SETE
"Como você veio parar nesse lugar?"
Leonardo desviou o olhar da garota. O seu grupo e ele estavam caminhando a pé na direção do McDonald's mais próximo, que ficava mais ou menos há três quadras dali.
Um tempo demasiado longo para se estar com um grupo de quatro pessoas camufladas com jaquetas de couro.
"É uma história longa. E complicada."
"Não sei se você reparou na gente, mas todos nós respiramos problemas, encrencas e qualquer outro sinônimo relacionado a desastre por aqui", disse Caio, um garoto acima do peso com uma blusa grande e larga demais dos Rolling Stones que até parecia um vestido. "Vai logo, solta a bomba."
"Olha, pra vocês terem noção nem meu melhor amigo tá sabendo disso", ele suspirou "Sabe, toda essa coisa de eu parar na delegacia e prestar serviço comunitário."
"Para de enrolar ABC. Sei que você está escondendo alguma coisa dentro dessa sua cabeça cheia de fórmulas."
"Não posso contar."
Valerie apenas lhe deu um olhar desconfiado e depois começou a andar, dando pulinhos.
"Ei, caras, o que vocês acham de fazer o ritual com o ABC?"
"Meu nome é Leonardo."
"Tanto faz, ABC", ela olhou para os garotos. "Ele não confia na gente pra nos contar seu segredinho sujo, então vamos inclui-lo ao nosso círculo de amizade. O que acham?"
"Acho um erro", Travis, o garoto de cabelo comprido fez uma careta. "Ele é um pateta total. Ei, e nem adianta olhar assim para mim, porque você é mesmo."
Leonardo balançou a cabeça, tentando fingir que aquela ofensa não havia o atingido. Além de ter que aguentar aqueles olhares cínicos direcionados à sua pessoa, agora ele teria que suportar julgamentos ácidos?
"Ele vai ter que fazer uma limpa no visual", o de moicano, olhou-o de cima a baixo "Nem meu pai usa essas roupas cafonas."
"De novo, o que tem de errado com as minhas roupas? Eu gosto delas."
Todos começaram a gargalhar em uníssono. No meio de todos eles ali, Leonardo se sentiu um alienígena.
"Você se parece com aqueles vendedores de catálogo", Valerie escondeu o sorriso com uma mão e parou para também fazer uma análise pessoal do garoto. "Sei que você pode melhorar esse visual de eu-vou-para-NYU."
"Mas eu vou para lá mesmo. É uma das melhores universidades desse país, acredito eu."
"Eu não disse a vocês? Ele é um pateta."
Dentro do McDonald's bem movimentado, Caio juntou duas mesas e todos se sentaram juntos. Algumas pessoas começaram a fita-los com cautela. Leonardo percebeu que as garçonetes empurravam umas às outras para atender a mesa.
"Todo mundo parece ter medo de vocês."
"É o dever deles", Trevor o olhou intensamente "E o seu também."
Leonardo tremeu com aquilo. De todos ali, Trevor parecia o mais perigoso, apenas pelo modo em que andava. E ele também tinha uma semelhança incrível com Kurt Cobain, com excessão dos piercings e do seu cabelo castanho.
"Bianca!", Valerie acenou exageradamente para uma garçonete específica, loira dos olhos azuis. Ela fingiu não ouvir, virando-se para conversar com um atendente do balcão e entrando por uma porta dos fundos. "Vaca."
"Quem é?"
"Bianca Hart. Minha prima perfeita e querida por todos. Sabia que ela também tem a tabela periódica decorada? Vocês seriam perfeitos um pro outro."
"Até parece que ela ia sair com esse magrelo. Ela gosta de atletas e musculosos. "
"Eu vou embora", Leonardo fez menção de se levantar. Ele não ia suportar aquela análise totalmente negativa por muito tempo. De críticas ruins sobre ele, já bastava sua irmã.
Ele foi impedido por Valerie que praticamente o empurrou de volta a cadeira.
"Ei, já vai embora? Nós ainda nem começamos com a nossa aventura! E não nos leve a mal. Estávamos brincando", ela revirou os olhos, no mesmo segundo em que Bianca voltou ao salão." Ei, Bianca, minha prima linda e gostosa! Venha nos atender!"
Bianca olhou para os lados de um jeito nervoso e discretamente empurrou uma outra garçonete de cabelos vermelhos em direção as mesas unidas. O cara de moicano pegou um palito de dente do paliteiro e o colocou entre os lábios.
"É tão tocante essa aproximação de vocês duas. Fico emocionado."
"Vai se ferrar", ela deu um tapa no seu peito.
A moça ruiva anotou os pedidos. Leo se segurou para não arregalar os olhos com tanta comida que todos proferiram como se tivessem certeza absoluta do que estavam falando. Ele apenas pediu um milk-shake de baunilha e uma pequena porção de batatas fritas.
"É sério? Você vai pedir só isso?", Valerie indagou com a testa franzida.
"Bom, é só o que o meu dinheiro consegue pagar."
Todos começaram a gargalhar audiotivamente. A garçonete se retirou com uma expressão desgostosa enquanto todo mundo começou a dar tapinhas no ombro de Leonardo.
"Você ainda não entendeu? Vamos fazer a limpa por aqui."
"Limpa? Você quer dizer roubar a lanchonete?"
"Shh, fala baixo imbecil!", Valerie disse olhando para os lados. "Nós só vamos comer e não pagar. É isso. Fazemos esse tipo de coisa o tempo todo."
"E como vocês pretendem fazer isso? Quero dizer, vocês... nós somos um grupo grande. Pedir esse absurdo de comida e todo mundo sair correndo ao mesmo tempo vai chamar muita atenção."
"Isso parece fazer sentido", Caio assumiu um tom pensativo "Com as garçonetes de olho em nós, provavelmente seremos pegos. E não haveria a moleza do trabalho comunitário dessa vez."
"Desde quando pensamos antes de fazermos alguma coisa?, Disse Travis em um tom ríspido. "Nós só fazemos. Sem arquitetar muito, sem pensar nas consequências."
Ninguém disse nada por alguns segundos. Era como se estivessem refletindo sobre o assunto. Leonardo fitou Valerie de relance. Ela estava com a cabeça abaixada e a testa franzida.
"Vamos embora", ela simplesmente disse, ganhando um olhar surpreso de todos. Travis a fitou com descrença.
"Ficou doida?"
"Você é que vai ser taxado de ser um se resolver ir adiante com toda essa merda."
Ela se levantou de supetão, ajeitando a jaqueta com os botons. Depois deu as costas indo em direção a saída. Travis lançou um olhar gélido na direção de Leonardo.
"Que merda você-"
"Eu também vou", ele também se levantou rapidamente, escapando de uma possível repreensão e correndo em direção a saída.
Lá fora, ele podia notar que o sol estava se pondo e o céu começava a escurecer. Pensou na sua mãe e no quanto ela poderia estar preocupada. De repente se sentiu muito mal.
Valerie estava caminhando em direção à sua casa. Ele se apressou para alcança-la.
"Você foi sensata."
"Não me ofenda", ela andou batendo os coturnos raivosamente contra a calçada. "Odeio essa palavra."
"Então chame isso do que quiser. Mas foi legal. Pra você."
Ela não respondeu, soltando um suspiro. A rua estava movimentada, cheia de pessoas voltando do trabalho e garotas eufóricas com sacolas nas mãos. Andando por ali, ele sentia uma pessoa normal, não um garoto que quase havia ido a um tribunal por invasão.
E pensando naquilo, ele se lembrou do real motivo de ele estar ali, do lado daquela garota mal-humorada e irônica.
"Acho que você me deve algo."
"Te dever o quê?", seu tom de voz era desprezível e afiado como uma faca de cortar carne.
"Eu acho que te ajudei com o lance da lanchonete", ele disse, sabendo que estava pisando em um terreno perigoso. "E eu tenho um problema agora. E espero que você me ajude."
Valerie parou olhando para ele com um olhar confuso. Ele apenas deu de ombros, cruzando os braços e tentando disfarçar o seu desconforto.
"ABC, eu não vou entender nada se você continuar falando em código. Põe tudo pra fora logo."
"O colégio. Ninguém de lá sabe que eu parei na delegacia... No Giny's Rock. Bem, tirando você. E eu espero que isso não vaze."
"Não se preocupe com isso. Não sou de ficar por aí, fofocando de vidas alheiras. Não sou desse tipo. A não ser que você comece a fofocar de mim também."
"Você não quer eu diga para ninguém sobre você também?"
"Eu não ligo pra essas merdas. Tanto faz para mim. Só espero que você não passe adiante às pessoas coisas que eu não disse e nem fiz. Se fizer isso, você é um homem morto."
Ela olhou para ele, como se esperasse um gesto de concordância, e foi o que ele fez, assentindo com a cabeça.
"Que bom." Ela atravessou a rua antes que ele pudesse dizer qualquer outra coisa e sumiu em meio aos postes recém iluminados.
Dependendo do nível de preocupação da sua mãe, ele também desejaria sumir.
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Me sinto na obrigação de comentar que essa cena da lanchonete foi inspirada nas histórias inusitadas de Anthony Kiedis (vocalista do Red Hot Chili Peppers) dos seus tempos de adolescente e universitário. Ele disse que costumava fazer essa coisa de ir a qualquer lanchonete bem frequentada com seus amigos, então eles comiam e saiam um a um sem pagar. O cara nunca foi pego, sorte dele.
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