Sonho da Marle

  Sabe a sensação de nunca conseguir subir as montanhas da alma, de nunca se imaginar tendo um dia cheios de flores azuis em volta da vida, a felicidade batendo a porta e a leveza repousar sobre sua cabeça, pelo menos um dia?

    As dores em volta do meu corpo, eu apenas quero dormir e jamais acordar. A sensação é tão estranha e confusa...Eu fecho os meus olhos, e em questão de segundos eu as abro. Sim, ultimamente tenho conseguido controlar os meus sonhos. Consigo ter um pouco de felicidade aqui, e o cenário que monto é cheio de flores, quadros pintados, livros que eu amo. Coisas que no mundo real eu não tenho e duvido que nunca conseguirei ter.

    Caminho numa solitária sala toda cheia de vida. As cores das paredes são fortes. Verde, vermelho, amarelo, azul. E na janela, vejo um grande campo verde com duas crianças brincando, correndo para lá e para cá. Tenho quase a mesma idade deles, doze anos, tô doida para ir lá embaixo também. Mas tem algo que me preocupa nesses últimos dias. Existe uma porta aqui nessa grande sala no qual me recuso abrir. E eu não consigo tirar ela daqui. Quando tento, eu sinto um medo incontrolável. Mas a curiosidade é grande em mim. O que há por trás dessa porta.

— Vai abrir mesmo essa porta? — Que susto, eu vejo de onde vem a voz e vejo uma criatura curiosa, baseado nos desenhos que eu assistia. É um coelho gigante, com terno vermelho, segurando um charuto na boca.

— Quem é você? — Estou completamente trêmula agora, nunca vi essa criatura aqui no meu sonho, eu jamais criei ela.

— Eu que pergunto... Criança — Ele disse criança em tom de deboche, e solta uma risadinha.

— Quem é você? — Repito a pergunta

— Quer que eu seja sarcástico ou realista? Se for sarcástico eu sou a entidade da páscoa — O tom de deboche dele causa me dar risos, mas estou nervosa o bastante para isso - Mas não importa muito o que sou. Então a porta né? — Ela continuou falando e voltou a sua atenção para porta.

— Eu não sei porquê, essa porta apareceu a três dias atrás.

— Talvez seja a hora não? — Sua aura misteriosa é algo nítido de se ver, a sua voz é lenta, mas firme, tem algo por trás de cada palavra que esse coelho diz, mas difícil de decifrar.

— E se eu não quiser? Eu tô bem aqui, posso fazer o que quiser.

— Se você quer se acomodar nesse mundo ok, mas um dia terá que abrir essa porta. — Não gosto desse tom dele

— O que você tá falando? Cê nem me conhece! — Extrapolo um pouco a minha raiva.

— Eu acho engraçado que você consegue controlar os seus sonhos, mas não consegue controlar os seus medos. As coisas podem ser equilibradas, o medo sempre vai surgir e os sonhos também, eles são praticamente irmãos, mas você quer separar esses irmãos. Você tem ideia do que tá fazendo? O que te impede de abrir essa porta?

     Eu fico sem palavras. Parece que ele me conhece profundamente. E ele está ali, fumando seu charuto levando aquele cheiro insuportável aqui na minha sala.

    Olho para a porta. E ela é toda escura e suja, diferente de outras que tem aqui. Todas brancas com detalhes das minhas cores favoritas. Fiz de tudo para limpar, mas não resolve nada.

     Me aproximo da porta e coloco a mão na maçaneta. Algo dentro de mim não quer abrir. Porém, no outro, está muito curiosa. Eu giro a maçaneta.

— Você vai enfrentar coisas que esconde. Boa sorte menina, eu vou tá aqui quando precisar — Disse o coelho, lá no fundo me sentir segura. Abro a porta, e só vejo escuridão dentro dele. Do colorido a cinzas, dentro do escuro o vazio sem cores.

    Entro e a porta se fecha. O cheiro é horrível. A sensação de está sendo afogada nos próprios pensamentos é igual a do mundo real. Tudo é escrito e sombrio, bagunçado, ando mais um pouco um tanto inseguro e escuto um barulho de mar.

     Na minha frente vejo uma parede tomada pelas águas, vejo ondas e mais ondas dando um destaque nessa sala escura. Me aproximo daquilo curiosa. Coloco o dedo e eu entro nesse mar. Ela é tão fria, tão intensa. Peixes passando pela minha perna, o gosto do sal na minha boca. Até que o meu corpo é todo envolvido pelas águas. E de repente, elas ficam vermelhas, criando um tom mais escuro na sua cor. Agora são sangue. E eu passo por todo esse mar que se transformou em sangue.

— O processo mata como uma faca que atravessa o corpo. Você quis conhecer a morte mas a hora e o tempo impede de você acessar esse mundo. Você busca algo que ainda não te quer — De onde vem essa voz? Ela é grossa e áspera. E o cenário onde estou é todo coberto de sangue. Tudo em volta está derretido com toque azulado.

— Você está morrendo aos poucos, a sua alma está a um passo do fim. O seu processo te matou Marle, a garota cheia de sonhos, que tentou apaga - los usando uma corda — Não consigo ver de onde vem essa voz. Até que o dono dela se revela nesse obscuro quarto escuro. É um leão todo machucado, o sorriso dele é formado pelo corte. Sim, vamos chamar de leão coringa, e os seus olhos pretos sem fundo branco.

— Meu Deus.... Quem é você!

— Eu vivo ao redor daqueles que O Pertencem. — Ele rir ao terminar a frase. Sua boca pinga sangue e é cheia dela. As paredes são sujas, eu estou reconhecendo esse quarto. — Reconhece esse quarto Marle - Sim, meu Deus... Seus olhos são sombrios, o seu jeito é todo sarcástico e medonha. A sua presença é bizarra e suja.

— Eu... Eu não quero isso, quero ir embora — Eu tento voltar, mas aquele mar que vi, já não tá mais.

— Isso fuja, eu gosto, eu gosto da sua dor e gosto como alimenta ela. Sim garota, eu sou lúcifer, e eu quero beber, me saciar, me deleitar em sua alma. Você entrou na porta que sempre quis que entrasse. Garota tola.

— O coelho disse que preciso enfrentar os meus medos. Mas não consigo... — Começo a chorar, de repente ali... Diante do próprio Diabo.

— Não tem problema garota, eu entendo você. Olha a janela, entre por ela. Acabe logo com isso. - Ele olha a janela, e olho junto. Me levanto e abro ela.

— Isso é apenas um sonho. O mundo é mau com você. Ele acabou com seus sonhos... Você só era uma criança...

    Quando ele diz isso, uma coisa corta a minha alma por dentro. Uma dor imensurável.

— Cala a boca.

— Eu sou diabo, eu não brinco de ser um. Você acha que vou me calar só porque você quer? — Estou enojada pelo jeito dele, o jeito de falar e de andar.

— Olha esse quarto — As coisas em volta ganham folhas verdes. As paredes sangrentas se transformam em nuvens cheias de sangue escuro. O leão desaparece e vejo a porta, ela está entreaberta, e vejo uma silhueta de um homem entrando devagar.

— Não, por favor não — A porta range ao ser aberta, e um risinho bem baixinho. E tudo de apaga... Esse é o meu primeiro medo, o primeiro pesadelo, o primeiro fato a quebrar os meus sonhos. Meu sonho.

— Do que tem medo Marle. Porque quer deixar a porta trancada. — Essa voz vem em minha cabeça. Todo o quarto se derrete e fica em uma completa escuridão.

— Eu não sou mais uma criança. Sou uma adulta com uma vida cheias de espinhas, eu tenho medo de tentar engravidar. Meu marido se cansou de mim. Meus sonhos. Sonhos de ter filhos. Mas o medo me paralisa, simplesmente ... Aqui no meu sonho sou uma criança, que pode ter um mundo puro só para mim. Eu sou feliz aqui. Não lá fora... — Sombras escuras me rodeiam e o lúcifer aparece em forma humana, com seu terno roxo e cabelo bem penteado.

— É hora de entregar a alma a mim — Sua arrastada voz acompanha sua beleza esplêndida, mas a presença é profundamente má, sinto fortemente isso nele. Eu fico em pé. E ele vem no meu ouvido.

— Os sonhos são fantasias criadas pelos homens, são ilusões que regem toda a humanidade para o abismo profundo do medo. E você pode ser livre disso — O que e isso, o que tá acontecendo, dentro de mim é tão verdade essas palavras.

     Mas de repente vejo uma luz no céu escuro desse quarto. E um outro ser repousa lentamente, com suas asas enormes.

— Eu sempre apareço no final né autor. — Que ser é esse?

— Ah Miguel, você sempre aparecendo acabando com a festa. Agora eu que estou agindo. Não sou igual os meus seguidores — Miguel? Arcanjo Miguel? Ele se vira para o Miguel com o olhar de desgosto e desprezo.

— Sim mas é fraco igual a eles - Debocha o Miguel.

— Meu tempo é escasso. Mas agora é hora de agir depressa — Ele enfia suas mãos no meu coração, seus braços mergulham dentro da minha barriga, e ele puxa uma gosma preta, é um bebê morto, apenas um feto. Isso estava dentro de mim?. Foi muito rápido, a dor é inexplicável. Ele ergue o bebê ao céus. E Miguel se mexe bem devagar vindo em minha direção, como se Lúcifer tivesse deixado ele lento. Tudo tá muito rápido para processar.

— Mamon, meu filho... — Diz Lúcifer, mas Miguel avança pra cima dele com sua espada brilhante.

    Estou fraca, jogada no chão com a barriga aberta com gosmas escuras me cobrindo. Eu só vejo flashes da luta entre os dois... Estou dentro do meu sonho?.... Fecho os olhos e acordo na sala branca, a sala colorida, a do começo.

— Você conheceu um ponto dos seus medos não foi? — Disse o Coelho, olhando a janela fumando seu charuto. Desperto no pulo colocando a mão na minha barriga, ela está normal.

— Fique em paz, o que houve contigo naquela porta, foi algo numa outra dimensão — Dimensão? A forma como nele fala demonstra mistério e segredo, mas não quero me atentar nisso agora, eu vivi algo mais bizarro da minha vida — O que você viu? — Continuou ele

- Vi... Lucifer e o... anjo Miguel... É... Minimamente bizarro, mas as coisas que ele disse foi... Tão verdadeiras..

— Entenda uma coisa Marle. Você enfrentou um pouco dos seus medos, mas ainda há esperança pra você. Se o Miguel apareceu para te salvar, então Alguém lá de Cima tem amor por você. Agarre — se a esse amor. Os Sonhos Dele são reais, e você pode ser mãe. Não precisa ser criança aqui no sonho para apreciar isso. Ou até mesmo criar crianças brincando lá fora.

— Mas o... — Antes que eu iria dizer o nome do diabo, o coelho me interrompe.

— Ele é o pai da mentira. Não acredite nele, há futuro bom e de paz para você e sua futura família. Não deixe o passado definir seu futuro, o seu futuro é definido e escrito por Aquele que te conhece bem antes do ventre da sua mãe.

   Aquela porta ainda está lá, mas ela é limpada aos poucos e toda sua sujeira é retirada aos poucos.

— É o processo Marle. A vida dói, os demônios nos atormentam, mas não estamos sozinhos. Agora acorde — Ele estrala os dedos e acordo no meu quarto. E me sento na minha cama.

    No meu quarto vejo uma corda e uma cadeira. Aquela ideia que estava tendo eu descarto. Se ainda há esperança para mim, eu quero tentar acreditar nisso. Não será fácil, mas eu ainda posso sonhar.

FIM

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