê, mas gostou do som de sua risada. O silêncio continuava presente, mas não era tão incômodo. Quando chegaram em seus trailers, um aceno rápido de boa noite foi dado e cada um entrou em sua casa. Adam ainda estava acordado e questionou a irmã sobre com quem ela estava, mas ela sequer deu atenção, foi direto para o banho. Tomou um relaxante muscular antes de deitar e dormiu feito uma criança, chegando a sonhar com sua volta ao picadeiro – e com Oscar a aplaudindo da coxia.

Olá meus amores, olha eu aqui de novo.

Oscar sempre de poucas palavras né? Mas apesar disso, estão gostando dessa amizade que ele e a Olivia estão criando? Ele tem o jeitão dele mas é um amor.

Espero que tenham gostado, deixem a estrelinha e muitos comentários.

Beijinhos ♥

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