II - Primeira fileira

     Mais um mês havia se passado, e com a ajuda do irmão, Olivia desceu da caminhonete sem o seu companheiro das últimas oito semanas. A bota de gesso toda desenhada por Megan ficou no hospital, mas as muletas ainda a acompanhariam por algum tempo. A primeira coisa que perguntou ao adentrar o consultório foi quando poderia voltar a treinar. A resposta não a animou, já que o médico respondeu que demoraria pelo menos seis meses. O tempo todo sua mente a traía e a fazia acreditar que jamais seria capaz de voltar, mas seu pai sequer dava tempo para pensar nisso, já que um milhão de perguntas foram feitas por ele durante a rápida consulta.

     Assim que parou em frente ao seu lar, entregou sua bolsa para o pai e seguiu até o trailer de Megan. David não gostou de ver a filha andando pelo terreno irregular com as muletas e ofereceu ajuda, mas Olivia não aguentava mais depender de ninguém, então negou sem nem pensar. Assim que bateu na porta, a ruiva descabelada e ainda de pijamas a recebeu de braços abertos enquanto segurava um copo de bebida.


– Bem-vinda de volta ao mundo! Whisky? – Megan estendeu seu copo à amiga.

– Meg, ainda não é meio-dia – largou as muletas e se jogou no sofá de molas barulhentas.

– Faltam cinco minutos... E outra, estou honrando minhas raízes escocesas – sentou-se ao lado de Olivia.

– Você é inglesa – riu – Mas tudo bem, se um dia eu precisar de um transplante de fígado, já sei que não posso contar com você.

– Você sabe que eu daria meu fígado pra você, não sabe? Assim como eu te dei o cabide todos os dias... Olha a sua perna, Liv! – negou com a cabeça – Toda arranhada.

– Ai, chega de falar da minha perna, pelo amor de Deus! – revirou os olhos – Eu já não aguento mais falar disso – suspirou – Eu vim aqui pra me distrair, lá em casa tá difícil, meu pai e o Adam parece que nunca vão se entender, eu passei sessenta dias ouvindo os dois discutindo. Você sabe o que são sessenta dias?! Finalmente acabou.

– Não acabou não. Não é porque a senhorita tirou o gesso que magicamente está bem. Ainda tem que fazer repouso e sei lá mais o quê.

– Credo, você parece o médico falando.

– Eu poderia ter feito medicina – deu de ombros – Mas é sério, Liv, você tem que seguir as recomendações direitinho se quiser voltar, você sabe.

– Eu não vou voltar, Megan. Eu sei disso. Olha pra mim, eu fiquei dois meses com aquele gesso e não consigo sequer apoiar o pé no chão.

– Ah, mas a bonita achou que ia voltar no mesmo dia? – arqueou a sobrancelha – Isso vai levar um tempo ainda.

– Eu preciso trabalhar. As contas não esperam a minha recuperação. E nem o Hector...

– Ele foi cobrar vocês de novo?

– E por qual outro motivo ele aparece no circo? Ele bateu lá em casa e eu fingi que estava dormindo pra escutar a conversa. Ouvi ele falar com o meu pai que não vai mais tolerar atrasos no aluguel, ainda mais agora que o espetáculo está desfalcado por minha causa. Meu pai falou alguma coisa de trabalhar mais, mas até o Hector sabe que ele não tem condições.

– Mas e o Adam? Ele tem condições!

– Você sabe que o Adam... – bufou – Ele é complicado.

– Complicada sou eu, Liv... o Adam a gente nem tem como explicar.

– Ele não pode ter dinheiro na mão... – suspirou e deitou a cabeça no colo da amiga.

– Ele ainda aposta? – Megan passou os dedos pelos fios pretos de Olivia.

– Ele jura de pés juntos que não, que se curou desse vício, mas a gente já perdeu tanto... Não sei se dá pra arriscar mais uma vez. Ele vive saindo escondido, não duvido nada que seja pra jogar.


     Megan não respondeu, sabia que o assunto ainda era complicado para aquela família, já que no ano anterior David precisou entregar todas as suas economias para um agiota que apareceu em sua porta ameaçando de morte o seu filho. Adam chorou, implorou pelo perdão do pai, mas na mesma noite saiu de fininho para mais uma jogatina, dessa vez, perdendo todo o seu salário, fazendo os três trabalharem dobrado no mês seguinte.

     Aproveitando o silêncio, Olivia fechou os olhos por alguns instantes e aproveitou o carinho da amiga em seus cabelos. Ali podia não ser tão confortável quanto a sua cama, estava encolhida no sofá, sentindo dor no pé e até um pouco de frio, mas só o silêncio de um ambiente tranquilo a fez cair no sono como há muito não fazia. Megan ficou com dó de acordá-la, então se aconchegou no encosto do sofá e aproveitou para tirar um cochilo também.

     Olivia acordou com os olhos que pareciam cheios de areia, além da dor no corpo que ainda estava torto no sofá, só que ao invés das pernas da amiga, estava apoiada em uma almofada. A casa estava escura e apenas a iluminação externa trazia qualquer tipo de claridade. Olhou ao redor e chamou por Megan, mas ela já não estava lá. Olhou as horas no celular e se surpreendeu por constatar que dormiu por sete horas seguidas naquele sofá de molas barulhentas. Definitivamente não conseguiria dormir à noite. Levantou com a ajuda das muletas e encontrou o bilhete que sua amiga deixou sobre a mesa: "Se a Bela Adormecida acordar ainda hoje, a Gata Borralheira aqui foi trabalhar".

     Ainda rindo do bilhete da amiga, Olivia foi até o banheiro e aproveitou para lavar o rosto na água gelada da pia. Ajeitou suas muletas e decidiu ir para casa. Quando parou em frente ao seu trailer, olhou em direção ao circo e viu a crescente fila que se formava, seria uma grande noite. Talvez fosse a hora de assistir ao espetáculo do lado de fora do picadeiro. Suas axilas já estavam doloridas por conta das muletas, mas faltavam poucos passos. Parou na bilheteria com um sorriso e seu pai abriu espaço para que ela pudesse entrar.

     Olivia sentou-se na primeira fileira da arquibancada de madeira, apoiando as muletas ao seu lado. Enquanto aguardava o início, viu Jacob passando com algumas caixas de pipoca dentro de um tabuleiro pendurado ao pescoço, já Jack seguia pelo lado oposto com algumas bebidas em mãos. Os irmãos estavam visivelmente cansados, mas com um sorriso forçado para ganhar a clientela. Assim que as luzes se apagaram, Olivia voltou a olhar para a frente. Richard, o apresentador, deu as boas-vindas a todos e desejou um bom espetáculo antes de chamar ao palco Adam e suas mágicas simples de palhaço.

     Vestindo sua regata branca com um suspensório preso na calça xadrez vermelha e um chapéu coco preto que fazia sombra em sua maquiagem chumbo ao redor dos olhos castanhos, o rapaz alto no centro do picadeiro interagia com o público, fazia rosas vermelhas surgirem em suas mãos e as distribuía para as mulheres bonitas ao seu redor, chamava algum espectador para seus truques de cartas, separava argolas unidas, realizava apenas truques simples para deixar o público ansioso para a apresentação de Benjamin.

     Enquanto era ovacionado, curvou o corpo e saiu. A voz de Richard anunciou Jacob e Jack, que entraram já com as claves de malabarismo no ar enquanto se equilibravam sobre um monociclo. A sensação era a de que eles cairiam a qualquer momento, e por mais que os dois nunca parecessem muito focados no dia-a-dia, Olivia tinha a certeza de que eles estavam apenas fazendo graça, já que dedicavam suas vidas naquilo.

     Quando Megan foi anunciada, Olivia teve vontade de se levantar para aplaudi-la – e teria o feito, se não tivesse quase caído ao tocar o chão com o pé ainda em recuperação, sentindo uma dor imensa. A pirofagista centralizou-se no palco munida de seus bastões em chamas e, em movimentos teatrais, apagou as labaredas com a boca. O silêncio do público era absoluto e o peito de Olivia se enchia de orgulho ao observar a amiga tão concentrada. Megan voltou a acender os bastões no pequeno tacho de ferro incendiado à sua frente e dançou com o fogo, deixando um rastro de luz com seus movimentos. Um aceno rápido em direção à Olivia e uma grande bola de fogo foi cuspida por ela, espalhando o calor pelas primeiras fileiras.

     Durante as apresentações seguintes, Olivia sempre pensava quando deveria ser a sua vez. Assistiu ao show de mágicas de Benjamin e vibrou com cada ilusionismo, se encantou com as mímicas de Alice, riu junto com o público das palhaçadas de seu pai e seu irmão, mal parecia que dentro de casa eles mal se falavam. Quando viu o trapézio descer, desfez seu sorriso. Grace fazia sua apresentação com maestria, mas Olivia poderia apontar vários erros. Ela sabia que não podia exigir perfeição – assim como não era exigido dela quando precisava cobrir a contorcionista – e que sua colega fazia o que podia, mas ninguém dominava aquele trapézio como ela.

     Após muitos aplausos, o picadeiro ficou vazio mais uma vez e todas as luzes se apagaram. Alguns minutos depois um foco de luz se acendeu em Oscar. Diferentemente do que se espera dos halterofilistas de circo, ele não estava sem camisa, exibindo seus músculos. Ele nem tinha bíceps tão exagerados assim. Seu corpo estava escondido por uma camisa branca e um colete verde-escuro, seguido de um sobretudo de linho grosso marrom já esgaçado que combinava com a calça. Seu rosto branco estava mal pintado, espalhando tinta pela barba, e assim como Adam, seus olhos estavam pretos, destacando mais as íris verdes. Seus cabelos cobertos por uma cartola velha o faziam parecer qualquer coisa, menos o homem mais forte do mundo.

     Sua apresentação não era tão longa, mas Olivia se surpreendeu ao vê-lo pegar dois halteres de cinquenta quilos como quem pega uma bolsa de viagem. Quando a barra atingiu o chão, Oscar acrescentou uma anilha de vinte e cinco quilos de cada lado e voltou a erguê-la. Quatro kettlebells aguardavam para ser levantados, e o peso estava escrito de maneira que o público pudesse ver – sessenta quilos cada um. O rapaz soltou a barra de ferro mais uma vez e agarrou a alça de um kettlebell, o jogando com uma mão e o pegando com a outra, fazendo parecer fácil. Ao levantar os quatro de uma só vez, aplausos e gritos saíam da plateia, mas Olivia apenas assistia em silêncio.

     Mais algumas apresentações e chegou a vez do arco, mas ninguém iria fazê-lo. Ao invés disso, um grande alvo de madeira foi posicionado e Megan e Oscar retornaram ao palco. A exibição estava demorando para começar. Os dois trocavam algumas palavras e Olivia percebeu que aquilo não estava ensaiado. Ele continuava com sua cara de poucos amigos, já a ruiva sorria como se fosse aprontar algo. O que ela não sabia, é que era com ela.

     Em passos nada ensaiados, Megan deixou o palco e andou por entre o público. Fez carinhos sutis no rosto de alguns adolescentes que se derretiam por ela, beijou o rosto de algumas crianças, cumprimentou algumas senhoras. Ao fundo, Richard perguntava com mímicas para Oscar o que ela estava fazendo, e o rapaz apenas deu de ombros e passou a acompanhá-la com o olhar. Bastou alguns segundos para Olivia entender o plano da amiga, mas assim que pegou suas muletas para tentar fugir, a ruiva parou em sua frente.


– Me desculpa Liv, mas a gente vai precisar de uma pessoa da plateia.

Olá meus amores! Como estão?!

Cheguei aqui com mais um capítulo fresquinho! E pelo jeito a Megan vai aprontar, né?! Haha

Espero que tenham gostado, em breve apareço mais uma vez por aqui ;)

Beijinhos! ♥

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