Capítulo Único

Hermione estava acostumada a ser considerada inferior pelas pessoas ao seu redor.

No mundo bruxo, era tratada dessa forma por ser uma nascida trouxa, ou seja, por seus pais não serem bruxos. Uma sangue ruim. E, no mundo trouxa, ela era julgada pela cor de sua pele.

Por isso, considerava inaceitável como o mundo bruxo, tão supostamente evoluído em relação aos trouxas, ainda no século XX escravizasse os elfos domésticos.

Não era de se espantar que Rony não entendesse essa simples relação, já que tinha vivido no mundo bruxo, onde o preconceito era relacionado ao sangue mágico e não à cor da pele, além de não ser a pessoa mais sensível que já conheceu na vida, mas Harry tinha vivido no mundo trouxa, assim como ela... Ele deveria entender.

Mas ninguém entendia, todos agiam como se ela fosse louca.

Não conseguia aceitar como os elfos domésticos aceitavam ser tratados daquela maneira, o único que agia de forma diferente era Dobby. E pensar nos elfos sendo maltratados como ele era na família Malfoy... As coisas eram assustadoramente parecidas.

A maioria dos adolescentes se imaginava fazendo entrevistas ou discursos por causa de fama, mas naquela noite Hermione estava escrevendo em um pedaço de pergaminho o porquê ela não era louca, o porquê estava fazendo o certo. Apesar dos N.O.Ms estarem a um ano de distância, começou a pensar em como seria o futuro. Ela poderia trabalhar no Departamento para Regulamentação e Controle das Criaturas Mágicas, ou no Departamento de Execução das Leis da Magia. Nada a impedia de transitar entre os dois departamentos, ela só precisaria conseguir N.I.E.Ms suficientes para isso.

— Desde a Mesopotâmia até a Roma Antiga, a escravidão foi um trabalho forçado não-remunerado por motivos de dívida financeira ou até mesmo espólios de guerra. Essa prática foi se estendendo por décadas, porém, no século XV, países europeus invadiram o continente africano e passaram a traficar pessoas negras para as colônias. A expectativa de vida dos escravizados naquela época era de 25 anos. A extinção da escravidão negra no mundo aconteceu apenas no século XIX, mas, apesar disso, temos um vestígio ainda presente dessa época: se chama racismo. O mundo bruxo desviou-se do curso da história trouxa durante a Idade Média, onde o ódio pelos trouxas tornou-se mais forte do que qualquer preconceito que poderia vir a ter pela cor de pele. Os bruxos costumam vangloriar-se pela evolução da sociedade, pela sua superioridade em relação às pessoas sem magia, mas estamos no século XX e ainda existe escravidão. Ouso dizer que, em relação a isso, os trouxas estão mais evoluídos do que nós — ela murmurou para si mesma o que tinha escrito até então.

— Acho que você deveria falar sobre como os elfos são tratados.

Hermione quase bateu a cabeça no teto da cama de dossel pelo susto.

— Desculpe, eu não queria te assustar — sussurrou Lavender, deitada na cama à sua esquerda — Foi difícil não te escutar falando.

— Tudo bem. Eu não queria te acordar — respondeu em tom de desculpa.

— Não acordou, estou sem sono.

Pôde vê-la empurrar o edredom de cima dela para aproximar-se mais.

— Planeja discursar para a Wizengamot? — ela perguntou, mostrando um leve sorriso.

— Meus esforços para ajudar aos elfos domésticos não têm funcionado — Hermione respondeu um pouco na defensiva — Então pensei que, talvez, quando eu me formar e começar a trabalhar no Ministério, eu posso conseguir mudar as coisas.

— A famosa equidade — disse Lavender em um tom constatativo.

— Acha que eu sou tola?

— Não, acho que você é brilhante.

Ficou em silêncio. Não estava esperando por essa resposta.

— Parvati me disse que, na família Black, era tradição cortar a cabeça dos elfos domésticos fora quando eles não pudessem mais sustentar a bandeja de chá. Eles mantinham a cabeça dos elfos em exibição, como se fosse uma coleção.

— Isso não pode ser verdade! — ela guinchou, horrorizada.

— Você realmente se surpreende? Acha que Comensais da Morte tratavam elfos domésticos melhores que bruxos nascidos trouxas?

No ano seguinte, ela realmente constataria que era verdade.

Com o passar dos meses, ela ia acrescentando alguma coisa, mudando outra do discurso, nunca satisfeita com o resultado final. Era um bom modo de se manter distraída quando não estava estudando, ou pensando na guerra pairando sobre suas cabeças.

Em algum momento no tempo, quando ela precisou apagar a memória dos seus pais para ajudar Harry na busca das horcruxes, o pergaminho se perdeu em meio à mudança apressada, mas encontrou o seu caminho de volta uma das vezes em que foi visitá-los depois da guerra.

— Pretendo estabelecer normas para o atuar dos elfos domésticos, assim como derrubar cada uma das leis anti-lobisomens decretadas anteriormente pela ex-subsecretária sênior do ex-ministro da magia, Cornelius Fudge. E espero que meus filhos vivam em um mundo em que os maus tratos e preconceito às criaturas mágicas não seja algo tolerado. — Hermione murmurou, enquanto rabiscava a pena no pergaminho com pressa.

Não valia nem a pena mencionar o nome daquela mulher, que estava cumprindo pena em Azkaban. O fato de Kingsley ter determinado a retirada dos dementadores da prisão, apesar de não ter sido aceito por parte da população bruxa, já determinava que as coisas estavam mudando.

— Mione? Já está pronta? — escutou a voz de Rony chamá-la do andar de baixo.

— Eu já vou! — ela exclamou, dando umas últimas correções em seu discurso.

Deu uma olhada na sua letra de quando tinha 14 anos e como ela foi corrigindo e reescrevendo o discurso desde então. Sempre teve a ambição de chegar ao Ministério da Magia, não por poder, mas para poder fazer a diferença.

— Hermione!

— Eu já vou! — repetiu irritada, mas dessa vez levantando-se da cadeira — Caramba, Ronald! Não pode me esperar nem por um segundo!

E foi em direção ao Ministério para a aprovação da primeira de muitas leis que ainda promulgaria.


Notas da autora:

Apenas um pensamento que me passou pela cabeça: se a Hermione realmente foi pensada para ser uma mulher negra nos livros de Harry Potter desde o começo (desde antes de Cursed Child e da JK ser acusada de ser racista), o Harry e o Rony foram bem racistas com ela quando ficaram debochando do F.A.L.E. Aliás, muita gente foi racista com ela nos livros, e a construção da personagem foi uma merda — porque uma coisa é a vivência de uma criança branca nascida trouxa com pais com condições financeiras (já que eram dentistas). Outra coisa bem diferente é uma criança negra nascida trouxa com pais com condições financeiras. E em momento nenhum mostra essa vivência da Hermione, você não pode simplesmente escrever uma personagem negra e ignorar que o mundo (principalmente nos anos 90) é racista.

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