V - Quem é que faz o palhaço sorrir?
Jogou as muletas de lado. Tocou o chão com seu pé ainda em recuperação e sentiu como se estivesse pisando em milhares de espinhos. Ao tentar dar o primeiro passo, uma dor aguda tomou seu tornozelo e sua perna falhou, a fazendo cair de joelho no chão. Mas ela não desistiu. O segundo passo foi tão doloroso quanto o primeiro. Quando finalmente segurou na barra de seu trapézio, teve vontade de chorar. Com a força dos braços, se pendurou e sentiu seu corpo balançar. Com um pouco mais de esforço e utilizando a perna que foi seu apoio nos últimos dois meses, conseguiu se sentar.
Olivia se balançava no ar como uma criança em um balanço no parque. Tentando manter o equilíbrio, segurou um dos cabos e encaixou-se ao longo do trapézio, apoiando o pé no cabo paralelo. O que antes tinha tanta facilidade, agora parecia mais difícil do que nunca. Respirou fundo e tentou se levantar. Sabia que não deveria, mas aquela voz interior que dizia que ela merecia mais do que ser apenas um tapa-buraco estava tomando conta de si. Apoiou o pé direito sobre a barra e ficou em pé, mas ao tentar apoiar o esquerdo, sentiu a mesma sensação de estar pisando em espinhos e a perna falhar mais uma vez. Mas agora o chão estava a um metro de distância.
O corpo de Olivia se chocando contra o chão fez um barulho alto, mas não tão alto quanto todos os xingamentos que ela proferiu. Mas ela não desistiu. Se levantou mais uma vez, jogou sua cartola longe, afastou o cabelo que caía pelo rosto e agarrou o trapézio. Sem muita paciência dessa vez, tentou ficar de pé antes mesmo de conseguir se sentar. Mais uma vez seu corpo atingiu o chão.
Olivia não aguentava mais. Queria chorar. Queria gritar. Esticou a mão até suas muletas e as jogou para longe. Não aguentava mais depender de muletas, não aguentava mais se sentir fraca, não aguentava mais não se reconhecer. Pensou que conseguiria provar que ainda era capaz, mas só resultou em mais fracasso. Abraçou o joelho, abaixou a cabeça e se permitiu derramar as lágrimas que estava segurando há tanto tempo.
– Você está bem?
Assim que reconheceu a voz, Olivia levantou o rosto e o encarou. Oscar estava parado na entrada do picadeiro com os braços cruzados e um olhar indecifrável. "Estou, não foi nada", ela se apressou em dizer, secando as lágrimas que já haviam borrado sua maquiagem de palhaço.
– Não acho que não seja nada – Oscar caminhou até ela e estendeu a mão – Vem, eu te ajudo.
Olivia segurou sua mão e ele a ajudou a levantar, passando o braço por seu tronco. Sem falar mais nenhuma palavra, Oscar levou até a arquibancada e voltou até o picadeiro para buscar suas muletas. Prendeu o trapézio em seu gancho e foi até ela com sua cartola nas mãos.
– Acho que isso é seu – sentou-se ao seu lado e a entregou a cartola.
– Obrigada – pegou de sua mão e a colocou ao seu lado – Como você me achou aqui?
– Eu estava tomando um ar em frente ao trailer e vi as luzes acesas. Achei que poderia ser algum ladrão, algum vândalo... sei lá.
– E como você enfrentaria?
– Com isso – puxou uma de suas facas – Não que fizesse muito estrago, elas não são afiadas... Mas aí eu cheguei aqui e te vi aí no chão.
– E ficou com dó – suspirou.
– Não. Te achei forte.
– Forte? – perguntou com cenho franzido.
– E louca – Oscar sorriu.
– Louca?! – ergueu as sobrancelhas e esboçou um sorriso.
– Sim, louca. Você ainda não está pronta pra se pendurar nisso aí.
– E quando eu vou estar? – sentiu os olhos umedecerem e uma lágrima escorrer. Droga, não queria chorar na frente de ninguém.
– Quem é que faz o palhaço sorrir? – sem a menor delicadeza, enxugou a lágrima do rosto de Olivia, sujando seu dedo com a maquiagem.
– Meu choro não é de tristeza. É de revolta – respirou fundo e o olhou nos olhos – Eu poderia ter me acidentado caindo do trapézio. Ter quebrado a perna enquanto fazia algum contorcionismo no aro. Ter caído lá de cima do tecido e morrido aqui mesmo – apontou para o picadeiro – Eu teria morrido fazendo o que eu amo. Mas não... Eu tive que quebrar o tornozelo de uma maneira ridícula, enfiando a perna num buraco, fugindo de dois homens... Você tem noção de quão revoltante isso é? Eu só estava voltando pra casa.
Os lábios de Olivia tremiam e Oscar já não tentava conter as lágrimas da moça. Não sabia o que dizer, na verdade nem sabia que o acidente tinha acontecido enquanto ela fugia dos dois homens. Até ouviu um burburinho ou outro, mas não prestou atenção, já que mal conversava com outras pessoas.
– Eu não sabia que era isso que aconteceu...
– Oscar, todo mundo sabe, eu e a Megan ainda saímos como culpadas pro Hector, ele falou "o que duas moças estavam fazendo na rua de madrugada?" – o imitou.
– Eu não sou todo mundo – deu de ombros – E o Hector é um verdadeiro babaca, não tem que levar em conta nada do que ele diz.
– Percebi que você não vai muito com a cara dele... Hoje ele bateu lá na sua casa e você não abriu – sorriu.
– Não tenho nada pra falar com ele – desviou o olhar para o trapézio, mas logo voltou para ela – Mas essa não é sua única raiva, não é mesmo?
– Ele me pagou dez libras hoje, Oscar. Dez libras. Isso não é nem o valor de uma entrada.
– E por isso você quer mostrar que merece mais – deduziu.
– Exatamente.
Os olhos de Olivia eram uma mistura de sonhos e angústias, e Oscar não sabia muito bem o porquê, mas queria ajudá-la. Não tinha motivos para isso, já que nos últimos três anos, essa era a terceira vez que trocava mais que meia dúzia de palavras com ela. Se levantou e foi até o picadeiro, a deixando confusa. Soltou o trapézio do gancho e voltou até ela sem dizer uma palavra.
– O que você tá fazendo?! – ela perguntou.
– Eu vou te ajudar – entregou uma muleta para ela.
Olivia pegou suas muletas e foi até o picadeiro mais uma vez. Parou em frente ao trapézio e o encarou. "Posso te ajudar a subir?", Oscar perguntou e ela assentiu com a cabeça. Ele a segurou pela cintura e com facilidade, a colocou sentada sobre a barra.
– Eu queria tanto conseguir ficar de pé.
– Pois fique.
– Eu não consigo.
– Você só vai saber se tentar.
– Eu tentei duas vezes – maneou a cabeça – Eu caí nas duas.
– Se você cair eu tento te segurar.
– Esqueci que você é o homem mais forte do mundo.
Olivia revirou os olhos, fazendo Oscar esboçar um pequeno sorriso. Ela estava com medo de cair mais uma vez, mas respirou fundo e agarrou os dois cabos, colocando todo seu peso na perna direita. Sentia a mesma sensação de formigamento a cada vez que tocava o pé esquerdo na barra. Fechou os olhos por alguns segundos até que finalmente se sentisse segura.
– Eu consegui, Oscar! Eu conse...
Sua comemoração acabou no momento em que suas mãos começaram a tremer e o trapézio balançar. Isso não acontecia com frequência, mas também não era a primeira vez. Olivia se lembrou que isso aconteceu na primeira vez que subiu em um trapézio. Sua insegurança não a permitia se concentrar, o que resultou em um belo tombo e alguns roxos no início da adolescência.
Seu corpo estava pendendo para a frente enquanto a barra e seus pés iam para trás, e se não bastasse isso, ela ainda tinha apenas o apoio de uma perna. Ela não precisou dizer mais nada, pois era nítido o medo em seu olhar. Oscar agarrou a barra do trapézio e conseguiu pará-lo. Olhou para Olivia e viu suas mãos tremerem e as pernas bambearem.
– Eu quero descer daqui, mas eu não consigo – ela falou com a voz trêmula.
– Você consegue se sentar? – ele perguntou, mas ela negou com a cabeça – E se abaixar?
– Eu estou com medo de me mexer – seu coração estava acelerado, ela não estava entendendo o que aconteceu, nunca teve medo do trapézio antes.
– Então só solta as mãos. Eu te seguro.
– Você vai me derrubar.
– Você vai cair de qualquer jeito.
Olivia respirou fundo, fechou os olhos e soltou as mãos, já esperando se chocar contra o chão. O baque não foi totalmente confortável, o choque do braço de Oscar contra sua costela foi bem dolorido, mas não tanto quanto dar de cara no tablado. A situação já estava constrangedora o suficiente e eles sequer eram amigos, aquele contato foi apenas por necessidade, então em um acordo silencioso ele a colocou no chão.
– Obrigada por me segurar e pelo apoio, mas eu acho que eu não consigo mais voltar.
– Você está desistindo? Foi só uma queda.
– Foram três quedas. Três quedas só hoje.
– Aposto que quando você começou, foi muito mais.
– Por que você tá me apoiando? – franziu o cenho.
– Por que você não está se apoiando?
Oscar lançou a pergunta, mas não esperou pela resposta. Foi até o lado de fora e apagou as luzes, a deixando no escuro. Olivia pegou suas muletas do chão e o seguiu. Os dois caminharam lado a lado em silêncio, ouvindo o cricrilar dos grilos. Chegaram em frente aos seus trailers e com um sutil aceno com a cabeça, ele se despediu.
– Oscar – ela o chamou já de sua porta.
– Sim? – ele se virou.
– Você não é o monstro que pintam.
– Boa noite, senhorita inválida.
"Eu tenho nome!", ela falou um tanto quanto irritada, mas ele já havia fechado a porta. Olivia entrou em casa e afastou a cortina para espiar sua janela, mas naquele dia não havia qualquer sinal de fumaça saindo por suas frestas, nem mesmo luzes acesas. Largou o tecido e foi até o banheiro. Assustou ao se olhar no espelho e ver o desastre que sua maquiagem virou. Tomou um banho demorado, vestiu seu pijama e deitou em sua cama. Estava com sono, mas uma fala de Oscar não a deixava dormir. "Por que você não está se apoiando?"
Olá novamente, meus amores!
Decidi postar dois capítulos no mesmo dia para compensar as semanas que fiquei ausente.
O que acharam desse apoio do Oscar? No fim, Olivia tem razão, ele não é monstro que pintam.
Espero que tenham gostado, vejo vocês em breve!
Beijinhos ♥
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