I - Guernica (Pablo Picasso)
Guernica foi produzida em 1937 e retrata o bombardeio da cidade de Guernica durante a Guerra Civil Espanhola.
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É senso comum que um dos artistas cujas obras dividem mais opiniões nos dias modernos é, sem dúvida alguma, Pablo Picasso. Na mesma proporção em que é adorado pela elite artística e pelas massas, também é diminuído e mal apreciado. Essa era a opinião de Taehyung, pelo menos.
Já havia perdido as contas das vezes em que ouvira alguém dizer; "Por que isso é tão caro e estimado? Eu com certeza consigo pintar igual a esse cara."
Não julgava essas pessoas por pensarem assim, ele mesmo já havia dito algo parecido, mas conseguia ver agora como era algo burro de se deduzir. Esse tipo de pensamento denunciava uma certa falta de sensibilidade artística. Seja sobre Picasso, seja sobre Monet ou Tarsila do Amaral. Seja sobre o renascimento, o surrealismo ou o cubismo, tirar a individualidade ou diminuir a natureza excêntrica de uma obra de arte era deixar nua sua inexperiência no assunto.
Entender o que o artista quer passar no seu trabalho não é algo fácil de se fazer. Exige tato, um bom olho, conhecimento da composição e, acima de tudo, noção de que você tem todo o direito do mundo de não gostar daquilo, desde que entenda os diversos universos adjacentes que existem dentro do ramo. Às vezes, no entanto, você só precisa se conectar com a obra em níveis pessoais, talvez..
Cada indivíduo tem sua própria forma de se expressar e, para Taehyung, o que ele buscava era simplesmente o infinito. Sua maior meta era ver diferentes pessoas, com diferentes imaginações, tirarem diferentes conclusões de suas obras.
Tendo isso em mente, ele passou o pincel pela tela gigante em sua frente, cobrindo toda sua extensão com um tom escuro de azul. O artbook de Picasso ao seu lado mostrava uma imagem reduzida do Les Demoiselles d'Avignon, de onde ele pretendia tirar inspiração para uma composição mais refletida no cubismo.
Um detalhe sobre Kim Taehyung que todos no clube de artes da escola sabiam de cor e salteado era que ele nunca fazia nada pela metade. Era sempre super confiante em seu trabalho e isso, simplesmente, o transformava no melhor. Sempre pintava a maior tela que tinha para pintar, sempre dava o seu melhor naquilo, seguindo apenas suas próprias regras e convicções. Seu estilo e sua liberdade evidenciados em cada pincelada que dava sobre o tecido.
Isso não significava, entretanto, que era inabalável. Se esforçava tanto e, às vezes, não conseguia sentir a emoção que sentia quando olhava para o trabalho de outras pessoas.
Ignorou esse lado da moeda e continuou pintando. O cheiro da tinta a óleo preencheu a sala em questão de segundos, vazando pelas janelas e pela porta aberta. A música clássica que tocava em seus ipods o dava liberdade para trabalhar com os pigmentos sem que recorresse ao seu sketchbook, o pincel tão leve quanto uma pena em seus dedos esguios.
Estava tão imerso naquele amplo universo que possuía em sua imaginação que não notou a presença na porta, dizendo seu nome de forma robótica. Jungkook o chamou uma, duas, três vezes, irritado, sendo obrigado a carregar todos aqueles papéis em suas mãos e a sentir o cheiro enjoativo que emanava pelos corredores.
As aulas do dia já haviam acabado e apenas alunos apaixonados por seus clubes permaneciam no lugar até aquele horário, mas mesmo assim sentiu-se incomodado. Se foi pelo odor em si, ou por ter sido obrigado pela professora a entregar toda aquela papelada a Taehyung, não sabia dizer.
No entanto, mesmo depois de muito chamar, não obteve nenhuma resposta do outro. Isso o fez, finalmente, aumentar o tom de voz.
— Pelo amor de Deus, qual o seu problema? — perguntou, já perdendo a paciência completamente — Eu estou aqui te chamando faz meia hora — eram apenas dois minutos — E, além do mais, por que você não fecha essa porta quando está trabalhando? Esse cheiro-
E então, Jeon Jungkook finalmente levantou o olhar das folhas cheias de cálculo que tentava organizar em seus braços, deparando-se com a grande tela azul, onde formas triangulares estavam dispostas, começando a se unir em uma silhueta. Suas palavras morreram na garganta, mesmo que tudo que estivesse vendo fosse o esqueleto de um projeto.
Kim Taehyung era uma pessoa que ele evitava ferozmente, seja nos corredores ou nas aulas que frequentavam juntos. Descobriu que era mais novo que o garoto e isso o deixou ainda mais irritado por algum motivo. Taehyung havia se mudado para aquela escola no último ano do ensino médio, atraindo toda a atenção e ainda tinha a coragem de ser tão bom?
Em seu estado de transe e irritação, ele nem mesmo percebeu que Taehyung já tinha se virado em sua direção. Não percebeu como o Kim o encarava, ou como tirava seus fones para ouvir o que ele tinha a dizer.
Taehyung o achou um tanto esquisito, parado ali, como se tivesse surgido magicamente na sala deserta, mas não disse nada. Essa certamente foi a escolha mais sábia a se fazer.
— Há algum problema? — perguntou mais alto dessa vez.
Isso tirou Jungkook de seu estado de surpresa e este piscou algumas vezes, tragado de volta à realidade.
— Ah... Nenhum. A professora disse para te entregar esse material suplementar.
Taehyung abriu um sorriso simpático e caminhou na direção do violinista, limpando os dedos sujos de tinta a óleo no pedaço de papel que possuía no bolso. Poderia ter pedido para o garoto deixá-los na mesa, mas deduziu, pelo jeito que estava parado no batente da porta, que ele não queria entrar na sala .
— Obrigado — pegou o material das mãos do outro e se curvou um pouco — Sou péssimo em exatas.
O violinista engoliu a urge de fazer um comentário grosseiro e resolveu focar na tela que o outro pintava. Não que pretendesse admitir isso em voz alta, mas estava curioso com aquilo.
— O que é isso? — perguntou.
— Isso o quê?
— Esse quadro.
Taehyung encarou o rosto irritado do mais novo, como se Jungkook estivesse bravo com a pintura, e depois olhou na direção da tela atrás de si. Naquele estágio, era realmente difícil dizer o que iria sair dali. Ainda assim, não conseguia compreender onde ele queria chegar de fato.
Por isso, optou por um método socrático de conversação. O famoso "desviar de uma pergunta com outra pergunta". Não foi usado de forma realmente socrática, entretanto.
— Você gosta de Picasso?
— Não sei....? Não ligo muito, acho.
A resposta afetou Taehyung em níveis pessoais, mas ele apenas sorriu. Claro que nem todo mundo é obrigado a conhecer a arte... Óbvio que não.
Ele queria que Jungkook a conhecesse, entretanto.
— Mas você com certeza já deve ter visto algum dos quadros que ele pintou. Nem que seja no livro de história.
— Bem, sim. Só não entendo o que tem de tão impressionante nos trabalhos dele.
Uma risada engasgada quase escapou pela boca do pintor e ele achou, por um momento, que ia morrer ali mesmo. Era irônico como Jungkook podia ser exatamente o tipo de pessoa que ele criticava mentalmente a quinze minutos atrás.
Pensando bem, Jungkook era tudo o que Taehyung tentava não ser em sua arte. Estrito, rigoroso e crítico. Não o conhecia tão bem, mas lembrava dele por causa daquela noite.
— Sorte a sua, então.
— Como assim? — Jungkook virou o rosto na direção de Taehyung, surpreso.
— Está tendo uma exposição dele agora mesmo — disse, tirando o avental — Quer ir ao Museu comigo?
Jungkook abriu a boca, mas nenhum som saiu. O pintor o encarava com uma expressão esperançosa...
— Não posso — respondeu, apenas.
— Por quê?
— Tenho que ensaiar.
Não tinha parado para considerar que era tarde e que, muito provavelmente, Jungkook só estava na escola naquele horário porque estava ensaiando na sala de música. Sua animação morreu na mesma hora.
— Ah... Tudo bem...
Jungkook quase pediu desculpas diante do tom desanimado do garoto. Quase. No fim, ele nada disse e apenas deu meia-volta, deixando Taehyung sozinho com seu quadro e um grande ponto de interrogação sobre sua cabeça.
Ele tentava, realmente tentava, entender o violinista irritadinho. O Jeon achava que seu comportamento passava despercebido por Taehyung, mas este nunca deixava de prestar atenção em detalhes. Ele percebia como Jungkook mudava de direção sempre que o via nos corredores, ou como aguardava até ele sair da sala de música quando ia treinar com seu violino.
Claro que não esperava algo diferente, afinal tinham conversado apenas um número contado de vezes. Se é que aquilo podia ser chamado de "conversa". No entanto... Qual era o problema com aquele comportamento estranho?
Não tinha sido Jeon Jungkook que, em uma noite de verão, no auge dos seus dezesseis anos, tinha dito que queria que Taehyung mostrasse todas as nuances de sua arte? Ele não lembrava? Aquilo era sequer possível?
Agora irritado, o pintor resolveu jogar tudo pro alto. Tinha exatamente um mês que começara a estudar ali e não suportava mais o comportamento esquisito de Jeon Jungkook. Com uma carranca considerável, guardou seu material e deixou a sala, fechando a porta e caminhando a passos rápidos na direção do clube de música. Ia tirar satisfação com Jeon Jungkook, não só por conta daquele dia que acontecera um ano atrás, mas também por não conseguir entender o motivo por trás de tamanho desprezo.
Parou em frente à porta fechada, ouvindo algumas notas de Beethoven escaparem pelas frestas, o deixando estático. Sempre. Aquilo sempre acontecia quando tinha a menor chance de ouvir Jungkook tocar.
No entanto, havia um detalhe...
— Quem é você?
Taehyung quase derrubou a bolsa diante do susto. Olhou para o lado e viu um garoto baixinho o encarar com uma expressão de desprezo.
— Ninguém... — murmurou.
— Certo, Sr. Ninguém, se você me der licença...
Um longo instante se passou até que Taehyung entendesse que ele queria passar para dentro da sala e que ele estava no caminho. Quando finalmente percebeu, deu dois passos para o lado, completamente atrapalhado. O garoto passou sem dizer nada.
Taehyung perguntou a si mesmo se todo mundo naquele grupo era mal educado.
Observou Jungkook sorrir na direção do rapaz, embora reclamasse que ele estava atrasado. Deduziu que estavam ensaiando um dueto, já que o desconhecido sentou ao piano de cauda, já preparando-se para tocar. No fim, Taehyung deu meia volta e foi para casa sem ser notado.
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