UM
"O seu pai não pode saber nada sobre isso, entendeu?"
Leonardo não estava entendendo nada, mas sua mãe encarava-o com um olhar alarmante, então ele rapidamente assentiu a cabeça, com medo.
Já fazia mais ou menos uma hora que eles estavam sentados naquelas cadeiras velhas, observando o movimento de vai e vem de policiais com presos e pessoas que trabalhavam no prédio. Os telefonemas ecoavam por toda parte, como sirenes de uma viatura, mesmo sendo uma hora da manhã. Ele se recostou na costa acolchoada da cadeira e começou a balançar as pernas.
Leonardo parecia nervoso. Talvez mais que isso, afinal, ele nunca havia sido pego fazendo algo como aquilo e ninguém duvidava de caráter quando se tratava da sua pessoa. No momento em que ele entrou na viatura e foi obrigado a ditar o número da sua casa, Leonardo Norris sabia que aquilo era só o começo de um enredo no qual ele desconhecia completamente.
Uma porta se abriu de em um baque alto, produzindo um eco que durou alguns segundos. Um homem de blazer escuro e um policial que tinha alguns dedos pendurados no cós da sua calça surgiram de repente olhando na direção dele.
"Boa noite", o homem de blazer disse "Podem nos acompanhar até lá dentro."
"Graças a Deus", murmurou sua mãe, lançando uma careta discreta para uma mulher excessivamente maquiada e com muitos piercings que estava sentada ao seu lado.
O nervosismo de Leonardo se multiplicou por mil.
Era até engraçado perceber como o universo apreciava a ironia. No momento em que o garoto e sua mãe entravam na sala do senhor-blazer (e deparavam-se com um cubículo ridículamente minúsculo), uma música soava em um radiozinho de pilhas na mesa. A música em questão era Don't Cry do Guns N' Roses, que no refrão repetia o seu próprio título em várias vezes. Parecia até uma espécie de provocação, porque o garoto estava fazendo de tudo para não ceder as lágrimas.
Com alguma sorte ele ia sairia daquele lugar com um pouco de dignidade.
O policial indicou duas cadeiras detonadas, frente à pequena mesa e fechou a porta, se posicionando ao lado dela. Leonardo e a mãe se sentaram em uníssono, arrancando do estofado um barulho semelhante a um pum. O homem-de-blazer limpou a garganta.
"Bem senhora Norris, sinto muito em ser tão franco, mas não há muito o que fazer neste caso. Seu filho foi pego no pulo, literalmente. Vocês tem um advogado?"
"Eu não tive tempo de ligar para um", ela murmurou depois de soltar um suspiro.
"É inaceitável o que o seu filho fez, senhora. Invadir uma instituição de ensino e tentar acessar o computador do diretor? Eu creio que isso pode levar a uma condicional."
"O meu filho vai ter que usar uma tornozeleira?", sua voz era um grito estridente. Leonardo fechou os olhos por um segundo. "Isso não pode acontecer! Mancharia completamente a nossa reputação!"
Leonardo olhou pela primeira vez direito para a mãe naquela noite. Notou que ela estava com sua permanente arrepiada e não usava maquiagem nenhuma, a não ser pelo batom que parecia ter sido passado às pressas, pois estava um pouco borrado. Os braços sempre cheios de pulseiras também estavam vazios. Ela parecia irritada e sonolenta.
"Sinto muito senhora, mas tudo indica que ele vai ser mantido em prisão domiciliar. Sei que muitas mães ficam decepcionadas por causa da-"
"Por favor senhor, entenda que ele não pode ficar com uma tornozeleira! Meu marido é um empresário bem sucedido na cidade e as coisas vão ir a ruína se descobrirem que meu filho foi preso!"
Leonardo não gostou nem um pouco do tom excessivamente trágico da sua mãe, muito menos de como ela estava apelando pela misericórdia de uma pessoa que havia deixando bem claro na sua primeira frase que ele ia se ferrar.
"A senhora deve contatar seu advogado. Tudo o que a senhora está dizendo neste momento poderá ser usando contra seu filho no tribunal."
"Tribunal?", ela revirou os olhos e escondeu o rosto com as mãos. "Ah não, meu Deus!"
"Mãe, calma", Leonardo tentou amenizar a situação dando batidinhas nos seus ombros.
"Ficar calma? Leonardo, como você quer que eu fique calma? Você está prestes a desconstruir todo o legado do seu pai por causa de uma porcaria de uma invasão! Onde você estava com a cabeça, afinal?"
Leornado recebeu um olhar duplo da sua mãe e do senhor de blazer. Eles queriam uma resposta. Uma resposta que estava na ponta da sua língua, mas que não pretendia dizer a ninguém dali. Não sem antes ter os argumentos necessários para sustentá-la.
Ele ficou em silêncio o tempo necessário para que o senhor-de-blazer limpasse a garganta novamente. Sua mãe lhe deu um olhar furioso que ele fingiu não notar.
"Bom, é isso. Invasão de propriedade é um infração grave, mas ele está se livrando de uma internação num centro de reeducação porque estamos evitando internar menores."
"Senhor", ela fez uma pausa dramática. "Jura que não existe mais nenhuma outra alternativa? Conheço meu filho muito bem e acho que ele fez isso influenciado por outras pessoas. Ele é um garoto bom. Tem as maiores notas da sua turma."
A senhora Noris proferiu aquilo em um tom açucarado e fingindo chorar, o que causou uma certa comoção do senhor-de-blazer que deu um olhar nervoso ao policial que estava na porta e disse:
"Olha, eu acho que se comprovarmos que ele é mesmo um aluno bem aplicado poderemos rever toda a situação. Temos coisas menos impactantes, como o trabalho comunitário."
"Trabalho comunitário?", ela fez uma careta. O homem abriu a boca para falar. "Não, tudo bem, isso soa melhor que uma tornozeleira. Estamos bem então?"
O delegado piscou os olhos algumas vezes.
"Isso não é um acordo senhora. É uma possibilidade. Vamos coletar dados sobre o seu filho e depois te damos a resposta. Se negado, ele terá que se apresentar ao tribunal."
A expressão da senhora Noris toda vez em que a palavra tribunal era mencionada, fazia Leonardo desviar os olhos. Era como se tivessem dito que ele matara alguém.
Quando atravessaram as portas de entrada/saída do distrito policial, ela deu um empurrão no seu filho.
"O que deu em você, garoto?! O que passava nessa sua cabeça invadir um colégio? Esse é o tipo de ética que eu e seu pai te damos?"
Que ética? Ele queria dizer, mas preferiu manter a boca fechada. Seus pais pareciam viver em uma bolha, onde cada integrante da família não se metia na vida do outro. As únicas ocasiões em que realmente se juntavam e pareciam interessados nas vidas alheiras eram nos feriados de final de ano, quando a mãe paterna do senhor Norris, a vovó Hilary saía lá do seu chalé na França para cozinhar para toda a sua família americana.
"Você não vai dizer nada para o seu pai", repetiu ela com a voz trêmula, parando um pouco para pegar ar puro. "Ele teve o melhor ano dele até agora, droga. Nossa empresa finalmente está prosperando, depois daquela tragédia. Essa confusão toda só vai ficar entre você e eu, entendido?"
O garoto fez uma pausa antes de responder. Nesse meio tempo, mais uma viatura estacionou próximo a porta do prédio e dois policiais tiraram de lá três adolescentes chapados. Todos estavam com os olhos injetados de vermelho e riam de um jeito estranho, preguiçoso. Um deles tropeçou nos degraus e caiu, batendo o queixo contra o cimento frio e úmido.
"Não vou contar" ele fez uma leve careta para a cena. "Está mais que entendido."
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