IX - Como é a sua vida?

     Oscar não foi visto durante aquele domingo. Não que alguém se atentasse à sua ausência, já que ele fazia questão de ser invisível ali. Mas Olivia estranhou quando chegou na primeira apresentação e ele não foi anunciado. Esperou pelo segundo espetáculo e nada, sem qualquer sinal do rapaz. Quem não gostou muito foi Jack e Jacob, que precisaram se apresentar no lugar do atirador de facas.

     A última apresentação do mês já havia terminado e Olivia limpou tudo sozinha dessa vez. Apagou as luzes e sequer tocou em seu trapézio. O caminho até sua casa parecia mais longo, o cansaço havia batido e tudo o que queria era deitar em sua cama. A poucos metros de chegar em sua porta, avistou Oscar tragando seu cigarro sentado nos degraus de seu trailer.


– Boa noite – Olivia falou com um sorriso sutil.

– Boa noite.

– Você tá bem?

– Sim.

– Que bom. Boa noite – se despediu e foi até seu trailer.

– Olivia... – a chamou, a fazendo se virar de volta para ele – Você precisa entrar agora?

– Não... acho que eles já estão dormindo. Tá tudo bem?

– Eu só... queria conversar.


     Olivia não estava com vontade de conversar. Estava cansada, com dor, faminta e ainda por cima o seu figurino da noite – uma saia de tule vermelha – não a protegia da brisa gelada que batia sobre sua pele. Mas Oscar nunca pedia para conversar, e foi por isso que ela aceitou. O rosto do rapaz estava tenso, e pela quantidade de bitucas de cigarro no cinzeiro, ele estava a aguardando naqueles degraus há um bom tempo.


– Sobre o que quer falar? – Olivia sorriu e sentou-se sobre um bloco velho de concreto.

– Eu não sei... – esboçou um sorriso rápido – Só quero conversar. Me conta como foram as apresentações de hoje.

– Eu não assisti... mas sei que o Jack e o Jacob querem te matar porque eles iam sair com umas meninas e não foram porque precisaram te cobrir hoje – riu.

– Ah, a culpa não é minha se colocaram os dois – deu de ombros – Você limpou tudo sozinha depois?

– Sim, e eu estou exausta – suspirou – Mas tenho uma novidade... O Hector decidiu colocar a mão no bolso e me pagou vinte libras. Ainda é pouco, mas pelas minhas contas, no final do mês eu terei pouco mais de trezentas libras.

– E eu aposto que ele pagou só isso achando que estava te fazendo um favor! – negou com a cabeça – Isso é ridículo!

– Eu sei que é, mas o que eu posso fazer? Eu sou só um tapa-buraco pra ele...


     Olivia soltou um suspiro pesado e abraçou o próprio corpo para aliviar o frio que sentia. Oscar percebeu os poucos pelos do braço da moça eriçados e suas pernas todas marcadas pelo arrepio.


– Você está bem? – ele perguntou ao encarar seus braços.

– Ah, sim, estou sim – passou as mãos pelos braços – É só frio – sorriu.

– Deveria ter falado – Oscar se levantou – Vem, vamos entrar.


     Oscar não gostava de visitas, nem mesmo quando ainda morava com sua mãe. Infelizmente sempre haviam homens diferentes a visitando. Nos últimos três anos, ninguém além dele e de Hector – que nunca era bem-vindo – havia entrado naquele trailer, nem mesmo as mulheres com quem ele se envolveu. Mas de repente Olivia estava lá, parada ao lado da porta. De todos os seus vizinhos, aquele era o único que ela nunca imaginou que visitaria.

     O trailer de Oscar era do mesmo tamanho que o seu, além da disposição dos móveis ser praticamente a mesma. Uma das poucas diferenças era que debaixo da janela da sala havia um banco estofado – onde Olivia deduziu que era onde ele se sentava quando ela estava o espiando – e no quarto ao invés de duas camas de solteiro, era uma de casal. A casa não estava bagunçada, mas haviam algumas camisetas jogadas na cadeira de jantar e muitos pelos de gato espalhados pelo sofá.


– Senta aí – Oscar apontou o sofá – Ignora a bagunça, não pensei que teria visita...

– Fala a verdade, você nunca tem visita, você odeia contato humano – sorriu e se sentou.

– É verdade – sorriu e foi até a cafeteira – Você toma café?

– Tomo, mas não quero. Meu sono já não é muito regulado, não é uma boa ideia tomar café agora.


     Oscar estava à procura de algo para oferecer para Olivia, mas além da garrafa de água vazia na geladeira e um pedaço de queijo que ele não se lembrava há quanto tempo estava lá, não tinha muito a oferecer. Estava quase desistindo quando retirou uma garrafa do fundo do armário.


– Achei whisky – ergueu a garrafa – Você bebe?

– Eu aceito – sorriu.


     O silêncio tomou conta da casa enquanto Oscar colocava as duas doses de whisky nos copos. Olivia soltou um riso baixo e imperceptível quando comparou seu comportamento no trailer de Megan e agora no trailer do rapaz. Quando estava na casa da amiga, abria geladeira e armários, tirava os sapatos, deitava no sofá. Já na casa de Oscar, mal se movia.


– Você deu sorte – Oscar a entregou um copo e se sentou ao seu lado – Esse é meu último pacote de Doritos – estendeu a embalagem para ela.


     Olivia agradeceu e ficou observando ao redor enquanto comia o salgadinho e tomava seu whisky. Aquilo não combinava em nada, mas estava com tanta fome que nem se importou. Observou o gato preto dormindo tranquilamente em cima do banco estofado sob a janela e se perguntava se estava certa em suas teorias sobre Oscar.


– Como é a sua vida? – ela perguntou.

– Minha vida é isso – apontou para a casa – Eu e meu gato dentro do meu trailer, esperando o dia passar.

– Então eu não estava errada... – murmurou.

– Errada em quê? – Oscar perguntou e ela percebeu que acabou pensando alto demais.

– Eu... bom, eu tenho uma mania desde a infância... Eu observo uma pessoa distraída e fico pensando o que se passa na cabeça delas, crio uma vida que imagino que elas tenham...

– E qual foi a teoria que você criou sobre mim?

– É muito pessoal...

– Eu sei. É da minha vida que estamos falando – umedeceu os lábios e a encarou.

– Tem razão – murmurou – Me corrija se eu estiver errada, o que provavelmente estou. Você tem uma mágoa guardada, um rancor que te faz não confiar em qualquer outro ser vivo que não seja o seu gato, por isso não faz questão de se aproximar de ninguém. Você sempre foi o filho mais rebelde, que ia contra todas as regras, deixando sua mãe de cabelo em pé. A princípio eu achava que você brigou com o dono do seu antigo circo e veio parar aqui, mas você mencionou que sua mãe morreu, então eu imagino que isso tenha a ver...

– Você está errada... – deu mais um gole em seu whisky – Mas não completamente.

– Errada em quê? – encolheu os ombros. Por isso não gostava de falar sobre isso com ninguém, preferia acreditar que estava sempre certa em relação aos seus achismos.

– Está errada em dizer que eu confio só no meu gato...

– Então eu acertei todo o resto?!

– Não – abriu um sorriso entristecido – Eu não era o filho rebelde, aliás eu nem tenho irmãos. Lá em casa éramos só eu e minha mãe e ela era uma mulher incrível. Eu não tinha tempo pra rebeldia, a gente só se focava em colocar comida na mesa. Eu vim pra cá porque fui expulso de lá assim que minha mãe morreu.

– Eu sinto muito... – colocou sua mão sobre a dele – Ela estava doente?

– Ela se matou – olhou para a mão dela sobre a sua, mas não a tirou – Eu a encontrei enforcada na maçaneta da porta do banheiro.


     Oscar engoliu seco ao se lembrar da cena, de seu desespero no momento que a encontrou sem vida. Olivia percebeu os olhos do rapaz contidamente úmidos e não pensou muito, apenas passou os braços ao seu redor e o trouxe para um abraço. Ele não estava tão confortável, mas sabia que precisava de um abraço daqueles há muito tempo.


– Desculpa... – Olivia o soltou e se ajeitou no sofá – Por te fazer falar sobre isso e por te abraçar.

– Ela estava segurando um envelope – ele continuou – Era a carta de despedida. Lá ela disse que me amava, se desculpou por tudo o que eu presenciei naquela casa... coisas que não quero relembrar. E escreveu o motivo pelo qual eu deveria vir para o Taurus. Talvez a mágoa que você disse ver em mim seja exatamente o que estava escrito naquelas três folhas de caderno.

– Oscar, você não precisa me con...

– Ela premeditou tudo – a interrompeu – Lembro que na noite anterior ela deixou o dinheiro do aluguel separado, fez uma verdadeira faxina, dobrou todo o seu figurino e o deixou em cima da cômoda, ao lado de um vestido preto que eu só a vi usar uma vez, no seu caixão. No dia seguinte fez um café da manhã completo, sendo que a gente nem tinha dinheiro pra isso. Me acordou e pediu para eu tomar café com ela, mas eu neguei porque estava com sono – suspirou – Eu não tomei meu último café da manhã com a minha mãe porque estava com sono! Um pouco mais tarde eu saí pra treinar e quando voltei o café ainda estava na mesa, mas ela estava morta.

– Eu não sei o que te dizer... – a voz de Olivia embargou, não sabia mais o que fazer para segurar o choro.

– Não quero que tenha dó de mim. Eu só... – respirou fundo – Eu nunca contei isso pra ninguém.

– Eu sei que você só confia no seu gato, mas pode confiar em mim. Essa conversa vai ficar só entre nós – Olivia sorriu para disfarçar o abalo que sentiu ao ouvir aquela história.

– Eu falei que você estava errada quanto a isso. Eu não confio só no Wally... Eu estranhamente confio em você, Olivia.


     Olivia sorriu ao ouvir aquelas palavras saírem de sua boca, pois até então imaginava que ele apenas a suportava porque prometeu ajudá-la, nada mais que isso. Naqueles segundos que se olharam, ela ficou pensando como estava óbvio que eles já haviam se tornado amigos, afinal passavam muito tempo um na companhia do outro. O silêncio se tornou incômodo quando se deu conta que estava o encarando por tempo demais. Se levantou e foi em direção à porta, um tanto quanto desconcertada.


– Já está tarde, acho que vou embora... ­– falou um tanto quanto apressada, tinha certeza que ele se incomodou com aqueles segundos de silêncio.

– Espera... – se levantou e foi até ela – Você não pode ficar um pouco mais?


     Oscar odiava se sentir vulnerável, mas se ficasse sozinho naquele momento, se afundaria em mais lembranças dolorosas daquela manhã que frequentemente se repetia em seus pesadelos. Olivia assentiu e voltou a se sentar no sofá. Combinaram de não relembrar mais o passado – pelo menos por hora. O rapaz ligou a televisão e escolheram um filme clássico entre os DVDs que ele guardava em seu quarto. Cada um estava sentado em uma ponta do sofá, já Wally se espalhou no espaço entre os dois.

     O celular de Olivia começou a tocar, a fazendo despertar do sono profundo que estava. Antes mesmo que pudesse atender, o barulho parou. Abriu os olhos e se incomodou com a claridade. Xingou seu pai por não fechar a cortina do quarto. Até que se deu conta de que estava na sala, mas não era a sala de sua casa. 

Olá meus amores, como estão?!

Cara, a história de vida do Oscar acaba comigo. O que vocês acharam?

Ah, e ele finalmente disse com todas as letras que confiam na Olivia! Aos poucos o atirador de facas está se abrindo com a nossa trapezista... espero que dê bom haha

Passei por alguns problemas familiares e parei de escrever por algum tempo, mas estou voltando e quero compartilhar com vocês que já tenho 22 capítulos completos, então aparecerei com mais frequência.

É isso, vejo vocês em breve! Beijinhos ♥

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top