Prólogo
Quem a via com todos aqueles sorrisos graciosos e movimentos sublimes, não imaginava o tamanho do esforço físico e mental que Olivia fazia a cada acrobacia sobre aquele arco. O trapézio era sua paixão desde a infância, quando via as apresentações de sua mãe sob a lona do circo. Ainda criança, tentava se manter em equilíbrio em cima do balanço e mal podia esperar para começar a treinar com sua mãe – o que não aconteceu, pois Olivia foi abandonada por Rosie antes mesmo de atingir a adolescência, quando a mulher decidiu fugir com o engolidor de espadas, deixando para trás seus dois filhos e o marido.
O público assistia à apresentação em silêncio, deixando apenas a música se destacar. Vez ou outra se podia ouvir as expressões de surpresa e encanto que escapavam antes das palmas. Segurando o arco com uma só mão, esticou o corpo como se fizesse um developpé no ar e aterrissou no chão com a elegância de uma bailarina. Algumas luzes se acenderam e as palmas tomaram conta do ambiente.
Olivia se curvou para agradecer e saiu correndo para o camarim enquanto o apresentador agradecia pela presença de todos. Aquela era a última apresentação da semana, então todos respiravam aliviados enquanto tiravam seus trajes circenses. Megan, sua melhor amiga de infância, já a aguardava há um tempo. A moça baixa de cabelos tão laranjas quanto o fogo que cuspia durante o espetáculo já havia tirado seu figurino, mas manteve a maquiagem. Olivia terminava de retirar as meias listradas em preto e branco que seguiam até suas coxas e precisou da ajuda da amiga para abrir o corpete vermelho de seu vestido de pontas assimétricas e esvoaçantes.
– O pessoal vai para a cidade, em um pub para comemorar o sucesso que foi essa semana. Vamos?! – Megan falou ao soltar os últimos fios do corpete da amiga.
– Eu estou exausta... – suspirou – Eu vou, desde que a gente não volte tarde.
– E desde quando eu volto tarde? – sorriu.
– Você realmente quer que eu enumere todas as vezes? – arqueou uma sobrancelha e a encarou através do espelho.
– Certo, não precisa – riu – Mas é só uma comemoraçãozinha básica, nós merecemos, foi a melhor semana da temporada! Você tem noção de quanto fogo eu engoli nos últimos sete dias?! Tenho que fazer valer a pena!
Megan ainda tentava convencer a amiga, sendo que ela já havia dito que iria. Olivia ria da animação da pirofagista enquanto soltava os cabelos pretos repletos de gel com glitter do rabo-de-cavalo apertado. Retirou o excesso de brilho de sua maquiagem, mas manteve os lábios vermelhos e os olhos pretos. Vestiu um jeans e uma camiseta preta básica, calçou os tênis e foi de encontro aos que já estavam prontos.
Ao dar falta de seu pai, foi até seu trailer e o encontrou removendo sua maquiagem de palhaço. David fazia parte do Taurus Circus há tanto tempo que já não se recordava desde quando estava ali. Se lembrava que vivia uma vida miserável ao lado de sua mãe, uma alcoólatra que tratava ele e os irmãos de forma medíocre. Quando o circo chegou na cidade, um David ainda adolescente viu a oportunidade de fugir de seu lar infeliz e se tornar um palhaço, espalhando a alegria que ele tanto desejou durante a infância.
– Pai, estamos indo para a cidade, você não vem? – Olivia pegou um disco de algodão embebido em demaquilante e o ajudou a tirar a tinta branca próximo à orelha.
– Hoje não, filha. Estou cansado, preciso dormir.
– É a terceira vez que você usa essa desculpa! – cruzou os braços – Eu sei exatamente o porquê você não quer ir.
– Não é o que você está pensando. Seu pai está ficando velho, troco todas essas noites de farra dos jovens por meu colchão velho – sorriu – Mas vá se divertir, e fique de olho no seu irmão!
Olivia assentiu e se despediu do pai com um beijo, deixando uma marca de batom em sua bochecha. "Vamos, Liv! Só falta você!", ouviu Megan gritar do estacionamento e apressou seu passo até a amiga. Ao chegar até ela, percebeu o porquê seu pai não quis ir – somente os mais jovens decidiram comemorar, então cerca de oito pessoas se apertariam em um carro de cinco lugares. Seu irmão já estava no banco do motorista enquanto os demais se apertavam pelo veículo. Olivia precisou ir no colo de Megan.
Os oito chegaram no pub pouco tempo depois, para o alívio de todos. Alguns clientes torceram o nariz para os artistas circenses, mas eles já estavam acostumados com aquele tipo de recepção, ainda mais naquele lugar onde conservadores e vanguardistas se misturavam. Windenburg era uma pequena cidade localizada ao sul da Inglaterra, a pouco mais de três horas de Londres.
A arquitetura antiga e as construções no estilo Tudor cercavam as ruas de pedras de Windenburg, dando um charme vintage à cidade. Para toda a equipe do Taurus Circus isso era ótimo, em vista que a proposta do circo era exatamente trazer para o público um pouco do passado.
Quem assistia ao espetáculo, já sabia de antemão que não encontraria nada muito moderno – sob a lona de listras vermelhas e brancas, os artistas traziam apresentações clássicas em figurino retrô. Os palhaços faziam rir sem a necessidade de acessórios contemporâneos, o mágico utilizava seu smartphone apenas no camarim, pois no palco apenas truques de ilusionismo que não precisavam da mágica da tecnologia. Esse era o grande diferencial daquela turma que se encontrava comemorando a semana de maior bilheteria em uma mesa apertada: eles traziam o passado para o presente.
Ao redor da mesa de madeira rústica, todos se acotovelavam ao erguer os copos de cerveja para um brinde puxado por Megan. "Que essa tenha sido a pior semana em comparação às que estão por vir!", a ruiva falou com um sorriso e todos repetiram suas palavras. Ali, além de Olivia e Megan, estavam Jack e Jacob, os irmãos malabaristas e equilibristas; Grace, a contorcionista e também marionete; Alice, a mímica e assistente de palco; Benjamin, um dos mágicos e Adam, palhaço, mágico e irmão de Olivia.
Apesar de cada um ter seu papel principal, todos se revezavam durante os espetáculos e dividiam as apresentações, além de terem mais de uma função. Adam, por exemplo, fazia parceria com Olivia em algumas exibições do trapézio, que por sua vez, dividia seu show entre o balanço, o arco e o tecido e, quando Grace estava impossibilitada, partia até para o contorcionismo.
O grupo já estava naquele pub há algumas horas e, ao contrário do que Megan afirmou, eles chegariam tarde. Olivia cresceu com todas aquelas pessoas e apesar de um ou outro desentendimento, ela adorava suas companhias. Mas especificamente naquela noite, tudo o que queria era chegar em seu trailer e dormir. A ruiva percebeu o olhar cansado e suplicante de sua amiga e pediu a conta.
Olivia agradecia mentalmente por estarem a caminho do circo, mas faltando menos de dez minutos para chegarem, o motor do carro falhou. Adam estacionou no acostamento da estrada mal iluminada girou a chave para religá-lo, mas ele sequer dava sinal. Aos poucos, os demais ocupantes desceram do veículo apertado. O painel se acendeu e o rapaz bufou, saiu batendo a porta.
– Quando você pegar o carro, coloca gasolina! – Adam gritou e empurrou Jack.
– Antes de sair com o carro, vê se tem combustível o suficiente para voltar! – Jack o empurrou de volta.
– Você saiu ontem, era sua obrigação! – apontou o dedo em direção ao rapaz.
– E o que você quer que eu faça agora? Que eu faça um galão de gasolina aparecer na minha mão? O mágico aqui é o Benjamin, não eu!
Benjamin sequer prestava atenção na discussão, estava focado em acender seu cigarro. Já Megan e Grace não seguraram a risada, fazendo Adam se irritar ainda mais. Jacob não abriu a boca, pois sabia que o irmão estava errado. Alice e Olivia soltaram um riso baixinho e reviraram os olhos enquanto se apoiavam no capô do automóvel.
Os dois continuaram discutindo e trocando ofensas. Adam era muitos centímetros mais alto que Jack, mas o malabarista não se deixava oprimir por ele e batia de frente com o rapaz, já que o que não tinha de altura, possuía em força. Cansada da discussão, Megan se levantou do chão e puxou o palhaço pelo braço, separando os dois que se peitavam feito galos de briga.
– Adam, pelo amor de Deus, chega! – praticamente gritou, fazendo Jack rir – E você também, Jack! Isso é culpa sua! – se virou para o mais baixo – Nem parece que só tem adulto aqui!
– O que a gente vai fazer agora, Megan? – Adam perguntou com a voz mais calma, mas a respiração ainda forte – Esse babaca fodeu tudo!
– Até onde eu sei vocês dois tem pernas, não? – a ruiva arqueou uma sobrancelha.
– E você quer que a gente vá a pé até o posto?! – agora foi Jack quem se intrometeu.
– Verdade, Meg, o último posto ficou lá atrás – Olivia se pronunciou pela primeira vez.
– O que vocês sugerem, então? Aqui não pega celular, senão eu já teria ligado para alguém trazer.
– A gente pode empurrar – Benjamin deu de ombros, como se fosse o mais óbvio a se fazer.
A princípio ninguém gostou muito da ideia, mas parecia melhor do que ficarem naquela estrada escura por horas a fio. Olivia foi a primeira a chegar na traseira do carro, não via a hora de chegar em casa. Os outros a seguiram e em meio a muitas reclamações – a maioria voltada à irresponsabilidade de Jack – e a gotas de suor, o veículo foi empurrado por dois quilômetros.
– Pra mim não dá mais – Grace se jogou no chão – Eu saí pra comemorar, não pra empurrar carro.
– Ninguém saiu pra empurrar carro, é tudo culpa do...
– Adam, chega! – Olivia e Alice falaram juntas.
– Se pelo menos o Oscar tivesse vindo, a gente já estaria no circo – Jacob murmurou.
– Quem se importa com o Oscar? Prefiro ir a pé do que ficar na companhia dele – Jack torceu a boca.
– Mas não é o Oscar o cara mais forte do mundo? – Adam abriu um sorriso debochado – Quem sabe ele não empurraria esse carro sozinho?
– Era capaz dele ir embora e deixar a gente se fodendo sozinhos aqui – Jack falou.
– E o que é que a gente tá fazendo? – Alice sorriu – Se fodendo sozinhos.
– Chega de falar mal do cara, ele nem está aqui para se defender – foi a vez de Olivia falar – Daqui já dá pra ver o circo – apontou para a iluminação da tenda há pelo menos dois quilômetros de distância – Eu e a Megan vamos até lá buscar ajuda, vocês ficam aqui.
– Sério, Liv? Tem que ser a gente? – Megan fez uma careta – Olha o tanto que tem que andar! Manda o Adam e o Jack, a culpa é deles!
– Só se você quiser que eles se matem no caminho. Vamos logo, eu queria voltar cedo, lembra?
Megan revirou os olhos, bateu o pé, reclamou, bufou, mas seguiu a amiga que já estava a alguns metros de distância. Adam decidiu acompanhar as duas, mesmo com sua irmã afirmando que não precisava. Os outros cinco ficaram dentro do carro esperando pela gasolina. O assunto no veículo não estava tão animado, mas eles conversavam na tentativa de não pegarem no sono.
Os três já haviam caminhado por um quilômetro e somente a respiração cansada podia ser ouvida. Ninguém estava afim de conversar, principalmente os irmãos. Naquele dia completavam treze anos desde que sua mãe os abandonou. Megan sabia disso, então não insistia em um diálogo. Olivia tinha doze anos quando Rosie partiu sem olhar para trás, já Adam estava prestes a completar dezessete. Agora, mesmo aos vinte e cinco anos, ela ainda sentia falta da mãe, já o irmão que beirava os trinta continuava fingindo que ela estava morta.
A tenda iluminada já não estava tão longe, em menos de cinco minutos eles estariam lá. Olivia já estava sorrindo ao pensar que finalmente deitaria em sua cama, Adam tinha um ar menos irritado ao seu redor, Megan não aguentava mais andar. Com as mãos apoiadas nos joelhos, pediu para pararem por alguns segundos para que ela pudesse descansar.
– Olha só, se não é a engolidora de fogo!
Uma voz masculina foi ouvida atrás do trio, o ar de superioridade não era um bom sinal. Olivia encarou sua amiga e agradeceu por pelo menos seu irmão estar por perto.
– Quem são vocês? – Olivia perguntou ao se virar e ver que não era um, mas sim dois homens estranhos e que não pareciam ter boas intenções.
– Eu não falei com você, falei com a engolidora de fogo.
– Será que ela engole mais alguma coisa além de fogo? – o homem mais baixo perguntou com um sorriso e Megan sentiu um enorme enjoo.
– Elas estão comigo, se vocês não perceberam – Adam falou com firmeza.
– Olha se não é o palhaço – os homens riram – O que você vai fazer? Atirar em mim com uma pistola de água?
Enquanto os dois riam, Adam se aproximou e acertou um soco na mandíbula do mais alto. Na mesma hora as risadas cessaram. "Corram", Adam sussurrou para as duas. Megan e Olivia, apesar do medo, começaram a correr. Ao perceber que seu irmão não estava ao seu lado, olhou para trás e deu um suspiro aliviado ao ver que ele não estava tão distante das duas.
"Liv, cuidado!", ouviu Megan gritar e sentiu as unhas da amiga arranharem seu pulso na tentativa de puxá-la, mas não deu tempo. Ainda olhava para trás quando sentiu sua perna entrar em um buraco da estrada até a altura do joelho. Adam acelerou o passo até sua irmã e a ajudou a levantar. "A gente precisa correr", a ruiva sussurrou ao ver que os homens se aproximavam. Olivia tentou apoiar o pé no chão, mas a dor não permitiu.
– Eu arrumei a briga, eu arco com as consequências.
Adam colocou o braço da irmã ao redor do ombro de Megan e saiu caminhando em direção aos homens. O mais alto, que levou o soco, já estralava o pescoço, pronto para partir para cima do rapaz, já o mais baixo parecia pegar um canivete em seu bolso. "Adam, volta pra cá!", Olivia gritou, mas ele não deu atenção. Somente quando um barulho de tiro foi ouvido que o rapaz se virou para trás. Era seu pai que estendia uma espingarda em direção aos homens que, com os olhos arregalados, ergueram as mãos em rendição e saíram correndo.
Megan respirou aliviada e chamou Adam para ajudar a carregar Olivia, que não conseguia sequer pisar no chão. Seu tornozelo já estava inchado e ela não pode nem mesmo trocar de roupa, já que seu pai pegou a caminhonete do circo e acelerou até o hospital, parando na estrada apenas para deixar o filho e um galão de gasolina.
O atendimento hospitalar não foi tão demorado, mas Olivia seguia sentada na cadeira de rodas com o rosto lavado em lágrimas, não conseguia acreditar nas palavras do médico. Megan estava agachada em sua frente, segurando suas mãos e dizendo que ficaria tudo bem, mas ela também não acreditava nas palavras da amiga. David lançava um olhar piedoso sobre a filha, sabia como aquilo havia mexido com ela. A palavra cirurgia rondava sua mente e ela só conseguia pensar em todos os meses que ficaria sem treinar.
– É isso... Minha carreira acabou. Eu nunca mais vou voltar a me apresentar – deu um suspiro seguido de um choro copioso.
Olá meus amores!
Cheguei com o prólogo um pouco mais cedo do que imaginei, mas se vocês acompanharam meus outros livros, devem saber que paciência não é o meu forte.
Mas e aí, me contem, o que acharam da Olivia? E do pessoal do circo?
Espero que tenham gostado do prólogo, em breve aparecerei por aqui com novos capítulos,
Beijinhos! ♥
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