SEIS
Valerie Hart. Este era o nome da garota que havia atravessado a sala em pisadas fortes e recebido o mesmo "kit ofício" de Leonardo. O senhor Roger apontou para a mesma parede que havia mostrado para o garoto e ela assentiu, jogando sua bolsa (que mais parecia um saco preto cheio de botons) em qualquer canto e vestindo seu avental.
"O que tá olhando?"
"Eu?", Leonardo apontou para si mesmo e instantaneamente praguejou mentalmente por ser tão imbecil. A garota balançou a cabeça e apontou para uma lata de tinta.
"Olha, por que você não pega a sua lata de tinta e não vai-", ela estreitou os olhos de repente, olhando com suspeita para Leonardo "Ei, eu acho que te conheço de algum lugar."
Pronto. Aquela pequena frase foi o suficiente para que o coração de Leonardo gelasse e seu corpo paralisasse. Não que ele já não estivesse assim desde que vira aquela garota na porta, mas o fato de que ela havia o reconhecido era o gatilho que faltava para fazê-lo surtar.
Mesmo assim, ele tentou agir como uma pessoa normal que havia sido apenas confundida e esboçou uma careta.
"Provavelmente não. Eu não te conheço."
"Mas eu acho que sim", ela cruzou os braços, com um pincel na mão. O monitor pigarreou ao fundo, um claro indicativo de que ele estava de olho neles. "Podem duvidar de muitas coisas ao meu respeito, mas modéstia à parte, eu sou muito boa de memória."
"Aposto que sou mais."
"Não duvido. Com essas roupas engomadinhas, aposto que você sabe a tabela periódica de cor. Isso e aquela tabela de IMC."
Leonardo franziu a testa. Como ela poderia saber que ele havia decorado a tabela periódica apenas pelo tipo de roupa que usava? O colete de lã por cima da sua camisa não eram capazes de ditar sua personalidade, pensava ele. Na verdade, ele afastava qualquer chance de uma pessoa se aproximar para ditar qualquer coisa referente à sua pessoa.
"Você não poderia saber que-"
O senhor Roger pigarreou alto, fazendo Leonardo pausar sua fala. A garota fez sinal para que ele pegasse sua lata de tinta e começasse a pintar o outro extremo da parede, ou seja, bem longe dela.
O que não foi esforço nenhum. Ele realmente estava louco para fugir daquela menina. A menina que havia tido um bate boca feio na delegacia, que frequentava o mesmo colégio que o seu e agora o mesmo serviço comunitário. As coincidências o assustavam.
Duas horas pareciam ser dois dias naquele lugar cheio de gente criminosa e o silêncio estranho, super desconfortável. O senhor Roger passeava para lá e para cá, avaliando o trabalho dos jovens infratores como se ele fosse um jurado de um reality show. Leonardo apenas passava o rolinho de tinta para cá e pra lá, enquanto sua cabeça viajava nas coisas que ele estava escondendo de todo mundo.
Era impossível que ele fosse sair impune depois que todos soubesem do seu envolvimento.
"Guardem todos os materiais, pessoal!", a voz do senhor Rogers era um eco alto irritante. Todos começaram a exclamar de alívio, incluindo Leonardo. Ele tirou o avental desajeitadamente e estava dobrando-o, quando reparou em Valerie indo conversar com o grupo de garotos do outro lado. Eles começaram a gargalhar audiotivamente.
"Ei ABC!", ela o fitou com as mãos nos quadris e os caras começaram a olhar para ele também."Meus amigos querem te conhecer. Chega aqui!"
Leonardo permaneceu um tempo parado apenas retribuindo os olhares curiosos que aquele grupo de garotos de roupas escuras e rasgadas que pareciam ter saído de algum protesto estudantil dos anos 60, lhe davam. A garota não estava mais com a expressão desinteressada que ela resolvera estampar no seu rosto naquelas duas horas, o que não era nenhum tipo de alívio, pois agora ela estava com uma sombrancelha erguida e um sorriso desafiador no rosto. E de alguma maneira ele sentia que isso não remetia algo bom. Na verdade era algo bem parecido com algum evento catastrófico, tipo a segunda guerra mundial.
Porém, estranhamente ele sentiu seus pés trairem seu cérebro e começarem a caminhar na direção deles.
Quando ele chegou perto do grupo, eles ainda continuaram encarando. Um cara com um moicano assustador, colocou as mãos nos quadris e deu uma volta de 180 graus em volta do menino. Uma vez ele havia lido que os animais eram capazes de farejar o medo das suas presas. Com todos aqueles olhares quase indecifráveis, Leonardo tinha certeza que ele não estava no papel de dominador.
"Ei ABC", Valerie quebrou todo aquele silêncio tenso, apontando para o grupo de quatro garotos. "Esses são meus amigos. Amigos, apresentem-se ao nerd covarde."
Os caras abriram sorrisos maliciosos. O garoto de topete deu um tapinha no ombro de Leonardo, o fazendo pular. Todos começaram a gargalhar.
"Pessoal", o monitor Rogers que estava aparentemente distraído olhando para sua prancheta, levantou o olhar. "Não quero bardeneira neste lugar. O horário já acabou. Vão embora."
"Quer vir com a gente, ABC? Vamos ao McDonalds."
"Fazer uma limpa", o cara de cabelo longo completou baixinho, rindo em seguida. "Oh não, esqueci que ABC é culto. Me desculpe. Eu quero dizer furtar."
"Eu me chamo Leonardo. Leonardo Norris", ele disse tentando manter a compostura. "E se não for um incômodo, quero ir sim ao McDonalds."
Os cinco lhe deram olhares arregalados. Provavelmente não estavam esperando que ele aceitasse ir à uma lanchonete com eles fazer suas coisas de delinquentes, mas no fundo Leonardo estava desesperado. Desesperado porque agora uma pessoa do seu colégio já estava sabendo que ele havia feito algo ruim para estar naquele lugar. E aquilo não podia se espalhar. Ele não iria acabar com sua reputação de bom-moço, não enquanto não descobrisse toda a verdade.
Valerie cruzou os braços e curvou os lábios para cima.
"Bem, acho que ABC não é tão culto assim, Luke. Ele deve ter feito algo... como é mesmo a palavra? Desprezível."
"Eu consigo dormir todas as noites com as coisas desprezíveis que fiz."
"Uou, então você é dos nossos", o cara de moicano deu mais um tapa em Leonardo, só que dessa vez nas costas, deixando-o um minuto sem ar. "Você fez algo mal. Mas se sente bem com isso. Isso não é ruindade. É maturidade."
Leonardo não soube explicar, mas aquele comentário o fez sorrir por dentro. Ele não era ruim. Era maduro.
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