III - Senhorita Inválida
Matá-la. Essa era a vontade de Olivia ao ver o sorriso tenso no rosto de Megan, que pedia desculpas só com o olhar. Um burburinho começou devido à demora. O olhar de Richard estava sobre ela, e não havia outra saída a não ser aceitar para não prejudicar ainda mais a apresentação. Ajeitou suas muletas e com a ajuda da amiga, foi até o centro do alvo.
"Eu vou te matar, você sabe, né?", Olivia falou para a ruiva que a ajudava a se posicionar, a deixando de braços abertos. "Me desculpa, depois te explico", Megan respondeu com um sorriso tenso, prendendo seus pulsos em uma tira de couro de cada lado da tábua de madeira. Oscar se aproximou das duas e como sempre, seu rosto não demonstrava muito contentamento.
– Serei rápido. Não precisa ter medo, é só não fazer movimentos bruscos – ele falou enquanto verificava as fivelas que seguravam os braços de Olivia.
– Eu mal consigo me movimentar – murmurou.
– Melhor ainda.
Oscar saiu caminhando em linha reta até atingir uma certa distância. Megan pediu desculpas mais uma vez para a amiga e abriu os braços em direção ao público, dando a entender que a apresentação iria começar. Enquanto Oscar passava os dedos pelas facas apenas para fazer cena, o coração de Olivia acelerava, suas mãos suavam e por mais que soubesse que não poderia estragar aquele número, queria de toda forma puxar as mãos das amarras e sair correndo dali – mesmo sem sequer conseguir encostar o pé no chão.
Ela o encarou e, como se estivessem em câmera lenta, o viu jogar uma faca para cima, pegá-la no ar pela lâmina e mirá-la em sua direção. Olivia já não sabia o que estava sentindo, naquele momento se arrependeu de ter ido ao espetáculo, preferia estar em sua cama, em sua casa, em qualquer outro lugar. Viu quando o objeto soltou da mão de Oscar, e fechou os olhos para não ver quando a faca a atingisse em cheio. O barulho da lâmina se fincando na madeira a fez soltar a respiração que prendia há um bom tempo e ela apenas olhou para o lado direito, vendo a faca a poucos centímetros do seu braço.
"Acabou, foi só isso", ela pensou. Seus pensamentos foram cortados por mais uma faca que dessa vez atingiu a madeira ao lado esquerdo de sua cabeça. Olivia estreitou os olhos e viu que Megan segurava mais seis facas. A terceira fez com que ela contraísse os braços. A quarta lhe deu um susto rápido. Na quinta ela abriu os olhos. A sexta, encarou de frente. Na sétima, estava sorrindo. Na última, vibrou com as palmas. Era bom estar no picadeiro mais uma vez em meio a aplausos.
Os dois agradeceram e Olivia sentiu não poder fazer o mesmo, já que para todos ali, ela era apenas uma espectadora. Megan a ajudou a ir até a coxia, mesmo sendo xingada por todo o caminho. Oscar não esperou nenhuma das duas, se apressou em remover sua maquiagem e voltar para casa.
– Eu vou te matar. É melhor começar a trancar a porta da sua casa, porque eu vou te matar – Olivia falou pausadamente ao se sentar ao lado da amiga.
– Não é você que falou que não era nada demais? Que era drama? O que mais, mesmo? Ah! É a magia do circo! – Megan piscou para Olivia enquanto tirava a maquiagem.
– Você não vale nada... – estreitou os olhos e negou com a cabeça.
– Eu nunca disse que valia – deu de ombros – No mais, você voltou ao palco. Qual foi a sensação?
– Eu sei que aqueles aplausos foram pra ele, mas eu me senti muito bem.
– Um dos motivos que eu fiz isso hoje, é pra você não desistir. Mesmo que demore um pouco, você pertence ao circo, Liv. Você tem que voltar.
– Não, eu te conheço bem o suficiente pra saber que você fez isso comigo só de pirraça – Olivia sorriu.
– Bom, foi... mas pelo menos valeu de alguma coisa.
Megan fez uma careta para o espelho, fazendo sua amiga rir. Olivia se despediu e se muniu de suas muletas para ir para casa. Uma sensação de alívio tomou seu corpo assim que entrou debaixo do chuveiro, finalmente podia lavar sua perna toda arranhada pelos cabides. Estava enxaguando o shampoo dos cabelos quando ouviu a porta bater e a discussão começar. Terminou seu banho sem o mesmo ânimo, vestiu seu pijama e foi até o pequeno quarto. Fechou a porta para abafar o barulho, mas logo ela foi aberta por seu pai, que ainda gritava enquanto pegava sua toalha.
Antes os três viviam em um trailer um pouco maior. O mesmo em que viviam com sua mãe na infância. O aluguel dele também era um pouco mais caro, mas ao menos havia um quarto só para os irmãos – mesmo que só coubesse um beliche e uma cômoda. As contas apertaram quando Rosie abandonou os três, mas David e Adam tinham seus salários e conseguiam bancar. Quando Olivia teve idade o suficiente para integrar o time dos artistas, a família pensou que poderiam desafogar um pouco, mas o vício de Adam e a visita daquele agiota o ameaçando de morte fez com que as coisas apertassem ainda mais, então precisaram se mudar para o trailer em que viviam agora.
O atual trailer era pequeno para três moradores. Era exatamente igual ao de Megan, feito para comportar uma, no máximo duas pessoas. Na extremidade esquerda, a geladeira, o fogão e a pia com um pequeno balcão tomavam conta de toda a parede. Logo em frente, uma mesa quadrada com duas cadeiras. No único quarto, um armário mediano que guardava as roupas dos três, além de duas camas de solteiro. Olivia dividia o cômodo com seu pai, já Adam dormia no sofá de três lugares que ficava encostado em uma das laterais da mesa de jantar, de frente para uma pequena televisão sobre um rack antigo. O banheiro era pequeno demais, apenas o chuveiro era separado da pia e do vaso sanitário por uma cortina plástica. Era totalmente desconfortável, mas eles já estavam acostumados.
Olivia deitou em sua cama, colocou os fones de ouvido e fechou os olhos, mesmo com a certeza absoluta de que não conseguiria dormir. Acordou três horas depois ao ouvir o barulho da porta se fechando, olhou ao redor e seu pai estava roncando na cama ao lado. Pegou seu celular e viu que ainda eram duas e meia da manhã. Quando foi que dormiu? Não sabia. Tentou se levantar sem fazer muito barulho, pegou sua muleta e foi até a sala. Assim como já desconfiava, Adam não estava no sofá. Tentou ser silenciosa ao abrir a porta, desceu os degraus e viu seu irmão caminhando a alguns metros em direção à estrada.
– Adam! – falou alto o suficiente para que ele ouvisse, mas não para acordar aos vizinhos. Seu irmão se virou e caminhou até ela, balançando a cabeça.
– O que você tá fazendo aqui fora?! – sussurrou.
– Eu é que te pergunto! Onde você tá indo?!
– É coisa minha.
– Deixa de ser coisa sua se isso prejudicar a gente mais uma vez – o segurou pelo braço – Eu não vou te defender de novo se eu souber que você voltou a jogar.
– Cuida da sua vida – com um puxão, soltou o braço da mão dela – Eu não vou jogar.
– Eu estou cuidando. Você faz parte da minha vida.
Adam não respondeu, apenas colocou o capuz de seu moletom e saiu andando. Olivia ficou observando o irmão até que ele sumisse de sua vista. Deu um suspiro cansado e no que se virou para voltar para sua cama, seu coração deu um pulo ao ver Oscar apoiado em seu trailer, tragando um cigarro e olhando em sua direção.
– Credo, você parece assombração! – Olivia falou, levando a mão no peito.
– Eu estou neste mesmo lugar há meia hora, vocês que não me viram – Oscar deu de ombros e soltou a fumaça pelo canto da boca.
– Então você ouviu tudo... – suspirou.
– Só um pouco. Não fico prestando atenção na conversa alheia.
"Menos mal", Olivia murmurou sem que ele ouvisse e se sentou na cadeira do quintal, pois já não tinha mais sono. O rapaz continuou tragando seu cigarro em silêncio. Ela começou a contar as estrelas do céu, apesar de não ter muitas visíveis. Quando voltou seu olhar para o trailer vizinho, viu que ele ainda a encarava. Já faziam quinze minutos que os dois estavam lá fora sem trocar uma palavra, e isso já estava a irritando.
– Quer sentar? – Olivia apontou a cadeira ao seu lado.
– Eu estou bem aqui.
– Eu não mordo.
– Melhor não – ergueu a mão, mostrando o cigarro.
– Aproveita e me dá um.
Oscar respirou fundo antes de atravessar e se sentar na cadeira ao lado da moça de pijamas. Entregou o maço para ela e estendeu seu isqueiro aceso, fazendo Olivia se aproximar para acender o cigarro. Ela soltou a fumaça e olhou para o rapaz ao seu lado, mas ele encarava o céu sem dizer uma palavra.
– Obrigada por não ter me esfaqueado hoje – Olivia sorriu.
– Eu quero deixar claro que não tive nada a ver com isso, a Megan que inventou.
– Eu sei, conheço bem a minha amiga... – revirou os olhos – Espero ter sido um bom alvo.
– Foi – respondeu sem muita emoção – Não tinha como não ser, você estava amarrada – deu de ombros.
Olivia sorriu, mas Oscar continuava sem esboça muitas reações. Ela voltou a tragar seu cigarro e soltou a fumaça no ar.
– Eu não sabia que você fumava – ele falou.
– Eu não fumo – ela deu de ombros.
– Você sabe que isso é um cigarro e não um soprador de bolhas, não sabe? – arqueou uma sobrancelha, a fazendo rir.
– Eu só fumo quando estou muito tensa, ou muito irritada, ou puta com alguma coisa. Esse câncer aqui me deixa mais relaxada.
– Eu também... – subiu o olhar até o dela – O problema é que eu sempre estou tenso, ou irritado, ou puto... – pela primeira vez, Olivia viu Oscar sorrir.
– Acho que eu já percebi isso – sorriu – Você não curte muito contato humano, né?
– E tem alguém que realmente goste? – franziu o cenho – Eu tenho contato com o meu gato e isso já basta pra mim.
– Você está tendo contato comigo agora, sou uma companhia tão ruim assim?
– Não foi o que eu disse.
– E também não respondeu...
– Eu estou sentado com uma mulher vestindo um pijama de ursinhos às três da manhã, falando mais do que eu falo em um dia inteiro... Tire suas conclusões.
Oscar se levantou e após se espreguiçar, acenou com a cabeça para Olivia e caminhou até seu trailer. Ela ficou o observando sair sem sequer se despedir, mas também não fazia muita questão, já que ele não era uma pessoa tão empolgante de se conversar. Ele já estava abrindo a porta quando deu meia volta e caminhou até ela mais uma vez.
– Toma, senhorita inválida, acho que você vai precisar mais do que eu – estendeu o maço e o isqueiro para Olivia.
– Eu tenho nome – Olivia respondeu ao pegar os objetos de sua mão.
– Boa noite, senhorita inválida.
Oscar piscou um olho e aquela foi a segunda vez que Olivia o viu sorrir. O observou entrar em sua casa e acender a luz. Ela continuou ali, encarando a silhueta na janela, tentando mais uma vez entender o que se passava na mente daquele rapaz. Acordou quando o dia já clareava, com um Adam com olheiras fundas cutucando o seu braço. Mais uma vez não percebeu quando foi que dormiu.
Olá meus amores! Como estão?!
Espero que estejam gostando desse comecinho da história!
Me digam o que estão achando até agora, a opinião de vocês é muito importante pra mim! ♥
Vejo vocês em breve!
Beijinhos ♥
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