Voe, Voe
Estava cansado.
Não só por ter subido mais de quinze andares de escada, mas também estava cansado da vida. Estava cansado daqueles que o cercavam, daqueles que diziam se importar.
Suportara quinze anos de inferno, de terror e dor. Claro, nem sempre fora tão difícil. E nem sempre tudo veio fácil.
As coisas estavam piorando à medida que os dias se passavam. Estava cansado de ver a cara de Trump na televisão, igualmente sobre Temer e não aguentava mais ouvir sobre Lava Jato.
Cansou de ser ignorado por suas celebridades nas redes sociais. Cansou de se importar com elas e com todos.
Desistiu de atualizar as suas séries, desistiu daqueles casais que nunca dariam certo mesmo (tanto fez, tanto faz). Era complicado admitir, mas ele desistiu.
Deixaria uma estante de livros não-lidos e DVDs favoritos para trás. Mas era o preço, certo? Tudo isso para se livrar daquela dor infernal que o vem matando por dentro há anos.
Afinal, todos nós estamos morrendo, embora não notássemos, e a depressão apenas tornava tudo em uma morte dolorosa e lenta (como realmente é). Então por que não acelerar o processo? Por que não se livrar? Por que não parar de sangrar?
Existia um turbilhões de respostas motivacionais, mas o garoto se recusava à ouví-las.
Mentiras.
Ele vivia à base de mentiras. Todos mentiam e ele sabia disso.
Sua mãe acariciava sua cabeça e dizia que tudo ia ficar bem. Mas ele sabia que o que ela mais queria era que ele morresse logo, para não mais gastar o seu dinheiro com aqueles remédios inúteis, os quais parara de tomar.
Não estava louco. Quem estava louco era o mundo.
E ninguém o entendia. Ah, também tinha isso... Ninguém entendia.
Não é "viadagem", nem "frescura" e tampouco "falta de porrada" (de fato, não era, seu pai lhe batia até os seus doze anos de idade).
"Se as pessoas não sabem o que é depressão, que não falem o que não sabem", retrucava o garoto.
Às vezes não tinha motivo, a dor vinha e ele só conseguia chorar e implorar ao Pai para não acordar do dia seguinte. Aliás, quantas vezes o garoto dormiu chorando? E acordou deprimido por ter acordado.
Mas tinha dias que era diferente, tinha dias que ele gostava de viver. Ele gostava de pular, dançar, cantar e brincar. Mas, principalmente, viver. Eram esses os dias em que o Sol estava mais brilhante, tinha mais de uma opção de comida no café da manhã e os seus pais não ficavam reclamando por coisas fúteis.
Mas o único problema desses dias era que uma simples palavra ou frase, poderia mudar o seu humor completamente.
E ele também tinha ódio. Odiava todos do mundo, os hipócritas e podres. "Sem excessões", dizia ele. E cá entre nós, ele achava a ideia de fim do mundo a melhor coisa que pudesse acontecer.
Louco, não? Não. Já disse que ele não era louco.
Era apenas triste.
Deprimido.
Infeliz.
Sofredor.
Colecionador de dor.
E um maldito suicida.
Não. Ele não queria morrer. Ele precisava; era o único jeito de acabar com a sua dor.
E doía. Ah, como doía...
Era no peito, no coração, nos braços e na alma. O corpo, exausto. Sua vida; um lixo, perdição, inútil, sem sentido e de valor algum.
Tudo veio de repente. Não sabe como de fato aconteceu, mas sabe que estava deprimido, triste e escorado pelos cantos da escola. Seus amigos te procuravam, mas o garoto não queria ficar com eles. Ele queria ficar sozinho, só ele e Deus.
Agradecia à Ele todos os dias por estar acordando bem e com saúde. Mesmo assim, sempre tinha o "Sabe, Senhor... Eu Te agradeço por ter tudo que tenho, mas não vale à pena. Por que fazes tanta coisa por mim, um mero pecador inútil? Não precisa me manter aqui amanhã, abro mão de tudo para estar ao Seu lado, no céu, e não aqui com essas pessoas podres e sombrias. Eles fingem o amor, Senhor. Como pode isso? Vamos, por favor. Tire-me daqui, eu Te peço. Eu não aguento mais", antes de dormir.
E ele acordava no dia seguinte, mas não ficava bravo por Deus não ter feito o que pediu; ao contrário, ele ficava menos triste ao saber que o Senhor estava lhe dando uma nova chance e que não havia desistido dele.
E talvez fosse isso o que mantinha o garoto no mundo até aquele dia.
Até que ele saiu de casa e viu os podres do mundo. Viu um homem ser espancado em uma esquina, viu uma bala atravessar a cabeça de outro, viu uma mulher gritar de dor por conta do seu estupro em uma viela fedida e viu um mendigo ser chutado porque queria devolver o dinheiro que um empresário rico deixou cair no chão, cujo pensou que o mesmo havia roubado. Ele viu dor, ódio e miséria.
E ele chorou, chorou durante o dia inteiro. Mas no seguinte, decidiu que não esperaria mais. Não aguentava a sua dor e nem a dos outros. Seu corpo já não era um bom recipiente de sofrimento, ele precisava expandir. Precisava se livrar daquele recipiente e deixar aquela dor ser levada pelo vento.
Por isso, não sentiu medo quando olhou para baixo. Para aquelas pessoas más e hipócritas. O vento batia em seu rosto, querendo empurrar-lhe para baixo. Lembrou da carta que deixou aos seus pais e aos seus professores favoritos. Esclareceu que não foi culpa deles, e sim de si mesmo, por não ter acabo com isso logo antes.
Para alguém como ele, é complicado se apegar. Pode atrapalhar tudo.
Não queria ter nascido, nunca pediu e antes não tivesse acontecido: ia poupar a alma dele de tanta dor. Aliás, à cada dia, sua alma ia perdendo um pedaço. Era lento, de pouquinho em pouquinho. E talvez aquilo fosse a fonte da dor.
Então por que não liberar a sua alma? Por que não deixá-la livre para voar e se reconstruir? Por que não?
O garoto sorriu, em meio às lágrimas que deixavam a sua visão embaçada.
Lembrou de quando tinha cinco anos e sonhava em voar. Pois bem, ele só queria realizar o seu sonho de garoto: voar.
Vestido com a sua melhor roupa, ouvindo a sua melhor música, pelo seu fone de ouvido, e portando o seu melhor sorriso. Um sorriso verdadeiro.
"Ah, finalmente...", respirou fundo. "Finalmente vou ser mais do que sou, finalmente vou sair daqui!".
Dobrou os joelhos, esticou os braços na lateral do corpo, e com um grande impulso...
...Ele voou.
Por apenas alguns segundos, mas ele voou.
E a sua alma foi liberta, está livre de dor.
Agora é ela quem voa, dando piruetas feliz no céu e esquecendo que um dia, o corpo em que ocupou, fora uma galáxia de dor.
E Finn voou pela primeira e última vez.
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Isso não foi uma apologia, pelo amor de Deus. É apenas uma história que expõe a visão de um garoto depressivo de quinze anos sobre o mundo. Acredito, antes de tudo, que escrever sobre algo não quer dizer que você apóia. Suicídio é algo sério e muitos fingem ligar. Não vou falar os meus motivos para ter escrito isso e acho que não há necessidade. Acontece que esse tipo de ato já ocorre bem a.C e só abriram os olhos agora (Era Da Baleia Azul). Muitas pessoas sofrem diariamente e muitos não ligam para isso. "Ah, é apenas uma fase", não fale isso. Preste apoio e compreensão. Se alguma pessoa a quem você tem contato diariamente está muito deprimida, observe seu comportamento (olhe nos olhos, gestos, ações e palavras) e veja se há algo diferente. Ninguém depressivo vai chegar para você e dizer: "Ei, eu tenho depressão". Então vamos mudar! Não insulte e não humilhe alguém que sofre desse male, talvez o seu "Você é ridícula" seja o impulso que vai fazer aquele (a) Finn da vida à pular do prédio, se jogar no mar ou se enforcar. Espalhem amor, por favor. Mostrem à essas pessoas que vale à pena viver, concençam-as à ficar. Só assim as coisas irão fluir.
Obrigada por ter lido e bjs de algodão-doce 🍥🍥
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