I - A magia do circo
Um mês já havia se passado desde aquela noite que Olivia preferia ter esquecido, mas a perna engessada a fazia lembrar diariamente de cada detalhe. Devido ao tornozelo quebrado em dois lugares, fratura no maléolo e três ligamentos rompidos, quatro parafusos foram necessários durante a cirurgia. Além disso ainda havia o maldito gesso que coçava sem parar. Mas, nem de longe, isso era o que mais a incomodava. Ainda tinha o seu trapézio, seu tecido, seu arco. Sua vida que antes era nos ares, agora se limitava a uma cama e um pé suspenso.
As noites do Taurus Circus também não estavam tão boas. Com a ausência de Olivia, cada espetáculo era prejudicado em três apresentações e por mais que Grace tentasse substituí-la uma vez ou outra, era evidente que ela ótima no contorcionismo no solo, mas não no ar. Adam até tentava ajudar de alguma forma, mas só conseguia se apresentar com sua irmã, que já sabia exatamente o que fazer. Para tampar as lacunas que a falta dessas apresentações deixava, Oscar – o cara mais forte do mundo – passou a se apresentar como atirador de facas, habilidade que ele carregava de outro circo itinerante que fez parte. Quem não gostou muito da nova atração foi Megan, que se tornou a assistente ao centro do alvo.
Olivia estava bufando sozinha em seu trailer enquanto procurava pelo cabide de metal que havia desmontado para coçar sua perna. "Eu não acredito que o Adam escondeu", reclamava sozinha enquanto olhava ao redor. Avistou o objeto em cima do armário e deu um suspiro alto, claro que ela não alcançaria. Se levantou com a ajuda das muletas e, usando um dos apoios de madeira, puxou o cabide que por pouco não caiu em seu rosto.
– O que você tá fazendo?! – ouviu a voz de Megan atrás de si.
– Puta merda, que susto! – Olivia soltou a muleta – Meg, você não pode chegar sorrateira assim!
– O que você tá aprontando? Eu te conheço, se você assustou desse jeito, é porque tá querendo fazer besteira.
– Só quero o meu cabide – murmurou e seguiu pulando em um pé só até a cama.
– Qual a parte de "você não pode usar objetos para coçar por dentro do gesso" que você não entendeu?! Esse já é o terceiro cabide, Liv!
Megan puxou o cabide da mão da amiga, que reclamou e começou a arranhar as unhas por cima da bota de gesso, a fazendo rir. A ruiva revirou os olhos e entregou o objeto de volta para Olivia, que abriu um sorriso na mesma hora e não disfarçou a cara de prazer ao arranhá-lo pela perna.
– Não conta pro seu pai que eu deixei – Megan advertiu.
– Não contarei – Olivia piscou – Mas me diz o que você tá fazendo aqui. Deveria estar se apresentando, não?!
– Eu disse que estava passando mal, já apresentei a minha parte, mas teria que ser a assistente do Oscar e eu não estou nem um pouco afim de correr o risco de ser esfaqueada por ele.
– Quanto drama! Você sabe que as facas dele nem tem corte... – revirou os olhos.
– Mas tem pontas! – ergueu as sobrancelhas – Ele quase me acertou esses dias.
– Você sabe que essa é a intenção, certo? – sorriu – O circo e sua mágica ilusão! – moveu as mãos no ar como se estivesse exibindo um letreiro.
– Você diz isso porque não é você que vê uma faca vindo em sua direção toda noite!
Olivia, que até então sorria, viu seu sorriso desaparecer ao se lembrar das apresentações. Já havia um mês que ela sequer pisava no picadeiro, nem mesmo para assistir a algum espetáculo. Seus dias se resumiam em ficar no trailer, mas quando sentia-se sufocada pelas paredes, ia até o lado de fora para sentir o calor do sol ou para observar as estrelas. Os dias de apresentação eram os mais tristes, porém os mais tranquilos, já que ficava sozinha por mais tempo, sem ouvir as brigas constantes de seu pai e seu irmão.
"Chega, dá isso aqui", Megan puxou o cabide da mão da amiga ao ouvir um chiado de dor seguido de uma careta. Olivia protestou, mas a outra sequer deu atenção. A ruiva foi até a porta e se despediu, levando o objeto consigo. "Espera, fica mais um pouco", Olivia pediu ao segui-la pulando em um pé só. Megan se virou e a ajudou a descer os degraus do trailer, para que pudessem se sentar nas duas cadeiras no que eles chamavam de quintal.
Sentadas ao ar livre, as duas conversavam sobre assuntos triviais. Uma ou outra fofoca sobre alguns vizinhos – todos integrantes do circo, que ocupavam o grande terreno com seus trailers – também escapava, fazendo com que rissem sozinhas do ponto em que chegaram. Os sorrisos só cessaram quando um homem em trajes circenses beirando os dois metros de altura caminhava apressadamente até elas, e sua expressão não era de muito contentamento.
– Megan, como que você me deixa sozinho na hora da apresentação?!
Megan arregalou os olhos e abriu um sorriso tenso, já Olivia se encolheu na cadeira. Oscar fazia parte do circo há pouco mais de três anos, mas ninguém ali de fato o conhecia. Ele nunca foi de trocar muitas palavras com ninguém, vivia sozinho com seu gato em um trailer quase em frente ao que estavam agora, a apenas alguns metros de distância.
Também não se sabia ao certo como ele chegou até o circo, já que o rapaz apenas acenou com a cabeça sem demonstrar qualquer tipo de emoção enquanto era apresentado por Hector – o dono do Taurus – durante uma reunião com o elenco. Ele nunca fez questão de se aproximar dos demais, então para o restante dos integrantes, era como se ele existisse apenas durante as apresentações.
– A Olivia precisou de mim – Megan sorriu e apertou a mão da amiga – Não é mesmo, Liv? – deu uma leve arregalada nos olhos, algo imperceptível para outra pessoa que não fosse sua melhor amiga.
– Foi isso mesmo... – suspirou e se segurou para não revirar os olhos – Como pode ver, eu sou uma senhorita inválida e preciso de ajuda o tempo todo – apontou para a perna engessada – A propósito, boa noite pra você também, Oscar – sorriu.
– Boa noite – murmurou e se voltou para Megan – Quando for assim, me avisa! Qual a graça para o público ver alguém lançando facas sobre uma tábua vazia?!
– E qual é a graça pra mim em ver facas vindo na minha direção?! – arqueou as sobrancelhas.
– Você sabe que eu não vou te acertar – revirou os olhos.
– Quem me garante? – cruzou os braços e o encarou.
– Todos os meus anos de treino garantem.
– Você quase me acertou ontem – abriu um sorriso claramente debochado.
– Eu não ia te acertar, mas a intenção é parecer que sim... O nome disso é "a magia do circo"! – estendeu as mãos no ar como se estivesse exibindo um letreiro, assim como Olivia tinha feito mais cedo, a fazendo abrir um sorriso.
– Que seja! – Megan bufou – Amanhã eu estarei pronta para ser esfaqueada, tá bom?!
– Ótimo – respondeu em um tom seco e se virou para Olivia – Boa noite, senhorita inválida.
Sem esperar por uma resposta para o seu "boa noite", Oscar acelerou o passo até seu trailer e Megan respirou aliviada, relaxando o corpo tenso na cadeira. Olivia acompanhou cada movimento do rapaz com os olhos e assim que ele fechou a porta, ela começou a rir. Sua amiga a olhava com cara de poucos amigos, mas Olivia não se importava.
– Você tá rindo por quê?! – bateu com o cabide que ainda carregava na coxa da amiga.
– Ai! Bate no Oscar, não em mim! – passou a mão pela coxa – Eu só achei engraçado o medo que você tem dele.
– É, você tá rindo porque não é você que corre grande risco de ser esfaqueada. Ele vai me matar, Liv!
– Vocês são exagerados demais – revirou os olhos – Às vezes o Oscar só é um cara na dele. Olha lá... – apontou disfarçadamente para a janela dele – O cara tá só fumando na janela e vocês já agem como se ele estivesse planejando a terceira guerra mundial.
– Vai me dizer que você não acha que ele é estranho?!
– Ele é estranho e meio mal-humorado, mas até então, eu também sou – deu de ombros – Você sabe muito bem que eu não sou a pessoa mais aberta a novas amizades que você conhece. Às vezes esse é o problema dele.
– Verdade... Será que você é psicopata igual a ele? – sorriu.
– Megan! – Olivia repreendeu, mas logo começou a sorrir.
– Foi só uma pergunta! – riu – Enfim, eu vou pra casa. Quer ajuda pra entrar?
– Não, vou ficar aqui fora mais um pouco.
– Boa noite então.
Megan saiu abraçada ao cabide e jogando beijos no ar. Olivia riu da amiga enquanto a observava caminhar em direção ao seu trailer, que ela não conseguia ver dali. Com o silêncio que ficou, Olivia voltou a observar ao redor. O barulho que vinha do circo ainda era alto, mas pelo horário ela sabia que o espetáculo não estava tão longe de acabar. Voltou seu olhar para a casa de Oscar e ele ainda fumava na janela, sem ao menos ter tirado os resquícios de maquiagem de sua barba. Não que ela conseguisse ver perfeitamente, apenas a silhueta do rapaz sentado no que parecia ser sua cama e parte do seu rosto visível através do vidro aberto por onde escapava a fumaça.
"O que será que ele está pensando?".
Desde a infância, Olivia tinha a mania de observar as pessoas distraídas e imaginar o que se passava pela cabeça delas. Algumas vezes até chegava a criar uma história de vida para os desconhecidos. Quando criança era repreendida pelos pais, já que era feio encarar os outros. Na adolescência precisava se conter, já que muitos garotos no limite de seus hormônios levavam aqueles olhares insistentes como um interesse que na verdade não existia. Já na vida adulta, ela não se importava mais nada.
Ficou encarando aquele rosto cansado que parecia distraído com o luar e traçou toda uma personalidade e uma história que talvez não fossem reais e não fizessem jus ao rapaz, mas que faziam todo sentido em sua mente fértil. Foi puxada de seus pensamentos por seu pai e Adam, que discutiam mais uma vez enquanto entravam em casa. E foi assim, com mais uma cortina fechada e mais uma briga em casa, que Olivia precisou voltar para o mundo real.
Olá meus amores! Como estão?!
Neste capítulo vocês conheceram mais um integrante do Taurus Circus! O que acharam do Oscar?
É isso! Deixem uma estrelinha e comentem bastante!
Vejo vocês em breve com mais um capítulo!
Beijinhos! ♥
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top