O Que Aconteceu Com o Rony?
1
Ligo o isqueiro, revelando a única iluminação da cela. Estou preso e o pior de tudo é que não me lembro o motivo. Acabo de acordar, e caramba, a cela tá aberta. Ué... Será que o carcereiro esqueceu de tranca-la? Olho para o lado, o meu parceiro de cela está então na cama encostado na parede, olhando para o teto. Nessa hora deu um gelo em mim, tomei um baita de um susto.
- Você acordou, finalmente.- Disse ele, distante, e a voz sem vida. Ele é um cara grandão, forte, cabelo arrepiado, branco, todo tatuado. Geralmente ele é todo parrudo, brabo, sempre amargurado. Mas dessa vez é diferente. Ele parece deprimido, distante, a cela não é o suficiente para prende - lo onde quer que ele se encontra na sua mente.
- É impressão minha, ou tudo está um pouco, diferente? - Respondi, um pouco inseguro, confuso. Isso está diferente.
- Não é impressão não amigo. É real.
- Você tá bem parceiro?
- Raramente alguém me pergunta isso.
- Notei que está diferente.
- Diferente? Você nem me conhece - Realmente, eu não o conheço, ele me encara nos olhos com olhar de deboche, e volta a contemplar o teto.
- Me desculpa. Eu só estou confuso.
- Com o quê?
- Com tudo isso.
- Tudo isso o que?
- Essa cela, essa prisão. Você não nota nada de estranho? Eu não me lembro de ontem. Há dias que isso mexe comigo.
- Ah Rony, fica quieto. Para de falar.
- Olha em volta. Tudo bizarramente escuro.
- Você está vivendo um belo inferno Rony.
- Olha tá a noite, tudo escuro, não mete diabo aqui não tio. - Esses papos de inferno me deixou no cagaço aqui.
- Rony. Eu me sinto morto por dentro. Sufocado.
- Carrego essa mesma sensação sabia? Uma dor interminável né? Eu penso nisso quando acordo. Mesmo não lembrando de ontem, mas me lembro da dor. Ela é clara na minha mente. Como um monstro faminto, prestes a me devorar - Estou encostado na parede, ainda segurando aquele isqueiro, que continua iluminando a cela.
- E sabe o que penso sobre isso? Se a dor em nós é tão forte, existe algo mais forte do que ela? Se em vida nós só sentimos a dor, é surreal pensar que exista algo que se opõe a ela.
- O que você procura se chama felicidade. Ela se opõe a dor.
- Mas ela é o suficiente Rony? Dinheiro, comer putas, ter poder, tudo isso é o suficiente para se opor a dor? Se opor ao vazio existente dentro de nossas almas? Consegue acompanhar onde quero chegar? Todos nós somos superficiais.
- Sinceramente, não tenho resposta para essa pergunta.
- Ninguém tem Rony.
Depois disso, ficamos uns minutos em silêncio. Estou reflexivo de toda essa conversa
Eu sinto uma força dentro de mim me fazendo ficar em pé. Não consigo ter controle de mim mesmo...
Meu parceiro de cela fica de pé também, e ele abre a cela para mim. Eu saio e ele fica lá dentro. Continuo andando e a luz do isqueiro ilumina a prisão. Ando no meio de todas aquelas celas vazias e escuras. E sigo até o portão principal. Abro ela, e saio facilmente da prisão. Sem guardas, sem prisoneiros, sem ninguém.
2
O que estou fazendo? O que está acontecendo? A prisão é rodeada pela floresta, e automaticamente continuo andando sem ter controle. Algo me move como se fosse uma marionete. E na escura floresta, sigo andando, e é uma longa descida entre as árvores nessa vasta escuridão.
Caminhando, eu vejo uma pessoa, está de costas. Uma mulher de vestido azul, cabelos negros, ela anda e a sigo.
- Veja... A sua... Dor - Essa voz é a mais diferente de todas que já escutei. Ela é lenta, medonha, me causa arrepios.
De repente eu paro de andar. Não consigo me mexer. A única coisa que consigo controlar são as minhas lágrimas. Fico estaticamente parado no meio daquela floresta, segurando aquele infinito isqueiro acesso. Escuto ventos a minha volta. As folhas agitadas. Os troncos das árvores são violentamente atacadas pelo forte vento.
Escuto alguma coisa... Uns sons se aproximando dos meus ouvidos. Escuto cochichos, mas não é somente um, eles aos poucos vão ganhando força, até se tornar vários...São vários. E ficam cada vez mais fortes, mais fortes, mais fortes e mais fortes. Eu não consigo me mexer.
A minha frente apareceu a mulher de vestido azul. Ainda de costas, agora aos poucos tirando seu vestido, ficando assim seminua. Aquele vento, aquelas vozes abafaram um pouco. E automaticamente o meu corpo sozinho anda até a moça. E quanto mais me aproximo dela, mais a floresta vai ganhando forma e ficando igual ao meu quarto de quando era adolescente.
A moça está em pé, ricamente de frente para parede, e escuto cliques. Olho para trás, e me vejo adolescente de frente ao computador. Me aproximo da minha versão mais jovem, e observo que estou vendo pornogr#fia...
Porque estou aqui?
- Para ver a sua dor - Responde a mulher do vestido azul, que pela minha surpresa, ler os meus pensamentos.
Eu noto que na parede, vai se formando umas palavras..
"Você se esqueceu de onde vem sua dor. O seu trauma o guardou, mas sua alma grita por dentro"
3. O CONTO ESTÁ CHEGANDO AO FIM, E ELE TERÁ DIÁLOGOS PERTURBADORES QUE PODEM CAUSAR GATILHOS. SE VOCÊ NÃO SE SENTE BEM NO MOMENTO, PODE PARAR A HISTÓRIA POR AQUI SEM PROBLEMAS, DESDE JA MUITO OBRIGADO PELA LEITURA. CASO QUEIRA CONTINUAR, VAMOS SEGUINDO E MUITO OBRIGADO POR LER ATÉ AQUI.
Minha mãe era a melhor pessoa da minha vida. Eu me lembro da minha infância. Meu pai se tornou um homem ausente, bêbado e vivia traindo ela. Até que um dia, ela arrumou minhas coisas e fomos embora... Desde então, eu nunca mais vi o meu pai.
Ali parado no meu quarto, eu tive essas lembranças, ainda estou bizarramente em pé e parado. Sinto meu corpo andando até a porta. A mulher de azul desapareceu de repente. Abro a porta e me vejo na minha versão adolescente no computador de novo. Eu termino o que estava fazendo, desligo o Pc e vou para cama.
- Eu estou muito viciado nisso, eu não consigo parar, não consigo parar, meu Deus, eu não aguento mais por#ografia. Eu não consigo parar, eu não consigo parar, eu não consigo parar. Quando foi que comecei a ficar assim? - Eu vejo todo esse drama, e até que acho normal para idade, os hormônios estão a flor da pele. Mas estranhamente não me lembro desse drama todo que eu passava.
Sigo andando e abro outra porta. Agora estou em um parque. Estou conversando com uma garota. Dessa vez já estou um pouco mais velho, devo ter uns vinte anos nessa lembrança que estou visitando.
- Eu... Eu gosto de você - Eu me vejo dizendo para essa garota, e eu estava muito nervoso nesse dia. E vou dizer, é um dos piores dias.
- Sinto muito Rony... Eu não sinto o mesmo - A garota é a Vanessa, ela é linda, pele macia, cabelos azuis, toda diferentona. Era a minha melhor amiga, depois disso, a nossa relação se esfriou.
A dor que sentir foi horrível. Mas estranhamente, não me lembrava disso.
Abro uma outra porta a frente. Agora estou com a minha mãe. Estávamos na mesa tomando café, e a vejo fazendo careta para mim.
- Olha a careta que a mãe sabe fazer - E ela faz uma cara engraçada, e eu, ainda criança, me acabo de rir com as bobagens dela. Estou começando a me lembrar, nessa época só éramos nos dois. Eu e ela contra o mundo.
Minha mãe é uma bela mulher. Ela sempre usava vestido azul, cor favorito dela. Cabelos loiros, olhos verdes, rosto jovial. Todo homem a deseja. Porém, nunca mais a vi com um. Mas sempre soube que ela saia com algum.
Eu vejo nós dois na mesa, rindo, conversando. Pior que, não consigo escutar nada do que estamos falando. Ela me fazia me sentir seguro. Amado...
Entro numa outra porta, eu vejo minha mãe pintando a casa de vermelho. Ela é muito boa nisso. E me vejo pintando a parede também. E de repente começamos a jogar tinta um no outro, a rir, ela me dar cosquinha na barriga e me racho de dar gargalhada. E a vejo colocando e tirando a mão rapidamente da minha sorte íntima. Ela sempre fez isso quando brincava comigo... Como não me lembrava disso? Como criança, relevava. Éramos só nós dois. Abro outra porta.
Agora estou no quarto dela, está chovendo tanto, e é chuva de trovão. Eu entro no quarto e fico no cama dela morrendo de medo.
- Filho, não precisa sentir medo. - Sua doce voz me acalmava. Vejo tudo aquilo, e fico com essa dúvida com essas lembranças... O que elas querem me mostrar que ainda não vi? O que está acontecendo?
- Odeio esses trovões, não gosto de escuro.
- Rony, você sabe o que vejo quando olho para você?
- Não faço a mínima ideia. - Ela rir com a minha resposta
- Não, não, eu vejo você um homem corajoso, cheio de sonhos, com uma bela esposa, filhos e talvez um cachorro. Eu não vejo você com medo de trovões e de escuro. Vejo você um corajoso - E eu fiquei sem o que falar dizer. Ela olha pra ele com um olhar cheio de amor. Mas com uma profundidade que chega dar arrepios. Seus olhos ficam fixos nele.
Ela movimenta aos mãos novamente naquelas partes....
- Você já é um homenzinho, posso ver você sem roupa? - O que? Não... Eu estou lembrando... Eu fecho os olhos, meu Deus... Meu Deus... Não, não, não, não, não..... Escuto cochichos no meu ouvido novamente e vão ficando cada vez mais alto, mais alto e mais alto.
Que dor, eu sei onde está a minha dor. Eu não consigo parar de chorar, não consigo ver essa cena. Eu corro para outra porta. E estou de volta na cela.
Eu não consigo, não posso... Meu Deus, eu lembrei de tudo daquele dia, como esqueci? Que horrível... A dor é dilacerante em minha alma. Eu caio no chão gelado da cela chorando. Que filha da pu#a, desgraçada, acabou comigo, eu não consigo mais, não consigo, não vou suportar... Aquela noite tudo mudou na minha vida... Depois tudo passou a ser comum aquilo, até ela cometer sui#ídio... Não consigo parar de chorar...
4
- Posso me sentar? - Pergunto, entrando na sala
- Olá, claro que pode Rony - É o meu psicólogo. O que ele tem me ajudado tanto. Com tanta paciência, eu tenho entendido muita coisa. Ele é alto, negro, usa óculos, careca e tem uma presença forte, acolhedora.
- Como está a vida na clínica? - Pergunta ele, com sorriso no rosto.
- Está indo bem, depois de cinco anos, poderei recomeçar minha vida. Sairei semana que vem.
- Rony, que notícia boa!
- Sim... Estou com pouco de medo, e se eu não conseguir conviver, viver... Eu não sei...
- Eu estarei aqui para ajuda -lo. Você não teve culpa de nada que houve com contigo, lembra-se das nossas sessões. Tivemos árduo processo, e agora é a nova etapa da sua vida.
- Sim... Obrigado doutor, sem você... E sem a clínica me ajudando também.
- Apenas fazendo meu trabalho - Ele sorriu - Rony, você quer falar alguma coisa?
- Acho que sim... Apenas, obrigado por ouvir minha história, sou um personagem, mas há pessoas que passaram pela mesma situação que eu. Só quero dizer que, essas pessoas não tem culpa pelo que houve com elas. Se eu pudesse, abraçava cada criança, adolescente, jovem, adulto, que passou por isso... E dizer que são muito amados... - Minhas lágrimas dançam no meu rosto, e dessa vez, pela primeira vez, me sinto curado dessa dor.
FIM
**Mesmo quando a tempestade bater a porta, saiba que você tem para onde correr nos Braços Daquele que te criou, o Eu Sou. Você é amado e nada define você, a sua dor não te define.
Para casos de crise, ligue para 188 ou acesse cvv
Abuso sexual é crime, denuncie**.
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