Espelhos Paralelos
— Você é um vacilão mano — Disse meu irmão Saymon, que está na beliche na parte de cima, ele ri debochando da minha cara.
— Se toca, aquela mina nem gosta de você — Retruco chutando a parte de cima da cama.
— Cara você vacilou demais, ela tava na sua, e você fica nesse "mi mi mi, mi mi mi" ah cara, a vida é curta demais — Ele continuando rindo e sendo sarcástico, mas entendo, eu realmente vacilei.
— Cara, se eu fosse descolado igual a você hoje não seria mais bv com certeza — Digo até um pouco acanhado, Saymon realmente é bom com as garotas.
— Pô é fácil, só chegar e beijar mano.
— Pra você né meu filho, porque só consigo beijar o rosto. Porque tinha que ser tímido? — Poxa fiquei até chateado agora — Sério repito, você é descolado e tem uma lábia muito boa.
— Sou nada cara, é a igreja que atrasa você sabia? Se não fosse tão focado, seria menos careta, eu larguei de mão esse negócio ai — O tom de voz dele me deu uma incomodada, mas entendo, geralmente não gosto de ficar falando da minha crença, não gosto de incomodar elas, há pessoas que não gosta, mas o meu irmão enche o saco. Ele ia comigo para igreja, mas ele saiu, porém, ele é de certa forma misterioso, sempre percebi uma aura de tristeza nele, mas pode ser apenas uma impressão.
Meu irmão tem vinte e quatro anos, eu tenho dezoito. Sempre a vida pra mim foi um tanto mais fácil, pro meu irmão, as coisas geralmente tendem a dar errado. Meu relacionamento com ele é muito bom, gosto de bater papo com ele, de conversar. Um cara alto, magro, olhos puxados igual o meu. Minha família veio da china, minha mãe faleceu após descobrir um câncer, agora vive só eu, meu irmão e meu pai. É simples e é isso.
— Gosto da igreja, me ajuda, mas pelo menos quando eu conhecer uma garota não será igual as suas né Say. — Não escuto nada vindo dele, até que escuto baixos roncos. Valeu Saymon, me deixou falando sozinho aqui seu mané. Me perdi no que ele falou que fiquei refletindo aqui sozinho, que aproveitou e dormiu? Valeu valeu, tá certinho meu irmão, certinho.
Mas ele tá certo, vacilo com as garotas, eu sou péssimo com elas. Sou um cara tímido, sou bem diferente dele. Um dia cheguei em casa e a porta aqui do nosso quarto tava trancado, e só ouvia gemidos, sim, o desgraçado transou com uma mina na minha cama, peguei um ódio tão grande dele que forcei ele a dar o colchão dele pra mim e ele ficar com o meu. Nunca mais ele fez isso, mas ele afirmou, que não foi a primeira vez. Ai que fiquei com não raiva e nojo ainda, só de lembrar da calafrios, agora tô ficando com raiva dele de novo. Eu mesmo já sou todo virgem, o máximo que tive com uma garota foi um beijo no rosto e um abraço, nada além disso. Mas enfim né, vida que segue.
……
Após uma noite de sono, em uma manhã fria, escuto gritos. Aqui é uma casa pequena, meu pai tem um emprego que paga pouco. Olho para o teto do meu quarto, e pingos de água caem sobre o chão, faz dias que tá assim, precisa consertar isso. Escuto mais gritos vindo da cozinha. Me levanto da cama ainda sonolento, abro a porta, é o meu pai e meu irmão brigando, até sei o assunto, de tanto que falam disso.
— Pai você não entende, não tem emprego, eu procuro pai, juro — Say tenta fazer meu pai entender. O meu pai é um homem quase de idade, tem seus cinquenta anos, arrisco dizer que tem cinquenta e sete. Ele sempre pressionou o Say.
— Você é um vagabundo, vive transando e nunca procura um emprego, seu desgraçado, olha para o seu irmão, mais novo que você e já está no segundo emprego, tá crescendo na vida e você aí fracassando. Vou te dizer uma coisa, vou te dar uma semana, se não achar, vai embora daqui! — Ele bate na mesa irritado, fico encostado na parede, eu odeio quando ele me compara com o meu irmão. Saymon olha de relance para mim, vejo em seus olhos que ele se sente encurralado.
— Pai, não me compara com Saymon, realmente ao tá fácil achar emprego — Tento contornar a situação, apaziguar o clima, meu pai olha pra mim, e sinto uma reposta na ponta de sua língua.
— Difícil nada, ele tá de sacanagem comigo esse moleque. Eu não quero vagabundo morando e comendo na minha casa.
— Vagabundo? É assim que me ver? Hein? Assim? Olha aqui seu velho, eu vou arrumar emprego, e vou me mandar daqui, seu desgraçado. Sua vida é tão fracassada quanto a minha, desde quando a mamã… — Antes do meu irmão completar o que ia dizer, meu pai rapidamente foi pra cima dele e socou com força o rosto do Saymon, que cai no chão, em lágrimas. Vou pra cima dele separando ele do meu irmão. Say fica com as mãos do rosto. Se levanta e sai da casa chorando e chutando a porta. Agora fica só eu e o meu pai, me levanto. Olho pro meu pai, que notou a minha reprovação, e saio da casa atrás do Saymon. Droga, não acho ele, Say simplesmente sumiu.
— SAYMOON
Nada, nada, nada, nada.…. Acho que ele precisa de um tempo sozinho. Preciso voltar pra casa, me arrumar para ir no meu trabalho, a noite o clima estará mais tranquilo.
……
Não consegui trabalhar direito hoje, fiquei o dia todo pensando no Saymon. Sair de casa que nem olhei na cara do meu pai, o deixei sozinho na cozinha. Sei que mais tarde ele foi trabalhar, Saymon fica o dia todo em casa. A minha casa tem um grande quintal apesar de ser uma lugar pequeno. Abro o portão e as luzes estão acesas, a porta está aberta, eu entro em casa, e escuto alguém chorando copiosamente, e vinha do meu quarto. Quando entro no quarto, vejo a cena, aquela cena... Aquela cena... Dou um passo pra trás, encosto na parede com as mãos na minha boca, escorro pela parede, fico sentado.… Agora sou eu que choro, eu que choro lágrimas copiosamente.
10 Anos Depois
Aqui no carro em uma longa estrada, estou voltando para minha cidade natal, uma cidade onde aconteceu aquilo. Tanta coisa houve nesses dez anos. Depois daquele dia que voltei ao trabalho e vi aquele quarto, aquela cena... Quando lembro, tudo fica cinza, escuro, foi tão forte... Tudo mudou, desenvolvi depressão e a minha vida nunca mais foi a mesma… Agora tô aqui escutando a mesma música por horas da banda Spookyghostboy, ela se chama "If i Say" a melodia dessa música me faz ter ideias para o meu novo livro, sim, sou escritor agora, não sei porque me tornei escritor... Porque eu sou? Tenho dois livros publicados em uma editora, até que venderam bem, mas ainda sinto um vazio em mim, uma apatia, nada me alegra tanto mas também não sinto tristeza... Meu celular toca, desligo o celular, ele toca de novo e novamente desligo. Mais uma vez toca… Sem paciência atendo.
— Até que fim irmão — Disse Saymon, com tom de voz tão animado que me deu enjôo
— Oi Saymon — Respondi de qualquer jeito, desanimado, não estou com cabeça pra conversar, voltando pra cidade está me fazendo mal.
— Oh irmão, relaxa, você tá vindo, será bom pra você – Say falou com um jeito tão doce e animado, que por ali já me animei, mas mesmo assim, voltar é difícil.
— É o seguinte Phil, te chamei porque você precisa vir cara, faz anos que você foi embora, preciso ver você. Cê sabe, papai morreu uns três anos, só tem nós agora. — De voz tão animada aos poucos se tornou melancólica, ele não deixou transparecer isso na linha, mas conheço o Say, ele realmente sentiu algo em seu coração.
— Tá bom Saymon, vou desligar o celular aqui, estou chegando. Começou a chover muito agora, preciso tá de olho na estrada.
— Beleza irmão, se cuida, espero você aqui — Ele desligou. Agora é só eu, a chuva e a música instrumental da Agnes Obel tocando agora, parece ser "Roscian" a música da vez. Sim, minha playlist é um tanto dramática, mas gosto.
Olho para a janela do carro enquanto dirijo, vejo aquela chuva, as árvores na estrada, por um momento tudo ali está em câmera lenta. Porque estou indo pra cidade onde morava? Porque meu irmão me chamou? Porque? Torno a olhar para frente, a pista está bem escorregadia, de repente o carro perde o controle.… Caio numa ribanceira… bato o carro.… Tudo fica.…apagado...
………
Cheiro bom, de limpeza. Meus olhos se abrem aos poucos, uma moça de costas mexe com algumas coisas na mesa a frente. Parece ser uma enfermeira. Tento me levantar, ela logo percebe.
— Oi, está sentindo alguma dor? — Ela coloca as mãos na minha testa, e sai para chamar o médico.
Que merda aconteceu? Não lembro de nada. E um homem alto, negro, aparenta ter uns cinquenta anos, se aproxima de mim.
— Olá Phil, como esta se sentindo? — Sua voz alta é alta e grave, bem parecido com aqueles caras que são locutor algo assim.
— Acho que sim... — Estou é confuso, isso sim.
— Bom, vou explicar algumas coisas. Você sofreu um acidente há dois dias, um caminhoneiro que estava a trabalho acabou vendo o seu carro, ele desceu e te viu, se não fosse ele, você estaria morto com certeza. Você tem alguém que possa vir te buscar?
— Tem o meu irmão — Ainda estou confuso, mesmo ele explicando... Que doideira
– Certo, vamos entrar em contato com ele, você se lembra do número dele?
— Sim, mas não de côr. Preciso... Do meu celular…
— Descanse Phil, depois resolveremos isso ok? Você acabou de acordar, e fui errado já em perguntar do número, não quero estressar você ok? Fique bem, descanse, depois retorno... – Ele sorrir e se retira da sala, a enfermeira vai junto, e me encontro sozinho naquela sala de hospital.
Horas se passaram, tentei entrar em contato com meu irmão, mas ele disse que não conseguiria me encontrar no hospital. Tudo bem, entendo, ele tem coisa pra caramba. Recebi alta dias depois e me hospedei em um hotel na cidadezinha, sim, a minha cidadezinha. Onde tudo aquilo aconteceu, a cidade se chama 'Nova Esperança' olha, preciso de uma "Nova Esperança" mesmo, e que péssimo trocadilho.
Agora, depois de dias praticamente sozinho, me encontro aqui no hotel, com uma vista interessante para a praça. Um monte de crianças brincando, como queria ser pai, sim, queria, hoje em dia já não sonho tanto assim. Claro, se aparecer uma garota, poxa, tenho vinte e sete anos, mas sei lá, não estou na vibe entende? Me sento na cama. Nada pra fazer. Saio do quarto afim de explorar o local, desço as escadas até o refeitório, e por incrível que pareça, aqui tem, e é gostoso aqui, é um lugar bom de se ficar. As pessoas são muito bem receptivos, e o moço que fica no balcão atendendo, esqueci o nome da profissão, me conhece desde quando era um garoto. Me tratou muito bem e com alegria quando apareci aqui.
Estou no refeitório, tem um casal na mesa conversando, o homem olha pra mim e balança a cabeça, como se estivesse dando bom dia, há três mesas vazias, e tem um homem no canto vendo tv e tomando café. Me sento na mesa também, pego o cardápio, e vejo o que tem de interessante. Nesse tempo todo apenas comi e vi tv. Pretendo visitar uns lugares hoje, antes de ir na minha antiga casa ver o meu irmão que não vejo a anos. Assim que ele chegar em casa, ele vai me ligar, provavelmente dizer que chegou ao trabalho e que é pra eu ver ele. Olha, eu poderia ir lá agora, mas não tenho coragem, preciso dele por perto.
Após o café, fui dar um passeio na praça, me sento no banco e contemplo aquele lugar. As crianças, as pessoas conversando, outras namorando. Nessa época as árvores revelam a sua mais profunda beleza, as flores vermelhas sobre elas, dão um ar artístico para essa praça. A frente, vejo uma antiga igreja que ia quando era jovem. Curioso, saio do banco e caminho até ela, duas crianças passam correndo para perto de mim quase se esbarrando em mim. Mas ignoro e continuo seguindo. Entro na igreja, que por incrível que pareça está aberta, deve ser porque que terá tempo de oração daqui a pouco. Entro e vejo um homem sentado lá na frente... Caramba... É o pastor Marques, ele ainda prega nessa igreja, faz tanto tempo. Ele percebe a minha presença, e fica com uma expressão alegre ao me ver.
— Phil, oh Phil, como é bom ver você — O entusiasmo em sua voz me fez sentir importante, sério.
— Oi pastor, pensei que nem me reconheceria — Digo pouco acanhado, faz tanto tempo que alguém não me recebe assim, e vejo verdade nele. Confesso que, vir aqui me fez bem, só de pisar.
— Vem, sente se, como está o jovem Phil? Vem visitar a cidade?
— Ah sim, sim, precisava visitar sabe. — O pastor sabe o que houve a dez anos atrás, não queria falar que iria visitar meu irmão, não sei, não me sinto a vontade.
— É bom visitar onde está criada a nossa raiz não é? Iai, o que tem feito esses dias, na vida, você está bem? — Ele está bem interessado em mim, na minha vida, que é difícil não falar. Não me lembro da última vez que alguém me pergunta se estou bem, desde aquele dia...
— Confesso que, acho que nunca alguém perguntou se estou bem, o que faço na vida, sabe, é até difícil falar — Dou uma risada tímida, e o olhar dele é muito acolhedor.
— Tem sido anos difíceis pastor, estou desempregado no momento, não conseguir me firmar em nenhum emprego após o que aconteceu. Você sabe né. Porém, me tornei escritor, publiquei dois livros, e tenho ganhado algo com isso. — Uma onda de nervosismo toma conta de mim, quero ir embora agora, mas tudo bem. Foi bom falar.
— Imagino o quanto foi difícil pra você meu filho, nem consigo em palavras dizer na verdade. O que aconteceu mexeu muito comigo, eu e a minha mulher não dormimos dias. Pensamos muito em você, mas quando fomos para sua casa você tinha ido embora.
— Sim... Mas, estou indo, por isso voltei, sinto que tenho coisas a resolver aqui. Pastor, posso vir aos cultos? — Que pergunta idiota.
— Oh meu filho claro, mas também não precisa vir para me agradar tá bom? Fique em paz quando não conseguir, mas adoraria vê você aqui.
Quando ele continuava falando, uma moça apareceu em cima do púlpito. Ela é loira, magra, tem olhos verdes, e ela está arrumando as coisas da banda.
— E acabou que se perdeu na beleza da minha filha né Phil, tira o olho rapaz — Ele falou comigo fazendo sinal com as mãos para chamar minha atenção e voltei a minha atenção para ele. Tomei um susto quando ele falou isso.
— Me-me desculpa, sério, desculpa — Estou em choque
— Fica em paz meu jovem, pra ser sincero, seria legal se você fosse meu genro — Rindo, ele voltou seus olhos para sua filha, é nítido o quanto ele a admira só pelo olhar.
— O nome dela é Marie, na época ela não morava comigo, foi adotada. Ele tem um passado difícil, acho que seria legal se você for conversar com ela, seria uma troca de experiência interessante. Minha filha sofreu muito.
— O que aconteceu? — Uma curiosidade surgiu na minha voz.
— Bom, pergunte a ela. Mas cuidado, se fizer algo errado o meu Deus vai jogar chuva de fogo a onde quer que você for — Ele olhou bem no fundo dos meus olhos e se retirou dando um sorriso. Então fiquei lá, sozinho observando a filha dele afinando o piano ou algo assim, mas está testando o instrumento. Me levanto e vou até ela.
— Você toca bem – Disse eu, elogiando - a.
— Ah, obrigada. Conheceu o meu pai?
— Já conhecia. Linda música.
— Eu amo essa música, você sabe tocar? Tem jeito que sabe. — Sua voz doce brinca comigo, certo, eu tô sem jeito, minhas mãos tão tremendo.
— Pior que sei um pouco, mas, faz tempo que não pratico. – Certo, tô tímido
— Relaxa, quero ouvir você — Percebo curiosidade nela.
— Mas, eu não sei tocar... Música cristã — Disse um tanto nervoso, ela sorrir.
— Não tem problema, venha, sente se aqui.
Eu ando até o púlpito, e caminho em direção ao piano, me sento, e ela fica ali me olhando. Penso em uma música, e tem uma que está na minha cabeça faz dias, é da banda Foals.
— Qual você vai tocar ? — Pergunta ela
— I'm Done With The World, da banda Foals — Respondo
Toco a primeira nota, e assim outra e mais outra. Caraca, realmente não desaprendi a tocar piano, e a melodia da música surge enquanto junto as notas, e me preparo para começar a cantar…
— "The fox is dead in the garden
The hedges are on fire in the country lanes
And all I wanna do is get out of the rain
An autumn day, an autumn day
My daughter's asleep in the garden
The leaves are on fire in the country lanes
And all I wanna do is get out in the rain
An autumn day, an autumn day
I'm done with the world
And it's done with me
All I wanna do is get up and leave
Sun falls into the garden
I'm on my knees "
E continuo tocando a última parte da música, a melodia, aquela atmosfera, eu já não estou mais aqui, eu esqueci quem está no meu lado. Tudo se torna tão… pessoal e profundo... Precisava disso... E encerro a música, tocando a última nota. Seu pai está sentado na cadeira me olhando e bate palmas, e Marie está de boca aberta.
— Música linda e intensa, amei a sua interpretação dela. — Marie está de boa aberta, ela bate algumas palmas pra mim, isso me deixa mega queimando por dentro
— Phil, você me impressionou. Não costumamos tocar música assim aqui, mas nossa, amei ver você tocando e cantando, encantado — Disse o pastor, realmente impressionado, da pra ver na expressão dele
— Obrigado gente, preciso melhorar, desculpa se extrapolei, iria tocar pouco mas, como a música é curta então... — Pastor Marques me interrompeu, me acalmando
— Ei, calma, fique em paz, relaxa, só estamos nós e Deus, e creio que Deus amou ok?
Balancei que sim com a cabeça. Meu celular toca, me retiro dando sinal para Marie e o Marques. É o meu irmão, eu atendo imediatamente indo para porta da igreja.
— Oi — Ninguém responde
— Irmão …. — A voz do Say está abafada
— Saymon? Você tá bem? Não consigo te ouvir.
Me levanto e saio da igreja, me encontro lá fora
— Irmão, irmão, presta atenção irmão.
— O que foi Saymon?
— Irmão, irmão….Eu estou morto. — Sua voz está fria, minha mente é sugada por algumas lembranças...
Meu coração palpitou forte, muito forte. A minha respiração está ofegante. Uma pressão no meu coração. Não consigo ficar de pé. Não consigo ouvir ninguém. Olho para o meu celular, ele desligou. Procuro conversas e o número dele. Não tem nada do Saymon, não existe nenhuma ligação, conversa, não existe nada dele, tudo está em branco. O que está acontecendo? Tenho leves lembranças. Eu entro em casa, escuto choros, e vejo meu pai.… Mas não lembro de nada … o que está acontecendo? Saymon … Saymon … Irmão…
...
Não, não, não. Não, não, não. Saymon, Saymon, Saymon ….
De repente, tudo fica vazio em minha volta. Não há ninguém no parque, ninguém, apenas as árvores, bancos vazios e papéis e folhas voando sobre a praça. E começa a nevar muito forte. E o que era dia, agora se tornou noite.
Olho em volta, e vejo um homem sentado numa cadeira. Ele se parece comigo, eu ando até ele e de repente uma fumaça branca se forma na frente dele. É uma mulher, elegante, ela usa óculos. Ambos não estão me vendo ou sentindo minha presença. Me aproximo um pouco mais. Agora tenho certeza que aquele homem sou eu mesmo. Escuto a conversa.
— Aquele dia ele me ligava. Ligava e ligava... Mas não atendia porque eu estava trabalhando muito, e não atendi ele... — Aquele meu outro se derrama em lágrimas, enquanto a moça, que parece ser psicóloga, observa ele
— A culpa não é sua Phil... — Ele nega com a cabeça, invalidando o que ela disse.
— Se eu atendesse.… Se eu atendesse….
Ele não consegue falar mais, mas chora copiosamente. E naquele momento, a psicóloga desaparece e fica apenas o meu outro eu ali. Sentado, chorando... Sozinho. E eu escuto passos atrás de mim.
— Vamos agora ver as coisas através do olhar do Saymon — Disse uma voz misteriosa. Não tenho reação alguma a não ser aceitar isso que ele disse.
……
Sou levado para o meu quarto. Saymon está sentado na cama, escrevendo alguma coisa no caderno. Ele não me ver. Naquele momento um sentimento de saudade, de dor, bateu em mim. E vejo o que ele está escrevendo, é um poema.
"Águas que batem na calçada
Raízes que encobrem o medo
Sentimentos que vem e vão
E ficam
A dor que remate o meu ego
A angústia que sufoca o meu coração
Sumir seria solução?
Até quando viver assim então?"
Uau, eu sabia que o meu irmão escrevia, mas não coisas assim. Isso pra mim é novidade. Ele deixa seu caderno na sua cama, se deita e fica olhando para o teto. E percebo uma sombra entrando por baixo da porta do quarto. A sombra devagar vai até o meu irmão, e começa e encobri-lo aos poucos. Eu tento me mexer, fazer alguma coisa. Mas nada, não consigo dizer nada, falar, gritar, nada. Apenas observar.… A sombra toma por completo o meu irmão enquanto ele está deitado olhando para o teto, e vejo lágrimas saindo de seus olhos.
O cenário se desfaz. As paredes viram poeira, os móveis, tudo vira poeira, menos o meu irmão e sua cama. E toda a minha volta vira espelhos. E vejo vários Saymons. Chorando, rindo, se divertindo, zuando comigo, são vários flashbacks da vida dele. Mas no meio de todos aqueles espelhos, há um que é brilhante, que chama atenção das demais. Nesse espelho vejo meu irmão, completamente triste. Numa expressão pesada, como nunca vi antes na minha vida quando ele estava vivo. Como nunca percebi isso antes?
Me aproxima do espelho, com lágrimas rolando sobre meus olhos. Chego perto e coloco meus dedos. Saymon está sentado em algum lugar, escrevendo algo… Mas dessa vez não consigo ler ou ver o que é. Até que... Todos os espelhos se quebram. E escuto muitas vozes.
— Seu imprestável — Uma voz áspera, grave, se dirige ao meu irmão.
— Seu irmão é mais esperto que você — Segunda voz acusando novamente.
— Você é um fracassado — Terceira voz acusadora, e todas elas passam por mim como uma faca em meu pescoço.
— Olha pro seu irmão, olha pra ele, dezessete anos e já está no seu segundo emprego, e você nenhum. — Voz 4
— Voce não tem futuro! Fracassado — Voz 5
— Imagina você envelhecer sem conseguir emprego? Seu irmão não vai tá perto de você sempre não, ele vai casar você ficará sozinho — Voz 6
— Morra Saymon, vai...MORRA — Essa voz.… Pai.…
Tudo ficou escuro, vazio em volta. No fundo vejo meu irmão, e ele corre. Vou atrás dele.
— SAYMON! — O chamo.
Continuo correndo e correndo. Mas ele some... De novo... Vejo linhas vermelhas criando um caminho para mim, acompanho com os olhos e ela vai até uma casa. A minha antiga casa.
— Tá na hora de enfrentar o seu maior trauma Phil... — Essa voz, de novo. Não consigo identificar ela...
Ando sobre as linhas, e enquanto ando, vejo lembranças da minha infância com Saymon. É como se fosse um holograma de nós mesmos ali. Há uma luz azul em volta da gente. Na primeira lembrança Saymon e eu estávamos brincando de espadas. Fiquei ali parado. Muita risada ali envolvida, creio que tínhamos uns oito ou nove anos, no máximo ele tinha dez anos ali. Andei mais um pouco, vejo outra lembrança. Agora quase na fase adolescente. Saymon me mostra uma revista playboy, joga a revista na cara dele, e ele fica no sofá dando risada. Fico bem envergonho. Nesse dia o nosso pai pediu pizza, ele era bem legal com Saymon. Aqui, meu irmão tinha uns quatorze anos.
Caminhando entre as linhas, que formavam desenhos no chão, percebo mais uma lembrança. Estamos andando de bicicleta juntos. Meu Deus, que saudade do meu irmão. Esse dia foi tão bom...
Na frente tem mais duas lembranças, mas estão com uma energia vermelha, vou ver a penúltima lembrança.
— Phil, você agora tem dezoito anos, já é um homem e pode se virar sozinho. Eu não consigo mais ficar aqui nessa casa. Sinto muito — Me esqueci disso.… Meu pai simplesmente pegou suas coisas e foi embora, me deixou na casa sozinho, um ano depois da morte do meu irmão… Fiquei simplesmente sozinho.… Por anos... Depois me mudei, foi nessa época que o pastor tentou me procurar mas sumir... Desde então, só ficou eu... Só eu... Porque não atendi quando meu irmão me ligou? Porque meu pai me abandonou? Porque Saymon fez isso? Porque a minha mãe não está aqui? Porque estou sozinho?
Eu caio de joelhos, começo a chorar. Eu comecei a ser escritor por causa do Saymon, achei anotações dele. Ele queria escrever um conto chamado "Espelhos Paralelos" e a capa do conto tem o nosso pai sentado na mesa comendo algo. Agora lembrei porque sou escritor, de alguma forma eu mantinha ele por perto. Eu deixava ele vivo.…
— Ainda falta a última lembrança — Disse a voz misteriosa, colocando a mão sobre o meu ombro esquerdo no meio daquela escuridão, e só a luz da lembrança que ilumina o cenário. Na frente tem a minha casa, estou muito próximo a ela. E a luz da última lembrança está dentro da casa.
A mão me levanta e ando para dentro da casa. Eu subo as escadas, escutando choro, um ranger de dentes. Um choro alto, que rasga a garganta. Subo as escadas. Ando em direção ao meu quarto. Vejo alguém pendurado pela corda pelo pescoço. É o Saymon. Meu pai segura o corpo dele chorando copiosamente. Não sei o que sentir, pensar... Não tenho reação…. Eu vejo meu outro eu ali caindo em lágrimas.... Tudo fica em câmera lenta.… Somente em câmera lenta ….. E tudo agora fica um grande borrão.… Eu... Lembrei de tudo.… Não consigo enxergar nada... Tudo fica em branco.
Acordo numa plataforma de estação de trem. Me sinto confuso, anestesiado de alguma forma... Como se todo peso estivesse indo embora… Ando na estação um pouco, dando uns passos… o nome da estação onde estou se chama Inverno.… Com destino.… Primavera.
..
Parado naquela estação estranha. Nunca sentir tanto frio na minha vida, neve caindo no céu escuro e se repousando sobre a trilha do trem. Que estação é essa? Estação Inverno? Que merda é essa? Não conseguir achar saída daqui, então o jeito é esperar esse bendito trem. Até que noto baratas no chão, mas não uma, mas várias delas. Acompanho com os olhos de onde elas estão vindo e lá no fundo da plataforma noto uma figura coberta de baratas andando em minha direção. Dou passos para trás, e essa coisa fica cada vez mais perto de mim. As baratas saem de seu rosto, se revelando ser um homem. Ele é branco, cabelo liso jogado pro lado, uma expressão séria e ao mesmo tempo debochada, é difícil explicar, mas há algo de sarcasmo por trás dessa expressão séria. Meu corpo fica tremendo, suando frio.
— As baratas vão em ambiente onde há sujeira sabia disso? — Disse a figura, enquanto pega um cigarro, acende e começar a usar — Esperando o trem?
— Nem sei o que eu estou esperando… Aliás, quem é você? — Pergunto olhando nos olhos dele, com coração acelerado, só quero sair daqui
— Não importa no momento. Na verdade vim aqui apenas entregar isso — Ele retira algo no seu corpo de baratas. É uma arma. Ele anda para perto de mim e a entrega. Fico segurando esse arma. Meu corpo, meu corpo está tremendo muito. Uma sensação estranha, uma força além de mim.
— Você quer saber quem eu sou? — Ele pergunta nos meus ouvidos — Eu sou o Manipulador, agora quero que pegue essa arma, coloque devagar na sua cabeça, e atire.
De repente meu corpo obedece a ordem dele, meu braço automaticamente se levanta e leva a colocar a arma na minha cabeça.
— PARA DE FICAR SE TREMENDO TODO! — De repente ele grita, e o meu corpo para de tremer do nada
— Obrigado. Estou aqui para ajudar, não condenar. Não há porque ter medo, você viveu tanta coisa. Sozinho por tanto tempo, não tem amigos, nem namorada... Aliás, a querida Marie não vai gostar de você. Você é asiático, feio... Não tem emprego e vive a vida a custa da culpa pelo seu irmão. Sabe, olhando para você Phil, concluo que não vale a pena mais viver mesmo. No fundo você quer dormir e não acordar mais … hein — Ele da uns tapinhas no meu rosto, ainda permaneço parado, imóvel, com lágrimas nos olhos — Agora você tem a sua oportunidade, aperta o gatilho garoto e tudo ficará bem... APERTA O GATILHO CARALHO.
Eu aperto. Meu corpo cai bruscamente no chão...
……..
Na plataforma, o Manipulador ver o corpo do Phil jogado. Ele começa a rir, como se aquilo fosse muito engraçado. Ele sente tremores, é o trem, sua expressão muda e uma ponta de preocupação surge sobre sua face.
— Merda...
De repente, um ser aparece na plataforma. Suas asas são enormes. Em volta do seu corpo brilhava, uma luz, branca. O ser usa armadura vermelha, tem cabelos pretos e arrepiados.
— Ah Miguel... Vem … — Arcanjo Miguel usa seu poder de super velocidade, soca o Manipulador e o manda para muito longe. Sem deixar ele falar mais uma palavra
– Não tenho paciência pra conversa... — Ele diz, o Arcanjo olha para o corpo de Phil, e lágrimas escorrem sobre o seu rosto.
— Ainda não é seu tempo garoto. — Ele retira a bala da arma da cabeça do Phil, tampa o buraco na sua cabeça. O trem chegou. Ele o pegou pelos braços e colocou no banco do trem e se retirou. Miguel olha para o céu e voa numa velocidade absurda...
…….
Acordo no susto e com muita tosse. O que aconteceu? Como vir parar aqui no trem? Quê? Já está em movimento? Meu Deus aquele cara de baratas.
— Relaxa está tudo resolvido — Disse uma voz, doce e amável, olho para trás e não consigo ver o rosto da pessoa, ela brilha muito, apenas consigo ver as vestes.
— Quem é você??? O que aconteceu? — Estou muito confuso, não estou entendendo mais nada.
— Philip ... Fica em paz meu jovem — Ele sorri, enquanto ler um jornal. Porque não consigo ver o rosto dele? Noto que a sua mão tem um furo...
— Você.… É?…. — Pergunto curioso
— Sim Eu sou. — Responde ele
— Você é?
— Eu sou...
— Meu Deus...
— Quê que tem eu?
— Não, só expressão.
— Achei que tava falando comigo — Ele ri, isso é uma loucura
— É uma loucura mesmo — Confirma ele.
— Você, você leu meu pensamento?
— Claro, você até disse agora a pouco "Confirma ele"
— Meu Deus…. Desculpa é força do hábito! — Ele dar risada
— Phil você é muito engraçado, saudade das nossas conversas...
— Já conversamos antes? — Espera outra pergunta idiota, eu era cristão antes — Nossa... Você me ouvia mesmo né…
— Filho, mesmo que você tenha se afastado, nunca deixei você… — Me sinto tão seguro perto dEle
— Tanta coisa aconteceu…. Minha mãe faleceu... Meu irmão se matou e o meu pai me abandonou no pior momento da minha vida.
— Você não faz ideia o quanto isso quebrou o meu coração Phil — Ele deixa o jornal de lado, não consigo olhar pro rosto, mas, sinto sua voz trêmula, como se fosse chorar junto comigo agora.
— Porque? Porque não podia ser um adolescente e jovem com uma família normal? Ninguém sobrou, apenas eu... Se eu atendesse aquela ligação, Say estaria vivo.
— A culpa não é sua Phil... E nem a do Saymon…
— Mas Senhor eu...
— Você viveu tanto tempo com essa culpa… Se perdoe, você merece viver sua vida não acha? Faz isso pela sua mãe, seu irmão e até pelo seu pai…
— Meu pai? Ele foi o maior causador de tudo isso. Um covarde, meu irmão se matou por causa dele...
— Phil, o que aconteceu foi terrível, mas o perdão é necessário.
— Eu não consigo... Me desculpa..
— Não tem problema, claro que você não consegue, vamos trabalhar isso juntos aos poucos está bem?
Tenho um futuro incrível guardado para você, mas o passado o consumiu, e vi o quanto foi difícil para você. Você ficou muito tempo achando que estava sozinho, mas nunca esteve... Mesmo não sentindo minha presença, sempre estive com você, e sempre estarei.
— Está falando com você assim é muito doido...
— Vi que precisava. Você é muito amado Phil...
Quando ele disse isso, algo entrou no meu coração, algo foi tirado aqui dentro.
— Para onde está indo esse trem?
— Estação Primavera. Não sei se reparou mas, o trilho desse trem representa toda a linhagem da sua vida, a próxima estação será a próxima etapa para você — Quando olhei a janela do trem, no lado de fora vi vários espelhos com lembranças da minha infância, adolescência e juventude... Coisas boas e ruins.… O mais doido ainda, é que Ele estava lá o tempo todo. Em todos os espelhos que vejo, Ele está perto de mim...
— Chegamos Phil... Foi boa essa conversa com você… Vou está sempre contigo viu, amo você meu filho, que saudade eu estava — Quando olho para trás para vê-lo. Ele some. Agora só está eu no vagão do trem. Saio e me vejo na plataforma. A estação é linda, ela é viva. No lado direito lá na parede vejo um portal. Acho que vou finalmente pra casa e ir pro meu mundo, loucura demais na minha mente né… Me aproximo dela, coloco as mãos, e tudo apaga…
Oito Meses Depois
— Pronto, acho que terminei o meu livro amor, será um livro diferente, fala de mim, da minha vida mas de formas diferentes. – Eu disse, falando com a Marie. Sim, já estamos namorando faz cinco meses, e tem sido meses mais incríveis da minha vida.
— Olha particularmente amei isso – A voz dela vem da cozinha.. Ela apareceu na porta do quarto.
— Iai, vai publicar? — Perguntou ela
– Medo das pessoas acharem que sou um fanático, ou da história não ser interessante. Sabe, aquele medo de escritor mesmo — Desabafei
— Sim mas, é a sua história não é? Pessoas gostando ou não, você contou uma história, você não diz sempre isso? Que não importa a maneira como a história é contada, o importante é levar...
— Uma mensagem — Interrompi ela, continuando a frase — É eu sei, enfim, se eu pudesse revelar que o meu irmão estava morto no episódio três mesmo, acho que teria mais mistério. Agora não tem mais jeito, algumas pessoas já leram, vou deixar assim mesmo. Usei muita metáfora para tapar o que realmente aconteceu após cair em si que o meu irmão realmente morreu. Porque, nem tudo está no conto.
— Amor, fique em paz, eu amei sua história. Vou te dar um beijo pra ficar tranquilo — Ela vem e me beija, como a Marie me faz bem.
— Iai, vai escrever a minha história também? — Disse ela, sorrindo.
— Agora vou poder.
— Qual nome será?
— "O Quarto de Marie"
— Hmm amei o título, tô ansiosa pra ler ! Agora vou pra casa, só vim ver como tá as coisas aqui na sua casa e ver se tá comendo direitinho, passa lá na casa do meu irmão depois, estarei lá tá bom?
— Beleza, vou lá... — Ela se retira, e fico sozinho no quarto olhando aquele livro ali, já terminado.
— Obrigado Deus... Ainda não tá fácil, mas estou muito feliz agora, acho que essa história pode ajudar vidas, enfim... Apenas obrigado... — Fico mais um tempo ali, me levanto e saio do meu quarto, e torno a olhar para ele de novo. Aquele quarto é um pouco parecido no meu quando o Saymon morreu, as lembranças não me machucam mais, porém, me sinto mais forte para continuar. E sobre o meu pai, nesses oito meses tentei procurar por ele, mas sem sucesso... Ele realmente desapareceu na face da Terra... Mas eu o perdoei.
FIM
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